Paulistano e Corinthians: Conflitos e negocia��es na Liga Paulista de Futebol em 1913.

Prof.Dr.Alfredo Oscar Salun*

Resumo:

O presente artigo analisa a ascens�o do Corinthians ao campeonato oficial e o processo de cis�o na Liga Paulista de Futebol liderado pelo Paulistano em 1913, onde discutimos como a historiografia e os jornais de �poca, retrataram esse epis�dio.

 

Abstract:

The present article analyses the conflicts and negotiations in the Paulista League Football in 1913, involving two clubs, CA Paulistano and SC Corinthians. Also discussed how the historiography and the newspapers portrayed this episode.

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De acordo com a vers�o oficializadora, Charles Miller introduziu o futebol no Pa�s em 1894, quando retornou dos estudos no Banister Court School e esse esporte rapidamente se expandiu entre os diversos estratos sociais, foi praticado em escolas como o Mackenzie College, Anglo-Brasileiro, Gin�sio Nacional, S�o Bento e o Vicente de Paula, entre funcion�rios de f�bricas, ferrovias e comerci�rios.

Como bem destacou Hil�rio Franco Junior (2007) o futebol, desde seus prim�rdios, se apresentou como um fen�meno de identidade, uma vez que equipes como o S�o Paulo Athletic e o Paulistano reuniam grupos sociais da elite. O primeiro, ligado a imigrantes ingleses e o segundo, �s fam�lias tradicionais paulistanas, ou o Mackenzie, que aglutinava em suas fileiras os alunos da institui��o. O mesmo se aplicou aos clubes de col�nia como Germ�nia, Lusitano, Portuguesa, Ruggerone, Palestra It�lia e S�rio ou ainda os clubes ligados �s f�bricas e empresas ferrovi�rias.

Na capital paulista foi organizado um torneio patrocinado pela Liga Paulista de Futebol (LPF) fundada em 19 de dezembro de 1901, respons�vel pela realiza��o do primeiro campeonato paulista em 1902, vencido pelo S�o Paulo Atlhetic, que junto com a Associa��o Atl�tica MacKenzie College, Sport Club Internacional, Sport Club Germ�nia, Club Athl�tico Paulistano e Associa��o Atlh�tica das Palmeiras formariam a nata do futebol paulista durante alguns anos.

Foram os indiv�duos ligados a esses clubes que formaram o n�cleo de dirigentes da LPF, muitos desses jovens eram oriundos de classes sociais abastadas, dessa maneira, era natural que na LPF houvesse certo distanciamento entre os clubes que participavam de seu campeonato daqueles que surgiram nos bairros oper�rios, que disputavam seus jogos na v�rzea e sonhavam participar dos jogos oficiais. De acordo com determinada corrente historiogr�fica, essa separa��o foi subvertida dez anos depois da funda��o da LPF, quando outros grupos sociais ascenderam � disputa dos campeonatos oficiais.

A populariza��o do futebol, assim como a de outros esportes, como afirma Nicolau Sevcenko, transformou radicalmente a rela��o do p�blico com o espa�o urbano, desenvolvendo um novo conceito do corpo individual e social como m�quinas:

O antigo h�bito de repousar nos fins de semana se tornou um desprop�sito rid�culo. Todos para a rua. � l� que est� a a��o. N�o � que repousar n�o seja mais vi�vel, � que se tornou uma obsolesc�ncia, uma caduquice. N�o � descansando que algu�m se prepara para semana vindoura, � recarregando as energias, tonificando os nervos, exercitando os m�sculos estimulando os sentidos, excitando o esp�rito.(SEVCENKO, 2000, p.33)

 

Os jornais noticiavam o novo estilo de vida, urbano e moderno, com um dinamismo diferente da pacata vida no interior. O p�blico se reunia para aplaudir os novos �dolos, que podia ser um mulato rico ou de origem humilde, um branco de fam�lia tradicional ou filho de imigrante, ou mesmo um negro, que em breve ocuparia amplo espa�o na cr�nica esportiva. O entusiasmo popular como mecanismo de motiva��o aos competidores no remo, ciclismo, boxe, automobilismo, nata��o ou maratona, transformavam o p�blico de mero expectador em um agente ativo da pr�pria a��o.

