Paulistano e Corinthians: Conflitos e negociações na Liga Paulista de
Futebol em 1913.
Prof.Dr.Alfredo Oscar Salun*
Resumo:
O presente artigo analisa a ascensão do
Corinthians ao campeonato oficial e o processo de cisão na Liga Paulista de
Futebol liderado pelo Paulistano em 1913, onde discutimos como a historiografia
e os jornais de época, retrataram esse episódio.
Abstract:
The present article analyses the conflicts and negotiations in the
Paulista League Football in 1913, involving two clubs, CA Paulistano and SC
Corinthians. Also discussed how the historiography and the newspapers portrayed
this episode.
De
acordo com a versão oficializadora, Charles Miller introduziu o futebol no País
em 1894, quando retornou dos estudos no Banister Court School e esse esporte
rapidamente se expandiu entre os diversos estratos sociais, foi praticado em
escolas como o Mackenzie College, Anglo-Brasileiro, Ginásio Nacional, São Bento
e o Vicente de Paula, entre funcionários de fábricas, ferrovias e comerciários.
Como
bem destacou Hilário Franco Junior (2007) o futebol, desde seus primórdios, se
apresentou como um fenômeno de identidade, uma vez que equipes como o São Paulo
Athletic e o Paulistano reuniam grupos sociais da elite. O primeiro, ligado a
imigrantes ingleses e o segundo, às famílias tradicionais paulistanas, ou o
Mackenzie, que aglutinava em suas fileiras os alunos da instituição. O mesmo se
aplicou aos clubes de colônia como Germânia, Lusitano, Portuguesa, Ruggerone,
Palestra Itália e Sírio ou ainda os clubes ligados ás fábricas e empresas
ferroviárias.
Na
capital paulista foi organizado um torneio patrocinado pela Liga Paulista de
Futebol (LPF) fundada em 19 de dezembro de 1901, responsável pela realização do
primeiro campeonato paulista em 1902, vencido pelo São Paulo Atlhetic, que
junto com a Associação Atlética MacKenzie College, Sport Club Internacional,
Sport Club Germânia, Club Athlético Paulistano e Associação Atlhética das
Palmeiras formariam a nata do futebol paulista durante alguns anos.
Foram
os indivíduos ligados a esses clubes que formaram o núcleo de dirigentes da
LPF, muitos desses jovens eram oriundos de classes sociais abastadas, dessa
maneira, era natural que na LPF houvesse certo distanciamento entre os clubes
que participavam de seu campeonato daqueles que surgiram nos bairros operários,
que disputavam seus jogos na várzea e sonhavam participar dos jogos oficiais.
De acordo com determinada corrente historiográfica, essa separação foi
subvertida dez anos depois da fundação da LPF, quando outros grupos sociais
ascenderam à disputa dos campeonatos oficiais.
A
popularização do futebol, assim como a de outros esportes, como afirma Nicolau
Sevcenko, transformou radicalmente a relação do público com o espaço urbano,
desenvolvendo um novo conceito do corpo individual e social como máquinas:
O antigo hábito de repousar nos fins de
semana se tornou um despropósito ridículo. Todos para a rua. É lá que está a
ação. Não é que repousar não seja mais viável, é que se tornou uma
obsolescência, uma caduquice. Não é descansando que alguém se prepara para
semana vindoura, é recarregando as energias, tonificando os nervos, exercitando
os músculos estimulando os sentidos, excitando o espírito.(SEVCENKO, 2000,
p.33)
Os
jornais noticiavam o novo estilo de vida, urbano e moderno, com um dinamismo
diferente da pacata vida no interior. O público se reunia para aplaudir os
novos ídolos, que podia ser um mulato rico ou de origem humilde, um branco de
família tradicional ou filho de imigrante, ou mesmo um negro, que em breve
ocuparia amplo espaço na crônica esportiva. O entusiasmo popular como mecanismo
de motivação aos competidores no remo, ciclismo, boxe, automobilismo, natação
ou maratona, transformavam o público de mero expectador em um agente ativo da
própria ação.
