Família, fé e cultura: análise bíblica e contribuições de René Girard
Family, faith and culture: biblical analysis and contributions by René Girard

Clélia Perreti
Doutora em Teologia pela Escola Superior de Teologia EST, São Leopoldo-RS; Pós-Doutorado em Fenomenologia pelo Centro Italiano di Ricerche Fenomenologiche e Pontifícia Universidade Lateranense – Roma. Docente e pesquisadora no Curso do Bacharelado de Teologia e no Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Teologia – PPGT da PUC-PR. Líder do Grupo de Pesquisa: Teologia, Gênero e Educação. Contato: 
cpkperetti@gmail.com

Elton Luis Sbardella
Doutorando em Teologia – PUC-PR. Contato: 
elltonsbardella@gmail.com


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Resumo 

A família é a base da sociedade, realidade fundamental da fé cristã e uma instituição social e cultural. Para refletir sobre a instituição familiar, é indispensável ter presente uma compreensão sociológica, doutrinária, bíblica e cultural do tema. O objetivo deste artigo é refletir sobre a família, com base em fundamentos bíblicos, tanto do Antigo como do Novo Testamento, neste, especificamente, a partir das falas Jesus, analisando a instituição familiar com a contribuição da Teoria Mimética de René Girard (1923-2015). A metodologia adotada é a pesquisa bibliográfica sobre o conceito de família, nas produções acadêmicas de estudos bíblicos (artigos e livros) sobre o tema família, e dos textos bíblicos principais que tratam da instituição familiar, com destaque aos textos evangélicos. E incluímos a reflexão sobre a família, enquanto instituição cultural, a partir da Teoria Mimética de René Girard (1923-2015). Concluímos que é importante buscar cada vez mais a compreensão do papel da família como instituição no seguimento de Jesus, sob perspectiva do Reino de Deus.

Palavras-chave: Família. Bíblia. Girard. Instituição.

Abstract

The family is a base of society, a fundamental reality of the Christian faith and a social and cultural institution. In order to reflect on a family institution, it is essential to present a sociological, doctrinal, biblical and cultural understanding of the theme. The purpose of this article is to reflect on the family, based on biblical foundations, both as Old and New Testament, at this moment, starting from Jesus, analyzing a family institution with the contribution of René Girard's Mimetic Theory (1923-2015). The methodology adopted is bibliographic research on the concept of family, in academic productions of biblical studies (articles and books) on the theme of family, and of the main biblical texts that deal with the family institution, with emphasis on evangelical texts. And it includes a reflection on the family, as a cultural institution, based on René Girard's Mimetic Theory (1923-2015). Conclude that it is important to seek more and more to understand the role of the family as the institution of accompanying Jesus, from the perspective of the Kingdom of God.

Keywords: Family. Bible. Girard. Institution.

Introdução 

O presente artigo propõe uma reflexão sobre a família, como instituição a serviço do Reino de Deus. O tema é tratado na bíblia e tem notório lugar na vida de Jesus. De forma geral, a família é um grupo de pessoas ligadas por parentesco, um sistema de valores e crenças e uma igreja doméstica. No Antigo Testamento, o conceito de família está vinculado à figura do pai (patriarcalismo). No Novo Testamento, Jesus questiona a instituição familiar e fala de rupturas (Mt 12, 48; Mc 3, 33; Mt 12, 48; Mc 3, 33) e retoma a figura do pai, como Abba (Mc 14,36). Os discursos de Jesus questionaram o templo, o domínio político-religioso, as leis e o patriarcalismo. Para ajudar a compreender a instituição familiar, a partir de uma 

perspectiva particular, citaremos brevemente à teoria mimética de René Girard (1923-2015). Para este autor, a cultura está na base das instituições, e a raiz da cultura é a violência. 

Para a tradição judaico-cristã, a família é uma instituição indispensável. Jesus não desautoriza a família, mas relativiza os vínculos, a dominação e os desvios de propósitos. Ele chama para além, desafia e rompe, pois o valor supremo é o Reino de Deus. No estudo sobre a família, recorrendo-se à Bíblia, há, muitas vezes, um silenciamento nos paradoxos que envolvem o tema. Na tradição judaico-cristã, há uma centralidade da instituição familiar. Ela é espaço de vida, de organização social, de crescimento e promoção da pessoa, mas também o contrário, é lugar, muitas vezes, de opressão, e até de violência. Isso tem a ver com o poder, o controle dos membros e a preservação de valores e costumes.

Neste sentido, é fundamental compreender o significado da família na bíblia, especialmente a partir das falas de Jesus. Os textos bíblicos apresentam importantes referências sobre o modelo familiar na história do povo de Israel e no ministério de Jesus. A família, como dom de Deus e instituição social, precisa de uma compreensão cada vez mais clara de seu papel, para contribuir com o projeto de Deus para a humanidade. Considera-se a abordagem do tema família fundamental para a atualidade. É um alerta para a idolatria da instituição familiar e da afirmação do poder patriarcal. Trata-se, desse modo, de resgatar o espírito fundamental da relação familiar com Deus e, a partir dele, com a família, como irmãos e irmãs.

