O Método Antropológico no diálogo entre Teologia e Literatura em Antônio Manzatto

Anthropological Method in Antônio Manzatto´s dialogue between Theology and Literature


Alex Villas Boas

Livre-docente em Teologia pela PUC SP. Pós-Doutorado em Teologia pela Pontificia Università Gregoriana (Roma). Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio). E-mail: alexvboas@gmail.com 


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Resumo
O objetivo deste artigo é apresentar e analisar o debate teórico a respeito do que ficou conhecido como Método Antropológico de diálogo entre Teologia e Literatura desde a publicação da obra Teologia e Literatura – Reflexão Teológica a partir da Antropologia contida nos Romances de Jorge Amado de Antonio Manzatto em 1994, um marco de referência que inaugura o campo de pesquisa no Brasil. O presente trabalho visa uma análise da crítica de Antonio Magalhães da obra de Manzatto em seu livro Deus no Espelho das palavras, de 2000 para em seguida verificar em que medida isso se aplica no trabalho de Manzatto, assim como há uma contribuição para o campo com tal debate. Para tal pretende-se identificar algumas influencias na teologia manzatiana para melhor delinear compreender algumas de suas categorias.

Palavras chave: Teologia e Literatura. Método Antropológico. Antonio Manzatto. Jorge Amado.

Abstract
The aim of this paper is to introduce and analyze the theoretical debate about what became known as the Anthropological Method of dialogue between Theology and Literature since the publication of the work Teologia e Literatura – Reflexão Teológica a partir da Antropologia contida nos Romances de Jorge Amado by Antonio Manzatto in 1994. It became a landmark opens the field of research in Brazil. The present work aims at an analysis of the criticism of Antonio Magalhães of Manzatto’s work in his book Deus no Espelho das palavras, in 2000. Subsequently, it proposes verifying how the criticism focuses on Manzatto’s work and what is the contribution to the theopoetic studies. To this end, it is intend to identify some influences in Manzatian theology to better outline some of its categories.

Keywords: Theology and Literature. Anthropological Method. Antonio Manzatto. Jorge Amado.


A pesquisa desenvolvida no âmbito geral das ciências que estudam o fenômeno religioso e os estudos literários, e de modo específico, o diálogo entre Teologia e Literatura constituem um dos grandes campos de interdisciplinaridade na Área de Ciências da Religião e Teologia no Brasil, com abrangência de pelo menos 129 pesquisadores com uma produção bibliográfica que totaliza 1175 títulos entre livros, artigos, capítulos de livros e anais em congressos em 2018, espalhados em diversos grupos de pesquisadores pelo país (CANTARELA, 2018, p. 193; 206). Entre os autores mais importantes dessa comunidade acadêmica especialistas em teologia e literatura se encontra o trabalho de Antônio Manzatto, seja pela riqueza de seu trabalho, em profundidade e amplitude temática de reconhecimento internacional, seja pelo fato de ser o pioneiro no Brasil a discutir e pesquisar na área que ficou conhecida como Teopoética. O marco de referência do diálogo em Teologia e Literatura em terras brasileiras é o lançamento de sua obra Teologia e Literatura – Reflexão Teológica a partir da Antropologia contida nos Romances de Jorge Amado (1994) que resulta de sua tese doutoral apresentada na Faculdade de Teologia da Université catholique de Louvain, sob orientação do teólogo belga Adolph Gesché, em março de 1993.

Outro aspecto que é relacionado a Manzatto é o debate teórico que estabelece com o que ficou conhecido como Método Antropológico de diálogo entre Teologia e Literatura em perspectiva latino-americana, questão essa que se dedicará mais atenção no presente trabalho.

1. A quaestio disputata da primeira fase da Teologia e Literatura no Brasil

A temática do diálogo dos Estudos de Religião e a Literatura não é novo, podendo se identificar como uma constante na tradição teológica (VILLAS BOAS, 2016a) e mesmo constituindo-se como uma relação fundacional no surgimento da chamada Ciência da Religião [Religionswissenschaft] no século XIX, uma vez que sua origem é marcada pelo surgimento de obras de mitologia comparada, como é a Theologie des Heidenthums (1858) de Ferdinand Stiefellhagen (1822- 1902), e a Chips from a German Workshop (1867) de Friedrich Max Müller (1823-1900) que dedica o primeiro volume ao debate sobre a necessidade da nova disciplina (Essay on the Science of Religion) e o segundo volume aplica essa nova disciplina em uma abordagem de mitologia comparada entre diferentes religiões (Essays on Mythology).

Enquanto campo de pesquisa o diálogo entre Teologia e Literatura já havia despertado o interesse da comunidade europeia, quando em 1976, a Revista Concilium, de grande prestígio internacional no imediato pós-concílio, propõe um número sobre a temática, indicando uma tarefa programática em seu editorial:


o que se pretende, pelo contrário, é encontrar na forma literária um novo rigor que permita à teologia prosseguir seu trabalho peculiar, numa época que não se parece nem com a da abstração nem com a dos sistemas. É evidente, que o que está em cena, é mais que uma questão de estilo, é uma mudança na própria maneira de pensar, é uma preocupação dominante em recorrer à experiência cristã, a observação profunda dos intercâmbios incessantes entre essa experiência e a confissão de fé (JOSSUA; METZ, 1976, p.5)


Antonio Manzatto publica em 1994 sua leitura teológica da literatura, trabalho que desenvolve entre 1988 e 1993, na esteira de um cenário aberto para a discussão a respeito da crise da linguagem teológica que alguns autores europeus como Geffré, Ricouer, Pannikar, Lévinas, Ivanka, Castelli entre outros levantam (CASTELLI, 1969).