Os
clubes acompanham essa transformação dos costumes, adquirindo patrimônio e
feições particulares. Invariavelmente, esse crescimento esteve ligado, nos anos
1920 e 1930, à consolidação do futebol como o esporte de massa. Dos clubes
tradicionais, somente o Paulistano conseguiu sobreviver como “time grande” até
o encerramento de suas atividades futebolísticas, na medida em que agremiações
“populares” como Corinthians e Palestra Itália, ocuparam posição de destaque no
cenário esportivo paulista sobrepujando em títulos e patrimônio os denominados
clubes de elite.
As
crônicas sobre a fundação do Corinthians dramatizaram uma experiência presente
no cotidiano de inúmeras equipes varzeanas criadas naquele período e refletem
também a trajetória de um clube que, com o passar dos anos, virou um fenômeno
que ultrapassou as barreiras do futebol e se transformou em um pólo de
identidade.
O
Corinthians Paulista conseguiu reunir, já nos primeiros anos de existência,
elementos de diversos grupos como italianos, espanhóis, árabes, portugueses e
alemães, que se uniram aos brasileiros em nome de uma paixão: o futebol.
De
acordo com Lourenço Diaféria (1992) a primeira diretoria eleita demonstra que
era um clube fundado por trabalhadores dos mais variados setores, como o
alfaiate Miguel Battaglia, Alexandre Magnani que tinha a profissão de cocheiro
e fundidor, como também os operários Joaquim Ambrósio, Carlos da Silva, Rafael
Perrone e Anselmo Correia.
Primeira Diretoria do
Corinthians:
Presidente - Miguel Bataglia
Vice-presidente - Alexandre
Magnani
Secretário – Salvador Lopomo
Tesoureiro – Jorge Campbell
Procurador – Felipe Valente
Cobrador – João Morino
João da Silva, Antonio Nunes e
Carlos Silva foram nomeados diretores especiais.
A
iniciação no campo esportivo ocorreu em 10 de setembro de 1910: Corinthians 0 X
União da Lapa 1. O alvi negro foi escalado com: Valente, Perrone e Atílio,
Lepre, Alfredo de Assis e Francisco Police; João da Silva, Jorge Campbell, Luiz
Fabi, César Nunes e Joaquim Ambrósio.
A
mesma equipe foi repetida nos dois jogos seguintes, contra o Estrela Polar e a
Associação Atlética da Lapa. Desse primeiro esquadrão, alguns atletas ocupavam
cargos de direção no clube, como Valente, Campbell, Nunes, Ambrósio e João da
Silva, e os outros eram associados, pois era uma agremiação criada para que
seus sócios pudessem praticar atividades esportivas, notadamente o futebol.
Miguel
Bataglia esteve à frente do Corinthians por pouquíssimo tempo e seu lugar foi
ocupado por Alexandre Magnani, que esteve na presidência por quatro anos. Foi
sucedido por Ricardo de Oliveira que enfrentou vários tipos de problemas:
alguns ligados à situação financeira, como também a crise iniciada por um dos
sócios fundadores, Anselmo Correia, que se considerava injustiçado por ter
perdido a posição de goleiro no segundo quadro para um sócio mais novo,
Sebastião Casado.
De
acordo com a ata de 11 de julho de 1913, o diretor de futebol Casimiro de
Abreu, contornou a situação, apaziguando os ânimos do sócio descontente.
Tendo entrado na qualidade de
sócio um goal keeper muito superior ao sr.Anselmo Correia, a comissão não tinha
hesitado na escolha e que tal medida tinha sido correta, porque tanto Anselmo
Correia quanto Sebastião Casado eram sócios com os mesmos direitos.
