Josiney Alves de Souza
Doutor em Matemática pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Resumo
Um renomado matemático chama a atenção para um aspecto normalmente ignorado ou despercebido na teoria darwiniana da evolução. Uma versão mais aguda da seleção natural teria influenciado o pensamento nazista no extermínio de milhares de seres humanos. A assim chamada lei do mais forte não foi explicitamente pregada por Darwin, mas os preceitos darwinianos indiretamente contribuíram com um falso aspecto científico para as barbáries da humanidade. O presente artigo contribui com esta reflexão, mostrando como a lei do mais forte foi originada, como se opõe à lei de Deus e como se relaciona aos acontecimentos dos últimos dias.
Palavras-chave: Teoria da evolução; mecanismo darwiniano; darwinismo social; nazismo; matemática.
Abstract
A notorious mathematician calls attention to an aspect normally ignored in Darwinian theory of evolution. A graver version of natural selection would have influenced Nazi thought in the extermination of thousands of human beings. The survival of the fittest was not addressed by Darwin, but Darwinian principles indirectly contributed a pseudo-scientific aspect to the cruelties of men. This article contributes to this thinking, by showing how the principle of survival of the fittest has ascended, how it opposes the law of God, and how it relates to the events of end times.
Keywords: Evolution theory; Darwinian mechanism; social Darwinism; Nazism; mathematics.
O surgimento dos computadores eletrônicos no Século XX causou intensa agitação no meio científico em geral. Na biologia evolutiva, as máquinas eletrônicas de cálculo ajudaram os cientistas a testarem o mecanismo darwiniano da evolução, infligindo readequações e aprimoramentos. Neste caso, os matemáticos tiveram papel fundamental no fornecimento de análises críticas dos processos evolutivos. O artigo Os Matemáticos da Evolução tratou desse assunto com detalhes históricos das incursões de matemáticos na teoria evolucionária.
O presente manuscrito segue esta linha de pesquisa, mas se baseia em um tratamento crítico filosófico de um matemático contemporâneo, cujo parecer instiga uma reflexão profunda sobre a história da humanidade. David Berlinski traz a discussão da teoria evolucionária para o contexto do comportamento humano ao conectar as pressuposições darwinianas com a “lei do mais forte”, que é uma influência na humanidade desde os primórdios. Este artigo contribui com esta reflexão, mostrando como a lei do mais forte contraria em tudo a lei de Deus e como está relacionada aos acontecimentos dos últimos tempos.
Esta seção apresenta uma breve exposição sobre a influência do darwinismo no comportamento humano em geral e na fundamentação ideológica do nazismo.
O movimento chamado de darwinismo social surgiu em meados de 1870, como uma combinação de teorias da sociedade defendidas no Reino Unido, América do Norte e Europa Ocidental (WILLIAMS, 2000). Trata-se de uma tentativa de se aplicar o darwinismo nas sociedades humanas, com base nos conceitos de luta pela existência e sobrevivência dos mais aptos, para justificar políticas que não fazem distinção entre aqueles capazes de sustentar a si e aqueles incapazes de se sustentar. Além do fascismo e nazismo, esse conceito motivou as ideias de eugenia, racismo e imperialismo (LEONARD, 2009).
O sucesso da teoria da evolução motivou o surgimento de correntes nas ciências sociais baseadas na tese da sobrevivência do mais adaptado, da importância de um controle sobre a demografia humana (WELLS, 1907). De acordo com esse pensamento, existiriam características biológicas e sociais que determinariam que uma pessoa é superior à outra e que as pessoas que se enquadrassem nesses critérios seriam as mais aptas. Geralmente, alguns padrões determinados como indícios de superioridade em um ser humano seriam a habilidade nas ciências humanas e exatas, em detrimento das outras ciências, como a arte, por exemplo, e a raça da qual ela faz parte. Segundo a lei da sobrevivência do mais adaptado, o homem e todos os seres vivos evoluem para continuarem vivos, por isso há evolução.
O darwinismo social foi a principal base ideológica para o nazismo (CLAEYS, 2000). O objetivo dos nazistas era de superar as divisões sociais e criar uma sociedade homogênea baseada nos povos germânicos, considerados como os mais puros da raça ariana. A tentativa era de unir todos os alemães e excluir aqueles considerados como “povos estrangeiros” ou “raças inferiores”.
