REFLEXÃO TEOLÓGICO-PASTORAL A PARTIR DO DECRETO AD GENTES

THEOLOGICAL-PASTORAL REFLECTION FROM THE AD GENTES DECREE

Nadi Maria de Almeida
Doutoranda em teologia como foco em Missão, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR. Bolsa - CAPES. Mestrado em Teologia com foco em missão, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR. E-mail: nadinadimaria@gmail.com
Victor Dunne
Doutor em Divindade pela St. Patrick’s College Maynooth na Irlanda; Mestre em Teologia Sistemática pela Universidade Gregoriana de Roma. E-mail: vdunnesps@gmail.com

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Resumo
Este artigo se propõe a uma análise do documento do Concílio Vaticano II sobre a atividade missionária, o Decreto Ad Gentes. Objetiva ponderar os fundamentos, horizontes e propostas missionárias a partir de uma reflexão teológica e pastoral do Decreto, assinalando a relevância do documento para a missão da Igreja no mundo contemporâneo. O estudo teve uma abordagem exploratória, qualitativo do Decreto Ad Gentes, auxiliada por pesquisas bibliográficas de autores que investigaram e escreveram sobre o assunto. O texto trás primeiro uma análise do documento, apresenta o contexto em que o mesmo surgiu; o processo da redação e a estrutura do texto e mostra o longo processo da redação até que chegassem a um consenso e a aprovação do seu conteúdo, com unanimidade de votos. Proporciona, ainda, uma síntese dos pontos principais do conteúdo de cada capítulo, bem como sua divisão textual. O segundo momento traz a fundamentação bíblico-teológico do texto com seus novos horizontes e propostas missionárias ad gentes enquanto processo de evangelização, tal como aparece no Decreto. A pesquisa deseja revigorar o apelo a um maior engajamento nas atividades missionárias da Igreja, mostrar a importância da missão e estimular um compromisso pastoral mais aberto e missionário no mundo contemporâneo.

Palavras chave: : Decreto Ad Gentes. Concílio Vaticano II. Horizontes teológicos. Proposta Missionária.

Abstract
This article proposes an analysis of the document of the Second Vatican Council on missionary activity, the Ad Gentes Decree. It aims to consider the foundations, horizons and missionary proposals based on a theological and pastoral reflection of the Decree, highlighting the relevance of the document for the mission of the Church in the contemporary world. The study had an exploratory, qualitative approach to the Ad Gentes Decree, aided by bibliographic research of authors who investigated and wrote about the subject. The text first brings an analysis of the document, presents the context in which it arose; the writing process and the structure of the text and shows the long process of writing until they reach a consensus and the approval of its content, with unanimity of votes. It also provides a synthesis of the main points of the content of each chapter, as well as its textual division. The second moment brings the biblical-theological foundation of the text with its new horizons and ad gentes missionary proposals as a process of evangelization, as it appears in the Decree. The research seeks to reinvigorate the call for greater engagement in the missionary activities of the Church, to show the importance of the mission moreover, to stimulate a more open and missionary pastoral commitment in the contemporary world.

Keywords: Ad Gentes Decree. Second Vatican Council. Theological Horizons. Missionary Proposal.

1. INTRODUÇÃO

O Decreto Ad Gentes foi o ponto de reflexão de uma nova era de missão que iniciou uma mudança radical na forma de ver, de falar e de fazer missão. Veio em um período de contradições, mudanças e confusão tanto na sociedade como na Igreja. Teve um processo de construção contraditório com muitas discussões, reflexões e reformulações, que trouxe uma mudança de paradigma da missão, uma mudança de entendimento de missão, do seu objetivo e da forma de fazer missão. A análise do Decreto Ad Gentes visa conhecer melhor a dura caminhada de entendimento dos fundamentos teológico da missão ad gentes e a árdua “batalha” de formular um documento de caráter essencialmente missionário para atividade missionária da Igreja no mundo.

Tomando como princípio que Deus está presente e atuante mesmo antes da chegada do missionário, ao longo da pesquisa buscou-se responder questões sobre a relevância do Decreto Ad Gentes e da missão aos povos para Igreja no mundo contemporâneo; mostrar os fundamentos, horizontes e propostas missionárias, teológica e pastoral do Decreto.

O trabalho mostra que a missão ad gentes é a essência da atividade missionária da Igreja. Todo cristão é discípulo missionário de Cristo, chamado e enviado. Logo, é parte fundamental, indispensável e de primeira linha para toda Igreja e para cada cristão. Deste modo, é possível entender porque os padres da Igreja reunidos em concílio votaram quase unânime no Decreto sobre a atividade missionária da Igreja (somente cinco votos contra). Pois, trata-se de um documento que representa a essência e o coração da Igreja de Cristo, a saber, o compromisso do cristão de testemunhar a Boa Nova do Reino no mundo.

Na primeira parte do estudo faz uma análise do contexto em que surgiu o documento, do processo da redação e apresenta a estrutura do documento com aprofundamentos teológicos e pastorais. Na segunda parte, aborda a visão bíblica teológica da missão com fundamentação, horizontes e propostas missionárias descritas no Ad Gentes. Pretende-se contribuir para avigorar a seriedade da renovação do Vaticano II, que mostrou novos caminhos e maneiras de fazer missão com a promulgação de um Documento específico para a atividade missionária da Igreja no mundo, o Decreto Ad Gentes. Logo, a relevância para a credibilidade da Igreja é que ela não perca seu foco e não desvie a atenção de sua razão de ser, ou seja, sua natureza missionária ao serviço do Reino de Deus no mundo; Reino este de paz, amor, justiça e vida digna para toda humanidade no mundo.

2. O Decreto Ad Gentes

O Decreto Ad Gentes (AG), foi redigido durante o período preparatório do Concílio Vaticano II. O momento que antecede o concílio revela uma sociedade repleta de mudanças, com diversos acontecimentos que afetaram a humanidade. Período pós-guerras e de avanços tecnológicos. Época que a missão não era vista com bons olhos, por causa das falhas ocorridas no entendimento e maneira de fazer missão. O ponto de partida foi quando o papa João XXIII pede para abrir as janelas para que entrasse um ar fresco.