Para tal, utilizamos da pesquisa bibliográfica, a partir de diferentes autores como: de um dicionário bíblico, de três artigos de estudos bíblicos, dos textos bíblico do Antigo e Novo Testamento (Evangelhos), de cinco obras sobre teologia bíblica, duas obras de René Girard e de um comentador sobre Girard.

O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma compreensão do lugar da família no seguimento de Jesus, na perspectiva do Reino de Deus, tendo alguns dos textos bíblicos referentes ao tema como base de reflexão, junto às contribuições da Teoria Mimética de René Girard, sinteticamente apresentadas.

Primeiro apresentamos algumas referências bíblicas sobre família de textos da Sagrada Escritura, do Antigo Testamento, e na sequência dos Evangelhos, em que Jesus fala sobre a família. E, por fim, trazemos a contribuição da Teoria Mimética para uma breve abordagem sobre a família na perspectiva sociocultural, seguido das considerações finais.

Família no Antigo Testamento

Na Bíblia, em hebraico família é bêt`ab (casa do pai). A palavra tem sentido patriarcal, pois é ao redor do pai que se desenvolve a dinâmica familiar. A primeira unidade social no Antigo Testamento é a tribo (shebet, matteh), depois o clã (mishpahah) e a família como a menor unidade. Em seus estudos sobre a família, McKENZIE aponta que: 

A família do AT incluía todos os membros do mesmo sangue ou que viviam numa habitação comum. Incluía, assim, o marido e pai, chefe da família, sua esposa ou esposas e concubinas, seus filhos, escravos e servos, clientes e hóspedes estrangeiros, filhas viúvas ou repudiadas, os filhos e filhas solteiros (McKENZIE, 1983, p.308).

No livro do Gênesis, os relatos patriarcais mostram famílias numerosas, como a família de Jacó, por exemplo: essas constituíam, também, um agrupamento religioso, a páscoa por exemplo deveria ser celebrada no contexto familiar conforme o livro de Êxodo: “Aos dez deste mês, cada um tomará para si um cordeiro por família, um cordeiro para cada casa. [...] o imolará ao crepúsculo. [...] Naquela noite, comerão a carne assada no fogo; com pães ázimos e ervas amargas a comerão (Ex 12,3.6b.8).” A família de Elcana realizava peregrinações anuais ao santuário de Silo para realizar a oferenda de seus frutos: “[Elcana] subia da sua cidade para adorar e oferecer sacrifícios a Iahweh dos Exércitos, em Silo. [...] No dia em que oferecia sacrifícios, Elcana tinha o costume de dar porções à sua mulher Fenena e a todos os seus filhos e filhas.” (1Sm 1,3a.4).

A unidade religiosa possuía, também, um caráter moral: a família era protetora das regras e carregava a punição pela transgressão destas. Deus castigava as diferentes gerações de uma família: “porque eu, Iahweh teu Deus, sou um Deus ciumento, que puno a iniquidade dos pais sobre os filhos até a terceira e quarta geração dos que me odeiam” (Ex 20,5b). A família de Acã é toda punida junto com ele, por um roubo: “Então Josué tomou Acã, filho de Zaré, [...] com seus filhos, suas filhas, [...]. Disse Josué: “Por que trouxeste desgraça sobre nós? Que Iahweh neste dia, traga desgraça sobre ti!” E todo Israel o apedrejou” (Js 7,24-25).

No livro de Deuteronômio, essa forma de punição foi proibida: “Os pais não serão mortos em lugar dos filhos, nem os filhos em lugar dos pais. Cada um será executado por seu próprio crime” (Dt 24,16). No Livro de Segundo Reis, cada um assume sua própria responsabilidade: “Os pais não serão mortos por causa dos seus filhos, nem os filhos serão mortos por causa dos pais; mas cada um morrerá por seu próprio crime.” (2Rs 14,6b).

No Antigo Testamento, percebemos a importância da relação entre os membros da família como podemos verificar no livro de Provérbios: “Ouve o teu pai, ele te gerou, e não desprezes tua mãe envelhecida. [...] O olho que desdenha um pai e despreza a obediência à mãe que os corvos o arranquem, e as águias o devorem” (Pv 23,22. 30,17). No Livro de Levíticos temos as faltas contra a Família e suas punições (Lv 20, 8-21), e a severa autoridade dos pais sobre os filhos: 

Se alguém tiver um filho rebelde e indócil, que não obedece ao pai e a mãe e não os ouve mesmo quando o corrigem, o pai e a mãe o pegarão e levarão aos anciãos da cidade, à porta do lugar, e dirão aos anciãos da cidade: Este nosso filho é rebelde e indócil, não nos obedece, é devasso e beberrão. E todos os homens da cidade o apedrejarão até que morra. Deste modo extirparás o mal do teu meio, e todo Israel ouvirá e ficará com medo (Dt 21, 18-21).