Adolf Hitler iludiu muitos alemães e estrangeiros com a ideia de que, após o massacre das “raças inferiores”, nasceria um mundo melhor. Soldados e outros agentes do nazismo tiveram a consciência cauterizada, acreditando que a matança de inocentes era para o bem da humanidade. O convencimento das ideias nazistas foi fortemente influenciado pelas justificativas científicas, baseadas na teoria da evolução.
Isso pode soar absurdo hoje, mas era um fato aceito pela ciência da época. “O Holocausto não ocorreu no vácuo. Ele seguiu décadas de crescente aceitação científica à desigualdade entre os homens”, diz o alemão Henry Friedlander, historiador e autor de The Origins of Nazi Genocide (“As Origens do Genocídio Nazista”, sem versão brasileira). Friedlander se refere a um conceito nascido no século 19 nas melhores universidades: a eugenia. (SUPERINTERESSANTE).
A eugenia é uma teoria criada pelo matemático inglês Francis Galton, primo de Darwin. Assim como outros pensadores da época e da atualidade, Galton adaptou a teoria de seu primo às ciências humanas. Em 1865, ele postulou que a hereditariedade transmitia características mentais, ao ponto que as boas escolhas de parceiros para os membros das melhores famílias poderiam gerar uma raça de homens mais capazes. Galton se inspirou nas obras então recém-descobertas de Gregor Mendel, que havia identificado características que governavam a reprodução de ervilhas, chamando-as de dominantes e recessivas. A partir das palavras gregas para “bem” e “nascer”, Galton criou o termo “eugenia” para batizar essa nova teoria.
Os eugenistas viram na genética de Mendel o argumento para justificar o racismo. Misturar genes bons com “degenerados”, para eles, estragaria a linhagem. Para evitar isso, só mantendo a raça “pura”. Estas ideias fizeram sucesso entre as elites intelectuais de boa parte do Ocidente, mas foi nos Estados Unidos da América que elas se desenvolveram primeiro. Não tardou até que os eugenistas americanos começassem a querer transformar suas teorias em políticas públicas de proibição da miscigenação. Portanto, não foi na Alemanha que a eugenia inicialmente se desenvolveu, mas os alemães nazistas importaram as ideias eugenistas dos norte-americanos.
Motivados pelo ódio antissemita ancestral, e encobertos pela fachada científica, os nazistas empunharam a bandeira do nacionalismo. Com o apelo político-social da identidade germânica, Hitler unificou a Alemanha fragmentada, em 1871, e fundou o 2º Reich. Passados então 12 anos da publicação de “A Origem das Espécies”, os alemães estavam vitoriosos e entusiasmados. A Alemanha se lançou ao imperialismo baseado no darwinismo social, declarando a superioridade dos povos germânicos sobre as outras raças e justificando assim seu direito de dominá-las.
O fracasso dos alemães não suspendeu o pensamento nazista. Embora seja declarado que o nazismo morreu com Hitler, suas ideias sobreviveram aos 75 anos depois da guerra. A chancela de “aprovado pela ciência” ou “em nome da ciência” continua dando aval a projetos imorais. O racismo continua ganhando adeptos em todo o mundo, pregando a desigualdade humana. O nacionalismo acirrado colabora com o racismo e o modernismo, dispensando a ética e desprezando o indivíduo em nome do progresso.
Hoje, a ciência genuína mostra que a eugenia é uma teoria profundamente equivocada, visto que o termo “degeneração” proveniente das experiências de Mendel se trata de uma variação genética, algo ótimo para a sobrevivência. Da mesma forma, o darwinismo social se baseia em um contrassenso, visto que a solidariedade é tão importante para a sobrevivência quanto a competição (KROPOTKIN, 2009).[1]
David Berlinski é um matemático e filósofo norte-americano, autor de diversos livros de matemática, filosofia, história da ciência e ficção. Nasceu nos Estados Unidos em 1942, filho de refugiados judeus de origem alemã que imigraram para Nova Iorque depois de evadirem da França. Recebeu o título de doutor em filosofia pela Universidade de Princeton, seguindo com o pós-doutorado em matemática e biologia molecular na Universidade de Columbia. Escreveu diversos trabalhos sobre topologia diferencial, filosofia da matemática, análise de sistemas, biologia teórica e filosofia analítica. Seus textos de matemática incluem The Rise of Differential Topology (1990), A Tour of the Calculus (1995), The Advent of the Algorithm (2000)[2], Newton's Gift (2000), Infinite Ascent: A Short History of Mathematics (2005) e The King of Infinite Space: Euclid and His Elements (2013). Ele também ministrou matemática e fisolofia em Stanford, Rutgers, City University de Nova Iorque e Universitè de Paris. Recebeu bolsa de pesquisa pelo International Institute for Applied Systems Analysis, na Áustria, e pelo Institut des Hautes Études Scientifiques, na França. Berlinski é um membro sênior do Center for Science and Culture do Discovery Institute, o centro de estudos sobre o design inteligente.