Os clubes acompanham essa transforma��o dos costumes, adquirindo patrim�nio e fei��es particulares. Invariavelmente, esse crescimento esteve ligado, nos anos 1920 e 1930, � consolida��o do futebol como o esporte de massa. Dos clubes tradicionais, somente o Paulistano conseguiu sobreviver como �time grande� at� o encerramento de suas atividades futebol�sticas, na medida em que agremia��es �populares� como Corinthians e Palestra It�lia, ocuparam posi��o de destaque no cen�rio esportivo paulista sobrepujando em t�tulos e patrim�nio os denominados clubes de elite.

As cr�nicas sobre a funda��o do Corinthians dramatizaram uma experi�ncia presente no cotidiano de in�meras equipes varzeanas criadas naquele per�odo e refletem tamb�m a trajet�ria de um clube que, com o passar dos anos, virou um fen�meno que ultrapassou as barreiras do futebol e se transformou em um p�lo de identidade.

O Corinthians Paulista conseguiu reunir, j� nos primeiros anos de exist�ncia, elementos de diversos grupos como italianos, espanh�is, �rabes, portugueses e alem�es, que se uniram aos brasileiros em nome de uma paix�o: o futebol.

De acordo com Louren�o Diaf�ria (1992) a primeira diretoria eleita demonstra que era um clube fundado por trabalhadores dos mais variados setores, como o alfaiate Miguel Battaglia, Alexandre Magnani que tinha a profiss�o de cocheiro e fundidor, como tamb�m os oper�rios Joaquim Ambr�sio, Carlos da Silva, Rafael Perrone e Anselmo Correia.

 

Primeira Diretoria do Corinthians:

Presidente - Miguel Bataglia

Vice-presidente - Alexandre Magnani

Secret�rio � Salvador Lopomo

Tesoureiro � Jorge Campbell

Procurador � Felipe Valente

Cobrador � Jo�o Morino

Jo�o da Silva, Antonio Nunes e Carlos Silva foram nomeados diretores especiais.

 

A inicia��o no campo esportivo ocorreu em 10 de setembro de 1910: Corinthians 0 X Uni�o da Lapa 1. O alvi negro foi escalado com: Valente, Perrone e At�lio, Lepre, Alfredo de Assis e Francisco Police; Jo�o da Silva, Jorge Campbell, Luiz Fabi, C�sar Nunes e Joaquim Ambr�sio.

A mesma equipe foi repetida nos dois jogos seguintes, contra o Estrela Polar e a Associa��o Atl�tica da Lapa. Desse primeiro esquadr�o, alguns atletas ocupavam cargos de dire��o no clube, como Valente, Campbell, Nunes, Ambr�sio e Jo�o da Silva, e os outros eram associados, pois era uma agremia��o criada para que seus s�cios pudessem praticar atividades esportivas, notadamente o futebol.

Miguel Bataglia esteve � frente do Corinthians por pouqu�ssimo tempo e seu lugar foi ocupado por Alexandre Magnani, que esteve na presid�ncia por quatro anos. Foi sucedido por Ricardo de Oliveira que enfrentou v�rios tipos de problemas: alguns ligados � situa��o financeira, como tamb�m a crise iniciada por um dos s�cios fundadores, Anselmo Correia, que se considerava injusti�ado por ter perdido a posi��o de goleiro no segundo quadro para um s�cio mais novo, Sebasti�o Casado.

De acordo com a ata de 11 de julho de 1913, o diretor de futebol Casimiro de Abreu, contornou a situa��o, apaziguando os �nimos do s�cio descontente.

Tendo entrado na qualidade de s�cio um goal keeper muito superior ao sr.Anselmo Correia, a comiss�o n�o tinha hesitado na escolha e que tal medida tinha sido correta, porque tanto Anselmo Correia quanto Sebasti�o Casado eram s�cios com os mesmos direitos. (Salun:2008)

 

Esse conflito evidenciou a prerrogativa que os associados tinham de discutir sua escala��o no time, fato importante o suficiente para ser detalhado nas atas. Isso se deveu aos estatutos do clube, pois dentre os direitos dos jogadores no artigo 18�, estavam previstos:

 

1- Os jogadores do primeiro e segundo quadro, bem como seus reservas s�o isentos de qualquer contribui��o, quando considerados efetivos nesses quadros, pelos diretores de esporte.

 

a) Os jogadores que sem motivo justificado, faltarem aos treinos ou aos matches ficar�o sujeitos �s penas que ser�o impostas pela Diretoria....