Além da autoridade e punição, a solidariedade é uma das características das famílias do Antigo Testamento: “O sentido hebraico de solidariedade familiar era muito profundo, já que o indivíduo dependia inteiramente da família para o sustento e a proteção; não se concebia a possibilidade de vida fora da família” (McKENZIE, 1983, p.308). Existia o Vingador, uma figura central na proteção das famílias e de seus membros, diante de algum tipo de violência. 

Na sociedade nômade do deserto, não havia polícia nem tribunais; as pessoas não estavam em condições de se defenderem por si sós. Assim, os direitos da pessoa ficavam sob a proteção de sua família e de seu clã, instituições que eram obrigadas a defender seus membros e vingá-los. (McKENZIE, 1983, p.882).

As atividades comerciais e as profissões eram hereditárias, principalmente após Israel se estabelecer em Canaã, conforme o livro de Primeiro Crônicas:

Maonati gerou Ofra. Saraías gerou Joab, pai de Ge-Harasim. De fato, eles eram artesãos. [...] Filhos de Sela, filho de Judá: Her, pai de Leca; Laada, pai de Maresa, e os clãs dos fabricantes de linho em Bet-Asbea. Joaquim, os homens de Cozeba, Joás e Saraf, que foram se casar em Moab, antes de voltarem a Belém. (Tais fatos são antigos). Eles eram oleiros e moravam em Nataim e Gadera, em companhia do rei, para quem trabalhavam. (1 Cr 4, 14.21-23).

O exemplo mais evidente de profissão hereditária era o sacerdócio.  Como instituição, a família passou por significativas evoluções durante a monarquia (1021 a 722 a.C); houve quebra da independência econômica dos grupos nas aldeias e os laços de parentesco enfraqueceram diante das divisões dos núcleos familiares (McKENZIE, 1983).

Família no Novo Testamento

O tema família aparece muitas vezes no Novo Testamento. Na época de Jesus, os grupos familiares eram mais individualizados. A família de Jesus foi fundamental para ele, pois esteve presente em sua vida e no seu ministério. Jesus aparece nas casas e em eventos familiares, como na festa de casamento em Caná (Jo 2, 1-12)[1]; vai à casa de Zaqueu (Lc 19, 1-10)[2]; realiza um milagre na casa do chefe da sinagoga (Mc 5, 35-43)[3] e, em Betânia, ele aparece na casa de Simão o leproso, onde a mulher derrama perfume sobre a cabeça de Jesus (Mc 14,3-9)[4]. Esses são exemplos de Jesus próximo às situações familiares (LAZIER, 2010).

Ao falar de Deus, Jesus utilizava a expressão Abba[5]uma forma afetiva e carinhosa das crianças se dirigirem ao pai. Dirigir-se a Deus dessa maneira era algo novo, uma ruptura com a formalidade da religião judaica. Jesus usa a invocação a Deus como Pai em momentos decisivos de sua vida: na sua oração relatada por João (17)[6], no Getsêmani, onde aparece “Abba” (Mc 14,36)[7], no Calvário (Lc 23. 34.46)[8]. Jesus fala que Deus atende a oração como um pai ouve seus filhos (Mt 7, 7-11)[9]. Sobre o amor de Deus conta a parábola do “filho pródigo” (Lc 15, 11-32), mostrando o pai que se preocupa com o filho e o recebe de volta, sem levar em conta os erros e ofensas cometidas por ele. Nesse episódio relatado por Jesus, o filho retornar é mais importante que as normas da casa do pai (bêt`ab). Houve festa por algo incomum: a volta do filho que exigiu a herança antes da morte do pai e ainda a dilapidou. Com efeito, Jesus quer mostrar o amor profundo de Deus com uma estória sobre uma família fora dos padrões morais e religiosos de sua época (LAZIER, 2010). O pai, na parábola do filho pródigo, não pune o filho, mas faz festa.[10]

Jesus posiciona-se criticamente ao modelo de família de seu tempo, que, na prática, era o modelo patriarcal, tanto é que, na passagem de Mateus 19, 3-9, ele faz uma dura crítica, relacionando a permissão do divórcio à dureza de coração dos homens. Sua atitude desperta para relações fraternas, amorosas e comunitárias, para a proximidade e o compromisso com Deus, que são os valores fundamentais (LAZIER, 2010, p.31). Nisso consiste o sentido da passagem de Mateus 12, 46-50: 

Estando ainda a falar às multidões, sua mãe e seus irmãos estavam fora, procurando falar-lhe. Jesus respondeu àquele que o avisou: ‘Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?’ E apontando para os discípulos com a mão, disse: ‘Aqui estão a minha mãe e os meus irmãos, porque aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos Céus, esse é meu irmão, irmã e mãe’ (Mt 12, 46-50).