Souza (2005) coloca a preocupação com uma Igreja envolvida num mundo de agitações e tensões e um Concílio que se preocupa em reconciliar a Igreja católica com o mundo moderno. Chama toda a Igreja a uma renovação e atualização da sua atividade missionária, em um mundo modernizado, onde o cristianismo deveria se fazer presente e atuante. Para isso é preciso transformações profundas na Igreja.

A Igreja é convidada a ler os “sinais dos tempos” a reconhecer nele o movimento do Espírito de Deus agindo, a abrir-se e tomar nova atitude em relação a outras Igrejas cristãs, as religiões e ao mundo. Todavia por séculos a ideia exclusivista de missão havia motivado e conduzido a Igreja. O contexto moderno questiona, critica e rejeita o modelo antigo de missão. O que leva maior tempo nas discussões e dificuldades de chegar a um acordo na redação do documento sobre atividade missionária da Igreja.

Com o fim das segundo guerra mundial, do colonialismo e a conquista do mundo moderno, com novas relações e liberdade humana, religiosa e cultural, a situação mundial havia mudado. A Igreja precisava se inserir no contexto do mundo moderno, abraçar uma missão que transcende que se abre ao diálogo e à caridade, o que necessitaria muito humildade (RASCHIETTI, 2011).

Diante de um mundo de pluralidade que trouxe muitas reflexões e questionamentos sobre a validade da missão, que era a realidade do momento da redação do AG, da qual provocou dificuldades e um processo lento para se “chegar a um consenso” sobre a práxis missionária na Igreja. Era preciso superar a visão exclusivista e chegar a uma visão inclusivista e mais pluralista de missão inserida no contexto, no mundo contemporâneo. No final do Concílio AG vem com uma nova visão, maior abertura e um novo impulso à missão evangelizadora dos povos, trazendo uma visão teológica da missão.

2.1 O processo de redação do texto

Pela primeira vez nas histórias dos Concílios Ecumênicos, um documento explicitamente dedicado à missão evangelizadora da Igreja no mundo. E ainda que no percurso histórico, Bevans (2013), coloca que quase foi abandonado durante o Concílio, pois teve uma árdua trajetória até sua aprovação.

Foi um processo lento e sofrido. Passou por várias redações, oito em total. Os rascunhos entravam e saia facilmente da sala conciliar. Teve um caminho vagaroso e de controvérsias até se chegar a um consenso de missão. Havia a “vontade de superar uma concepção focalizada exclusivamente na organização das ‘missões’ em terras não cristãs, para uma concepção mais ampla e articulada de uma missão global da Igreja no mundo contemporâneo” (RASCHIETTI, 2011, p.140).

Segundo Bevans (2013), os trabalhos preparatórios começaram em janeiro de 1959, assim que o Cardeal “Gregory Peter Agagianiam”, prefeito da “Propaganda Fide”, anunciou que haveria uma comissão para preparar um documento sobre a atividade missionária da Igreja e só foram encerrados com sua aprovação em dezembro de 1965. Durante o Concílio, logo no início, em outubro de 1962, foi formada uma “comissão de 54 membros quase todos Europeus, o que não agradaram muitos dos bispos que vinham da missão da África e Ásia” (BEVANS, 2013, p.9-10).

Depois de muitas reuniões apresentaram o primeiro texto com sete capítulos muito jurídico e conservador com preocupação mais administrativa e nada teológica. Falava da formação do clero e questões sacramentais e litúrgicas e um pouco sobre a cooperação missionária, “não levaram em consideração as sugestões dos bispos da Ásia e da África” que alegaram que o rascunho “não tomava em consideração as muitas questões práticas, ou seja, as questões levantadas pelas próprias missões”.Os bispos das áreas de missão exigiam que fossem eles que desempenhassem a governança das reflexões sobre questões missionárias (BETTSCHEIDER; FERNANDES, 2006, p.1).

Bevans (2013) coloca que, de dezembro de 1962 a outubro de 1963, a comissão missionária se reuniu e os resultados ainda não foram bons. Conseguiram enviar um documento intitulado “Nas Missões” a qual foi retornado para revisão. Em abril de 1964 foi anunciado que todos os documentos que ainda não tinham sido discutidos no Concílio, fossem reduzidos a proposições para salvar tempo, e para que o Concílio pudesse terminar no final de 1964.

A comissão preparou “quatorze proposições em seis páginas”, com o título “Sobre a atividade missionária da Igreja” que era mais que teológica, um ponto de vista histórico do momento: a descolonização, a globalização dos problemas de pobreza. E que apesar de o Papa Paulo VI ter falado a favor os bispos pediram um novo esquema mais completo para a atividade missionária da Igreja (Bevans, 2013, p.9-11). Assim, a comissão foi reforçada com mais membros da África e da Ásia e da América do Norte. Foi formada uma subcomissão de cinco pessoas entre eles o padre Johannes Schütte, superior geral dos padres do Verbo Divino, como vice-presidente, Yves Congar e Joseph Ratzinger, para desenvolver um novo esquema. Foram 15 dias de intensos trabalhos na elaboração de algo novo, com uma profunda base teológica assessorada pelos distintos teólogos Congar, Joseph Neuner, Glasik e Ratzinger (BEVANS, 2013, p.11).

Bevans (2013, p.11) descreve que padre Schütte “fez uma longa apresentação do esquema que foi considerado como o documento “Magna” que moldaria a Igreja universal verdadeiramente missionária”. E por fim no dia 7 a 13 de outubro de 1965 foram feitos 49 discursos[1], no dia 12 o documento foi votado e “teve como resultado 2070[2] votos a favor e 15 contras”, no dia 13 os discursos continuaram, mas o esquema já estava seguro. A comissão volta a trabalhar[3] para incorporar as sugestões dos bispos para a votação final do dia 7 de dezembro de 1965. Assim no dia sete de dezembro de 1965, na nona sessão, o Decreto Ad Gentes foi aprovado com quase unanimidade dos votos, 2.394 a favor e apenas cinco votos contra (Ad Gentes p.3-4). E assim uma nova era da atividade missionária começa.

