Entrevista com o Ator e blogueiro Leo Bassi (a Eduardo Viveiros, na noite de 14 de fevereiro de 2007, após uma apresentação de sua peça La Revelación, no Teatro Alfil, cidade de Madrid, Espanha)
Revista Aurora (RA): O senhor pode falar, em breves palavras, sobre sua trajetória como ator/artista de teatro?
Leo Bassi (LB): Minha família, na Itália, era de circo. Nasci em um circo. Vivi no circo com meus pais até os 25 anos. Sempre tive e terei um espírito de bufão, o espírito do teatro. Considero-me um bufão anarquista, multirracial. O mundo é o universo do ator, do bufão. E minha família e eu crescemos e vivemos sem Deus, só com o trabalho.
RA: O que o levou a construir seu personagem (o bufão)? Qual foi sua motivação?
LB: Foi algo que aconteceu naturalmente. Sem uma construção intelectual. Isso aconteceu fora do circo. Tenho curiosidade por conhecer todos os bufões, de todo o mundo. Inclusive na América Latina já estive nessa pesquisa. É algo universal. Luto para impor o bufão. O bufão se impõe ao poder.
RA: Um ator que se transforma em bufão segue sendo ator ou converte-se em um tipo de personagem fixo?
LB: O bufão não é um ator. Em certo sentido, é ele mesmo. Vive aventuras. Não é uma construção intelectual. Sempre foi e sempre será bufão.
RA: O senhor se considera livre para produzir seus textos e/ou produções?
LB: Sim. Nunca pedi uma subvenção, um patrocínio. Sou financiado pelo público. É um princípio que adotei. Com isso tenho mais público, mais credibilidade.
RA: O bufão lhe dá liberdade para aproximar-se de seu ideal de “verdade” como ator e agente político, ou na função de um ator que representasse papéis de teatro convencional o senhor já teria essa liberdade?
LB: O público gosta e quer ver a minha liberdade. Dentro e fora do teatro, como agente político, cultural. O meu público conhece minha vida e minha luta. Meu trabalho é uma constante performance contra os políticos.
RA: A que rei serve esse bufão?
LA: Os reis não aceitam os bufões. São poderes débeis, são reis débeis os que não aceitam a crítica.
RA: Na trajetória do teatro através dos tempos, como o senhor vê a aproximação ou o distanciamento do poder político? Quando o teatro está a serviço do poder, ainda é teatro?
LB: Há momentos onde o poder terreno e o religioso se confundem nessa trajetória. O teatro pode se transformar em uma liturgia do poder. É um tipo de teatro sem respeito. Não convence. Um criador não se entrega por dinheiro (e poder). Inventa seus mitos e vive por si mesmo.
RA: E quando o teatro é político algo se perde da arte teatral?
LB: Não. Depende de como o teatro é feito. A política pode inspirar a verdadeira arte. Agora, se não está no contexto artístico, é política só, não arte.
RA: Com as novas tecnologias da informação e comunicação, ainda crê que o teatro é uma forma de comunicação efetiva entre os homens e uma forma de transmitir idéias, valores e princípios como a democracia, a tolerância e a liberdade?
LB: O teatro se transforma o tempo todo. É um templo das relações humanas, um universo de relações. Nesse momento em que as tecnologias parecem dominar as mentes, o teatro será considerado um luxo. Deve-se pensar nisso: com o teatro se têm a presença e a sensualidade humana. Num mundo onde as comunicações são feitas à distância, por imagens ou textos em ambientes eletrônicos, teremos dificuldade para nos relacionar, falta a reação do outro, que o teatro propicia.
RA: O senhor crê que um político pode construir uma personagem, como faz o ator?
LB: Sim. Os políticos são todos atores. Contratam conselheiros de imagem, fazem cursos para melhor se expressar. São atores de televisão. Sem contato humano. Num curso de teatro, num grupo de teatro é diferente. Mas o político, hoje, é um ator de televisão.
RA: Se a política cada vez mais se transforma em jogo teatral, representação, cena, encenação, o senhor aceita a definição da mídia como palco preferencial da política?
LB: Não sei. Há seis anos decidi não usar a televisão, foi uma decisão estratégica. A mídia está mudando. A internet é uma boa estratégia. A importância da televisão, por exemplo, está diluindo-se. A consciência do povo sabe como funciona a TV. Logo...
RA: Por que escolheu a religião como tema de seu teatro, neste momento em especial?
LB: Em nível mais profundo é porque o poder dos EUA, do Império, mudou para um poder religioso. E a força da cultura dos EUA impõe padrões. A Ilustração está perdendo terreno e isso é perigoso para o mundo. Quero falar como um europeu da Ilustração. Não quero perder essa imagem e a cultura. Isso é um patrimônio da cultura européia.
RA: A exemplo de jornalistas e de políticos o senhor utiliza o blog como ferramenta de comunicação. Em que o blog lhe serve para seu trabalho como ator e sua atividade como artista crítico?
LB:Muito. O blog é um contato com o público que me vem ver no teatro. Trocamos impressões, críticas no blog após os espetáculos, até dias depois. Recebo muito retorno, comentários a meus textos políticos e estéticos. E mantenho, como blogger, o espírito do bufão. Entrei recentemente em uma polêmica com o jornal El Mundo, que publicou afirmações do senhor Gordon Thomas, acerca do atentado de 11 de março de 2004 na estação de Atocha, em Madrid. Esse senhor cita pessoas que não existem, inventa acusações. É assim (ver http://www.leobassi.com/archives/editorial/el_misterio_gordon_thomas.html). Pretendi levar para o blog o espírito do BassiBus . Estou começando, no blog, a levar esse espírito do BassiBus. E como ferramenta de pesquisa (investigación) é fantástico: peço e recebo informações de várias fontes para meu trabalho político e artístico.
RA: O senhor crê que, falando agora de dramaturgia, pela análise do pensamento de um autor e dos pensamentos de seus personagens, pode-se chegar a um pensamento político, uma visão de mundo, uma ideologia? E, no de um jornalista/blogger/autor e seus personagens a metáfora está bem aplicada?
LB: No primeiro caso, sim. Com níveis diferentes. Depende da intensidade com que trabalha o autor. A dramaturgia rasa não permite essa inferência. Os verdadeiros artistas são os que fazem falar seus personagens dessa maneira. Cheio de contradições, lutas internas, o teatro é instrumento de auto-análise e investigação das contradições e limites humanos.
No segundo caso, veja, eu considero a internet um mundo especial. Há muita solidão. Solidão cúmplice. Não há contradição. É tudo muito plano. Politicamente, o blog tende à “direita” pela exclusão do contato com o outro e suas contradições e limites. Individualismo. Os neocons, as “mentiras nobres”, acontecimentos envolvendo Aznar (ex-Presidente espanhol), escândalos foram apontados pela internet, mas o que predomina é o individualismo. Blogs aos milhões e individualismo. O autor fala só e seus personagens são caudatários dele.