PERTINÊNCIA E URGÊNCIA DA LÍNGUA DE SINAIS (L1) E DO PORTUGUÊS (L2/LE) NO CURRÍCULO DOS ALUNOS SURDOS EM MOÇAMBIQUE

Autores

  • Názia Anita Bavo Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação-Universidade do Porto https://orcid.org/0000-0002-9057-9575
  • Orquídea Coelho Centro de Investigação e Intervenção Educativas, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto, Rua Alfredo Allen, 4200-135 Porto, Portugal. https://orcid.org/0000-0001-7819-7956

DOI:

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2019v17i3p909-932

Palavras-chave:

Currículo escolar e alunos surdos, Língua de Sinais de Moçambique (L1), Justiça Curricular e Social.

Resumo

Este artigo constitui parte de uma investigação doutoral, focada num estudo realizado numa escola regular inclusiva de Maputo, incidindo sobre a língua de ensino e de comunicação professor/aluno surdo. Apesar da Lei Constitucional (2004) reconhecer que o ensino de surdos deve realizar-se através da Língua de Sinais Moçambicana (LSM), essa premissa não vigora, pois o currículo dos alunos surdos, não contempla a LSM como língua de instrução, nem como língua primeira (L1), não prevendo também o ensino do português como segunda língua (L2) e/ou Língua Estrangeira (LE). Numa abordagem qualitativa, de análise documental de normativos legais e de análise de conteúdo de entrevistas realizadas com professores, analisámos o currículo proposto e os modos como é aplicado, constatando que a língua que medeia o espaço educacional é o Português, como língua hegemónica, de ensino e de comunicação. Os resultados evidenciam também que a LSM é uma língua de uso restrito e esporádico dos alunos surdos na sala de aula, o que coloca em causa o cumprimento e o respeito dos seus direitos linguísticos e conduz a práticas pedagógicas segregadoras, discriminação e exclusão nos ambientes educativos. Os professores destacam não terem formação adequada para trabalhar com alunos surdos e referem recorrer a gestos não estandardizados e à escrita no quadro como forma de tentar contornar algumas dificuldades. Numa lógica de articulação de Currículo e Justiça Curricular, concluímos, alertando para a pertinência e a urgência da regulamentação da LSM (L1) e do português (L2/LE) no currículo escolar dos alunos surdos em Moçambique.

Biografia do Autor

Názia Anita Bavo, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação-Universidade do Porto

Master in Portuguese Language and Culture - Faculty of Arts  - University of Lisbon
Portuguese Teacher at Faculty of Arts and Social Sciences - Eduardo Mondlane University
PhD student (Educational Sciences) - Faculty of Psychology and Educational Sciences – University of Porto

Orquídea Coelho, Centro de Investigação e Intervenção Educativas, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto, Rua Alfredo Allen, 4200-135 Porto, Portugal.

Doutorado em Ciências da Educação pela Universidade do Porto (2007) . Atualmente é Professora Auxiliar da Universidade do Porto. Tem experiência na área de Educação.

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Publicado

2019-09-28

Edição

Seção

Dossiê Temático: Em busca da justiça curricular: as possibilidades do currículo escolar na construção da justiça social