O decreto Ad Gentes, foi concluído já no final do Concílio. Logo, teve o privilégio de acompanhar e recolher a reflexão, os pensamentos e debates do concílio sobre o “novo” para a missão da Igreja. Coloca a missão em primeiro lugar, por ser a própria essência de Trindade em movimento, em saída, que transborda de amor pela humanidade. Traz a compreensão que missão é antes de tudo a dinâmica da missão de Deus – Missio Dei. Segundo Suess, o consenso para a redação do decreto foi lento, mas que no final trouxe algo importante: a ênfase e a centralidade da missão, do ser missionário da Igreja e do dever de cada cristão no mundo (Suess, 2007).

2.2 A estrutura do texto

O Decreto Ad Gentes, contém poucas páginas, mas um conteúdo missionário proeminente. Traz apenas seis curtos capítulos com densa orientação sobre a ação missionária da Igreja. Em sua estrutura contém uma breve introdução (Proêmio), seis capítulos e uma conclusão.

No Proêmio AG (1), missão é envio. A Igreja em obediência ao mandato do seu fundador vai a “todos os povos e nações” (cf. Mt 10,6). Com o desejo de reunir todas as forças dos fiéis, para que o Reino de Deus difunda a todos os povos e nações[4] . Missio Dei é amor que ultrapassa todos os limite e fronteiras.

O capítulo primeiro apresenta a parte teológica do Decreto AG que traz os princípios doutrinários da missão. Segundo Bevans (2013, p.11), seria o capítulo mais importante do documento, e a primeira frase desse capítulo a mais significativa para todo do documento, porque nos leva a própria “fonte da missão” que é Deus[5] (AG 2). Traz referências bíblicas e patrísticas, e dá a missão como ato primário de Deus explicitado na encarnação de Jesus Cristo (AG 2-5).

O número 9 do AG tem um objetivo escatológico. “A atividade missionária não é nada mais e nada menos do que uma manifestação da vontade de Deus que se cumpriu no mundo e na história”. Deus “trabalha a história da salvação por meio da missão” e seu objetivo é trazer “a presença de Cristo, o autor da salvação”. Cristo que respeita as culturas e traz à perfeição. Em cada Cultura há “uma espécie de presença secreta de Deus” (BEVANS, 2013, p. 11).

No segundo capitulo intitulado como “A obra missionária como tal” destaca-se a parte prática da missão: das obras, do testemunho de vida e diálogo, da presença de caridade, do anúncio e da formação cristã. Os números de 11 a 12 refletem sobre o testemunho cristão com a própria vida; os números de 13 a 14, fala da real pregação do Evangelho, e os números 15 a 18 da dinâmica da formação de uma comunidade cristã. O número 10 destaca três aspectos da atividade missionária: “entre adeptos de religiões não cristãs, entre pessoas que não creem e entre pessoas que são hostis à religião e crença em Deus” (BEVANS, 2013, p.11).

O autor destaca ainda o número 11 como uma das passagens mais eloquentes do Decreto, quando destaca além do testemunho de vida, a necessidade de conhecer a fundo as culturas e os valores das pessoas, suas tradições religiosas e ver a “semente da Palavra”[6] presente nelas, em sua história. Aponta aqui a missão que deve ser contextualizada, justifica a posição do Concílio contra qualquer tipo de proselitismo, coerção ou atração das pessoas “por técnicas indignas” (BEVANS, 2013, p.12).

O capitulo terceiro trata das Igrejas particulares e ação missionária do clero local, na promoção dos leigos e recursos materiais. Os conciliares insistem que estas são Igrejas por direito próprio e que devem ser tratadas como tal.

AG n. 20, fala do bispo que deve ser “arauto da fé” e que seu clero desenvolva além dos trabalhos pastorais ao anúncio entre os povos e dioceses em terra de missão ad gentes. AG n. 21 traz uma reflexão importante sobre a tarefa dos leigos. De ser testemunha na vida diária no contexto onde vive. O Decreto frisa várias vezes que a comunidade cristã não pode ser removida do meio do mundo, mas que seja participante e contribua para construção de um mundo melhor. E AG n. 22, dedicado ao encorajamento das teologias locais, contextuais ou inculturadas (BEVANS, 2013, p.12).

Bevans (2013, p.12), destaca os números 20, 21 e 22. AG (20), fala do bispo que deve ser “arauto da fé” e que seu clero desenvolva além dos trabalhos pastorais ao anúncio entre os povos e dioceses que ainda não conhecem Cristo. AG (21) traz uma reflexão importante sobre a tarefa dos leigos. De ser testemunha na vida diária no contexto onde vive. O Decreto frisa várias vezes que a comunidade cristã não pode ser removida do meio do mundo, mas que seja participante e contribua para construção de um mundo melhor. E AG (22), dedicado ao encorajamento das teologias locais, contextuais ou inculturadas.[7]

No quarto capítulo aborda a pessoa do missionário: seu chamado, espiritualidade, formação. Destinado a ajudar a preparar futuros missionários sejam eles sacerdotes, homens e mulheres consagrados, leigos/as de todos os lugares. Adverte que a missão não envolve somente partes geográficas, mas as “necessidades particulares de pessoas particulares”. AG n. 23 lembra que existe um chamado particular pelas quais os cristãos deixam tudo, cruzam fronteiras para testemunhar o Reino. É um Dom do Espírito, mas que precisa de preparação, treinamento espiritual, psicológico, moral, teológico, missionário, antropológicos, das ciências sociais e mais a linguística (cf. AG 25-26).[8]