Berlinski é um notável crítico da teoria da evolução. No Discovery Institute, colaborou com Michael Behe e William Dembski, proeminentes do design inteligente. Ele compartilha da falta de evidências da evolução, embora não seja abertamente um adepto do design inteligente e se recuse a discutir sobre a origem da vida. Foi amigo de longa data de Marcel-Paul Schützenberger (1920–1996), com quem colaborou no manuscrito de matemática não publicado que ele descreveu como sendo “devotado à teoria darwiniana da evolução”. Assim como foi Schützenberger, Berlinski é, na verdade, um opositor do darwinismo. Sua posição crítica em relação à teoria evolucionária é motivada principalmente pela falta de evidências, visto que a evolução não tem suporte no registro paleontológico. A teoria de Darwin é incompatível com o surgimento simultâneo de um grande número de novas estruturas biológicas na explosão cambriana, e é inconsistente devido à falta de grandes sequências de fósseis de transição e à falta de significado para a evolução em tubarões (BERLINSKI, 1996). Ele também cita que o mecanismo darwiniano é incapaz de explicar fenômenos como a evolução do olho e o canibalismo sexual de aranhas.
Em Advent of the Algorithm, Berlinski explica que o algoritmo tornou possível as ciências físicas. Na biologia molecular, ele observa que os algoritmos convertem informações de um conjunto de símbolos, o código genético, em outro conjunto, as proteínas. Segundo o matemático, até mesmo a inteligência pode ser explicada por algoritmo (BERLINSKI, 2000, p. 290). Enquanto materialistas acreditam que o universo é inútil, outros pensadores acreditam que a complexidade do mundo natural exige que façamos perguntas mais e mais profundas, e tudo isso pode ser explicado por algoritmo. A pergunta é: De onde vem esse algoritmo? Citando Kurt Gödel, Berlinski nota que a lei e a chance sozinhas não seriam responsáveis por um aumento na complexidade dos sistemas vivos. Da mesma forma, usando seleção natural cega agindo sobre mutações de acaso, a teoria de Darwin não pode explicar a complexidade da vida e como ela se desenvolveu ao longo do tempo. A conclusão de Berlinski é que a rápida origem da complexidade biológica pode exigir um processo de coordenação cuidadosa e design inteligente (ibidem, p. 321). Assim, seria melhor para a ciência usar as ferramentas explicativas da lei, do acaso e do algoritmo, que ele chama de “artefato inteligente” (ibidem, p. 325). Enfim, a complexidade não pode ser derivada inteiramente de algo simples e, por outro lado, a complexidade não fornece uma explicação completa para sua própria origem.
Em 2010, Berlinski escreveu para o The Times Literary Supplement on the RNA World em resposta à declarada rejeição do design inteligente pelo químico Stephen Fletcher (BERLINSKI, 2010). De acordo com a introdução do assunto da carta, Fletcher havia rejeitado com indignação a suposição de que a criação da vida exigia um projeto inteligente e se convenceu de que esta surgiu por meio de vários cenários químicos. Berlinski cuidou em relatar que todos esses cenários requerem intervenção inteligente. Embora as descobertas do RNA levam muitos a crer em um “antigo mundo RNA”, Berlinski sustenta que os experimentos realizados devem demonstrar em primeiro lugar a existência de uma via química detalhada entre precursores de RNA e uma forma de RNA autoreplicante; e eles devem fornecer em segundo lugar uma demonstração de que a aparência espontânea deste caminho é plausível em condições prébióticas (ibidem). Essa condição de plausibilidade, porém, permanece uma questão sem resposta; da mesma forma, o aparecimento de uma forma autoreplicante de RNA. Experimentos conduzidos por Tracey Lincoln e Gerald Joyce no Instituto Scripps demonstraram a existência de RNA autoreplicante por um processo de evolução in vitro. Porém, para Berlinski, isto não demonstra a plausibilidade prébiótica, uma vez que eles começaram com o que precisavam e purificaram o que conseguiram até terem conseguido o que queriam, sendo isto um planejamento inteligente (ibidem).