O texto abre espaço para supor algum tipo de tensão entre Jesus e seus familiares. Jesus afirma que não é a carne, mas, sim, a fé o verdadeiro vínculo com Ele: fazer a vontade de Deus torna a pessoa tão próxima de Jesus, como são as mães, irmãos e irmãs de alguém pelo vínculo de sangue. E, para ser família de Jesus, o que importa é fazer a vontade de Deus, que está acima do parentesco.[11] “Jesus tem de fato uma ‘família’; são aqueles que escutam a sua palavra e cumprem o querer do Pai” (PIKAZA, 1978, p.76).

O episódio de Mateus 12, 46-50 é narrado também no evangelho de Marcos 3, 31 a 35. Alguns versos antes há providências da família de Jesus para detê-lo, pois, segundo eles, havia enlouquecido: “E voltou para casa. E de novo a multidão se apinhou, de tal modo que eles não podiam se alimentar. E quando os seus tomaram conhecimento disso, saíram para detê-lo, porque diziam: ‘Enlouqueceu’” (Mc 3, 20-21). Para seus familiares, Jesus perturba a ordem patriarcal, Jesus expõe ao ridículo seus parentes: “A carne e o sangue não podem entender a Jesus, têm uma hierarquia de valores incompatível com o cristianismo” (LA CALLE, 1978, p.67).

Jesus amplia as relações familiares para o vínculo com Deus; a união familiar vai além dos vínculos de sangue, e é na realização da vontade de Deus que se identifica a família de Deus em Jesus. É sinal da nova realidade trazida por Ele: o Reino de Deus, onde não serão mais os laços de sangue ou da tradição que definirão quem pertence ao povo de Deus, Israel, mas será família de Deus, isto é, todo aquele que fizer a vontade de Deus, que é Pai (Abba). É a nova comunidade, concretamente separada da Sinagoga. “Esta nova comunidade constitui a verdadeira família de Jesus” (LA CALLE, 1978, p.65). Quando Jesus escolhe e chama os doze para estar com ele, para o acompanhar em missão, sinaliza a comunidade-família: “Estar com ele significa uma companhia física e, ao mesmo tempo, sobrenatural, a verdadeira família” (LA CALLE, 1978, p.66). A essência da comunidade cristã é ser a família de Jesus.[12]

Os doze apóstolos são a família que cumpre a vontade de Deus (Mc 3,35)[13]. Eles testemunham que, em Jesus, Deus Pai está presente e agindo, através das curas (Mc 5, 21-43)[14], e essa família é totalmente nova, pois deve, inclusive, deixar aquilo que tem para seguir Jesus: deixam as redes, o pai, o barco, os criados e a cobrança de impostos (Mc 1,18-20; 2,14)[15]. Os doze serão os testemunhos daquilo que Jesus anunciou e agentes do Reino de Deus, Reino que está presente em Jesus de Nazaré (LA CALLE, 1978). A família de Jesus, no sentido de todos aqueles que creem em sua palavra e a colocam em prática, os cristãos são portadores desse reino presente na história do cristianismo, crescendo não somente sob a percepção visível (Mc 4, 26-29)[16]. Desse modo, “a Igreja de Jesus é a família de Deus na terra; nela tem lugar todo aquele que for capaz de deixar tudo para trás e ver, nas ações e na palavra de Jesus, Deus atuando na história” (LA CALLE, 1978, p.69).

O Reino de Deus é uma realidade que mexe profundamente com as estruturas da sociedade, dentre elas a estrutura familiar, institucional e patriarcal: “Aquele que ama pai ou mãe mais do que a mim não é digno de mim. E aquele que ama filho ou filha mais do que a mim não é digno de mim” (Mt 10,37)[17]. O seguimento de Jesus exige a centralidade do Reino de Deus. O discurso de Jesus sobre os laços familiares é, portanto, de ruptura:  quem se põe a segui-Lo deve doar-se/dispor-se totalmente para o anúncio do Reino. A indecisão não pode estar presente e a atenção não pode estar dividida com o perigo de distorcer a opção por ser família de Jesus: “De tal modo é exigente o chamado que não deixa ao homem nem um respiro; quem já tomou o arado em mãos perde o sulco se esquece o campo que o espera e olha para o passado com saudade (Lc 9, 61-62)”. (PIKAZA, 1978, p.75). 