No quinto capítulo aponta para a organização da atividade missionária, foi o capitulo, segundo Bevans (2013, p.13), que teve a mais longa discussão durante a preparação final de seu esquema. Aborda a restituição da “Congregação da Propaganda da Fé” e visa dar aos bispos locais, nas áreas de sua jurisdição, uma maior opinião sobre o desenvolvimento de suas Igrejas. AG (29), passagem que causou controvérsia, na afirmação de que deve haver representantes dos bispos e Institutos pontífices que apoiem trabalhos missionários.[9] “Na verdade está reestruturação do AG nunca foi posta em prática [...]. Na encíclica de João Paulo II Redemptoris Missio n. 75, lemos que os bispos, e superiores maiores, etc. devem apenas cooperar plenamente com este ‘Dicastério’”.[10]

No sexto e último capítulo aborda a cooperação missionária, ou seja, do dever missionário de cada batizado na Igreja. Começa com a formação, o papel da Igreja, o dever dos bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas ativos e contemplativos e dos leigos. Bevans (2013, p.13) salienta que há uma grande distância entre este capítulo e a declaração sobre a natureza missionária da Igreja local no capítulo segundo do AG. Aqui “missões” no plural significam basicamente “missões estrangeiras” e “países de missão”. O autor destaca dois pontos importantes neste capítulo. Primeiro AG n. 39 oferece reflexões sobre a intrínseca dimensão missionária do sacerdócio. “Pois assim como os padres contribuem com seu bispo nas Igrejas locais, eles devem estar envolvidos levando a consciência missionária aos fiéis, promover vocações missionárias e arrecadar ofertas para missão”. Segundo, enfatiza o caráter missionário das ordens de vida contemplativas, insistindo que elas são também essenciais para a atividade missionária. Através de suas “orações, penitências e sofrimentos oferecidos para missão”. Incentiva-as estabelecerem casas na “África, Ásia, América Latina e Oceania” (AG 40).

O Decreto AG conclui com uma saudação lembrando especialmente os missionários em terra de missão sofrendo perseguições. Afirma a importância da participação de toda Igreja na missão, reconhece, como fez no início do Decreto, que “a missão e em última instância obra de Deus”. E pede orações para conversão do mundo através da intercessão de Maria, Rainha dos Apóstolos.

Se olharmos Decreto AG, separadamente dos outros documentos do concílio, poderia parecer restritivo à missão ad gentes, opondo ao espírito do Concílio. Contudo, visto como parte complementar do todo, percebemos que ele liga as reflexões teológicas e pastorais pautadas à missão nos demais textos conciliares. Enfatiza que toda a Igreja precisa passar por uma conversão, por um processo de revisão eclesial para ser uma presença efetiva no mundo.

2.3 A fundamentação bíblico-teológica do texto

A fonte bíblica, da missão percebida no Decreto AG é a Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo. O Pai que enviou o Filho para salvação do seu povo. E o Pai e o filho enviaram o Espírito para realizar no interior dos corações a sua obra salvadora e impelir a Igreja a sua própria libertação (AG 1-5).

O Novo Testamento descreve como o Reino de Deus veio em Jesus Cristo, destinado a toda a humanidade. Logo, ao explorar as raízes bíblicas[11] da missão, é importante, tanto quanto possível, permitir que a Bíblia fale com essa convicção da relevância universal do plano de salvação de Deus em Jesus Cristo.

A missão é questão de amor universal. Jesus chama e reúne seu povo orienta-os no serviço de amor ao outro. Jesus dá o exemplo com sua vida indo aos últimos da sociedade, lavando os pés dos discípulos (cf. Jo 13)[12], e por último com a doação da sua própria vida. Com isso mostra que missão é amor sacrifical e não imposição, força e coerção.

Em Jesus encontramos o “fundamento para a missão entre os gentios”. A sua missão é inclusiva, diante do centurião, exclama: “em verdade vos afirmo que nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé” (Mt 8,10). E em relação à mulher Cananéia diz, “Ó mulher, grande e tua fé!” (Mt 15,28). E ainda encontramos os cobradores de impostos as prostitutas que precedem no Reino de Deus (Mt 21,31). Jesus que acolhe os pecadores (Lc 15, 1s). Para Bosch “são os gentios tomando parte ao banquete do Reino” (BOSCH, 2002, p.50-51).

No Evangelho de Mateus, capítulo 12 Jesus aparece libertando as pessoas de todo mal, significa que o Reino de Deus está presente. Neste sentido, é o poder de Deus que se rompe na história com amor, para curar e libertar a humanidade e o mundo do poder do mal. Com a vinda de Cristo ao mundo a Boa Nova do Reino já está no meio de nós. Bosch afirma que o Reino de Deus é a centralidade de toda atividade de Jesus. Ele compreende que sua missão é a serviço do Reino. “Para Jesus, o reinado de Deus é o ponto de partida e o contexto para missão” (BOSCH 2002, p.52, 62-63).

O evangelho de São Lucas capítulo 14 apresenta o Reino como um banquete já preparado. O Reino está aqui, mas é preciso unir as pessoas. Este ajuntamento Goheen (2011) fala que é a missão da Igreja, o chamado cristão a missionar o povo de Deus. O perigo que corremos é esquecer que o povo de Deus foi escolhido não para si mesmo, mas em favor das nações. Um povo “abençoado para ser bênção” (Gn 12,2-3).

Segundo Goheen (2011) o tema de reunir, ajuntar os povos é uma temática que permeia os Evangelhos; reunir convidados para o banquete (Mt 22,2; Lc 14,15); reunir as ovelhas no aprisco (Jo 10,16); ajuntar trigo no celeiro (Mt 13,24-30); são imagens proféticas que domina os evangelhos, assim sendo missionar é sair ir ao encontro das pessoas para reunir em uma só família, povo de Deus; em um só rebanho, o do Reino de Deus.