Talvez a investida mais dura de Berlinski contra a teoria evolucionária seja a publicação do artigo Connecting Hitler and Darwin, onde considera que o aclamado On the Origin of Species não disse nada de substancial sobre a origem das espécies, mas convenceu os cientistas da Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos de que os seres humanos eram acidentes de criação. Onde Darwin tinha visto espécies lutando pela sobrevivência, médicos alemães, biólogos e professores de higiene viram raças. A comparação entre Hitler e Darwin é ríspida: ‘Um homem – Charles Darwin – diz: “Na luta pela sobrevivência, o mais apto ganha às custas de seus rivais...” Outro homem – Adolf Hitler – diz: Vamos matar todos os judeus da Europa’ (BERLIINSKI, 2008). Ele sustenta que a conexão é óbvia, pelo registro histórico e pelo senso comum.
Berlinski acusa os cientistas alemães de terem tomado a palavra despesa para dar significado, na verdade, à aniquilação de raças menos adequadas. Ele cita uma matéria do New York Times repercutindo a morte de Hitler, em maio de 1945:
“Muito antes de ele ter sonhado em alcançar o poder, [Hitler] havia desenvolvido os princípios de que as nações estavam destinadas a odiar, se opor e destruir umas às outras; [e] que a lei da história era a luta pela sobrevivência entre os povos.” (ibidem).
Embora o antissemitismo contra os judeus existisse há milênios antes de Darwin, “atribuir-lhe poderes causais sobre o Holocausto é simplesmente ignorar ideias muito específicas que surgiram no século XIX, e que ao mesmo tempo tomou a imaginação dos cientistas em todo o mundo” (ibidem). Como visto na seção prévia, o darwinismo social foi uma força maligna na Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos, a partir do momento em que os pensadores sociais forjaram a conexão óbvia entre o que Darwin disse e o que suas ideias implicavam. No site do documentário Expelled Exposed, os autores escrevem:
“Os nazistas se apropriaram da linguagem e conceitos da evolução assim como da genética, medicina (especialmente a teoria germinal da doença), e a antropologia como ferramentas de propaganda para promover sua ideologia da pureza racial.” (ibidem).
Em uma entrevista de 2008, Berlinski afirma que o darwinismo não é uma condição suficiente para fenômenos como o nazismo, mas, certamente, é uma condição necessária.[3]
No ensaio Majestic Ascent: Phillip Johnson’s Darwin on Trial, Berlinski comenta alguns pontos incisivos da celebrada obra Darwin on Trial, de Phillip Johnson (1940-2019). Ele primeiramente destaca a observação de Johnson de que a teoria da evolução não precisa de apoio empírico, visto que “a suposição predominante na ciência evolutiva parece ser que as possibilidades especulativas, sem confirmação experimental, são tudo o que é realmente necessário” (BERLINSKI, 2019). Surpreendentemente, desde a obra de Darwin em 1859, a teoria evolutiva pressupõe um contínuo de formas biológicas ou artefatos taxonômicos, embora os escritos paleontológicos nunca tenham amparado a teoria.
Segundo Berlinski, Johnson “subiu majestosamente acima do ponto usual do ceticismo”, pois se ocupou com a grande controversa entre a teoria de Darwin e a Tradição Religiosa Ocidental. Nesta discussão, ele faz um alerta aos teólogos que tentam agregar o pensamento evolucionista em sua reflexão. Citando o exemplo de Stephen Jay Gould, aponta uma atitude equivocada: “Ao abordar a teoria da evolução de Darwin, evolucionistas teístas adquiriram uma postura de veneração esperançosa, imaginando esperançosamente que sua deferência lhes permitiria lamber as placas de várias tabelas científicas” (ibidem). Em especial, Gould teria pensado em resolver o caso evolução e fé dividindo a diferença entre litigantes. “À ciência, Gould atribuiu tudo de importância, e à religião, nada”. “Servindo dois senhores, Gould supunha que ele seria servido por eles por sua vez. Ele estava enganado” (ibidem). Tendo o fracasso de Gould como lição, Berlinski aponta um abstruso diálogo entre o neodarwinismo e o pensamento tradicional.