O objeto de investigação do teólogo brasileiro é o romance Tenda dos Milagres de Jorge Amado, obra publicada em 1969, que na ocasião já gozava de renome internacional traduzida em pelo menos uma dezena de países, e já havia até recebido uma adaptação para o cinema no espírito do cinema novo de Nelson Pereira dos Santos em 1977, e para a televisão em formato de minissérie em 30 capítulos em 1985. Apesar das iniciativas europeias, o trabalho de Manzatto inaugurava um campo de pesquisa ainda não explorado pela comunidade acadêmica brasileira de teólogo(a)s e cientistas da religião. O segundo trabalho, oriundo das Ciências da Religião, fora A bailadora andaluza: a explosão do sagrado na poesia de João Cabral (1996) de Waldecy Tenório em que propõe uma “leitura teopoética” de João Cabral de Melo Neto. Tenório faz outro percurso, partindo de críticos literários que tematizaram a questão teológico de algum modo, autores como Steiner, Gumbrecht, Proust, Barthes permeiam sua obra. No que toca a teologia evoca tanto a Nouvelle theologie como Hans Urs von Balthasar (1996, p. 40-43), sem estabelecer suas diferenças, dialmetralmente opostas a partir de determinado momento inclusive. Tenório sugere a possibilidade de ver o poeta pernambucano como um “teólogo inconfessável” (1996, p. 18; 25; 46; 164; 185).

Não houve conflito de perspectivas entre a obra de Manzatto e Tenório, sendo ambas bem recebidas. O debate metodológico, e consequentemente epistemológico tem início poucos anos mais tarde com o trabalho de Antonio Carlos Magalhães, Deus nos Espelho das Palavras (2000) que revisita criticamente a obra de Manzatto. Tal debate também ganhou a atenção de José Carlos Barcellos (1958-2008) com sua tese intitulada O Drama da Salvação (2000), porém publicada só em 2008.

Em sua obra Magalhães apresenta uma compilação dos métodos utilizados nos dois pólos epistemológicos, teologia e literatura, e propõe o que chama de método de correspondência. Suas principais influências são a Teologia da Cultura do Paul Tillich e o método de correção de Karl-Joseph Kuschel. De Tillich, Magalhães assume a distinção entre “teólogo da cultura” e “teólogo da Igreja”, em que o primeiro, apesar de buscar na tradição eclesiástica as referências para o labor de sistematização teológica não restringe sua reflexão a algo estrita e diretamente eclesial. Evidencia, contudo, Magalhães a dificuldade que as posturas eclesiásticas possuem para reconhecer a autonomia da cultura, e apresenta três posturas que marcariam a produção da Teologia e Literatura: 1) Católica: esta interpretaria a cultura como o mundo e a colocaria sob a dimensão sacramental da Igreja; 2) Protestante ortodoxa: relativiza toda a criação cultural, tendo a arte religiosa ortodoxa como referencial e expressão da verdadeira arte e mediação para a transmissão de verdades; e 3) Ecumênica: as diversas expressões culturais revelam aspectos fundamentais dos povos, constituindo-se como “sabedoria de vida” e instância do “sagrado”, como realidade parcial a ser completada pela prática missionária e ensino da Igreja. De Kuschel, tem como ponto de partida o “método de análise estrutural”, de “correlação” e “confrontação” que procura “assumir semelhanças” (analogia) e “definir diferenças”, porém uma dinâmica pressuposta entre pergunta e resposta, que para o autor precisa ser “radicalmente superada”, e por isso a proposta pensar a relação entre teologia e literatura desde a correspondência:


na correspondência parte-se do princípio de que essa relação precisa ser radicalmente superada na teologia e que precisamos encarar a possibilidade de propiciar um diálogo no qual, seguindo o conceito de correspondência em matemática, a cada elemento de um conjunto são associados um ou mais elementos de outro. Numa formulação mais voltada para o mundo da Bíblia e na tradição teológica, podem ser associados um ou mais na literatura mundial. A cada narrativa considerada compreensão de fé, há que se associar outra dentro da literatura. A cada forma de anúncio de uma verdade considerada fonte da fé, há que se associar outra na experiência das pessoas e nas interpretações literárias. Com isso, Bíblia e tradição mantêm-se como interlocutoras, sem elas não haveria correspondência; perdem, entretanto, seu lugar de normatividade única do saber teológico. Abrir mão da Bíblia e da tradição seria ufanismo literário e desconhecimento dos aspectos performativos da religião e da fé das pessoas. Mantê-las como referenciais únicos de análise, aferição e juízo sobre a vida das pessoas significa não sair do claustro teológico da Igreja (MAGALHÃES, 2000, p. 205).


Magalhães, assim, resume os métodos de trabalho em dois grupos básicos. De um lado se situa a proposta de leitura teológica de uma obra literária em que a hermenêutica teologica é dependente de uma “tradição normativa”, que cerceia e determina os temas a serem extraídos da obra literária. Por outro lado, e onde ele se inscreve, há uma proposta de leitura teológica na obra literária em que a própria literatura engloba temas religiosos, sendo ela mesma fonte de revelação. Deste modo, entende o autor, que tal perspectiva é capaz de superar a relação de “instrumentalização” da literatura, por parte da Igreja e da teologia, que reduz a Revelação à um “depósito de respostas prontas” ao dilema humano. Partindo de tais pressupostos, Magalhães critica a abordagem de Manzatto na esfera da teologia católica , em que por consequência está implícita uma relação com a teologia normativa da instituição eclesial em questão, nos quesitos : 1) a revelação de Deus é já “definida” e “delimitada”, o que resulta numa teologia com respostas prontas; 2) a literatura como mera “pergunta antropológica”, está incapacitada de provocar “mudanças significativas na reelaboração de nossas visões de Deus” e; 3) o método de aproximação da teologia com a literatura, se dá com a dinâmica “pergunta” (literatura) – “resposta” (teologia):


O trabalho de Manzatto parte de um princípio teológico que pressupõe uma Revelação de Deus já definida e delimitada, acessível por meio da tradição da Igreja. A questão do divino já tem sua resposta, enquanto o problema humano pode ter na literatura uma mediação importante. A relação que se estabelece a partir desses pressupostos é que a tarefa teológica não precisa criar meios de diálogo que possibilitem uma reavaliação dos chamados temas centrais do cristianismo, tais como revelação, encarnação, crucificação etc. Dá a nítida impressão que a teologia em si já tem suas respostas tão estabelecidas, que precisaria somente mediar melhor suas verdades, podendo ter, nesse caso, a literatura como interlocutora. Outra função que serviria ao processo de catequização da Igreja é o uso da linguagem literária para atingir o “não-crente”, visto que ela serviria mais a esse propósito do que a linguagem para iniciados da Igreja. A literatura não é, porém, ou melhor, uma pergunta antropológica que careceria de uma resposta da revelação. Ela pode exercer influência na construção do próprio método teológico. O que significaria, por exemplo, para a teologia dogmática, a opção por uma teologia narrativa? Quais seriam as mudanças significativas na reelaboração de nossas visões de Deus? Seria somente uma adequação do Deus do dogma às narrativas ou uma possível mudança na própria imagem de Deus? E, por fim, um problema central na obra de Manzatto é sua fixação quanto as formas de conhecimento. A literatura torna-se algo bastante limitado [...] um esquema baseado na pergunta (literatura) e na resposta (teologia) [e] uma relação baseada na mediação do conteúdo (revelação) por meio de uma forma mais criativa (literatura) (MAGALHÃES, 2000, p. 92-93; cf. ainda p. 82-89).