Jesus reúne as ovelhas de Israel, as renova, as prepara e as envia para ser luz para as nações. Todos os evangelhos terminam com um envio missionário (Mt 28,19; Mc 16,15; Lc 24,47-48; Jo 20, 21). At 1,7-8 “vocês serão minhas testemunhas... até os confins do mundo”, Ser sal da terra e luz para o mundo (cf. Mt 5,13-14).

A missão da Igreja é a mesma do seu Mestre: aos pobres, doentes, abandonados e sofredores, a fim de restituir vida digna, liberdade, salvação em Jesus Cristo (cf. Lc 4,18; 19,10; Mt 10,45). A Boa notícia é que Cristo já nos salvou e nos libertou, e que o Espírito Santo nos precede em todo e qualquer campo de missão (AG 4).

AG n. 25 coloca no sentido de ir com a “mente aberta e coração dilatado, ao encontro do outro, abraçar de boa vontade os trabalhos que lhe são confiados, adaptar-se generosamente aos diversos costumes e variadas condições dos povos”. Para isso é preciso alimentar a vida espiritual para que “arda dentro de si o espírito de fortaleza, de caridade e de temperança, espírito de sacrifício (...)” para crescer no amor de Deus e do próximo (AG 25).

Palavra de Deus nos mostra que a missão é própria do movimento de amor da Trindade para conosco. Cristo é o missionário do Pai por excelência. Ele deixa sua casa e forma uma comunidade com seus apóstolos, enviando-os em missão: A partir daí surgem novas comunidades e a Igreja se expande através do anúncio e dos testemunhos e partilhas missionárias. Assim, desde os primórdios da Igreja a atividade missionária ad gentes foi intensa e marcante.[13] Aqueles que faziam a experiência do amor de Deus em Jesus Cristo sentiam-se no dever de passar adiante. “Pois não podemos deixar de falar de tudo quanto vimos e ouvimos!”[14] e ainda “Sim, o que vimos e ouvimos isso vos proclamamos, para que também tenhais comunhão conosco; e a nossa comunhão com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo” (cf. At 4,20; 1Jo 1,3).

Ao longo da história essa ação foi sendo esquecida e aos poucos perdendo este espírito missionário nos cristãos. A preparação foi enfraquecendo e o estilo colonialista que empunhava religião tomou conta apagando o verdadeiro sentido da missão. A superioridade de quem colonizava despreza tudo da nova cultura e povos para impor a cristandade.

Contrário a isso vemos em Atos 2, 46-47, uma vida atraente da comunidade, cheia de alegria, compaixão, generosidade, justiça e amor, a qual as pessoas são atraídas por essa vida vivida espontaneamente pelos membros da comunidade.

Como nos mostra AG (2), a Igreja recebeu desde o princípio o mandato de Jesus: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20,21b) “Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15). O mandato de Cristo não é algo de contingente e exterior, mas atinge o próprio coração da Igreja (cf. RM 62). Goheen (2015), afirma que somos chamados a fazer parte dessa missão Divina, continuando a missão de Israel de ser luz para as nações; a missão de Jesus de tornar o Reino conhecido; e da missão da Igreja primitiva de serem testemunhas de Jesus no mundo. Até que o Reino venha definitivamente a história continua com os cristãos.

A Igreja é missionária por natureza. Seu movimento de sair e ir, que também fala Papa Francisco na Evangelii Gaudium n. 20, é próprio do seu ser nato. “Não é a missão que procede da Igreja, mas a igreja que procede da missão de Deus”.[15] Assim sendo, a missão brota do amor da Trindade para conosco e cresce do nosso amor aos irmãos e irmãs dispersos no mundo (cf. AG 3).

No mundo atual muitos têm vontade, porém, não têm coragem de abster- -se de sua vida confortável e segura. Muitos não têm preparação, porque falta atenção, entusiasmo e conscientização missionária por parte dos líderes, que tendem a concentrar-se nas necessidades da sua Igreja local e assim, esquecem que a Igreja é católica, isto é, universal. Logo, proporcionar uma experiência de Deus que queima no interior do ser e os impulsiona a partilhar, a sair a não sossegar até que passe a frente tal conhecimento íntimo de amor da Trindade.

2.4 O horizonte teológico da missão ad gentes

A Igreja não faz missão, ela é missionária por natureza. Seu movimento de sair e ir, que também fala Papa Francisco na Evangelii Gaudium (20), é próprio do seu ser nato. “Não é a missão que procede da Igreja, mas a igreja que procede da missão de Deus” (Raschietti, 2011, p.43). Assim sendo, a missão brota do amor da Trindade para conosco e cresce do nosso amor aos irmãos e irmãs dispersos no mundo (AG 3).

O Decreto Ad Gentes ressalta a atividade missionária a outros povos. Traz o apelo de sair de si e se expandir no amor universal da Trindade. A afirmação “da necessidade da missão, apesar do reconhecimento da possibilidade de salvação sem o conhecimento do Evangelho e sem pertença visível à Igreja” (SUESS, 2007, p.128, cotando KLOPPENBURG [ORG.], vol. V, p.243, 1966). Foi um pedido feito à comissão e aprovada na última sessão do concílio.

O Decreto fala dos caminhos secretos de Deus para salvar as pessoas. Caminhos que só Ele conhece, mas essa verdade, não tira o nosso dever e responsabilidade de anunciar e testemunhar o Reino de Deus ao mundo. “Daí vem que a atividade missionária conserve ainda hoje e haja de conservar sempre toda a sua força e a sua necessidade de evangelizar” (AG 7).

Tudo que de Verdade e de graça que encontra já presente entre os gentios como uma secreta presença de Deus... O que de bom há no coração e no espírito dos homens ou nos ritos e culturas próprias dos povos, não só não perde, mas é purificado, elevado e consumado para a glória de Deus; confusão do demônio e felicidades dos homens (AG 8; LG 24).