(Salun:2008)
Esse conflito
evidenciou a prerrogativa que os associados tinham de discutir sua escalação no
time, fato importante o suficiente para ser detalhado nas atas. Isso se deveu
aos estatutos do clube, pois dentre os direitos dos jogadores no artigo 18º,
estavam previstos:
1- Os jogadores do primeiro
e segundo quadro, bem como seus reservas são isentos de qualquer contribuição,
quando considerados efetivos nesses quadros, pelos diretores de esporte.
a) Os jogadores que sem
motivo justificado, faltarem aos treinos ou aos matches ficarão sujeitos às
penas que serão impostas pela Diretoria....
b)Jogador algum, poderá
comprometer-se para jogar em clube estranho, sem prévio consentimento da
Diretoria.
c)Os jogadores recorrerão a
Diretoria, todas as vezes que julgarem injustas as resoluções dos capitães e
diretores esportivos.[1]
O campeonato disputado na cidade de São Paulo de 1902 até 1912, foi patrocinado pela até então única entidade: a Liga Paulista de Futebol, mas a partir de 1913 até 1937, tivemos inúmeras crises entre os dirigentes, que resultou na criação de ligas rivais que patrocinavam seus próprios campeonatos.
O sucesso do alvinegro na várzea foi muito rápido e em 1913, ascendeu ao campeonato oficial (LPF), ao vencer em dois jogos eliminatórios no mês de março, outros postulantes: o Minas Geraes Football Club e o São Paulo do Bexiga. Esse torneio classificatório foi realizado no campo do Velódromo que, com o Parque Antártica e a Chácara Dulley, eram locais requintados onde se disputavam os jogos oficiais pela liga.
Alguns autores consideram que as partidas eliminatórias disputadas pelo Corinthians foi uma forma de tentar impedir o acesso de “operários” e clubes varzeanos na liga, mas esse procedimento já havia sido adotado em outras ocasiões anteriores, com a Atlética Palmeiras (contra o Internacional de Santos) e o Ypiranga (enfrentando o Savóia e o Vila Buarque).
O jornal O Imparcial não analisou com efusão o aumento do número de clubes participantes na LPF em 1913, apontava que o entusiasmo pelo futebol parecia minguar e considerava ser mais salutar para o desenvolvimento desse esporte, que os atletas corinthianos disputassem a competição pelas equipes tradicionais:
Embora se diga aos quatro
ventos, que o futebol vai tomando novo incremento, adquirindo a primazia dos
esportes em São Paulo, para nós, afigura-se que nunca esteve tão
desanimado...Basta dizer que o veterano São Paulo Athletic se retirou da liga e
que o campeonato disputado de junho a dezembro sem o menor interesse...tudo isso
contribuiu para que o público se afastasse do Velódromo e que não se realizasse
os quatro “matchs” finais....apesar do Corinthians ser um team valoroso, seria
melhor distribuir seus jogadores entre os clubes...
O Imparcial (15.04.1913)
Nesse ano ocorreu a primeira grande cisão no futebol paulista, quando os clubes de elite (assim denominados pela historiografia), mas chamados pela imprensa da época de veteranos ou tradicionais, como o Paulistano, o Mackenzie e a Atlética Palmeiras, criaram a APSA (Associação Paulista de Sports Atléticos). Por trás dessa divisão, se identificaram dois motivos: o primeiro era sobre o local onde se disputavam as partidas oficiais. A LPF queria que os jogos ocorressem no Parque Antártica, os quais custavam 200 mil réis por mês, e o Paulistano pretendia que fossem realizados no Velódromo, ao custo de 200 mil réis por partida. (MAZZONI apud DIAFÉRIA, 1992, p.141) [2]
O segundo motivo é ligado à versão sobre o confronto entre a manutenção do futebol oficial como elitista em oposição a sua popularização, que não era aceito pelo Paulistano e o Mackenzie, já que recusavam a idéia da participação de clubes de várzea no campeonato oficial.
Esse ângulo foi abordado por Anatol Rosenfeld, para quem muitas das confusões da política de clubes e federações explicam-se por um tenaz conflito de classes:
Em 1913, o Clube Paulistano rompeu com a associação
existente e fundou uma nova, na aparência, por causa de um motivo
insignificante, mas na realidade porque queria fazer uma seleção rigorosa e
exigia que as equipes fossem integradas por jovens delicados e finos. (1993,
p.85)
Diversos cronistas e historiadores defendem essa tese ao apontar que a origem do primeiro rompimento no interior da LPF foi à filiação do Ypiranga Futebol Clube, uma equipe de origem varzeana. Teria sido diante desse fato que o São Paulo AC abandonou a prática do futebol por defender que a LPF devia abrigar somente distintos cavalheiros.