A crítica de Magalhães e a discussão levantada é de grande importância e merece uma análise minuciosa, pois põe em relevo uma questão fundamental para o diálogo epistemológico entre Teologia e Literatura que é o risco de uma relação ancilar entre ambas, especialmente naquele momento de emergência de neo-ortodoxias que não raro vêm acompanhadas de novas formas apologéticas. A pergunta que se levanta é se aquilo que Magalhães aponta é mais propriamente dito cabível à proposta de método do Manzatto ou ao ambiente teológico daquele momento, sobretudo, no que diz respeito a particularidade da teologia católica entre teologia normativa e teologia investigativa, sendo a primeira entendida como teologia oficial de uma determinada tradição de fé, também conhecida como teologia magisterial e a segunda, pautadas pelo exercício crítico da pesquisa, sobretudo da hermenêutica em diálogo com outras áreas de saber (GENOVESI, 2008, p. 67-92). Nomeadamente, refere-se aqui a teologia magisterial do pontificado de João Paulo II, bem como também poderia ser incluído as tendências de neo-ortodoxias no âmbito protestante, e a perspectiva investigativa da teologia em que Manzatto se insere, a saber a teologia da libertação (= TdL) em diálogo com a literatura, na medida em que possibilita uma aproximação privilegiada da realidade.

O que Magalhães aponta com muita propriedade, se nos parece voltado a tarefa de evitar uma antiga tentação da teologia como regina scientiarum que via a filosofia como “a serviço da teologia” (philosofia ancilla theologiae). A partir do século XIII, com a entrada definitiva da razão aristotélica no universo teológico cristão, a filosofia provoca uma “interrogação fontal” à teologia, à medida que um novo e completo sistema de explicação do mundo, do ser humano e de Deus, independente e autônomo da teologia, isto é, oriundo da filosofia, ou mais propriamente falando, daquilo que se chamara razão natural, se consolida no seio de uma sólida cultura cristã e irá orientar os seus novos rumos. Naquela ocasião de questionamento sobre qual filosofia seria compatível com a teologia enquanto expressão “intelectual” da fé, emergia uma tensão entre a questão de Deus apresentada pelos mestres da Faculdade de Artes de Paris, que defendem a filosofia como saber autônomo da teologia e a teologia normativa que via a filosofia subordinada à teologia (ancilla theologiae), nomeadamente a tensão entre Sieger de Brabant e Boécio da Dácia de um lado e São Boaventura de outro. A condenação dos primeiros no século XIII atinge também a proposta de uma via intermediária, a saber São Tomás de Aquino, que propunha conciliar razão aristotélica e fé em moldes agostinianos, sendo Deus a única fonte das duas ordens da verdade, entre o depositum fidei e a filosofia aristotélica como paradigma de ciência (GILSON, 1952). Tal tensão entre Igrejas com suas teologias normativas e razão crítica, não raro é confundida como sendo uma incompatibilidade entre pensamento crítico e teologia, quando na verdade esta acaba sendo atacada de ambos os lados por seu lugar de tentar encetar diálogos internos e externos à comunidade de fé.

Muito além de ser um problema remoto, essas três grandes “formas de pensamento”, presentes na origem da crise intelectual do século XIII, preparam a transposição do imaginário da modernidade, e igualmente a inabilidade das posturas eclesiásticas institucionais dando origem a um espírito antimodernista, a saber a postura de pôr termo nos embates, não por “via de argumentos”, mas por “via da autoridade” eclesiástica, como fora o caso do bispo de Paris, Etienne Tempier, assessorado por cerca de dezesseis teólogos de tendência neoagostiniana, ao censurar mais de duzentas proposições que visavam a atingir os mestres da Faculdade de Arte, e com isso condenam também a tentativa de conciliação entre Agostinho e Aristóteles, ou mais precisamente fé e razão, em Tomás de Aquino. Devido à insuficiente discussão e apressada condenação das teses, apenas aparentemente o decreto significou o fim das disputas doutrinais entre a Faculdade de Teologia e a Faculdade de Artes, que por sua vez de modo algum teve uma aceitação pacífica. Tal intervenção corrobora para o crescente distanciamento entre perspectivas eclesiásticas e pensamento crítico, e o método de respostas monológicas e condenatórias por parte das instituições eclesiásticas (VAZ, 2002, p. p. 39-73).

Somado a isso, a recepção da ideia, mais do que o dogma de infalibilidade, retroalimenta culturalmente a postura de uma resposta que dispensa o diálogo aberto e autocrítico. Na esteira da necessidade de solidificar a infalibilidade, ainda que fosse uma tentativa de interlocução mesmo que pouco eficaz na cultura de Cristandade, a carta encíclica de Leão XIII Aeterni Patris, de 1879, reapresenta o labor dialógico de Tomás de Aquino é como philosofia perennis por sua capacidade de uma inteligência lúcida [lucidior intelligentia] dos dados da Revelação, por meio da demonstratio [religiosa, christiana e catholica]. Entretanto, a lucidez tomásica aberta ao diálogo se converte em apologética tomista que inclementa o método de pergunta-resposta com o silogismo lógico face às consideradas ameaças do racionalismo do ateísmo [quaestio religiosa], do racionalismo [quaestio christiana] e do protestantismo [quaestio catholica] entendidas como um atentado contra o “ bom” uso da Razão. A teologia católica investigativa, neste contexto, acaba por se tornar, em grande medida, um instrumental de defesa tomista da fé e daí a sua proximidade com a teologia normativa, pois passa a ser o molde das definições doutrinárias e por isso é entendida como teologia oficial. É evidente que essa teologia procura responder aos ataques sofridos, e por sua influência direta na teologia normativa, ganha solidez de princípios magisteriais. A contrapartida da Reforma é o surgimento de uma Escolástica Protestante que acaba por consolidar ainda mais a ideia de cristianismo como uma expressão de intolerância e fechamento, elementos que a literatura iria captar plasticamente nos séculos XIX e XX.