Raschietti (2011, p.5) afirma ainda que o decreto Ad Gentes “tem sem dúvida o mérito de haver resgatado a dimensão teológica da missão e de haver restituído à Igreja católica a consciência de sua natureza essencialmente missionária” (RASCHIETTI, 2011, p.15). Missão ad gentes amplia o âmbito de ação, sendo dever de todo batizado e não apenas de alguns consagrados e pertencentes a institutos particularmente missionários.

Compreende-se que para ser missionário entre os não cristãos, sem perigo de machucar, ofender, excluir, ou relativizar tudo, é preciso uma firme convicção da própria fé, para partilhar, acolher e conviver com o diferente e dar razões da fé em Jesus Cristo (AG 11).

A missão chama a abertura ao diálogo e à partilha de riquezas espirituais, culturais, sociais e morais, ao mesmo tempo em que é um processo de purificação de ambas as partes. Conforme o artigo oitavo do Decreto Ad Gentes destaca que todas as religiões, culturas e costumes têm algo para partilhar como também para se purificar.

A partilha, o diálogo nos enriquece, nos humaniza, entusiasma e nos faz abrir a mente e o coração para dar e receber reciprocamente. No entanto, a pessoa insegura da própria fé, sem convicção, preparação e capacidade de dialogar, tende a discutir generalizar, excluir, por medo e insegurança. Evangelizar em outras culturas além de ser fruto de uma experiência de Deus, exige convicção, preparação e segurança, capacidade de dialogar e de dar testemunho de vida. A partilha, o diálogo nos enriquece, nos humaniza, entusiasma e nos faz abrir a mente e o coração para dar e receber reciprocamente.

O anúncio da Boa Nova é apresentado como dever e sinal do compromisso de caridade e serviço para com a humanidade sem distinção ou discriminação (AG 12). Espera-se de todo cristão uma abertura ao espírito ecumênico, o respeito e a capacidade de diálogo com outras religiões não cristãs, a fidelidade para com a ação missionária da Igreja especialmente em terra de missão ad gentes (cf. AG 16).

Além disso, com a globalização o mundo virou uma vila, qualquer coisa pode chegar rapidamente em todo lugar com maior facilidade[16]. Diante dessa realidade, AG (11) faz um apelo:

[...] trabalhem para que homens do nosso tempo não deem tanta importância a ciência e tecnologia do mundo moderno que se alheiem das coisas divinas, mas, antes pelo contrário despertem para um desejo mais profundo da verdade e da caridade revelada por Deus.

Assim, o avanço da ciência e tecnologias da informática permite maior fluxo de conhecimentos, comunicação, informação e de conectividades. A Igreja deve aproveitar desses meios para partilhas, para o bem comum e para aproximação das pessoas e consequentemente de Deus. Que estes meios permitem a facilidade da ação missionária aos povos.

2.5 A proposta missionária do Decreto

O Decreto Ad Gentes propõe avigorar e fortalecer o apelo da ação evangelizadora da Igreja e o compromisso missionário de cada cristão. Enfatiza a missão ad gentes e a coloca no “coração” da Igreja. A centralidade da missão da Igreja espelha no amor de Deus Pai que transborda no envio de seu próprio Filho para salvação da humanidade. Amor que se abre ao mundo e cinge a todos e que da mesma forma, em consequência desse amor, a Igreja se lança ao mundo para abraçar todos seus filhos e filhas.

A missão no decreto Ad Gentes, como título: “Decreto sobre a Atividade Missionária da Igreja”, é essencialmente a tarefa que a Igreja deve desempenhar. A Igreja é enviada a todas as nações, através de uma ordem do Senhor, Ide! (Mc 16,15). Que torna também própria do seu ser, pois nasceu da missão e existe em função da mesma, essa e a sua catolicidade (AG 1). Dessa forma, convoca os fiéis a se empenharem com entusiasmo e gratidão à tarefa de levar a Boa nova a todos os povos, especialmente aos não cristãos.

Segundo Raschietti (2009), quando falamos de missão não devemos esquecer-nos de dois elementos importantes. O primeiro é à profundidade do conhecimento e adesão à proposta de Jesus, o segundo é o sentido de extensão que transborda limite e fronteiras. Missão ad gentes é o fato de nos reconhecermos em uma só família que tem responsabilidade de cuidado uns para com os outros. Fazer a experiência de um Deus que é Pai, que dá a vida por amor em Jesus Cristo, fazendo de nós uma só família. (RASCHIETTI, 2009, p.645-646).

O decreto aponta para uma visão diferente daquela colonialista e expansionista, de civilização e imposição de uns que se sentiam superiores e donos da verdade. O discurso de missão do Concílio é testemunho de amor – caridade; da implantação do Reino de Deus e não da Igreja; de encarar os desafios deste mundo cheio de mudanças, e ofertas, com uma atitude de escuta, de diálogo, e abertura (RASCHIETTI, 2011, p.17).

A grande preocupação do decreto é com a obra missionária da Igreja e com aqueles que não receberam a mensagem do Evangelho.

Dentre eles, uns seguem algumas grandes religiões, outros negam expressamente a sua existência, ou até mesmo a atacam... A Igreja deve inserir-se em todos esses agrupamentos impelida pelo mesmo movimento que levou o próprio Cristo, na encarnação, a sujeitar-se às condições sociais, culturais dos homens com quem conviveu (AG 10).

Suess (2007) destaca que o Decreto traz sensibilidade ao ecumenismo,[17] ao diálogo inter-religioso, espaço aos leigos na missão e a cooperação missionária para contribuir com a paz e a justiça nas culturas. Dessa forma, AG número 16 faz apelos aos sacerdotes e os agentes de pastorais ao espírito ecumênico e preparação para o diálogo fraterno com os não cristãos.

Os números 11 e 12 do decreto Ad Gentes exorta a todos os batizados ao testemunho da verdade e da caridade de uma presença ativa, inserida no meio do povo, fazendo brilhar a Luz de Cristo. Um serviço gratuito cheio de zelo e dedicação pelo anúncio do Evangelho.