 

b)Jogador algum, poder� comprometer-se para jogar em clube estranho, sem pr�vio consentimento da Diretoria.

 

c)Os jogadores recorrer�o a Diretoria, todas as vezes que julgarem injustas as resolu��es dos capit�es e diretores esportivos.[1]

 

O campeonato disputado na cidade de S�o Paulo de 1902 at� 1912, foi patrocinado pela at� ent�o �nica entidade: a Liga Paulista de Futebol, mas a partir de 1913 at� 1937, tivemos in�meras crises entre os dirigentes, que resultou na cria��o de ligas rivais que patrocinavam seus pr�prios campeonatos.

O sucesso do alvinegro na v�rzea foi muito r�pido e em 1913, ascendeu ao campeonato oficial (LPF), ao vencer em dois jogos eliminat�rios no m�s de mar�o, outros postulantes: o Minas Geraes Football Club e o S�o Paulo do Bexiga. Esse torneio classificat�rio foi realizado no campo do Vel�dromo que, com o Parque Ant�rtica e a Ch�cara Dulley, eram locais requintados onde se disputavam os jogos oficiais pela liga.

Alguns autores consideram que as partidas eliminat�rias disputadas pelo Corinthians foi uma forma de tentar impedir o acesso de �oper�rios� e clubes varzeanos na liga, mas esse procedimento j� havia sido adotado em outras ocasi�es anteriores, com a Atl�tica Palmeiras (contra o Internacional de Santos) e o Ypiranga (enfrentando o Sav�ia e o Vila Buarque).

O jornal O Imparcial n�o analisou com efus�o o aumento do n�mero de clubes participantes na LPF em 1913, apontava que o entusiasmo pelo futebol parecia minguar e considerava ser mais salutar para o desenvolvimento desse esporte, que os atletas corinthianos disputassem a competi��o pelas equipes tradicionais:

Embora se diga aos quatro ventos, que o futebol vai tomando novo incremento, adquirindo a primazia dos esportes em S�o Paulo, para n�s, afigura-se que nunca esteve t�o desanimado...Basta dizer que o veterano S�o Paulo Athletic se retirou da liga e que o campeonato disputado de junho a dezembro sem o menor interesse...tudo isso contribuiu para que o p�blico se afastasse do Vel�dromo e que n�o se realizasse os quatro �matchs� finais....apesar do Corinthians ser um team valoroso, seria melhor distribuir seus jogadores entre os clubes...

O Imparcial (15.04.1913)

 

Nesse ano ocorreu a primeira grande cis�o no futebol paulista, quando os clubes de elite (assim denominados pela historiografia), mas chamados pela imprensa da �poca de veteranos ou tradicionais, como o Paulistano, o Mackenzie e a Atl�tica Palmeiras, criaram a APSA (Associa��o Paulista de Sports Atl�ticos). Por tr�s dessa divis�o, se identificaram dois motivos: o primeiro era sobre o local onde se disputavam as partidas oficiais. A LPF queria que os jogos ocorressem no Parque Ant�rtica, os quais custavam 200 mil r�is por m�s, e o Paulistano pretendia que fossem realizados no Vel�dromo, ao custo de 200 mil r�is por partida. (MAZZONI apud DIAF�RIA, 1992, p.141) [2]

O segundo motivo � ligado � vers�o sobre o confronto entre a manuten��o do futebol oficial como elitista em oposi��o a sua populariza��o, que n�o era aceito pelo Paulistano e o Mackenzie, j� que recusavam a id�ia da participa��o de clubes de v�rzea no campeonato oficial.

Esse �ngulo foi abordado por Anatol Rosenfeld, para quem muitas das confus�es da pol�tica de clubes e federa��es explicam-se por um tenaz conflito de classes:

 

Em 1913, o Clube Paulistano rompeu com a associa��o existente e fundou uma nova, na apar�ncia, por causa de um motivo insignificante, mas na realidade porque queria fazer uma sele��o rigorosa e exigia que as equipes fossem integradas por jovens delicados e finos. (1993, p.85)

 

Diversos cronistas e historiadores defendem essa tese ao apontar que a origem do primeiro rompimento no interior da LPF foi � filia��o do Ypiranga Futebol Clube, uma equipe de origem varzeana. Teria sido diante desse fato que o S�o Paulo AC abandonou a pr�tica do futebol por defender que a LPF devia abrigar somente distintos cavalheiros.