A tentativa da manutenção do caráter elitista do futebol disputado na liga oficial, serviu de referência para a análise de diversos estudos e esta diretamente ligada ao cronista Tomaz Mazzoni (1950) e Anatol Rosenfeld (1993), que por sua vez utilizaram algumas conclusões extraídas da obra de Antônio Figuereido (1918).
Em relação às agremiações tradicionais não pretendemos negar que alguns de seus componentes nutriam preconceito contra grupos e clubes populares. O escritor Antonio Figueredo comentou essa discussão na liga, pois alguns clubes já estavam utilizando atletas oriundos da várzea: “...Dessa forma apareceram no Velódromo da noite para o dia, inúmeros sportmen de outras plagas e outros costumes...os antigos fiéis aos velhos hábitos receberam com hostilidade os seus companheiros” (1918: 131).
Nos arquivos da FPF encontramos referência a diferentes teses:
Havia dois partidos entre seus dirigentes, um era
favorável à seleção rigorosa do clube e outro que defendia o direito de ricos e
pobres praticarem o futebol. Para fomentar o desentendimento entre a Liga e o
Paulistano, motivada por interesses econômicos....o Parque Antártica como campo
oficial, com o que não concordou o Paulistano que alegava o Velódromo como
local da partida Paulistano x Americano....chegando o dia do jogo, cada equipe
foi para um local....a Liga deu os pontos para o Americano e o Paulistano
inconformado, convidou a Atlética Palmeiras para fundação de uma nova entidade.
Sobre o Paulistano, diversos autores afiançaram que o pretexto principal para o seu rompimento com a LPF foi a inserção dos clubes populares, desconsiderando por completo seus interesses econômicos imediatos no aluguel do Velódromo. Também, não apontaram nenhuma documentação cartorial (regulamentos da liga\atas dos clubes) ou jornais de época, que faça menção exclusiva sobre essa hipótese, que consideramos como parte do processo de cisão.
Buscamos nos periódicos do período informações sobre esse episódio, visto que são fontes importantes para analisarmos esses primeiros passos do futebol, mesmo que representem as opiniões dos responsáveis pela publicação.
Neste contexto, fizemos um pequeno roteiro da crise a partir do material de época disponível, iniciando pelo O Diário Popular que informou sobre o segundo match do campeonato da LPF de 1913, entre os teams do Paulistano e Americano no Parque Antártica, considerados dois terríveis concorrentes A primeira rodada em 06 de abril, transcorreu normalmente com o embate entre o SC Internacional e Ypiranga:
FOOTBALL
No “ground” do Parque Antártica, haverá amanhan o
segundo “match” do campenato iniciado domingo passado com muita animação e
enthusiasmo.
Entram em campo amanhan os “teams” do Paulistano e
Americano dois terríveis concorrentes que anno passado tanto se salientaram.
A lucta, por isso, está despertando grande interesse por todos que apreciam o “football”. O Diário Popular (11.04.1913)
Na edição do mesmo jornal no dia 14 de abril: “deixou de se realizar o segundo match do campeonato, devido a uma desinteligência entre o C.A. Paulistano e a diretoria da liga paulistana, entendendo aquelle que o encontro deveria ser no Velódromo paulista”, confidenciou o jornal que uma assembléia da liga iria tratar do assunto.
O campeonato da
LPF continuou a ser disputado e encontramos talvez a primeira nota esportiva em
um jornal de grande circulação sobre a participação do Corinthians em uma
competição oficial: “No campo
da Antártica deve ser disputado amanhan um match de campeonato da liga paulista
entre os teams do S.C. Germânia e S.C. Corinthians”. Diário Popular
(19.04.1913)
Poucos dias depois, nova nota sobre a continuidade dos embates esportivos, com vários elogios aos contendores e simpatizantes desse esporte:
Está marcado para amanhan no Parque Antártica, um
“match” de campeonato, que deve despertar muito interesse nos entusiastas do
belo jogo, pelo grande valor dos “teams” que se encontram – Germânia e
Americano.
