COGNITIO-ESTUDOS, V.7, N.2, julho-dezembro, 2010
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EDITORIAL
Há 100 anos, em 26 de agosto de 1910, morreu William James, um dos maiores filósofos americanos e, ao lado de Charles S. Peirce e John Dewey, principal representante do pragmatismo clássico. Assim como todos os seus colegas do "Clube Metafísico", grupo de discussões formado por intelectuais de Cambridge no começo dos anos 1870, James não era um filósofo profissional. Ele estudou medicina em Harvard e, depois, fisiologia e psicologia experimental. Até hoje ele é mais pesquisado, no Brasil, em suas contribuições para a área de psicologia, como o célebre "Princípios de Psicologia" (1890). O Brasil, aliás, é um capítulo interessante na vida do filósofo, que aos 23 anos acompanhou o naturalista Louis Agassiz numa expedição no Norte do país, onde contraiu varíola.
James foi o pioneiro no uso do termo "pragmatismo" em uma conferência intitulada "Concepções filosóficas e resultados práticos", proferida em 26 de agosto de 1898 na União Filosófica da Universidade de Berkeley e publicada logo depois. Nela, ele creditava a formulação do conceito a Peirce, que expusera o método vinte anos antes, sem nomeá-lo, no artigo "Como tornar claras nossas ideias" (1878).
Contudo, James desenvolveu um pragmatismo independente e diferente do peirciano, dando origem a uma corrente filosófica marcada pela diversidade de ideias mas que mantém, em comum, além das origens, a indistinção entre ação e pensamento, a desconfiança com sistemas abstratos em filosofia e um caráter naturalista. O pragmatismo de James (que ele preferia chamar de "praticalismo") enfatizou os efeitos particulares sobre o indivíduo, enquanto Peirce falava em hábitos gerais e comunidade. Foi, neste sentido, mais restrito e, ao mesmo tempo, mais abrangente, na medida em que buscou aplicar sua máxima como critério de verdade e a questões religiosas, aproximando a filosofia da vida cotidiana. Esse fato, além da própria biografia de James, um intelectual renomado em seu tempo, fizeram com de seu pragmatismo (e o de Dewey) se tornasse o mais influente nas décadas posteriores à sua morte.
A presente edição da COGNITIO-ESTUDOS traz um dossiê em homenagem ao centenário de morte do autor. Pretendemos, deste modo, estimular os estudos do pragmatismo jamesiano no país, assim como promover reflexões sobre suas relações com outros filósofos pragmatistas.
O Dossiê William James - 100 anos traz três artigos. Em "Do pragmatismo à intuição mística: uma leitura bergsoniana de William James", Pablo Zunino (FFLCH-USP) analisa aspectos correspondentes entre psicologia e metafísica nas obras de James e Bersgon. A psicologia relacionada ao pragmatismo também é tema de pesquisa em "O Pragmatismo Jamesiano e a Psicologia: de uma relação histórica a uma ferramenta atual", de Arthur Arruda Leal Ferreira (UFRJ). O terceiro artigo, "A Função Biológica da Consciência: William James e Erwin Schrödinger", de Pablo de Araújo Batista (USP), trata dos insights de James a respeito da mente, que anteciparam alguns trabalhos em ciências cognitivas, incluindo obras do físico Schrödinger.
Publicamos ainda três traduções inéditas. Duas de textos de William James - "A Psicologia e a Arte de Ensinar", traduzido por Mariana Tavares Ferreira (UFF), e "Os Tipos de Pensamento Filosófico", por Evandro Lisboa Freire (LAEL/PUC-SP) - e uma de Hilary Putman, "A Permanência de William James", com tradução de Clayton Foschiani (PUC-SP).
Completam nossa homenagem as resenhas de Luís Malta Louceiro (PUC-SP) para a biografia William James - In the Maelstrom of American Modernism, de Robert D. Richardson, e de Clayton Foschiani para a tradução de William James, da coleção Companion, recém lançado no Brasil pela editora Idéias e Letras.
Além do especial, o v7n2 contém artigos sobre Peirce, Quine, Davidson, Baker, Searle Wittgenstein, Aristóteles e Hume, em temas como filosofia da linguagem, filosofia da mente, ética e pragmatismo.
Em "Pragmatismo e Lingüística: interfaces e intersecções", Rodrigo Augusto de Souza (UEM) e Ana Cristina Jaeger Hintze (UEM) examinam a filosofia da linguagem no pragmatismo clássico de Peirce, James e Dewey. O pragmatismo peirciano, em específico, é o foco das reflexões de Luciane Rodrigues e Thaisa Reino (UNESP) a respeito do conceito de identidade em "O Problema da Identidade Pessoal no Âmbito do Pragmaticismo".
Avançando para um círculo pragmatista mais contemporâneo, Karen Giovana Videla da Cunha Naidon (UFSM) retoma uma querela epistemológica entre W. V. O Quine e Donald Davidson no artigo "Quine e Davidson Sobre Estímulos Distais e Proximais".
Sobre ciências cognitivas, o artigo de Jonas Gonçalves Coelho (UNESP), "A Causação Mental Segundo o Realismo Prático de Lynne Rudder Baker", apresenta a concepção pragmática de mente em Baker, enquanto "Uma Resposta Funcionalista ao Argumento do Quarto Chinês", André Sathler Guimarães (Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados de?) revisa o famoso argumento de John Searle a luz de uma hipótese funcionalista.
Ética é assunto para dois textos: "Wittgenstein e Cabreza: diferentes perspectivas em torno do problema da indizibilidade ética", de Filicio Mulinari e Silva (UFES), investiga a questão da indizibilidade ética do Tratactus no cinema; e Ataualpa Godolphim Feijó (UFPel) retoma a interpretação de Brikhouse para rejeitar uma leitura determinista de Ética a Nicômaco, em "A Possibilidade de Existência de uma Teoria da Responsabilidade Moral na Ética à Nicômaco: um debate acerca do determinismo e da liberdade a partir da leitura de Brickhouse". Outra obra clássica, o Tratado da Natureza Humana, de Hume, é objeto de pesquisa em "Ficções e Plasticidade da Imaginação em Hume", de Rogério Soares Mascarenhas (UFBA).
Estamos também inaugurando a primeira edição feita totalmente online, no portal de Revistas Eletrônicas da PUC-SP, com uma nova equipe de colaboradores. Coma renovação em forma e conteúdo, a COGNITIO-ESTUDOS propõe entregar um produto melhor acabado e com o profissionalismo que é marca de todas as atividades promovidas pelo Centro de Estudos de Pragmatismo (CEP), reconhecido internacionalmente como um dos mais importantes centros de estudos mundiais de pragmatismo. As edições mais antigas podem ser acessadas na íntegra no novo site do CEP, que convidamos todos a visitar em: http://www4.pucsp.br/pragmatismo/index.html
Boa leitura!
José Renato Salatiel
Editor-assistente da Cognitio-Estudos
Centro de Estudos de Pragmatismo da PUC-SP