A tentativa da manuten��o do car�ter elitista do futebol disputado na liga oficial, serviu de refer�ncia para a an�lise de diversos estudos e esta diretamente ligada ao cronista Tomaz Mazzoni (1950) e Anatol Rosenfeld (1993), que por sua vez utilizaram algumas conclus�es extra�das da obra de Ant�nio Figuereido (1918).

Em rela��o �s agremia��es tradicionais n�o pretendemos negar que alguns de seus componentes nutriam preconceito contra grupos e clubes populares. O escritor Antonio Figueredo comentou essa discuss�o na liga, pois alguns clubes j� estavam utilizando atletas oriundos da v�rzea: �...Dessa forma apareceram no Vel�dromo da noite para o dia, in�meros sportmen de outras plagas e outros costumes...os antigos fi�is aos velhos h�bitos receberam com hostilidade os seus companheiros� (1918: 131).

Nos arquivos da FPF encontramos refer�ncia a diferentes teses:

Havia dois partidos entre seus dirigentes, um era favor�vel � sele��o rigorosa do clube e outro que defendia o direito de ricos e pobres praticarem o futebol. Para fomentar o desentendimento entre a Liga e o Paulistano, motivada por interesses econ�micos....o Parque Ant�rtica como campo oficial, com o que n�o concordou o Paulistano que alegava o Vel�dromo como local da partida Paulistano x Americano....chegando o dia do jogo, cada equipe foi para um local....a Liga deu os pontos para o Americano e o Paulistano inconformado, convidou a Atl�tica Palmeiras para funda��o de uma nova entidade.

 

Sobre o Paulistano, diversos autores afian�aram que o pretexto principal para o seu rompimento com a LPF foi a inser��o dos clubes populares, desconsiderando por completo seus interesses econ�micos imediatos no aluguel do Vel�dromo. Tamb�m, n�o apontaram nenhuma documenta��o cartorial (regulamentos da liga\atas dos clubes) ou jornais de �poca, que fa�a men��o exclusiva sobre essa hip�tese, que consideramos como parte do processo de cis�o.

Buscamos nos peri�dicos do per�odo informa��es sobre esse epis�dio, visto que s�o fontes importantes para analisarmos esses primeiros passos do futebol, mesmo que representem as opini�es dos respons�veis pela publica��o.

Neste contexto, fizemos um pequeno roteiro da crise a partir do material de �poca dispon�vel, iniciando pelo O Di�rio Popular que informou sobre o segundo match do campeonato da LPF de 1913, entre os teams do Paulistano e Americano no Parque Ant�rtica, considerados dois terr�veis concorrentes A primeira rodada em 06 de abril, transcorreu normalmente com o embate entre o SC Internacional e Ypiranga:

FOOTBALL

 

No �ground� do Parque Ant�rtica, haver� amanhan o segundo �match� do campenato iniciado domingo passado com muita anima��o e enthusiasmo.

Entram em campo amanhan os �teams� do Paulistano e Americano dois terr�veis concorrentes que anno passado tanto se salientaram.

A lucta, por isso, est� despertando grande interesse por todos que apreciam o �football�. O Di�rio Popular (11.04.1913)

 

 

Na edi��o do mesmo jornal no dia 14 de abril: �deixou de se realizar o segundo match do campeonato, devido a uma desintelig�ncia entre o C.A. Paulistano e a diretoria da liga paulistana, entendendo aquelle que o encontro deveria ser no Vel�dromo paulista�, confidenciou o jornal que uma assembl�ia da liga iria tratar do assunto.

O campeonato da LPF continuou a ser disputado e encontramos talvez a primeira nota esportiva em um jornal de grande circula��o sobre a participa��o do Corinthians em uma competi��o oficial: �No campo da Ant�rtica deve ser disputado amanhan um match de campeonato da liga paulista entre os teams do S.C. Germ�nia e S.C. Corinthians�. Di�rio Popular (19.04.1913)

Poucos dias depois, nova nota sobre a continuidade dos embates esportivos, com v�rios elogios aos contendores e simpatizantes desse esporte:

 

Est� marcado para amanhan no Parque Ant�rtica, um �match� de campeonato, que deve despertar muito interesse nos entusiastas do belo jogo, pelo grande valor dos �teams� que se encontram � Germ�nia e Americano.

Jogo treino: A.A. das Palmeiras

1� x 2� �teams�.