Bosch (2002) coloca a missão como uma direção a libertação integral em que a Igreja deve ser sinal e instrumento. Ele diz que a Igreja somente será fiel a sua missão quando ela sair ao encontro dos povos abraçando todas as dimensões da vida humanas, quebrando as barreiras de discriminação de raça, cor, credo ou religião, transformando as relações humanas com o poder do Evangelho de Jesus Cristo. Suess (2007, p.197) ressalta que o decreto Ad Gentes, “considera missão ‘ad gentes’ o desdobramento da missão do próprio Cristo, enviado a evangelizar os pobres.” (AG 4,5).[18]

Faz-se necessário ressaltar que mesmo em um mundo modernizado, com tantas facilidades tecnológicas de comunicação e de locomoção, são muitos os que saem para fazer turismo e conhecer o mundo. No entanto, ainda são poucos os que deixam tudo e saem para terra de missão além-fronteiras, mesmo, após anos de apelos realizados pelo Decreto Ad Gentes, reforçado por outros documentos da Igreja pós-concílio Vaticano II. Talvez faltasse entusiasmo, coragem, abertura ou conhecimento do bem que faz partilhar os bens e graças que recebemos, e a riqueza que a missão traz.

Em suma, os apelos missionários propostos pelo Decreto Ad Gentes continuam atuais e dignos de uma profunda reflexão teológica da necessidade da missão aos povos. Lembrando que o modelo de missão proposto é aquele que leva as raízes da Missio Dei. A missão que tem como fundamento a Santíssima Trindade e a realização do Reino de Deus no mundo.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Igreja tem seu início e fim na missão com chamados e envios missionários. O mandato de Cristo é algo contingente e exterior, mas atinge o próprio coração da Igreja (RM 62). Neste trabalho pontuamos o Decreto Ad gentes, que aborda a validade permanente do mandato missionário, a atividade e a natureza missionária da Igreja e da sua missão a serviço do Reino de Deus.

Analisamos a história do texto, a estrutura e processo de redação do documento, como também o seu conteúdo, sua fundamentação bíblica, sua proposta missionária ad gentes e horizontes teológicos da missão da Igreja no mundo. Percebemos que, o “novo” jeito de fazer missão, não é realmente novo, mas um retorno às fontes bíblicas para redescobrir o verdadeiro sentido da missão a partir da Missio Dei.

A missão ad gentes estava passando por transformações, o que levou os padres conciliares e os redatores do Decreto Ad Gentes a uma árdua e profunda reflexão sobre a atividade missionária da Igreja. Voltou-se para as fontes da missão da Trindade e redigiram um texto com fundamentos bíblicos e horizontes teológicos com novas propostas para a atividade da missão aos povos. Toda essa mudança trouxe uma nova postura na ação missionária da Igreja no mundo. Com isso, altera-se o foco da missão de eclesiocentrica para a centralidade do Reino de Deus. Logo, percebeu-se que o Decreto Ad gentes veio para dar início à mudança do sentido tradicional-colonialista da ação missionária no campo de missão.

Suess (2007), ao sintetizar os documentos do Vaticano II coloca o Decreto Ad Gente no centro, evidenciando que este documento trata de forma especificada atividade missionária da Igreja. Assim sendo, se olharmos o Decreto Ad Gentes como um ponto inicial e de arranque para a atividade missionária da Igreja, podemos assim, chamar o Decreto Ad Gentes de um documento que deu o “ponta pé” inicial junto com as reflexões do Concílio Vaticano II, dando abertura à missão universal da Igreja em um novo modo de ser, iluminada pela Missio Dei.

Com este estudo pretendemos apresentar à Igreja e ao mundo que a missão ad gentes continua relevante, atual, urgente e necessária. Para que a “Boa Notícia” do Reino seja anunciada a todas as nações; e “... como ouvirão se não houver quem pregue e como pregarão se não forem enviados?” (cf. Rom 10, 14- 15). Assim a experiência, o chamado, a resposta, a preparação, o envio e a participação da missão são aspectos indispensáveis e necessários para que a missão se realize. É um processo que segue uma dinâmica sequencial: a revelação e o chamado de Deus, a resposta do indivíduo, a Igreja que o prepara, o Filho que o envia e o Espírito que o capacita e o precede entre os povos. Destarte, é um movimento em conjunto respeitando a liberdade entre os interlocutores da missão.

Destarte, a visão que impregnou o Concílio Vaticano II e consequentemente o Decreto Ad Gentes foi à ideia da missão trinitária. Iluminando e dando um impulso à dimensão universal da missão da Igreja. Focalizando em primeira situação da atividade missionária da Igreja: no testemunho, no diálogo e na proclamação do Reino a todos. “Isso é missão, no sentido próprio da palavra”, afirma o Redemptoris Missio n. 33.

Portanto, o Decreto Ad Gentes é uma fonte que não pode deixar de ser citada quando refletimos sobre missão, uma vez que o mesmo é o foco da universalidade e responsabilidade da missão da Igreja, de sua natureza missionária a serviço do Reino de Deus; da Igreja e da centralidade da Trindade e do Reino.

Bibliografia

Livros:

BEVANS, Stephen. A century of catholic mission: Roman Catholic missiology 1910 to the present. Oxford: Regnum Books International, 2013.

BÍBLIA SAGRADA. Bíblia de Jerusalém: São Paulo: Paulinas, 1989.

BOSCH, David. Missão transformadora: mudanças de paradigma na teologia da missão. Traduzido do original Transforming Mission: Paradigm Shifts in Theology of Mission. 1991. Tradução: Geraldo Kornodorfer e Luís M. Sander. São Leopoldo: Sinodal, 2002.

GOHEEN, Michael W. A light to the nations: the missionary Church and the Biblical story. Grand Rapids: Baker Academy, 2011.