Entretanto, tal método se situa no contexto anterior imediato do Concílio Vaticano II, em que a teologia normativa católica ou magisterial passou por uma nova auto compreensão com o Concílio Vaticano II que reconhece sua condição histórica de “Povo de Deus” que necessita de “conversão”, substituindo, deste modo, os traços triunfalistas que a faziam agir mais como Senhora da verdade do que situando-a como desejosa de diálogo e unidade (Unitatis Redintegratio, 1.) É evidente que em tempos de neo-ortodoxia, a perspectiva conciliar de abertura e diálogo à cultura contemporânea é vista com desdém, parcialmente ou epidermicamente, e até mesmo em alguns casos chega o repúdio explícito. Tais formas colaboram para uma vulgarização da perspectiva conciliar, enquanto fenômeno de recepção cultural, assim como reativa um transfundo de antimodernismo que fora historicamente alimentando no imaginário simbólico da Cristandade, porém veiculado com em nova roupagem por ser o Concílio uma teologia oficial.

O que se pergunta aqui é se a prática discursiva da categoria “resposta” em Manzatto coincide com a prática social de antimodernismo ou diz respeito a outra perspectiva, em que revisitar as fontes de influência em seu pensamento pode iluminar a questão.

2. Influências teológicas no trabalho de Antonio Manzatto

Como teólogo de origem católica na segunda metade do século XX, segue as sendas abertas pela chamada virada antropológica da teologia de grande inspiração rahneriana, em que “toda teologia é certamente e sempre teologia que nasce das antropologias não necessariamente religiosas [profanen Antropologien] e interpretações próprias do ser humano” (RAHNER, 1984, p. 19), com abertura para a questão literária, a existência humana se manifesta em outras linguagens como necessidade de “autocompreensão humana”:


Acresce a variada manifestação não-científica da vida no espírito na arte, na poesia e na sociedade, multiplicidade tão vasta que nem tudo que aí aparece é mediado quer pelas filosofias, quer pelas próprias ciências pluralistas, e contudo representa uma forma do espírito e da autocompreensão humana com que a teologia tem que ver de alguma forma. (RAHNER, 1984, p. 20; cf ainda RAHNER, 1962a, p.441-454; 1962b, p. 349-375).


Tal narrativa rahneriana no início da década de 80 já em seu trabalho de conclusão de sua obra, reforçava teologicamente as sendas de abertura para as opções que a Igreja Católica assumiu de diálogo com a cultura contemporânea e outras áreas do saber desde o Concílio Vaticano II, plasticamente apresentado na Constituição Pastoral que encerrava o evento de magna importância para a teologia católica posterior:


Em virtude de sua missão que é de iluminar o mundo inteiro com a mensagem evangélica e reunir em um único Espírito todos os homens de todas as nações, raças e culturas, a Igreja torna-se o sinal daquela fraternidade que permite e consolida um diálogo sincero. Isto, porém, requer, em primeiro lugar, que promovamos no seio da própria Igreja a mútua estima, respeito e concórdia, admitindo toda a diversidade legítima [...] O desejo de tal diálogo [...] não exclui ninguém, nem os que, honrando os bens admiráveis do engenho humano, contudo não admitem ainda o seu Autor, nem aqueles que se opõem à Igreja e a perseguem de várias maneiras. Sendo Deus Pai o princípio do todas as coisas, somos todos chamados a ser irmãos (Gaudium et Spes 92).


Na década de 90, entretanto, a teologia de língua francesa revisita a dimensão antropológica do método indutivo da teologia do século XX, distanciando-se da ontologia germânica desde a condição humana da linguagem, e começa-se a falar de uma virada linguística na teologia francófona em um diálogo crítico com os estruturalistas, os filósofos do linguistic turn, a fenomenologia, a narratologia e especialmente a hermenêutica e seus deslocamentos (GEFRRÉ, 1983, p. 30- 62), sendo Paul Ricoeur (1913-2007) uma das grandes pontes desse diálogo, em que a função poética da linguagem vai sendo entendida como órganon do discurso religioso (DE MORI, 2012, p. 230). Em linhas gerais, tal debate incidia sobre a questão da experiência histórica da linguagem e a consequente crise da linguagem teológica especulativa. Adolphe Gesché (1928-2003), teólogo belga e orientador de tese de Manzatto, assumiria essa perspectiva crítica, ao mesmo tempo em que ele próprio adota um exercício de ressignificação da linguagem teológica procurando sintonizar um novo modo de pensar a questão de Deus [Dieu pour penser] desde o papel que a teologia exerce na busca de sentido na cultura contemporânea. Aí já se isenta a questão da dependência de Deus, como se as coisas não pudessem ter sentido em si mesmas, desrespeitando a autonomia das coisas, desejada pelo próprio Deus (GESCHÉ, 2004a, p.69). Em Deus, face ao grande mistério do Mal que tudo questiona (GESCHÉ, 2003a, p.41-57), sub-existe um “excesso de sentido” que a encarnação do Verbo permite a participação da condição humana limitada nesse “sentido ilimitado” porque em Cristo se revela um Deus “capaz do ser humano” (GESCHÉ, 2003b, p. 123-147; 2004c, p. 201-225) e não somente um ser humano “capaz de Deus”. Entretanto, não se deve reduzir Deus a uma espécie de “funcionário do sentido”, como se sentido fosse Deus. Reflete-se sobre os possíveis lugares de sentido (liberdade, identidade, destino, esperança, imaginário) onde a teologia, enquanto modo de pensar, pode oferecer um excesso de sentido diante dos limites, convidando o ser humano a novas possibilidades. Esse excesso, que se manifesta por sua beleza, só pode ser percebido em sua força e amplitude pelo pathos, pelo zôon pathètikon, dimensão de igual importância à do zôon logikon que constitui o ser humano. Faz se necessário re-apaixonar o humano, pois sem a paixão não se pode reabilitar a experiência de Deus, experiência iminentemente escatológica, porque carregada de esperança de novas possibilidades (GESCHÉ, 2005, p. 96-98). Ademais, a dimensão literária em Gesché tem a função de uma desconstrução da imagem desumana de Deus, portanto, sem-sentido, na medida em que é sustentada por uma teologia “satisfeita”, e que anula sistematicamente a alteridade, ao dar respostas que transformam o diálogo em um monólogo. A questão do sentido em Gesché está situado em uma antropologia literária que opera como elemento epistemológico da condição de linguagem da teologia, na medida em que atua como instância reguladora da relevância e pertinência das afirmações teológicas num dado contexto cultural. A dinâmica da literatura ao mesmo tempo legitima e doa sentido a complexa e plural condição cultural do ser humano, e deste modo incorre no abalo de certezas da teologia, ao estabelecer outras correlações, não raro negadas ou mesmo condenadas por algumas tendências teológicas autoreferencias. Nesse sentido precisamente, a perspectiva teológica de Manzatto é rahneriana pois o antropológico é visto como da Revelação, mas ao mesmo tempo é gescheriana, pois o ser humano é também lugar de revelação, ou ainda, um “espaço de revelação e afirmação do humano” (MANZATTO, 2012, p. 80), sendo a literatura uma linguagem privilegiada para tal e, não raro, uma revelação que incomoda alguns modelos históricos-culturais em que a Revelação foi veiculada.