Di�rio Popular (26.04.1913)

 

O jornal Di�rio Popular que havia publicado pequenas notas sobre o inicio do campeonato da LPF, pareceu animado em informar seus leitores sobe o in�cio do campeonato rival promovido pela APSA, destacando a probabilidade de contar com um grande n�mero de expectadores no encontro que se realizaria no Vel�dromo. Notemos que o citado jornal tinha grande parte de seu conte�do formado por classificados sobre empregos, venda e aluguel de im�veis, propaganda comercial. Isso permite cogitar se essa not�cia esportiva poderia ter sido uma nota paga, devido � concorr�ncia entre as duas ligas ou que o futebol estava ganhando espa�o em diversas empresas de comunica��o.

 

A. P. dos sportes atlheticos no vel�dromo paulista, � rua da Consola��o, realiza-se hoje a primeira prova do campeonato de �football� promovido pela A.P. Sportes atlheticos.

Entram em lucta, nessa prova o C.A Paulistano a a A.A. do Makenzie college, ora desligados da liga paulista de �football�, a que durante longos annos emprestaram o fulgor de seu brilhante concurso.

S�o os concorrentes do �match�desta tarde os �teams� de simas tradi��es e que entre as rodas esportivas de S�o Paulo desfrutam das melhores sympathias, impondo-se sempre pelo valor de seus elementos.

Cada qual possue seu p�blico certo, numeroso e isso constitui naturalmente uma garantia para que se revista do maior explendor do �match� de hoje sendo o vel�dromo pequeno para conter a numerosa concorr�ncia que a elle, concerteza, afluir�:

Di�rio Popular (13.05.1913)

 

Dias depois, encontramos outra nota esportiva sobre a competi��o da APSA:

 

 

Associa��o Paulista dos Sportes Athleticos

 

Nas rodadas esportivas r�na nesses �ltimos dias um grande interesse pela segunda prova do campeonato promovido este anno pela associa��o paulista dos esportes athleticos.

Essa prova devera efectuar-se no pr�ximo domingo, dever�o bater-se com o paulistano, no vel�dromo encontrando-se as valentes equipes da A.A. das Palmeiras e do C.A. Paulistano.

Di�rio Popular (27.05.1913)

 

 

Durante essa crise entre os dirigentes esportivos nos meses de abril e maio, quando ocorreu o rompimento e cria��o de uma nova entidade futebol�stica, encontramos o jornal O Imparcial, cujo cronista primeiramente teceu cr�ticas ao que considerou um incha�o do campeonato promovido pela LPF e terminou o artigo ironizando o Paulistano e analisando com muito sarcasmo o momento dessa crise, destacando como ponto crucial a querela em torno do Vel�dromo em 1913, pois at� essa data, o Paulistano n�o havia feito qualquer reclama��o enquanto as partidas eliminat�rias haviam se realizado no seu campo, mediante o aluguel do mesmo.

 

O Imparcial esportivo de S�o Paulo � de nosso correspondente especial:

N�o se realizou o match sensacional marcado para hoje, entre as destemidas equipes do Paulistano e Americano. Nem sequer o tempo, quis contribuir com uma desculpa, afastando a multid�o que se acotovelava nas arquibancadas do Parque Ant�rtica, ansiosa para assistir a pugna entre os valentes contendores...E para desagrado nosso, somente a poderosa e d�spota Ligth � que saiu lucrando...o Paulistano n�o compareceu...n�s j� esper�vamos esse tremendo fiasco. Confi�vamos somente no cavalheirismo do Paulistano. Perdemos por esperar. TODA ESSA DISC�RDIA FOI MOTIVADA PELA SOLU��O DA LIGA, FAZENDO DO PARQUE ANT�RTICA, SEU CAMPO OFICIAL. SE � VERDADE QUE O PAULISTANO EXIGIU PELO VEL�DROMO 800$000 DE ALUGUEL E 200$000 DE CADA MATCH, ACHAMOS QUE OS CLUBES, ANDARAM PERFEITAMENTE BEM, RECUSANDO O VEL�DROMO. E � coisa t�o f�cil de explicar, resolver para desfazer mentiras e desmascarar mentirosos. EXIBIR OS DOCUMENTOS DO PAULISTANO PARA A IMPRENSA E TUDO ESTAR� ACABADO. [grifo nosso]