Jogo treino: A.A. das Palmeiras
1° x 2° “teams”.
Diário Popular (26.04.1913)
O jornal Diário Popular que havia publicado pequenas notas sobre o inicio do campeonato da LPF, pareceu animado em informar seus leitores sobe o início do campeonato rival promovido pela APSA, destacando a probabilidade de contar com um grande número de expectadores no encontro que se realizaria no Velódromo. Notemos que o citado jornal tinha grande parte de seu conteúdo formado por classificados sobre empregos, venda e aluguel de imóveis, propaganda comercial. Isso permite cogitar se essa notícia esportiva poderia ter sido uma nota paga, devido à concorrência entre as duas ligas ou que o futebol estava ganhando espaço em diversas empresas de comunicação.
A. P. dos sportes atlheticos no velódromo paulista, à
rua da Consolação, realiza-se hoje a primeira prova do campeonato de “football”
promovido pela A.P. Sportes atlheticos.
Entram em lucta, nessa prova o C.A Paulistano a a A.A.
do Makenzie college, ora desligados da liga paulista de “football”, a que
durante longos annos emprestaram o fulgor de seu brilhante concurso.
São os concorrentes do “match”desta tarde os “teams”
de simas tradições e que entre as rodas esportivas de São Paulo desfrutam das
melhores sympathias, impondo-se sempre pelo valor de seus elementos.
Cada qual possue seu público certo, numeroso e isso
constitui naturalmente uma garantia para que se revista do maior explendor do
“match” de hoje sendo o velódromo pequeno para conter a numerosa concorrência
que a elle, concerteza, afluirá:
Diário
Popular (13.05.1913)
Dias depois, encontramos outra nota esportiva sobre a
competição da APSA:
Associação Paulista dos Sportes Athleticos
Nas rodadas esportivas rúna nesses últimos dias um
grande interesse pela segunda prova do campeonato promovido este anno pela
associação paulista dos esportes athleticos.
Essa prova devera efectuar-se no próximo domingo,
deverão bater-se com o paulistano, no velódromo encontrando-se as valentes
equipes da A.A. das Palmeiras e do C.A. Paulistano.
Diário
Popular (27.05.1913)
Durante essa crise entre os dirigentes esportivos nos meses de abril e maio, quando ocorreu o rompimento e criação de uma nova entidade futebolística, encontramos o jornal O Imparcial, cujo cronista primeiramente teceu críticas ao que considerou um inchaço do campeonato promovido pela LPF e terminou o artigo ironizando o Paulistano e analisando com muito sarcasmo o momento dessa crise, destacando como ponto crucial a querela em torno do Velódromo em 1913, pois até essa data, o Paulistano não havia feito qualquer reclamação enquanto as partidas eliminatórias haviam se realizado no seu campo, mediante o aluguel do mesmo.
O Imparcial esportivo de São
Paulo – de nosso correspondente especial:
Não se realizou o match
sensacional marcado para hoje, entre as destemidas equipes do Paulistano e
Americano. Nem sequer o tempo, quis contribuir com uma desculpa, afastando a
multidão que se acotovelava nas arquibancadas do Parque Antártica, ansiosa para
assistir a pugna entre os valentes contendores...E para desagrado nosso,
somente a poderosa e déspota Ligth é que saiu lucrando...o Paulistano não
compareceu...nós já esperávamos esse tremendo fiasco. Confiávamos somente no cavalheirismo
do Paulistano. Perdemos por esperar. TODA
ESSA DISCÓRDIA FOI MOTIVADA PELA SOLUÇÃO DA LIGA, FAZENDO DO PARQUE ANTÁRTICA,
SEU CAMPO OFICIAL. SE É VERDADE QUE O PAULISTANO EXIGIU PELO VELÓDROMO 800$000
DE ALUGUEL E 200$000 DE CADA MATCH, ACHAMOS QUE OS CLUBES, ANDARAM
PERFEITAMENTE BEM, RECUSANDO O VELÓDROMO. E é coisa tão fácil de explicar,
resolver para desfazer mentiras e desmascarar mentirosos. EXIBIR OS DOCUMENTOS