Há ainda outro elemento contextual que deve ser considerado no trabalho de Manzatto, também advindo dos anos 90, que é queda do muro de Berlim, que simbolicamente expressa a crise de uma esperança em um modelo econômico alternativo. Ainda que a realidade histórica do regime soviético fosse contraditória havia uma concentração simbólica que ele acabou por alimentar ao se apresentar como uma esperança ao capitalismo selvagem e os altos índices de pobreza nacional absoluta naquele momento. Epistemologicamente incide sobre a crise do modelo dialético que alimentava homogeneamente o pensamento latinoamericano, incluindo a teologia e as ciências da religião (VILLAS BOAS, 2018, p. 270). Naquele momento de revisão autocrítica da mediação sócio analítica do método ver-julgar-agir há tensões de perspectivas entre a chamada Teologia da Revolução, mais engajada em um viés marxista e a Teologia da práxis, com certo distanciamento crítico, contudo com pouco espaço para o reconhecimento de outras formas de pensamento latino-americano como a Teologia del Pueblo ou Teologia argentina da Cultura, que apesar de ser muito próxima da filosofia da libertação, não goza do reconhecimento destas duas outras tendências (VILLAS BOAS, 2016, p. 764).

Vale lembrar também que a crítica de Magalhães emerge desse contexto de inflexão do uso do método sócio-analítico, que Schultz chamou de “desconforto”:


Na verdade, no todo de sua obra sobressai um desconforto com o método da TdL. Em vários momentos ele critica a ‘Teologia da Libertação e outras teologias do sujeito’. Para ele, as pessoas e sua condição (o pobre, a mulher, o índio, o convertido, o clero, o negro etc.) não podem ser determinantes na interpretação da bíblia e formulação da teologia. ‘No primeiro caso [as teologias do sujeito], Deus estaria no espelho de uma experiência que rapidamente pode ser transformada em processo legitimador de um determinado movimento. (...) No segundo caso [teologia e literatura enquanto correspondência], Deus seria visto no espelho das palavras, com seus imaginários e suas representações. (...) Optando pela primeira possibilidade, a teologia corre o risco de permanecer cativa de um grupo, defendendo sua identidade como ciência doméstica da Igreja, de elevar a experiência concreta desse grupo a um nível paradigmático tal, que outras experiências seriam descartadas. Optando pela segunda alternativa, a teologia dá um vôo para ser teologia da cultura (SCHULTZ, 2002, p. 65)


Nesse caso, Manzatto estaria mais próximo de uma passagem para uma teologia da cultura aos moldes do que diz Magalhães, do que legitimar um viés ideológico. E aqui reside a contribuição original de Manzatto, em oferecer outra mediação analítica para a TdL, a de um ver emergente da literatura, e ainda que de modo não intencional, acabou por aproximar a teologia de perspectiva libertadora de questões culturais, pelo diálogo entre antropologia literária e antropologia teológica, e atualmente pelo diálogo com o cancioneiro brasileiro (MANZATTO, 2019).

Manzatto, sobretudo, insere a aproximação da teologia com a literatura dentro do universo da TdL, ao assumir o método de ver-julgar-agir, de manter a preocupação econômica e todas as suas derivações alinhadas à questão antropológica (MANZATTO, 2002, p. 113-115). E assim, a literatura se insere no “ver”, que é mais que simples ver: é contemplação, é análise, é ver a partir do contexto. Epistemologicamente, ocorre uma “substituição” da análise sociológica quantitativa da condição humana por uma análise literária qualitativa. Desse modo, a antropologia contida na obra amadiana não só oferece uma linguagem, ou premissas, para um silogismo, mas é portadora de uma reflexão qualitativa do ser humano concreto, que vive a realidade latino-americana de “brasileiro, subdesenvolvido, com seus complexos sociais e sua forma condicionada, mas que busca libertação. A literatura não só é um questionamento antropológico, mas tem um lugar privilegiado na sociedade como fonte reveladora da realidade antropológica, à medida que apresenta uma “compreensão do que significa ser humano no mundo” (MANZATTO, 1993, p. 9).

Ademais, no próprio Magalhães se elucida que a literatura levanta questões à teologia sim, mas não exclusivamente a ela. Por sua capacidade de percepção do humano, a literatura é autêntica interlocutora com diversas áreas do saber, como as ciências sociais, a psicologia e a psicanálise, a filosofia, a história... E aqui coincidem os olhares uma vez que a posição da teologia na obra de Manzatto, perante os questionamentos da literatura, não parece ser de mera resposta pré-definida como nos moldes da teologia apologética mas antes entende-se que o caminho de acesso ao ser de Deus é o caminho humano, isto é, Deus se revela através do humano, de modo especial no seguimento de Jesus, enquanto percorre sua historicidade antropológica testemunhada pelos Evangelhos.