O que n�o se pode acontecer, s�o os clubes semearem anarquia logo no in�cio da temporada.Isso s� serve para desmoralizar o futebol e desmerecer o J� POUCO M�RITO DA DIRETORIA ATUAL...No Parque Ant�rtica, havia uma multid�o de 3.000 pessoas, o que quer dizer UMA RECEITA MAGN�FICA, ao passo que no Vel�dromo, nem um �nico penetra. O Imparcial (15.04.1913) [3]

 

Ao confrontar essa cr�tica com os anais do Paulistano, notamos que, apesar de ser denominado como clube de elite, desde 1910 vinha sofrendo uma crise financeira pela falta de associados, o que provavelmente tornava seu campo, o Vel�dromo, uma fonte de renda para manuten��o do time. O n�mero de s�cios havia decrescido e os custos para a manuten��o dos quadros esportivos estavam cada vez mais complicados:

 

Entre 1906 e 1908, relatos d�o conta de que o clube viveu modestamente....Em 1907, o aluguel do Vel�dromo subira de 250 para 400 mil-r�is. A manuten��o e as reformas minaram as finan�as do clube. As d�vidas cresceram e em 1910 o saldo do clube era de 927$400, pouco mais de um d�cimo do que havia em caixa cinco anos antes....Havia um desinteresse crescente e em 1915, contava com apenas 15 s�cios[4].

 

Ign�cio de Loyola Brand�o, que escreveu a hist�ria do clube, continua o retrato desse per�odo:

 

...na apatia, as mensalidades do Paulistano foram deixando de ser pagas, s�cios se afastaram...De tal modo, que em 1915, o presidente Jos� Carlos de Macedo Soares dirigia uma entidade que tinha apenas quinze membros e n�o possu�a sequer uma sede. Estava se n�o morta, em coma profundo.(BRAND�O, 1990, p.23)

 

Nessa mesma linha, seguiu Antonio Figueredo que presenciou esse epis�dio de decad�ncia:

Em 1915 estava na penumbra, com a venda do Vel�dromo o Paulistano quase desapareceu, com muito esfor�o conseguia enviar um time completo para disputar uma partida. A Associa��o marcava as datas em que ele deveria apparecer.Mas e o Team? E os seus jogadores? O que havia sido feito delles?Foi quando Antonio Prado Junior, Jo�o de Barros, Fern�o Salles e o capitain Carlito Aranha arrega�aram a mangas... (FIGUEREDO, 1918, 27)

 

Esses dados prop�em um di�logo com a vers�o sobre o posicionamento radical do Paulistano, um clube elitista que estava em decad�ncia junto com o Mackenzie e Atl�tica Palmeiras. Possu�a pouco mais de quinze s�cios e nos campeonatos seguintes, utilizou campos de futebol emprestados para mando de jogo. � no m�nimo ir�nico (mas n�o descab�vel) que uma agremia��o, em situa��o de pen�ria, tenha se articulado para impedir o acesso dos clubes de v�rzea na liga oficial.

Mediante esses fatos, acreditamos que quando a dire��o da LPF se recusou a continuar utilizando o Vel�dromo como campo oficial em 1913, foi um duro golpe contra o clube, j� que havia se tornado sua maior fonte de receita. N�o por acaso, o Vel�dromo foi justamente o campo oficial da APSA at� sua demoli��o. De acordo com Rubens Ribeiro (2005), a LPF e o Americano encabe�aram esse enfrentamento ao Paulistano, ap�s um acordo com o clube Germ�nia, para o aluguel do seu est�dio, o Parque Ant�rtica, local onde se realizaram os jogos dessa liga.

Se observarmos as datas e o local das partidas eliminat�rias do campeonato de 1913 envolvendo Corinthians, Minas Gerais e S�o Paulo do Bexiga (23 e 30 de mar�o), perceberemos que foram disputadas no Vel�dromo e que at� esse momento, o Paulistano n�o havia rompido com a liga, isso ocorreu ap�s o inicio da competi��o, com a utiliza��o de outro est�dio (Parque Ant�rtica em 06 de abril), diante disso � que o Paulistano n�o compareceu na sua partida de estr�ia (12 de abril).