Sobre este assunto, Berlinski observa que a repercussão do debate Darwin et al. v. the Western Religious Tradition rendeu “aplausos” para a aparente vitória da ideologia de uma sociedade democrática, entronizando Darwin e estabelecendo o reinado da evolução. Porém, a comunidade científica e a opinião pública logo entenderam que não era bem assim, embora tenham aceitado a teoria de Darwin no pensamento e nos livros escolares, permitindo sua ampla transmissão às gerações futuras. Mesmo diante de críticas contundentes, a teoria darwiniana não foi reavaliada, e o darwinismo permanece em seu intocável reino privativo. “Por que não considerar a possibilidade de que a vida seja o que evidentemente parece ser; o produto de inteligência criativa?” Essa foi a pergunta feita por Johnson, a qual é plenamente razoável, uma vez que é a pergunta que toda pessoa ajuizada está inclinada a fazer – destaca Berlinski. No entanto, um estudo da natureza impregnado do materialismo não permite qualquer ideia que possa estar associada à figura divina, pois, segundo os materialistas, apelar para uma divindade onipotente é permitir que a qualquer momento as regularidades da natureza possam ser rompidas, que milagres possam acontecer.
“As teorias de Darwin são correspondentemente menos importantes para o que explicam, o que é muito pouco, e mais importante para o que negam, que é aproximadamente a evidência pura de nossos sentidos” (ibidem). Neste ponto, Berlinski retira a atenção da teoria da evolução propriamente dita e faz menção do evolucionismo – a ideologia de que a evolução explica a natureza sem necessidade de uma divindade criadora. O evolucionismo se tornou um tipo de “religião” para muitos que negam a Deus: “Darwin tinha tornado possível ser um ateu intelectualmente realizado” (DAWKINS, 1996). No darwinismo, conforme reitera Berlinski, reina uma presunção capaz de não aceitar derrotas.[4]
Berlinski conclui seu ensaio chamando a atenção para uma mudança de atitude no meio científico e filosófico. Em vez da altivez, dever-se-ia demonstrar humildade diante das descobertas científicas dos últimos vinte anos de trabalho em biologia molecular e bioquímica, as quais revelaram que os sistemas vivos são mais complexos do que qualquer coisa que fosse possível imaginar em termos de organização e natureza. Seria coerente reconhecer que nenhuma teoria secular é completamente adequada aos fatos e que nossa própria inteligência requer uma fonte de inteligência superior.
“Existem algumas evidências de que, mais uma vez, o diapasão da opinião está sendo alterado. As alegações de design inteligente são muito insistentes e muito plausíveis para serem levianamente descartadas e as inadequações de qualquer teoria darwiniana óbvia demais para serem levianamente toleradas. O tempo confirmou o que críticos como Phil Johnson sempre suspeitaram. A teoria de Darwin é muito menos uma teoria científica do que a posição padrão para uma visão em que o universo e tudo nele reúne a si mesmo a partir de si mesmo em uma procissão mágica interminável. A tradição religiosa e com ela, um sentido para o mistério, o terror e a grandeza da vida, sempre encarnou percepções que nunca foram triviais”. (BERLINSKI, 2019).
Em Connecting Hitler and Darwin, Berlinski traz a tona uma relação surpreendente do nazismo com o princípio da seleção natural na teoria darwiniana da evolução. Evidentemente, esta relação é indireta, pois o pensamento nazista mais se atrela à chamada lei do mais forte, uma variação aguda da seleção natural.
Para a maioria das pessoas instruídas, no entanto, lei do mais forte e seleção natural têm o mesmo significado. No meio animal, o imperativo é invadir e tomar a força o território de outros, roubar-lhes o alimento ou matá-los, sendo de sua própria espécie ou não, e isso é quase sempre uma questão de quem é o “mais forte”. Neste ambiente, não há ética nem moral, e morrer é só uma questão de favorecer a sobrevivência de outro ser, na maioria das vezes lhe servindo de alimento. Mas os comportamentos regidos pela lei do mais forte são muito mais variados do que matar para se alimentar, incluindo atos explicáveis pela garantia da sobrevivência da maior parte ou da pureza da linhagem. Com efeito, no quintal de muitas casas, por vezes é possível assistir a cena de uma galinha e seus pintinhos bicando até a morte um pintinho fraco ou doente. No ambiente selvagem, é comum uma leoa abandonar um filhote incapaz de acompanhar os demais depois de ser ferido seriamente por outro animal (um búfalo, por exemplo). Um casal de atobás-de-patas-azuis tem dois filhotes por ninhada somente por garantia, pois apenas um será criado. Semelhantemente, o filhote mais forte da cegonha-bico-de-sapato fere o irmão mais fraco a bicadas para evidenciar a melhor opção aos pais selecionadores. O filhote de tubarão é capaz de atacar seus irmãos ainda no ventre, por competição. Algumas espécies de aranhas devoram seus parceiros ou até mesmo suas crias. Grandes felinos machos que conquistam um território matam os filhotes do macho derrotado para que as fêmeas entrem no sio novamente. A lista de comportamentos que indicam a lei do mais forte é extensa.