DO PAULISTANO PARA A IMPRENSA E TUDO ESTARÁ ACABADO. [grifo nosso]
O que não se pode acontecer, são os clubes semearem anarquia logo no início da temporada. Isso só serve para desmoralizar o futebol e desmerecer o JÁ POUCO MÉRITO DA DIRETORIA ATUAL...No Parque Antártica, havia uma multidão de 3.000 pessoas, o que quer dizer UMA RECEITA MAGNÍFICA, ao passo que no Velódromo, nem um único penetra. O Imparcial (15.04.1913) [3]
Ao confrontar essa crítica com os anais do Paulistano, notamos que, apesar de ser denominado como clube de elite, desde 1910 vinha sofrendo uma crise financeira pela falta de associados, o que provavelmente tornava seu campo, o Velódromo, uma fonte de renda para manutenção do time. O número de sócios havia decrescido e os custos para a manutenção dos quadros esportivos estavam cada vez mais complicados:
Entre 1906 e 1908, relatos
dão conta de que o clube viveu modestamente....Em 1907, o aluguel do Velódromo
subira de 250 para 400 mil-réis. A manutenção e as reformas minaram as finanças
do clube. As dívidas cresceram e em 1910 o saldo do clube era de 927$400, pouco
mais de um décimo do que havia em caixa cinco anos antes....Havia um
desinteresse crescente e em 1915, contava com apenas 15 sócios[4].
Ignácio de Loyola Brandão, que escreveu a história do clube, continua o retrato desse período:
...na apatia, as mensalidades
do Paulistano foram deixando de ser pagas, sócios se afastaram...De tal modo,
que em 1915, o presidente José Carlos de Macedo Soares dirigia uma entidade que
tinha apenas quinze membros e não possuía sequer uma sede. Estava se não morta,
em coma profundo. (BRANDÃO, 1990, p.23)
Nessa mesma
linha, seguiu Antonio Figueredo que presenciou esse episódio de decadência:
Em 1915 estava na penumbra, com a venda do Velódromo o
Paulistano quase desapareceu, com muito esforço conseguia enviar um time
completo para disputar uma partida. A Associação marcava as datas em que ele
deveria apparecer. Mas e o Team? E os
seus jogadores? O que havia sido feito delles?Foi quando Antonio Prado Junior,
João de Barros, Fernão Salles e o capitain Carlito Aranha arregaçaram a mangas...
(FIGUEREDO, 1918, 27)
Esses dados propõem um diálogo com a versão sobre o posicionamento radical do Paulistano, um clube elitista que estava em decadência junto com o Mackenzie e Atlética Palmeiras. Possuía pouco mais de quinze sócios e nos campeonatos seguintes, utilizou campos de futebol emprestados para mando de jogo. É no mínimo irônico (mas não descabível) que uma agremiação, em situação de penúria, tenha se articulado para impedir o acesso dos clubes de várzea na liga oficial.
Mediante esses fatos, acreditamos que quando a direção da LPF se recusou a continuar utilizando o Velódromo como campo oficial em 1913, foi um duro golpe contra o clube, já que havia se tornado sua maior fonte de receita. Não por acaso, o Velódromo foi justamente o campo oficial da APSA até sua demolição. De acordo com Rubens Ribeiro (2005), a LPF e o Americano encabeçaram esse enfrentamento ao Paulistano, após um acordo com o clube Germânia, para o aluguel do seu estádio, o Parque Antártica, local onde se realizaram os jogos dessa liga.
Se observarmos as datas e o local das partidas eliminatórias do campeonato de 1913 envolvendo Corinthians, Minas Gerais e São Paulo do Bexiga (23 e 30 de março), perceberemos que foram disputadas no Velódromo e que até esse momento, o Paulistano não havia rompido com a liga, isso ocorreu após o inicio da competição, com a utilização de outro estádio (Parque Antártica em 06 de abril), diante disso é que o Paulistano não compareceu na sua partida de estréia (12 de abril).