Para ser atual e para ser salutar, ela [a Teologia] tem de encontrar-se com as preocupações humanas de hoje, pois senão não terá importância nenhuma para a humanidade contemporânea, não terá significação, e Jesus não será o Salvador [...] Por isso cada época, cada sociedade, cada comunidade elabora sua cristologia, fazendo com que suas preocupações se encontrem com a mensagem, a prática, a pessoa de Jesus [...] A cristologia, com toda sua reflexão teológica, é sempre cultural, social e historicamente situada. [...] Ao ouvir o discurso literário, a teologia pode se encontrar com antropologias diferentes, vindas de outros horizontes, mas que se revelam capazes de iluminar a compreensão do mistério de Deus que se revela aos homens através do humano. Assim, a literatura, por sua antropologia, comporta um real interesse teológico (MANZATTO, 1997, p. 9).


Assim, o método antropológico de Manzatto, longe de reduzir a literatura a mera pergunta, a considera como questionamento legítimo e ponto de partida de um itinerário indutivo para a refeitura da teologia, ajudando-a a aterrissar na condição humana, e deste modo melhor perscrutar a densidade antropológica da semântica soteriológica cristã:


O caminho metodológico para se conhecer o Deus que se revela a nós é partirmos do antropológico para chegarmos ao teológico e nunca ao contrário. A humanidade de Jesus é reveladora de sua divindade. A divindade de Jesus não é evidente, sua humanidade sim [...] O caminho, pois, é do antropológico ao teológico (MANZATTO, 1997, p. 8).


3. Método Antropológico de diálogo entre Teologia e Literatura

Método antropológico foi como acabou sendo chamado a proposta metodológica de Manzatto, mesmo que tenha variações e mesmo distintos interlocutores sobre a questão (VILLAS BOAS, 2011, p. 26; 55). Em sintonia com o catolicismo conciliar do Vaticano II, estabelece uma interface dialógica por meio da antropologia contida em Tenda dos Milagres, uma vez que o “antropológico” tem valor fundamental para a teologia do século XX. Essa, por sua vez, por conter um completo “discurso antropológico”, estabelece um método de reflexão entre a antropologia literária e a antropologia teológica (MANZATTO, 1993, p. 9; 36; 38-41).

Destarte, ao escolher a “antropologia amadiana”, Manzatto assume a reflexão sobre o ser humano contextualizado, “concreto” e “situado”, a saber: o homem pobre, subdesenvolvido, oprimido, discriminado, mas que busca sua libertação na busca de felicidade e a vive já de modo antecipado a partir da festa, como modo de ser, e da experiência de amar e ser amado (MANZATTO, 1994, p.180-220). Neste concreto substrato antropológico da obra de Jorge Amado, ele reflete sobre o Deus da Revelação que vem ao encontro dessa condição humana, e se autocomunica realizando as potencialidades humanas e potencializando outras possibilidades, impulsionando o ser humano a ser mais em seu devir histórico.

Ao elencar a categoria teologia, apresenta-a não como o intellectus fidei de um Deus etéreo e/ou abstrato, mas o Deus de um povo e, portanto, o labor teológico se presta a conhecer Deus por meio de Seu povo, mais especificamente nos atos de Deus no meio desse povo. Uma intellectus fidei que não privilegia a inter-relação Deus/realidade do povo, a saber, a condição humana daquilo que é vivido, corre o risco de ser “logologia”, ou seja, “palavras a respeito de palavras”, o que seria um desserviço à vida:


As relações entre Deus e o homem na história, à luz da fé, refletidas de maneira crítica e atualizada, eis o que a teologia faz. Não sendo antropologia, a teologia tem, porém, um discurso antropológico perfeitamente legítimo. No centro da fé cristã se encontra Jesus Cristo, Deus e homem, revelador de Deus e do homem. E se a teologia fala de Deus, ela fala aos homens, e fala sobre um Deus que se fez homem e que ama os homens. Ela está a serviço do humano (MANZATTO, 1994, p. 40-41)


Logo, a teologia é “ato segundo”, precedida pela experiência de Deus na vida cristã, “ato primeiro”, de modo que a teologia não é somente reflexão sobre a Palavra de Deus, mas também e com uma atenção especial sobre quem e em que condições escuta essa Palavra, de modo que deve ajudar o ser humano a encontrar a verdade de seu existir, isto é, uma vida que não se aliena de sua realidade, numa falsa visão de fé e vida que é cega às mazelas de seu tempo e de seu povo. É próprio da teologia responder e ajudar a pessoa de fé a dar respostas aos desafios de seu tempo. Essa é sua condição perene, na qual a Teologia Latino Americana não é senão uma teologia contextual, “ato segundo de uma vida cristã vivida em um continente rasgado pela pobreza” (MANZATTO, 1994, p. 53).

Para a categoria da Literatura, Manzatto não procura estabelecer uma “definição” desta, mas sim contemplar as relações que se firmam nela entre o estético e sua mensagem literária, de modo especial no romance. Por ser uma expressão artística a literatura atinge a realidade, não diretamente como a História ou a Filosofia, mas indiretamente, pelo simbólico, como relato de uma experiência interna e intensa, cujas palavras exprimem, não raro, o inefável pelo signo do paradoxo. Por isso, diz não dizendo, não descreve nem interpreta, mas representa a realidade, captando o radicalmente antropológico da experiência vivida da condição humana. Por ser analógica e não somente lógica, permite que a ficção seja figura do real e conter uma “verdade mais profunda e mais verdadeira” que o empírico, porque penetra a raiz do factum, ou seja, seu sujeito, pois, mais que a análise do objeto de observação, se porta a analisar o observador, suas predisposições e inquietações, suas expectativas e fracassos, seus esperanças e desesperos. Enfim, afirma o paradoxo, que foge à lógica clássica e empírica, e apresenta, assim, a realidade mais premente da condição humana: sua ambiguidade que faz ceder todo o rigor lógico, sem que, para isso, por ser simbólica, tenha a literatura que se justificar, mas tão somente expressar e afirmar o caos [presente no cosmos] que a pretensão humana procura dominar, por temer sua força de desmontar as provisórias ordens criadas. Nesse sentido a literatura está a serviço do caos desmantelador de uma ordem que marginaliza tudo o que não cabe em seu estatuto de interesse social, tarefa que só pode ser cumprida pela sensibilidade humana, arte em que a literatura é mestra, “um conhecimento do que significa ser humano no mundo” (MANZATTO, 1994, p. 22). Essa comunicação da literatura é veiculada pela beleza (pulchrum), e por isso comove o ser em sua existência, seja por apresentar a forma horrenda da mediocridade, seja por vislumbrar novas formas [mais belas] de ser e, portanto, mais profundas, na medida em que a estética [Belo] revela a ética [Bem], até então não percebido, e, por referir-se ao real, revela a veracidade [Vero] desse Bem na existência e o desejo de unir-se [Uno] a essa verdade, de fazê-la sua, por sua coerência estética que encanta e espanta, e assim “humaniza o homem”:


A literatura não fala apenas à razão, mas ao ser humano todo inteiro: compreende-se e sente-se o que o autor nos diz, veem- -se suas imagens, sentem-se cheiros e gostos ao se ler uma obra literária. A literatura comunica-se com a razão e com os sentidos humanos. Por isso diz ela não é feita para ensinar, mas para deleitar. Entretanto, ela busca também “sensibilizar o leitor, dando-lhe uma visão mais ampla dos problemas do mundo, uma vez que o compromisso da literatura é com a alma humana, porque a função artística é registrar a vivência do homem, com suas angústias, glórias e prazeres”. É exatamente nesse sentido que, diante de uma obra literária, tem- -se vontade de dizer: “É verdade!”. Por sua coerência interna, essa obra torna-se convincente, não no sentido da persuasão retórica, mas como simples representação. Se é verdade que a arte não se constitui como tal sem o belo, da mesma forma o belo revela novas formas do ser e não se opõe necessariamente à verdade (MANZATTO, 1994, p. 38. Cf. ainda p. 26).


O autor escolhe a categoria de “aproximação” da teologia com a literatura, uma vez que esta não implica necessidade, sendo que uma área não depende da outra, mas encontra-se numa livre decisão de aproximação, por identificarem uma afinidade: o antropológico (MANZATTO, 1994, p; 65). Para a literatura, que se interessa por tudo o que é humano, a teologia como forma de pensar a vida a partir da experiência de transcendência, do signo de Deus, de demais símbolos, expressões e valores presentes na cultura, é vista com o interesse de uma realidade humana. Do mesmo modo, o que a literatura oferece de pertinente à teologia é seu caráter antropocêntrico, em que se dá a experiência de Deus e a partir de onde se inicia a reflexão teológica:


A experiência de fé não se faz independente das outras experiências humanas e da cultura: ela se faz, sempre, em um contexto determinado. Por outro lado, mesmo se a literatura fala do imaginário, ela o faz partindo do real vivido, da experiência, como já foi dito. Nesse sentido, não é impensável que a teologia utilize da literatura para aproximar-se desse real vivido, como uma forma de dialogar com os homens e as culturas. Assim o literário pode dar à teologia ocasião para que seja feita uma reflexão sobre a Palavra de Deus não a partir do espaço eclesial mas a partir do mundo, e até mesmo fornece- -lhe o material para a inculturação da fé, na medida em que apresenta o homem, a sociedade e a cultura (MANZATTO, 1994, p. 68).


Para a realidade latino-americana, a teologia e a literatura colaboram para a busca da identidade de cada nação e para a busca de uma fé que fala sua língua, que lance luz sobre seus problemas, que lance esperança sobre suas angústias. A literatura ajuda a teologia a conhecer o seu povo e esta ajuda aquela a conhecer um Deus que conhece este povo (MANZATTO, 1994, p; 37-38; 43-52).

Conclusão

No bojo da consonância conciliar é que se enquadra a recepção da literatura em Manzatto como possuidora de uma verdade antropológica, a dialogar com a teologia na procura de um engajamento pela justiça e pelo bem comum, de modo especial para a realidade Latino Americana, que se encontra não somente em sua carência de pão, mas numa indolência utópica, emergida de um imaginário alienado de não poucas instituições autonomizadas em relação a sociedade. Aqui a literatura ganha o status de companheira da teologia, ambas com autênticas críticas e contribuições legítimas, uma vez que comem na mesma mesa [imaginário social latino americano] e partilham dos mesmos sonhos de libertação e de vida deste continente, sendo, portanto, destituída de qualquer condição ancilar, mas envolvida pelo espírito de diálogo e tributárias da solidariedade humana.

Por outro lado, a crítica de Magalhães, enquanto legítimo interlocutor, ajuda a identificar riscos de retroalimentar pontos cegos de percepção veiculados pela vulgarização das práticas discursivas quer sejam conciliares, quer sejam da TdL ajudando a tematizar a tentação de uma relação ancilar da teologia com a literatura. Assim, a acusação de Magalhães de que a literatura em Manzatto corresponderia a uma mera “pergunta antropológica” e a “Revelação de Deus” como uma categoria “já definida e delimitada, acessível por meio da tradição da Igreja”, na qual a resposta já está dada, poderia ser mais facilmente identificada com o cenário de exageros ideológicos nas práticas libertadoras de alguns grupos, e as formas de vulgarização do paradigma do diálogo promovido pelas neo-ortodoxias, pois não há evidencias na obra de Manzatto de adotar uma forma fixista de Revelação, até porque essa crítica a condição limitada das fórmulas dogmáticas já tinha sido feita pela TdL, e fora reconhecida, inclusive, pela teologia oficial católica1 . Também parece estar presente no patriarca dos teopoetas a superação de uma instrumentalização ancilar da literatura, de modo que a forma de diálogo empreendida entre Teologia e Literatura, parece ser mais ampla do que uma relação unilateral, em que uma detêm as repostas para o questionamento da outra. Ao utilizar o termo “resposta” no final da década de 90, Manzatto parecia muito mais entender no espírito conciliar, como disposição a “co-operar na descoberta das soluções dos principais problemas do nosso tempo” (Dei Verbum, 10) valorizando, portanto, os vínculos existentes entre as inúmeras culturas, podendo, inclusive, “entrar em comunhão” com elas, “donde resultará um enriquecimento tanto para a Igreja como para as diferentes culturas” (Dei Verbum, 58).