RASCHIETTI, Estevão. Ad Gentes: texto e comentário. São Paulo: Paulinas, 2011. SUESS, Paulo. Introdução à teologia da missão: convocar e enviar: servos e testemunhas do Reino. Petrópolis: Vozes, 2007.

Capítulo de livros:

COUTINHO, Suzana Ramos. Missão no contexto do pluralismo religioso. In LABONTÉ Guy; ANDRADE, Joachim. (Org.). Caminhos para a missão: fazendo missiologia contextual. Brasília: asbBSB, 2008, p. 321-336.

Documentos da Igreja:

JOÃO PAULO II. Carta Encíclica do Sumo Pontífice: Redemptoris Missio: sobre a validade permanente do mandato missionário. São Paulo: Paulinas, 1991.

PAULO VI. Decreto do Concílio Vaticano II: Ad Gentes. Sobre a atividade missionária da Igreja (1965). In COMPÊNDIO DO VATICANO II. Petrópolis: Vozes, 2000.

VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, decretos e declarações. 29 ed. Petrópolis: Vozes, 2000.

Artigos:

RASCHIETTI, Estevão. A missão “ad gentes” no documento de Aparecida. Revista Eclesiástica Brasileira REB. v. 69, n. 275, Petrópolis, 2009, p.642-675.

SOUZA, Ney. Contexto e desenvolvimento histórico do Concilio Vaticano II. Revista de Teologia e Cultura. n. 02, Out./ Nov./ Dez. 2005, p.1-36.

Artigos eletrônicos:

BETTSCHEIDER, Heribert; FERNANDES, Jorge. Ad gentes: A revolução na missão. In Revista Além-Mar, 2006. Disponível em: HTTP://www.alemmar.org/cgi-bin/buildprint.pl?EEVAZZIAEpZGqyUFbK. Acesso em: 24 Apr. 2016.

SUESS, Paulo. O Decreto Ad Gentes sobre a atividade missionária da Igreja e o Vaticano II. In Igreja em rede, ficha 28: Decreto Ad Gentes, 2012. Disponível em: http://www.ambientevirtual.org.br/fichas-de-estudo/ ad-gentes/. Acesso em: 22 mai. 2017.

Palestra eletrônica:

GOHEEN, Michael. W. A Igreja Missional na História Bíblica Missão e o Povo de Deus no Antigo Testamento. Reflexão contemporânea sobre a identidade missional da Igreja. Palestra: Luz para as nações: a missão de Israel. Interprete/ Tradução: DUCK, Arthur Wesley. Publicado em 31 de agosto de 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ddIW0TgxRog. Acesso em: 16 jun. 2018.

Notas

[1] Segundo Suess citando (Kloppenburg [org.], vol. V. p.243, 1966), diz que “Um grupo significativo pediu a afirmação da necessidade da missão, apesar do reconhecimento da ‘possibilidade de salvação sem conhecimento do Evangelho e sem pertença visível à Igreja’. Pediu-se também uma sensibilidade especial para a questão ecumênica e as áreas de convivência com os não-cristãos.” (Cf. Suess, 2012. Disponível em: ).

[2] De acordo com o (Compendio Do Vaticano II, 2000, p.349), no dia 10 e 11 de novembro o Decreto recebeu “1.750 votos modificativos”. Isso significa que no dia 12 tiveram uma nova votação, segundo aponta Bevans (2013, p.11).

[3] Fez se então a oitava revisão. Cf. (Compendio Do Vaticano II, 2000, p.349).

[4] Cf. Mc 16,15.

[5] “A Igreja peregrina é por natureza missionária. Pois ela se origina da missão do Filho e da missão do Espírito Santo, segundo o desígnio de Deus Pai” (AG 2).

[6] Afirmação de Justin Martil, e tem sido frequentemente citado após o Concílio.

[7] Bevans diz que embora o texto não use os “termos explicitamente, ele usa o termo adaptação” (Cf. Bevans, 2013, p.12).

[8] Mais uma vez Bevans (2013, p.12) lembra que as palavras não estão explicitamente mencionadas no documento, mas subtendidas.

[9] Como por exemple “Associação da Santa Infância”, congregações missionárias e organizações leigas.

[10] Bevans (2013, p.12), diz que um missiólogo, Joseph Glazik diz que “infelizmente, nada mudou do que a Congregação foi antes do Concílio Vaticano II”.

[11] Deteremos apenas em uma pequena reflexão teológico de missão no Novo Testamento.

[12] Todas as citações dessa dissertação foram tiradas da Bíblia de Jerusalém.

[13] Cf. Atos capítulos 13 a 28 sobre a expansão da Igreja como consequência do anúncio do Reino

[14] Missão é partilha de experiência, segundo Coutinho, 2008, p. 134 “em primeiro lugar deve possuir experiência” do amor infinito de Deus para com toda a humanidade.

[15] RASCHIETTI, 2011, p. 43. (Palestra na “Conferência de teologia Vida Nova” em Curitiba).

[16] Hoje podemos chegar a qualquer lugar do mundo em pouco tempo, nos conectar em segundos. Um valor para desenvolver a consciência missionária e até romarias missionárias em lugares de missão (em vês que se fazem tantas romarias aos santuários e lugares sofisticados do mundo). Algo de se pensar pelas Igrejas no mundo pós-moderno para criar uma maior consciência missionária.

[17] Ad Gentes número 11, exorta aos missionários enviados a se familiarizarem com as tradições religiosas presente no campo de missão. O número 15 adverte de nutrir entre os neófitos o espírito ecumênico; de promover ação ecumênica e que toda aparência do indiferentismo de confucionismo, ódio e rivalidade sejam banidos. Incentivar cooperações em questões sociais e técnicas, culturais e religiosas e que, sobretudo colabore, por causa de Cristo, seu Senhor comum: que “Seu nome os una!”

[18] O termo “pobre” muito amplo, no sentido da palavra, pois este poderia ser um crente paroquiano, um de outra religião, etc. Para mais detalhe consulte (cf. Suess, 2007, p.197)