Em Lucas, encontramos a mesma afirmação presente em Mateus: “Se alguém vem a mim e não odeia seu próprio pai e mãe, mulher, filhos, irmãos, irmãs e até a própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,26). O reino exige sacrifício, ou seja, tudo está a serviço dele: a vida da pessoa, sua casa e seus familiares (Lc 14,25-27). A preocupação maior do que as demais é o Reino de Deus; as outras, entre elas a família, também são objetos de atenção, mas não mais que a maior de todas: o seguimento de Jesus. “Trata-se de ter que situar tudo na luz resplandecente do reino, converter a nossa existência em dom para os outros, transformarem a vida em sal do cosmo e arriscar tudo, tudo pelo reino (Lc 14, 28-35)” (PIKAZA, 1978, p.99). Os vínculos que a pessoa tem, incluindo o familiar, suas prioridades e projetos, suas virtudes e vícios, tudo está sob os parâmetros do reino de Deus.[18]             Muitas das formas de relacionamento do presente, entre a primeira e a segunda vinda de Jesus, são realidades que não se repetem na vida futura, na ressurreição. O próprio Jesus foi interpelado pelos saduceus, em uma capciosa pergunta sobre a mulher que teve mais de um marido em vida, e de qual deles ela seria esposa na ressurreição, e a resposta de Jesus foi: “Com efeito, na ressurreição, nem eles se casam e nem elas se dão em casamento, mas são todos como os anjos no céu” (Mt 22,30). O reino de Deus está muito além das relações humanas conhecidas e praticadas por nós, e dos nossos papéis: marido e esposa não fazem parte da nova vida em Deus, com Ele é outra coisa, continuamos existindo, mas bem diferente da forma atual (PIKAZA, 1978).

Família: Instituição humana

No Novo Testamento, Mateus, Marcos e Lucas, principalmente, mostram as falas e ações de Jesus a propósito do rompimento com os valores da família, enquanto uma instituição tradicional da sociedade e da religião judaica. O parentesco é relativizado (ANDRADE, 2011). Para seguir Jesus, não é preciso os vínculos oficiais, a instituição religiosa e familiar, segui-Lo é um novo modo de ser. Seguir a Jesus significava dar mais importância à vontade de Deus, aos demais (amar o outro), à frente da família, dos parentes, da moral patriarcal e das relações que dali brotavam.

Pensando na família enquanto instituição, há marcos teóricos importantes em  René Girard (1923-2015) para refletirmos, como a Teoria Mimética (o ser humano imita o desejo do Outro), e o Mecanismo Vitimário, que nos grupos primitivos (na passagem dos hominídeos ao homo sapiens) era o processo de escolha de uma vítima propiciatória, para apaziguar o ímpeto vingativo resultante das tensões sociais, e via mitos e ritos dissimulavam a violência.[19]

o criador da teoria mimética reconheceu que sua reflexão gravita em torno de duas noções-chave: o caráter mimético do desejo humano e a centralidade do sacrifício no surgimento da cultura e de todas as suas instituições – da emergência da linguagem à criação de religiões, da formulação de ritos e mitos ao surgimento de estruturas políticas de controle da violência (GIRARD; ANTONELLO; ROCHA, 2008/2011, p.11).

Girard (2011), em diálogo com João Cezar de Castro Rocha e Pierpaolo Antonello, assevera que o surgimento da cultura está relacionado diretamente com o mecanismo do bode expiatório, do sacrifício de uma vítima, por um rito sacro. E, as instituições são frutos da cultura e, por isso, também, estão ligadas ao mecanismo vitimário (GIRARD; ANTONELLO; ROCHA, 2011). A teoria mimética é a tentativa teórica de René Girard explicar de onde surgem as instituições culturais. O autor considera que o primeiro deles é o sacrifício ritual e nele reside o sagrado e organiza-se a religião, esta é que hominiza, pois diferencia os seres humanos dos animais (GIRARD; ANTONELLO; ROCHA, 2011). Nas palavras de Girard: “religião é tudo: é a fonte [...], da emergência do rito, da linguagem, da atividade simbólica. Por fim, a própria religião é produto do mecanismo do bode expiatório” (GIRARD; ANTONELLO; ROCHA, 2011, p.130). 

Partindo do pressuposto de que o mecanismo vitimário, ou o mecanismo do bode expiatório seja o antepassado cultural de todos nós, enquanto produtos sociais, os rituais de sacrifício são um estágio no desenvolvimento da cultura e seus formatos específicos. Nesse sentido, as instituições sociais e, entre elas a família, são as formas amadurecidas do processo cultural (GIRARD; ANTONELLO; ROCHA, 2011).

No livro A Violência e o Sagrado (1972), Girard dedica o capítulo 9 ao tema: Lévi-Strauss, O estruturalismo e as regras do casamento. Nele, o autor reflete sobre a família elementar[20], que não é uma unidade irredutível, e sua base é o casamento. Essa família não é originária, mas composta, ou seja, ela formou-se, foi constituída. “Portanto, ela não é um ponto de partida, mas de chegada; resulta de uma troca entre grupos cuja aproximação não depende de nenhuma necessidade biológica” (GIRARD,1990, p.276). 