É importante observar que esta barbárie no reino animal é comumente aceita como uma lei da natureza, e nada há que se possa fazer. Danoso é a transferência intelectual da lei do mais forte para designar, explicar ou justificar ações e atos na qual se usa – ou se abusa – do poder da força, geralmente física, para subjugar ou derrotar o oponente com intuito de se obter alguma vantagem. Desta forma, os comportamentos influenciados pela lei do mais forte compreendem os atos humanos, os quais são acobertados por um preceito considerado natural, mesmo infamando a ética e a moral.
Por exemplo, suponhamos que duas partes estão envolvidas em um processo jurídico: de um lado, um pobre desconhecido; do outro, um rico empresário. Independentemente de quem seja a razão, somos inclinados a julgar previamente que o empresário se sairá melhor, por causa de sua influência e poder econômico. Neste caso, devido à injustiça e a corrupção, o rico empresário é o “mais forte” nesta disputa, e seu oponente não tem chance alguma, mesmo que possivelmente tenha a razão. Devido à corrupção da política, da economia e, principalmente, do judiciário, os grandes quase sempre conseguem o que querem, mesmo sem direito, pois são capazes de usar o poder de extorquir, subornar, chantagear e ameaçar. A lei do mais forte então opera em meio à injustiça e à corrupção, onde a inteligência humana se compara à astúcia de uma víbora ou à destreza de um predador, ao ponto do comportamento humano se aproximar da selvageria.
Os nazistas agiram precisamente como um bando de leões dominantes. Mas a extensão intelectual da lei do mais forte estampou a justificativa de se preservar a pureza de uma suposta raça humana superior. Contudo, o nazismo foi apenas a ponta visível do imenso iceberg que ainda flutua nos mares de todas as nações. A lei do mais forte está impregnada na mente da humanidade, com a aparência de uma lei natural aceitável, favorecida pelas influências darwinistas na educação escolar. Todavia, não é de se surpreender que o homem atribua a culpa de sua impiedade à natureza, visto que assim fizeram os primeiros seres humanos.
Evidentemente, a lei do mais forte não caracteriza uma lei real da natureza, pois falha na moralidade do ser humano. Esta melhor se compara ao efeito danoso causado por um câncer que se instala na essência da humanidade e revela os sintomas de egoísmo, desonestidade, engano, desprezo, intolerância, abandono, aborto, violência física, violência psicológica, etc.. Em escala mundial, manifesta-se nas guerras e nas desigualdades econômicas e sociais. No Brasil, manifestou-se desde o início da colonização, na subjugação dos nativos americanos e na escravidão dos africanos. Ao longo do tempo, os povos indígenas foram dizimados e os escravos africanos formaram a base da classe miserável no país. Surgiram leis oficiais em favor desses povos, mas a lei do mais forte continua reinando imponente e seu efeito é devastador: corrupção, desemprego, violência contra a vida, infanticídio, feminicídio, racismo, abuso, intolerância, desigualdades extrapoladas – o rico ficando cada vez mais rico, forçando o miserável permanecer para sempre na miséria.[5] Evidentemente, a escravidão ocorreu no mundo ao longo de toda a história da humanidade.
Mas todas essas coisas não faziam parte da natureza original do homem, que foi criado à imagem e semelhança de Deus. O pecado cegou o ser humano, tornando-o suscetível às influências malignas por trás da falsamente chamada ciência (1 Tm 6.20,21). Felizmente, pela graça redentora em Jesus Cristo, o homem se torna capaz de suspender a lei do mais forte e assim cumprir a lei de Deus: “O amor não faz mal ao próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o amor” (Rm 13.10). O amor a Deus e ao próximo anula completamente a lei do mais forte, de forma que seu efeito oposto manifesta austeridade, honestidade, solidariedade e fraternidade. A lei de Deus é cumprida quando os órfãos são acolhidos, as viúvas são asseguradas, os doentes são tratados, os turbados são abraçados, os deficientes são incluídos, os marginalizados são socializados, as diferenças são toleradas e todos têm direito à vida desde a fecundação.
