COGNITIO-ESTUDOS

Revista Eletrônica de Filosofia
Philosophy Eletronic Journal
ISSN 1809-8428

São Paulo: Centro de Estudos de Pragmatismo
Programa de Estudos Pós-Graduados em Filosofia
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Disponível em <http://revistas.pucsp.br/index.php/cognitio>

Vol. 18, nº. 1, janeiro-junho, 2021

DOI: 10.23925/1809-8428.2021v18i1pAI

EDITORIAL

Caríssimos leitores,

Aqueles que acompanham a Cognitio-Estudos são testemunhas das muitas contribuições que esta revista tem dado à compreensão filosófica do pragmatismo clássico, dos seus desenvolvimentos e, também, de muitos pensamentos que tangenciam ou explicitamente dialogam com o pragmatismo. Quem concretiza tais planos da revista são os autores que a ela vão se vinculando, e esta edição é rica nesse sentido, como se pode antever nesta breve apresentação dos caminhos percorridos por cada um deles.

Começo pelo último texto da lista, Reflexões Sobre a Arte, de Ralph Waldo Emerson (1803-1882), que é fruto do estímulo da revista à publicação de traduções de obras cuja importância foi ou vem sendo reconhecida. Trata-se de texto publicado inicialmente na revista The Dial, em 1841 e, posteriormente, com pequenas revisões e sob o título "Arte", no livro "Society and Solitude" de 1870. A tradução aqui publicada, de Laura Elizia Haubert, adota a primeira versão e permite acessar o pensamento do filósofo sobre a noção de Arte como ação espiritual e voluntária, sua relação com a onipresença da Natureza, mente universal a que os atos do indivíduo devem se submeter, quer para as finalidades das artes úteis, quer das belas-artes. Trata-se de leitura obrigatória nesta edição!

O primeiro texto da lista também caminha na esteira da arte para falar das origens da semiótica no Brasil. Antropofagia Cultural hoje: uma aproximação semiótica à virada estética de Oswald de Andrade, de Daniel Cerqueira Baiardi, nasce, como este autor mesmo reconheceu, inspirado na iminência do centenário da Semana de Arte Moderna, para considerar as contribuições da noção poética e política de Antropofagia Cultural - referenciada na semiótica filosófica de C. S. Peirce e na semiótica da cultura - para o despertar de uma espécie de "consciência semiótica" no Brasil. O autor defende que essa noção teria situado a semiótica "não apenas como o mote poético dos modernistas brasileiros, mas também como um conceito-chave para uma teoria metacultural original e um forte fator para o desenvolvimento dos estudos de signos nas universidades do Estado de São Paulo".

O campo de aplicação da semiótica peirciana no Brasil hoje estende-se por várias áreas, e Vinicius Romanini e Rebeka Figueiredo da Guarda nos oferecem aqui o estudo de um fenômeno contemporâneo e de dimensões equivalentes à extensão das nossas redes digitais, no texto O self no ambiente digital: um estudo da representação da subjetividade humana a partir da semiótica de Peirce. O caráter simbólico do self orienta o olhar dos autores para a sua semiose, permitindo-lhes mostrar como o ambiente digital impõe restrições, que são sentidas na estrutura do self digital e, consequentemente, nos tipos de condutas que dele decorrem.

As origens da semiótica peirciana no Brasil, a que se refere Baiardi, são também as da sua filosofia, hoje amplamente estudada e colocada em relação com escritos de outros filósofos, como o faz Caique Marra de Melo em A querela interpretativa da teoria de abstração de John Locke e o olhar de Charles S. Peirce sobre o anti-abstracionismo de George Berkeley. O texto apresenta a "querela interpretativa de comentadores da obra lockiana sobre o modo através do qual o filósofo britânico compreende a universalidade das ideias", adotando para isso a distinção entre teoria intrísenca e extrínseca de abstração e evidenciando "o arbítrio berkeleyano a redundar numa reductio ad absurdum acerca da perspectiva de Locke sobre a capacidade de abstração humana, ratificando, segundo o pai do pragmatismo, o caráter astuto encontrado no movimento, por fim exposto, de refutação - autodenominado 'golpe de misericórdia' - de George Berkeley".

