Nota dos editores

Rafael Araújo
Silvana Martinho

A paixão pelo futebol durante muito tempo foi abordada com certo descaso por parte da academia. Visto como um elemento da cultura de massa, alienante, ou simples diversão, o futebol por muito tempo foi encarado como objeto indigno dos estudos acadêmicos. Na maioria das vezes foi tratado por jornalistas esportivos, mas sem que se fizesse lançar para o fenômeno um olhar crítico, buscando relacioná-lo a elementos sociológicos.

Alguns dirão que os estudos acadêmicos não deveriam meter-se com futebol. Julgarão um risco racionalizar o fenômeno que Nelson Rodrigues poetizava em suas crônicas. Em seus textos o leitor já poderia sentir que o futebol pode ser uma grande metáfora para a natureza humana, um palco para suas paixões e tragédias. Partindo de sensibilidade semelhante, alguns autores, daqueles que sentem ferver o sangue diante de um gramado, mas também diante de um livro, passaram a desenvolver pesquisas alertando para o fato de que o futebol pode ser uma metáfora dissecada e potencializada, mas também pode ser avaliado como fenômeno em si, espaço de sociabilidade, lugar da política e da cultura.

De acordo com o antropólogo Roberto Da Matta é importante visualizar o futebol a partir de seu caráter político e social, através dele é possível perceber os diferentes conflitos sociais. O futebol seria, segundo o autor, um meio para se discutir as questões de nossa própria sociedade. Nesse sentido, a revista Aurora, fazendo valer seu caráter interdisciplinar e com o intuito de ampliar os espaços para os debates acadêmicos, traz nesse número uma série de artigos cuja temática central é o futebol. A escolha do tema foi motivada pela Copa do Mundo, realizada esse ano na África do Sul, mas também entendemos esse debate como uma estratégia para ampliar o escopo acadêmico e exercitar a interdisciplinaridade no fazer científico.

Dentre os textos que publicamos, o leitor encontrará a análise realizada pelo professor Alfredo Oscar Salun a respeito da ascensão do Sport Club Corinthians ao campeonato oficial como forma de dar relevo às disputas existentes entre os clubes de elite e os clubes populares no início do século XX. Plínio Labriola Negreiros também aproveita um evento histórico ocorrido com o Corinthians para tecer sua análise. Trata-se da invasão ocorrida em 1976 na cidade do Rio de Janeiro por um número imenso de torcedores paulistas. Saber o que representa esse deslocamento populacional em um país sob a ditadura militar é o que motiva a leitura do texto.

O professor César Augusto Barcellos Guazzelli, da UFRS, também escreve sobre o futebol durante o regime ditatorial. Partindo da comemoração dos 150 anos de independência realizada pelo governo brasileiro em 1972, em que se realizou a Copa de Futebol Independência, o autor descreve uma grande reação popular no estado do Rio Grande do Sul frente a convocação da seleção brasileira, que não relacionava o único representante do estado. O texto celebra a relação entre futebol e identidade nacional, evidenciando uma das possibilidades de se associar o esporte e a política. Cayo Prado Fernandes Francisco, por sua vez, faz uma leitura do futebol comparando-o a um campo de batalha. Se é possível encontrar na alteração dos humores fora do campo um elemento para a análise política e social, o autor demonstra como essa análise pode ser levada para dentro do gramado.

O artigo de Miguel A. de Freitas Jr. faz uma interessante análise da partida ocorrida entre o Corinthians e a seleção brasileira em 1958, evidenciando as posturas ideológicas dos jornalistas esportivos da época. O autor demonstra a forma com que as posturas ideológicas foram evidenciadas a partir da cobertura do jogo, chamando a atenção para o papel do jornalismo na formação da opinião pública em um evento cuja importância política só pôde ser percebida com o devido distanciamento e a avaliação da conjuntura da época.

A análise que Francisco Xavier Freire Rodrigues, professor da UFMT, realiza sobre o programa sócio-torcedor do Sport Club Internacional mostra o quanto os clubes brasileiros têm se adaptado a uma nova situação de mercado. Seu texto, no entanto, ultrapassa as considerações materiais e avalia o programa como uma forma não apenas de fonte de renda, mas de estabelecimento de vínculos entre o clube e o torcedor. Bernardo Borges Buarque de Hollanda, em uma perspectiva diferente, centra seu argumento no discurso dos torcedores como forma de avaliar a relação entre memória e história. Seu texto traz elementos sobre a dinâmica de grupos e demonstra, a partir das perspectivas dos líderes de torcida, como é possível novos olhares para as rivalidades, bem como para fatos da história do futebol e do país.

Do outro lado do Atlântico, os pesquisadores Bruno Carriço Reis e João Carlos Souza, além do professor da Universidade da Beira Interior, de Portugal, fazem uma análise da participação da seleção de seu país na Copa do Mundo de 2010, preocupando-se com a forma com que a identidade nacional foi tratada pelos meios de comunicação. José Paulo Florenzano, professor da PUC-SP, avalia as diferentes forças que se desencadeiam a partir da formação da seleção brasileira. Partindo dos argumentos do sociólogo alemão Norbert Elias, o autor nos permite ver como se configuram essas forças, sejam elas políticas, econômicas ou técnicas, e a influência que exercem na formação do grupo. Assim, a Revista Aurora oferece ao seu leitor um dossiê bastante representativo sobre o futebol e suas possibilidades de leitura.

Nesta edição ainda publicamos uma entrevista inédita realizada por Eduardo Viveiros com o ator, blogueiro e ativista Leo Bassi, realizada em fevereiro de 2007. Bassi fala da relação entre teatro e política e comenta sua atuação como bufão e como comunicador na era das Novas Tecnologias de Comunicação e Informação. A revista traz ainda as poesias de Sérgio Cohn e de Regina Peixoto, uma esquizofrênica genial, além das caricaturas de Toni D’Agostinho e as fotos de Cristina Maranhão, que também escreve a coluna deste número.