Por isso, é fundamental compreender a relação entre os termos, a partes da família, isto é elementar e não a família, enquanto instituição somente.

A família biológica está sem dúvida presente, prolongando-se na sociedade humana. Mas o que confere ao parentesco seu caráter de fato social não é o que ele conserva da natureza: é o procedimento essencial pelo qual se separa dela. Um sistema de parentesco não consiste nos laços objetivos de filiação ou de consanguinidade dados entre os indivíduos; ele só existe na consciência dos homens, e é um sistema arbitrário de representações, não o desenvolvimento espontâneo de uma situação de fato (GIRARD,1990, p.276).

Com base em Lévi-Strauss (1908-2009), Girard (1990) destaca a importância de se refletir sobre o esquema familiar, a partir do parentesco, e de levar em conta fundamentalmente os interditos (as regras, proibições e tabus) na perspectiva de um sistema, e não o contrário (GIRARD, 1990). Sobre estas perspectivas, um dos comentadores das obras de René Girard, Gabriel Andrade (2011), apresenta uma comparação entre a mensagem de Jesus e as prescrições e interditos familiares de um sistema de diferenciação e controle dos membros da família, que deixa latente a possibilidade da violência, uma vez que esta serve de instrumento para manter o controle de um grupo (a família neste caso). 

Para Girard (1990), as instituições têm relação direta com o mecanismo vitimário. A religião carrega em si o controle da violência, via mitos e ritos sacrificiais. Sobre ela, assenta-se a cultura, a base de qualquer instituição humana. A família é uma dessas instituições e, sob o ponto de vista antropológico, o incesto, a hierarquia entre os membros da família e a primogenitura são diferenciadores de papéis e formas de prevenir a violência. Com efeito, “a mensagem do Novo Testamento vem sacudir todas as instituições que conformam a Cultura, incluindo a família. Sim, porque até a própria célula básica da sociedade tem uma origem violenta que o Novo Testamento rejeita” (ANDRADE, 2011, p. 268-269).

No evangelho de Marcos (13,12), há uma expressão forte: “O irmão entregará o irmão a morte, e o pai entregará o filho. Os filhos se levantarão contra os pais e os farão morrer”. No mesmo sentido, em Lucas 21,16: “Sereis traídos até por vosso pai e mãe, irmãos, parentes, amigos, e farão morrer pessoas do vosso meio”. As falas de Jesus, tomadas em sentido apocalíptico, mexem com a instituição familiar, que, desde os gregos, é tida como fundamento da sociedade. O sacerdote Schwager (1935-2004) tratou do tema da família a partir da perspectiva teórica de Girard. Sobre os textos de Marcos 13,12 e Lucas 21,16 “no fim dos tempos, os conflitos entre os seres humanos se tornarão tão severos, que até as mesmas relações familiares mais íntimas serão incapazes de aliviar as feridas causadas pelos conflitos (Must There Be Scapegoats? p.149)” (ANDRADE, 2011 p. 268).

 Depreendemos, dos textos do Antigo Testamento Bíblico, que a família e o vínculo com ela, ou seja, o parentesco, constituía a organização institucional que era a base da sociedade. No Novo Testamento, a institucionalidade da família e, por conseguinte, do parentesco, continua. Nas falas de Jesus, conforme relato dos evangelistas, ele diz claramente que os que desejam segui-Lo devem deixar seus familiares (Mt 10, 37; Lc 9, 57-62; 14,26). Jesus relativiza seu vínculo com os parentes: irmãos e a mãe (Mt 12,46-50; Mc 3,31-35). E, na resposta aos saduceus sobre a ressurreição, mostra a finitude dos modelos padrões de relacionamento (Mt 22,30). 

Outros textos do Novo Testamento também desmontam o caráter absoluto dos vínculos familiares, como em 1 Timóteo 1,4 e Tito 3,9 onde há advertências sobre a preocupação genealógica: “nem se ocuparem com fábulas e genealogias sem fim, as quais favorecem mais as discussões do que o desígnio de Deus, que se realiza na fé” (1Tm 1,4). Ademais, “evita controvérsias insensatas, genealogias, dissensões e debates sobre a Lei, porque para nada adiantam, e são fúteis” (Tt 3,9). O próprio Paulo desconfiará da centralidade judaica do matrimônio em 1 Coríntios 7, 32-40.

Conclusão

A Sagrada Escritura, Antigo Testamento e Novo Testamento, apresenta o tema da família. No Antigo Testamento, a família emerge como como espaço social e religioso, e a “casa do pai” é a marca patriarcal da estrutura familiar desse contexto.  No Novo Testamento, os evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), por meio da pessoa de Jesus, mostram as rupturas com o patriarcalismo familiar do AT. Jesus relativiza o parentesco, a forma com a família organizava-se e valorizava os laços da fé, sob a vontade de Deus (Mt 12,46-50, Mc 3, 31-35). Nos Evangelhos de Marcos e Mateus, a cena em que mostra a mãe e os irmãos de Jesus procurando-o enquanto ele pregava, antecede as parábolas sobre o Reino de Deus, “com o anúncio da aproximação do Reino de Deus até os laços familiares, tão importantes no Judaísmo, são secundarizados” (CARDOSO, 2020, n.p.).