O jogo estava marcado para o Parque Ant�rtica, como indica o jornal O Diario Popular na sua edi��o do dia 11 de abril, o n�o comparecimento do Paulistano na partida, mandando sua equipe para o Vel�dromo, indica que o clube cindiu com a liga durante a realiza��o da competi��o, visto que a promo��o de um campeonato rival ocorreu somente no m�s seguinte. Ainda se verificarmos as p�ginas do dia 26 de abril do Di�rio Popular, encontramos refer�ncia sobre �O jogo treino da A.A. das Palmeiras; 1� x 2� teams�, assim o segundo clube a prestar solidariedade ao Paulistano, o fez somente no decorrer da realiza��o do campeonato da LPF e n�o no inicio das partidas classificat�rias envolvendo os clubes varzeanos.

N�o pretendemos eleger, qualquer uma das vers�es, como �verdade absoluta�, porque em nosso trabalho elas n�o s�o inconcili�veis, mas permitem compreender, por diversos �ngulos, o desenvolvimento do futebol paulista nessa �poca, marcada por tens�es e contradi��es (mas principalmente negocia��es) tanto no �mbito dos clubes populares\elite, como na rela��o com as ligas e no interior de cada grupo, pois nos quatro anos seguintes, a associa��o liderada pelo Paulistano abriu suas portas aos clubes populares\bairro como Maranh�o, Minas Gerais, Ypiranga, Corinthians, Paysandu e Palestra.

 

Refer�ncias

BRAND�O, Ign�cio de Loyola. Clube Atl�tico Paulistano. S�o Paulo. Editora Melhoramentos. 1990.

CALDAS, Waldenir. O pontap� inicial-mem�ria do futebol brasileiro. S�o Paulo. Editora Ibrasa. 1990.

DIAF�RIA, Louren�o . Cora��o Corinthiano. S�o Paulo. Funda��o Nestl� da Cultura. 1991.

FIGUEREDO, Antonio . Hist�ria do Foot-Ball em S�o Paulo. S�o Paulo. Publica��o Estado de S�o Paulo. 1918.

FRANCO Junior, Hil�rio . A Dan�a dos Deuses (futebol, sociedade e cultura). S�o Paulo. Editora Companhia das Letras. 2007.

HELEAL, Ronaldo . Passes e impasses: futebol e cultura no Brasil. Petr�polis. Editora Vozes. 1997.

MAZZONI, Thomaz . Hist�ria do Futebol Brasileiro:1894-1950. S�o Paulo. Edi��es Leia. 1950.

MEIHY, Jos� Carlos Sebe Bom e WITTER, Jos� Sebasti�o. Futebol e cultura. Colet�nea de estudos. S�o Paulo. IMESP/DESP. 1982.

MILLS, John R. Charles Miller-memoriam SPAC. Rio Janeiro. Funda��o Biblioteca Nacional/Price Waterhouse. 1996.

RIBEIRO, Rubens . O caminho da bola 1902-1952. S�o Paulo. Editora Mauad. 2005.

ROSENFELD, Anatol . Negro, macumba e futebol. Campinas. Editora Perspectiva. 1993.

SALUN, Alfredo Oscar . Palestra It�lia e Corinthians: quinta coluna ou tudo buona gente? Tese de Doutorado. FFLCH. S�o Paulo. Orientador: Jos� Carlos Sebe Bom Meihy. 2008.

SEVCENKO, Nicolau . Orfeu Ext�tico na Metr�pole. S�o Paulo. Editora Companhia das Letras. 2000.



* Alfredo Oscar Salun, Doutor em Hist�ria Social pela USP, mestre em Hist�ria Social pela PUC-SP, professor da UniABC, autor do livro Z� Carioca vai � guerra (editora Pulsar), pesquisador do NEHO\USP e GERP\UniABC. Email aosalun@uol.com.br

[1]Estatutos do Sport Clube Corinthians Paulista de 1918, registrado por Gast�o Vidigal no Registro Geral de Hipotecas (1� Circunscri��o-SP). Arquivo Fam�lia Cassano.

[2]Ocorreram v�rias crises anteriores na LPF, a Atl�tica Palmeiras e o Mackenzie estiveram afastados em v�rios campeonatos e o SPAC abandonou a pr�tica do futebol de competi��o, devido ao profissionalismo marrom, por parte do Paulistano e Americano.

[3]Notemos que segundo O Di�rio Popular citado neste texto, houve um grande p�blico no Vel�dromo, contradizendo a informa��o contida no O Imparcial, sugerindo que desde essa �poca, os conflitos entre clubes e ligas encontravam nos jornais aliados importantes e que travavam uma guerra de informa��es.

[4]Anais do Clube Atl�tico Paulistano.