Os escritos de Dewey sobre consciência, mente, pensamento e linguagem são aqui apresentados em dois textos. A consciência na visão de John Dewey, de Caio César Cabral, revisita os escritos desse representante do pragmatismo clássico em Experiência e Natureza (1925), nos quais a consciência aparece como "ponto de partida de uma ação transformadora", como "a significação que os objetos possuem quando submetidos a uma mudança intencional de disposição ou organização por meio da atividade orgânica", intimamente vinculada à realidade, às dificuldades práticas da vida; como tal, exercendo um papel adaptativo importante e, também, ligando-se à abertura do caminho para a aquisição humana do conhecimento. Já Jorge Francisco da Silva e Karl Heinz Efken, em Pragmatismo linguístico em Dewey: uma concepção unificada de mente, pensamento e linguagem, debruçam-se sobre a teoria da linguagem em Dewey, "que reúne os conceitos de pensamento e linguagem e explora o corpo como sede dos significados dos primeiros". Tratam de suas concepções sobre ação comunicativa, do papel da linguagem no desenvolvimento de sua teoria de investigação e das conexões entre o conceito de warranted assertibility (discursos justificáveis), responsabilidade social e as implicações éticas do discurso.

O tema da mente, agora no contexto da filosofia contemporânea da mente, é abordado ainda por César Fernando Meurer, em Objectbound Phisicalism: apresentação, objeções e alcance, que propõe que o desenvolvimento recente no campo da metafísica da mente em torno do Objectbound Phisicalism - OP, desafia olhar para a fertilidade teórica da mecânica quântica e para um potencial alinhamento das concepções clássicas de objeto, tempo e experiência com a física contemporânea. Para além de significar uma opçosição ao cerebralismo, o autor pergunta se OP poderá encontrar outras afinidades junto a filosofias não-cerebralistas da mente, que promovam desenvolvimentos produtivos.

A verdade, tema caro ao pragmatismo, é enfrentado por dois autores nesta edição. Em Da verdade inconveniente à suficiente: cosmopolíticas do antropoceno, Alyne de Castro Costa, reconhecendo que estamos ora diante da necessidade de respeitar as "verdades dos outros" - modo próprio e não científico com que certas culturas definem a realidade -, ora diante de claros limites a partir dos quais certas afirmações dadas como verdadeiras não devem ser reconhecidas - caso dos negacionistas climáticos -, defende a ideia de uma "verdade suficiente", inspirada no pragmatismo de William James. O caráter dinâmico da verdade é detectado ainda em Aspectos pragmáticos de uma concepção semântica: reflexões sobre as consequências de uma abordagem normativa da semântica, de Lucas Ribeiro Vollet, que argumenta sobre as limitações de uma semântica não prescritiva e puramente extensional para, em seguida, abordar as vantagens de uma teoria intensional e prescritiva para "regular a predição de novas verdades e sua adaptação às antigas".

Dois artigos trazem questões distintas no campo da ética. Em A tragédia e o trágico da ação na ética hermenêutica de Paul Ricoeur, de José Vanderlei Carneiro e Aluizio Oliveira de Souza, pergunta "como Ricoeur tratou as noções do trágico e da tragédia em alguns escritos e como esses conceitos chegaram e foram desenvolvidos em sua ética hermenêutica". A abordagem envolve outros pensadores que desenvolveram posições, argumentos e teorias acerca da tragédia e do trágico, bem como, traz para a discussão conceitos como "divino", "teologia", "conflito" e "transcendência", sempre focando seus vínculos com a ética. Já A interpretação neopragmatista de Richard Rorty sobre o pensamento político de Michel Foucault: um ironista liberal inconcluso, de Heraldo Aparecido Silva e Bruno Araújo Alencar, coloca o foco sobre como a interpretação filosófica e política de Foucault é vista como dando mais importância aos desejos privados (ironista) do que aos do liberal, o que seria uma falha do pensamento foucaultiano em relação aos ideais de solidariedade humana, tal como defendidos pelo filósofo norte-americano a partir da figura do ironista liberal.

Em profundo respeito a todos esses estudos que nos são oferecidos, agradeço em nome da equipe da Cognitio-Estudos e do Centro de Estudos de Pragmatismo da PUC-SP a cada um dos autores, por aceitarem o desafio da revista para colocar em curso o pensamento filosófico, e convido a vocês leitores para que se permitam o prazer de adentrar nessas escrituras!

Eluiza Bortolotto Ghizzi
Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagens - UFMS