A leitura do Novo Testamento ajuda-nos a desconstruir uma cultura da centralidade institucional da família, na vida de cada um. Jesus não destrói a família, ou seja, ele mesmo recorda ao Antigo Testamento: “Com efeito, Deus disse: Honra pai e mãe e Aquele que maldisser pai ou mãe certamente deve morrer” (Mt 15,4). Ele exige, sim, uma nova e mais profunda perspectiva sobre o ser família. 

Seguir Jesus cria divisões, principalmente no ambiente familiar: “Com efeito, vim contrapor o homem ao seu pai, a filha à sua mãe e a nora à sua sogra. Em suma: os inimigos do homem serão os seus próprios familiares.” (Mt 10, 35-36). Os que escolheram seguir Jesus, como os pescadores, deixaram tudo, inclusive os familiares: “E imediatamente, deixando as redes, eles o seguiram. Um pouco adiante, viu Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, eles também no barco, consertando as redes. E logo os chamou. E eles deixando o pai Zebedeu no barco com os empregados, partiram em seu seguimento” (Mc 1,18-20). Jesus não exclui a família, mas a secundariza, ou melhor, situa-a no lugar devido, pois, assim como muitos apegos e vínculos impedem-nos de viver plenamente a fé, a família, nos seus aspectos institucionais, morais e sociais também pode tornar-se empecilho. No sentido cultural judaico, a família torna-se secundária, mas, na perspectiva do Reino de Deus, continua a ter importância, não centralidade (CARDOSO, 2020). Cabe ressaltar, ainda, que nossos vínculos familiares são uma realidade, que pertence ao tempo entre a Ascenção de Jesus e sua volta (parousia), na perspectiva da escatologia cristã. 

A participação de Jesus em uma festa de casamento (Jo 2,1-12) significa que essa instituição tem importância para as relações humanas e para a formação de uma família. E mais, quando Jesus faz crítica ao divórcio em Mateus 19,1-9, falando da dureza do coração dos homens (maridos) em relação às esposas, infere-se que a instituição matrimonial tem importância para Jesus (CARDOSO, 2020).

Sobre a compreensão atual da família, as considerações teóricas de René Girard sobre a cultura levaram-nos a compreender que a família, enquanto instituição social, tem origem cultural e raiz religiosa e, portanto, sacrificial, no sentido de perpetuar rituais e crenças. A família é marcada por uma perspectiva histórica e antropologicamente violenta; carrega em si normas, interditos e tabus que tentam dificultar a manifestação das diferentes formas de violência no seu interior. 

Afirmar que a violência é uma marca familiar significa dizer que, na família, reproduzem-se certos mecanismos de violência, desde uma simples forma de dominação e cerceamento da liberdade dos membros, até a imposição de crenças de valores, atos de agressão verbal e física que intimidem a pessoa. A família é, portanto, uma realidade paradoxal, tanto é o espaço por excelência de desenvolvimento da vida e da fé, como também contrário disso.

Na base da teoria mimética de René Girard e das falas e ações de Jesus, encontra-se o tema: Instituição e poder. É nessa perspectiva que Gabriel Andrade e Raymond Schwager desenvolvem suas reflexões sobre a instituição familiar. A violência e o poder sobre alguém (vítima expiatória) representam uma característica presente nos mecanismos vitimários primitivos, como descrito a partir da obra A Violência e o Sagrado, e no poder patriarcal (Dt 21,18-21). Jesus é antipatriarcal no sentido da moldura familiar, e, portanto, crítico da instituição e pró-família, enquanto laços de fé, que levem a fazer a vontade de Deus e a construir o Reino.

Os valores do Reino de Deus e a realização de sua vontade são as bases para a família cristã. O núcleo familiar não pode ser fim em si mesmo e, muito menos, o lugar de reprodução de violência e injustiças, que justifiquem a manutenção de modelos familiares históricos. Os pais e o filhos e qualquer membro de uma família cristã devem buscar a vivência profunda da fé, no seguimento de Jesus. Não basta apenas reproduzir modelos e costumes; é essencial fundamentar as relações humanas familiares em Cristo, para segui-Lo na busca e na vivência do Reino de Deus. 

Referências

ANDRADE, Gabriel. René Girard: um retrato intelectual. São Paulo: Érealizações, 2011.

BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 1973/1985.