A despeito dos debates que se seguiram em torno a esta questão nas duas primeiras décadas do século XXI, não era incomum em um grande número de dissertações e teses defendidas em teopoética, que o proponente se sentisse no dever de se posicionar sobre a questão, sobretudo no eixo São Paulo (PUC SP) - São Bernardo do Campo (UMESP). Entretanto, a questão em si teve sua importância, pois ajudou a melhor evidenciar as incongruêncisa do intertexto de recepção entre os interlocutores do diálogo entre teologia e literatura, bem como a esmerar o uso de categorias que, porventura tornaram-se mal-ditas. Todavia, ao final da segunda década do presente século, e salvo melhor juízo, se nos parece que a manutenção de tal debate atualmente teria a importância de uma nota de rodapé, pois o campo da teopoética ganhou muito maior amplitude (CANTARELA, 2018, p. 210-217) e novas formas de análise da complexidade entre texto e recepção do texto em diferentes contextos e leitores (VILLAS BOAS 2016a, p. 29-48;91-96; NOGUEIRA, 2020, p.175-190). Também parece se consolidar uma consciência mais interdisciplinar com as ciências da linguagem e os estudos de religião, que inclui a teologia (VILLAS BOAS, 2018). Ademais, ambos os autores prosseguiram suas pesquisas, possibilitando a ambos aprofundar e aperfeiçoar suas perspectivas de ponto de partida. A crítica mais precisamente incidiria não sobre o uso do método, mas seu abuso, alertando ao método como prevenir seus desvios de aplicação, e assim colabora com o autor a refinar sua proposta, como deve ser uma interlocução. O mesmo se dá com Magalhães (SCHULTZ, 2002, p. 67)2. Ambos importantes autores para o campo de estudos da religião e literatura, que muito influenciou e influencia o trabalho de uma nova geração de pesquisadores.

Revelação é um termo de tamanha densidade semântica e distintos usos históricos, contudo, no espírito pós-conciliar e latino-americano que Manzatto comunga, sua compreensão impulsiona a uma narrativa em ajudar o ser humano a ser mais humano, e encontra sua “correspondência” [para falar em moldes de Magalhães] na antropologia amadiana, ao compreender o ser humano como ser feito para a felicidade e capaz de justiça e luta. Pode-se verificar que o método de Manzatto não parte de premissas filosóficas, que pré-determinam suas respostas, aprisionando Deus dentro de uma metafísica que o torna “absoluto demais” e tão distanciado da sua ação na história, mas parte da antropologia literária, ou seja, da liberdade narrativa para expressar a condição humana, que não raro é crítica de modelos eclesiológicos, crítica essa que não foi silenciada pelo autor.

Neste âmbito, as “respostas” que a teologia busca oferecer aos questionamentos antropológicos levantados pela literatura nesta obra de Manzatto, não são mais de cunho apologético, mas de co-responsabilidade pela condição humana. A resposta que a teologia pode oferecer não procura calar ou mesmo solucionar, mas sim impulsionar em direção a um horizonte mais plenamente humano, na confluência testemunhal de que Deus mesmo é quem responde aos anseios humanos. “Resposta”, aqui, não é mera formulação dogmática, e sim graça de Deus que se revela face aos anseios humanos, como “lugar de encontro”. Assim podemos enquadrar epistemologicamente o método que Manzatto como proposta de “encontro” da teologia com a literatura em que a teologia continua sendo teologia e, portanto, reflete teologicamente sobre a literatura, que, idem, continua sendo literatura. Deste modo, como autêntico locus revelationis pois desvela o humano, que se revela o divino, a teologia se posiciona em relação à literatura num auditus fidei, sendo ela momento segundo que reflete sobre a experiência cristã, que se dá em meio às experiências humanas, das quais a literatura é testemunha privilegiada por sua antropologia qualitativa.

Portanto, afirmar a pertinência da proposta de Manzatto não significa aqui contraposição à proposta de Magalhães, de enxergar a Revelação presente no mundo, como ação do Espírito que atua na cultura, mas que essa ação na cultura é também ação do Espírito que atua na comunidade eclesial. Em ambos os espaços há duas leituras da mesma categoria pneumatológica, que se enriquecem mutuamente. O olhar de Magalhães enfoca a ampliação da concepção de Revelação, ao passo que o olhar de Manzatto se estabelece como ponte entre a Revelação dentro da consciência de uma confissão e o Espírito que atua no mundo e, e de modo especial na cultura. Ambos constituem importante avanço para a questão entre Teologia e Literatura e a nosso ver o impasse metodológico entre Magalhães e Manzatto se dá num problema de pressupostos epistemológicos diferentes, em que o ponto nevrálgico é a questão da admissão ou não de uma Teologia da Cultura, separada de uma Teologia eclesial, e como cada autor entende cada uma das esferas, correlacionando-as [Manzatto] ou não [Magalhães]. Para Manzatto não há essa dicotomia “teologia da cultura”/“teologia da Igreja”, uma vez que a teologia conciliar orienta o labor teológico para a construção do Reino de Deus, que reconhece o valor soteriológico na autonomia da cultura humana que colabora para a justiça e o bem comum. Para a teologia conciliar, a teologia dita “da Igreja” é realizada “na Cultura”, e a Teologia da Cultura ajuda a teologia eclesial a melhor se entender no tempo, sendo ambas participantes do Reino de Deus que está acima das igrejas e das culturas.

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Notas

[1] “Há que reconhecer certamente o caráter limitado das fórmulas dogmáticas, que não exprimem, nem podem exprimir tudo o que está contido nos mistérios da fé, e que devem ser interpretadas à luz da Sagrada Escritura e da Tradição” cf. CONGREGAÇÃO PARA DOUTRINA DA FÉ. Notificação sobre as obras do P. Jon Sobrino. Disponível em <http://www.vatican.va/>. Acesso em: 14. Mar.2007.

[2] Schultz identifica na obra de Magalhães problemas com a “normatividade” e a “autoridade”: “Antonio [chamado aqui por Magalhães] parece sonhar com uma espécie de teologia utópica, autônoma, livre de qualquer tipo de cerceamento: ‘a linguagem teológica usada sem os cerceamentos dos sujeitos ou das instituições, eis o ideal da teologia’” (SCHULTZ, 2002, p. 67).