Portanto, a lei do mais forte é em tudo contrária à lei de Deus para os homens – talvez seja exatamente o oposto – e isto a define como inclinação da carne (Rm 8.7), que por sua vez gera morte (Rm 8.6). O amor não faz mal ao próximo, não torna mal por mal, mas vence o mal com o bem (Rm 12.17,21); a lei do mais forte gera maldade. O amor pensa no bem de todos, sem acepção de pessoas (Jo 3.16); a lei do mais forte favorece apenas uma parte. Listamos abaixo outras diferenças polares da lei do mais forte e a lei de Deus:
Lei do mais forte |
AMOR |
sacrifica vidas |
entrega a vida pelos outros (Jo 15.12,13; 1 Jo 3.16) |
Escraviza |
liberta (Rm 8.1-4; Gl 5.1; Tg 1.25) |
induz o falsidade |
é sincero (Rm 12.9) |
causa divisão |
é fraternal (Rm 12.10) |
gera o desprezo |
é atencioso (Rm 12.11) |
influencia a intolerância |
é paciente (Rm 12.12; 1 Co 13.4) |
induz a rejeição |
é hospitaleiro (Rm 12.13) |
gera a maledicência |
é abençoador (Rm 12.14) |
produz a inveja |
não é invejoso (Rm 12.15, 1 Co 13.4) |
causa a impiedade |
é compassível (Rm 12.15) |
provoca a ambição |
é humilde (Rm 12.16) |
influencia a desonestidade |
é honesto (Rm 12.17) |
gera o conflito |
é pacífico (Rm 12.18) |
induz a vingança |
não é vingativo (Rm 12.19) |
causa a indiferença |
é solidário (Rm 12.20) |
induz a crueldade |
é bondoso (Rm 12.21; 1 Co 13.4) |
influencia a traição |
é fiel (Rm 13.9) |
provoca a mentira |
é verdadeiro (Rm 13.9; 1 Co 13.6) |
causa a morte |
respeita a vida (Rm 13.9) |
induz o roubo |
não toma o que é alheio (Rm 13.9) |
gera a cobiça |
é despretensioso (Rm 13.9) |
induz o egoísmo |
é altruísta (1 Co 13.5) |
produz a injustiça |
é justo (1 Co 13.6) |
condena á morte |
salva (Rm 5.8-10) |
Podemos afirmar que a lei do mais forte é uma consequência da inimizade do homem contra Deus e pode ser bem entendida como a lei da natureza pecaminosa do ser humano, sendo assim o produto da semente plantada no Éden pelo opositor de Deus. A lei do mais forte não se originou na teoria de Darwin – evidentemente – mas na ofensa do ser humano contra o Criador, evoluindo na rejeição do amor ao próximo. Somente a graça redentora de Jesus Cristo pode suspender a lei do mais forte e fazer-se cumprir a verdadeira lei na excelência do amor.
Vimos que a chamada lei do mais forte contraria em tudo a lei de Deus para a humanidade. Esta oposição foi deflagrada por Satanás ao contrariar o mandamento de Deus e enganar os primeiros seres humanos. Identificamos sua manifestação ao longo das gerações, a começar pelo ato bárbaro de Caim.
A lei do mais forte recebe este nome simbolicamente devido a certa regularidade percebida na vantagem ou sobrevivência dos competidores mais fortes em vinculação ao prejuízo ou morte dos rivais. Não se tratando de uma lei verdadeiramente natural, o que estaria sustentando esta regularidade, que não é aleatória? A resposta mais convincente está no espírito do anticristo.
A Bíblia Sagrada diz que, nos últimos dias, o anticristo será usado por Satanás para afrontar a Deus e perseguir Israel com muito mais veemência (2 Ts 2.3-10). Também conhecido por homem do pecado ou filho da perdição, será manifestado no seu próprio tempo, quando o Espírito Santo deixar de operar no mundo (2 Ts 2.6-9). Ele virá com todo o poder e todo o engano da injustiça para os que não receberam o amor da verdade para se salvarem (2 Ts 2,9,10).