O jogo estava marcado para o Parque Antártica, como indica o jornal O Diario Popular na sua edição do dia 11 de abril, o não comparecimento do Paulistano na partida, mandando sua equipe para o Velódromo, indica que o clube cindiu com a liga durante a realização da competição, visto que a promoção de um campeonato rival ocorreu somente no mês seguinte. Ainda se verificarmos as páginas do dia 26 de abril do Diário Popular, encontramos referência sobre “O jogo treino da A.A. das Palmeiras; 1° x 2° teams”, assim o segundo clube a prestar solidariedade ao Paulistano, o fez somente no decorrer da realização do campeonato da LPF e não no inicio das partidas classificatórias envolvendo os clubes varzeanos.
Não pretendemos eleger, qualquer uma das
versões, como “verdade absoluta”, porque em nosso trabalho elas não são
inconciliáveis, mas permitem compreender, por diversos ângulos, o
desenvolvimento do futebol paulista nessa época, marcada por tensões e
contradições (mas principalmente negociações) tanto no âmbito dos clubes
populares\elite, como na relação com as ligas e no interior de cada grupo, pois
nos quatro anos seguintes, a associação liderada pelo Paulistano abriu suas
portas aos clubes populares\bairro como Maranhão, Minas Gerais, Ypiranga,
Corinthians, Paysandu e Palestra.
Referências
BRANDÃO, Ignácio de Loyola. Clube Atlético Paulistano. São Paulo. Editora Melhoramentos. 1990.
CALDAS, Waldenir. O pontapé inicial-memória do futebol brasileiro. São Paulo. Editora Ibrasa. 1990.
DIAFÉRIA, Lourenço . Coração Corinthiano. São Paulo. Fundação Nestlé da Cultura. 1991.
FIGUEREDO, Antonio . História do Foot-Ball em São Paulo. São Paulo. Publicação Estado de São Paulo. 1918.
FRANCO Junior, Hilário . A Dança dos Deuses (futebol, sociedade e cultura). São Paulo. Editora Companhia das Letras. 2007.
HELEAL, Ronaldo . Passes e impasses: futebol e cultura no Brasil. Petrópolis. Editora Vozes. 1997.
MAZZONI, Thomaz . História do Futebol Brasileiro:1894-1950. São Paulo. Edições Leia. 1950.
MEIHY, José Carlos Sebe Bom e WITTER, José Sebastião. Futebol e cultura. Coletânea de estudos. São Paulo. IMESP/DESP. 1982.
MILLS, John R. Charles Miller-memoriam SPAC. Rio Janeiro. Fundação Biblioteca Nacional/Price Waterhouse. 1996.
RIBEIRO, Rubens . O caminho da bola 1902-1952. São Paulo. Editora Mauad. 2005.
ROSENFELD, Anatol . Negro, macumba e futebol. Campinas. Editora Perspectiva. 1993.
SALUN, Alfredo Oscar . Palestra Itália e Corinthians: quinta coluna ou tudo buona gente? Tese de Doutorado. FFLCH. São Paulo. Orientador: José Carlos Sebe Bom Meihy. 2008.
SEVCENKO, Nicolau . Orfeu Extático na Metrópole. São Paulo. Editora Companhia das Letras. 2000.
* Alfredo Oscar Salun, Doutor em História Social pela USP, mestre em História Social pela PUC-SP, professor da UniABC, autor do livro Zé Carioca vai à guerra (editora Pulsar), pesquisador do NEHO\USP e GERP\UniABC. Email aosalun@uol.com.br
[1]Estatutos do Sport Clube Corinthians Paulista de 1918, registrado por Gastão Vidigal no Registro Geral de Hipotecas (1ª Circunscrição-SP). Arquivo Família Cassano.
[2]Ocorreram várias crises anteriores na LPF, a Atlética Palmeiras e o Mackenzie estiveram afastados em vários campeonatos e o SPAC abandonou a prática do futebol de competição, devido ao profissionalismo marrom, por parte do Paulistano e Americano.
[3]Notemos que segundo O Diário Popular citado neste texto, houve um grande público no Velódromo, contradizendo a informação contida no O Imparcial, sugerindo que desde essa época, os conflitos entre clubes e ligas encontravam nos jornais aliados importantes e que travavam uma guerra de informações.
[4]Anais do Clube Atlético Paulistano.