Embora o homem do pecado ainda não tenha se revelado em carne, o espírito do anticristo opera no mundo desde a queda (2 Ts 2.7; 1 Jo 4.3). Personificações do homem do pecado opuseram-se sistematicamente a Deus desde a primeira geração de seres humanos: na sequência, Caim e Lameque (Gn 4.1-10,23,24); Faraó (Ex 1.8-16); Amã (Et 3.1-6); e Herodes (Mt 2.13). Depois destes, muitos outros perseguiram os judeus e cristãos impetuosamente; por exemplo, Nero, Hitler e Stalin. Estes são os que se fizeram anticristos, assim como muitos se têm feito anticristos nos dias atuais (1 Jo 2.18).
O homem do pecado induzirá a todos que não receberam o amor de Deus a recepciona-lo como se fosse o próprio Deus (2 Ts 2.4; Mt 24.5,23,24). Para isso, o espírito do anticristo tem influenciado a disseminação de uma falsa ciência para amplificar seu poder enganador. Ele opera pelas vias do intelecto, e são muitos os que estão se perdendo neste caminho (1 Tm 6.20,21).
A lei do mais forte é uma clara consolidação do espírito do anticristo para se opor a Deus e levar muitos à perdição. Mas os que recebem o amor de Deus em Jesus Cristo cumprem a lei de Deus e extinguem o espírito de injustiça.
O matemático David Berlinski tem opinião decisiva sobre a teoria darwiniana da evolução. Seu parecer é que a teoria de Darwin apresenta muito pouco sobre a origem das espécies. Por outro lado, a teoria dispõe de limitadíssimo poder explicativo e não se sustenta no registro paleontológico, carecendo então de evidências mínimas para consubstanciar as pressuposições. O cientista aponta que a evolução em sua plenitude necessita de uma explicação metafísica e sugere que o design inteligente é o caminho mais produtivo.
Estas opiniões são compartilhadas por muitos outros matemáticos e cientistas em geral. Mas Berlinski também revela uma comparação impactante do nazismo com a teoria darwiniana. Na verdade, o matemático relaciona o pensamento nazista com a chamada lei do mais forte, que consiste de uma variação agressiva do princípio da seleção natural. Onde Darwin apregoou “a sobrevivência do mais apto”, passa-se a entender “a sobrevivência do mais forte”. Porém, nem sempre o mais forte sobrevive, mas sim o melhor adaptado às condições impostas pelo meio. Portanto, é fato que a lei do mais forte não se originou na teoria de Darwin, mas sem dúvidas os pressupostos darwinianos indiretamente influenciaram o acobertamento da impiedade por uma suposta lei natural aceitável.
A lei do mais forte se manifestou na natureza pecaminosa do ser humano desde Caim, contrariando em tudo a lei divina do amor ao próximo. Por esta característica, a lei do mais forte define uma influência sustentada pelo espírito do anticristo, uma força maligna que tem preparado o cenário de domínio intelectual, espiritual e econômico do homem do pecado, o qual será revelado nos últimos dias. Somente na revelação do amor em Jesus Cristo é possível cumprir a lei de Deus e resistir aos preditos ardilosos da falsa ciência especialmente arquitetada para proliferar no intelecto e corromper a alma.
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SUPERINTERESSANTE. As cinco ideias por trás do Nazismo. De onde vieram? Por que fascinavam tanto as pessoas? E qual é a chance de que aconteça de novo? 30 de junho de 2005. https://super.abril.com.br/historia/nazismo/ - Acessado em 23 de dezembro de 2020.
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[1] Autor também influenciado pelas ideias de Darwin.
[2] Dedicado ao matemático da evolução Marcel-Paul Schützenberger (1920–1996).
[3] Expelled: No Intelligence Allowed (filme de 2008). Rocky Mountain Pictures. Dirigido por Nathan Frankowski.
[4] “California Science Center Pays $110,000 to Settle Intelligent Design Discrimination Lawsuit,” Evolution News, Discovery Institute, August 29, 2011.
Casey Luskin, “University of Kentucky Pays $100,000+ to Settle Gaskell Discrimination Lawsuit,” Evolution News, Discovery Institute, January 18, 2011.
[5] Ver o artigo O Brasil sob a “Lei do mais Forte” disponível em https://social.stoa.usp.br/politica/blog/o-brasil-sob-o-imperio-da-lei-do-mais-forte.