CALLIGARIS, Contardo. Antigo e Novo Testamento adotam valores bem diferentes para a família. São Leopoldo: Instituto Humanitas Unisinos, Revista IHU Oline, 2018. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/579727-antigo-e-novo-testamento-adotam-valores-bem-diferentes-para-a-familia.Acesso em:17 jan. 2020.

CARDOSO, Manuel. FAMÍLIA NO NOVO TESTAMENTO. Disponível em:  http://www.estudos-biblicos.net/familia-nt-mc.html. Acesso em: 17 fev. 2020.

COMENTÁRIO BÍBLICO BROADMAN. Volume 8, Artigos Gerais Marcos e Mateus. Trad. Adiel Almeida de Oliveira. 3. ed. Rio de Janeiro: Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1986.

COMENTÁRIO BÍBLICO BROADMAN. Volume 9, Lucas - João. Trad. Adiel Almeida de Oliveira e Israel Belo de Azevedo. 2. ed.  Rio de Janeiro: Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1987.

GIRARD, René. A Violência e o sagrado. Trad. Martha Conceição Gambini. São Paulo: Editora Universidade Estadual de São Paulo, 1972/1990.

GIRARD, René; ANTONELLO, Pierpaolo; ROCHA, João Cezar de Castro. Evolução e Conversão. Trad. Bluma Waddington Vilar e Pedro Sette-Câmara. São Paulo: É realizações, 2008/2011.

LA CALLE, Francisco de.  A Teologia de Marcos. São Paulo; Edições Paulinas, 1978.

LAZIER, Josué Adam. A família no Novo Testamento. Revista Caminhando, v. 5, n. 2 [n. 7], p. 28-33, 2010 [2ª ed. on-line; 1ª ed. 1994]

McKENZIE, John Lawrence. Dicionário Bíblico. Trad. Álvaro Cunha...et al.; revisão geral Honório Dalbosco. São Paulo: Paulus, 1983.

MICHAELIS, Dicionário Brasileiro da Língua portuguesa. Verbete Família Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/busca?id=A124. Acesso em: 13 jan. 2020.

PIKAZA, Javier. A Teologia de Mateus. São Paulo: Edições Paulinas, 1978.

PIKAZA, Javier. A Teologia de Lucas. São Paulo: Edições Paulinas, 1978.

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Notas

[1] No terceiro dia, houve um casamento em Caná da Galileia e a mãe de Jesus estava lá. Jesus foi convidado para o casamento e os seus discípulos também (Jo 2, 1-2).

[2] Quando Jesus chegou ao lugar, levantou os olhos e disse-lhe: “Zaqueu, desce depressa, pois hoje devo fixar em tua casa”. Ele desceu imediatamente e recebeu-o com alegria. [...] Jesus disse-lhe: “Hoje a salvação entrou nesta casa, por que ele também é um filho de Abraão...” (Lc 19 5-6.9).

[3] Chegaram à casa do chefe da sinagoga, e ele viu um alvoroço. Muita gente chorando e clamando em voz alta (Mc 5, 38).

[4] Em Betânia, quando Jesus estava à mesa em casa de Simão, o leproso, aproximou-se dele uma mulher, trazendo um frasco de alabastro cheio de perfume de nardo puro, caríssimo, e, quebrando o frasco, derramou-o sobre a cabeça dele (Mc 14,3).

[5] Forma aramaica enfática de ‘ab, “pai” usado como vocativo. Termo pronunciado por Jesus (Mc 14,36) e usado pelos primeiros cristãos (Rm 8,15; Gl 4,6), apresentando em cada passagem a tradução. Nas fórmulas de oração entre os cristãos de língua grega, usavam-se provavelmente ambas as formas, ‘ab e abba. Cartas aramaicas indicam que se tratava do termo familiar usado pelas crianças; neste sentido empregou-o Jesus, invocando o Pai* na grande crise de sua vida, e neste sentido foi depois assumido pela Igreja primitiva (McKENZIE, 1983, p.1).

[6] “Pai, chegou a hora: glorifica teu Filho, para que teu Filho de glorifique, (Jo 17,1). E agora, glorifica-me, Pai, junto de ti, (Jo 17, 5a). Pai Santo, guarda-os em teu nome (Jo 17, 11a). Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti (Jo 17, 11a). Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estou, também eles estejam comigo (Jo 17, 24 a-b). Pai justo, o mundo não te conheceu, mas eu te conheci e estes reconheceram que tu me enviaste” (Jo 17,25).

[7] E dizia: “Abba! Ó Pai! Tudo é possível para ti: afasta de mim este cálice;” (Mc 14,36a).

[8] Jesus dizia: “Pai, perdoa-lhes: não sabem o que fazem” [...] Jesus deu um grande grito: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23 34 a. 46a).

[9] Ora, se vós que sois maus sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai que está nos céus dará coisas boas aos que lhe pedem! (Mt 7,11).

[10] Jesus fala frequentemente das relações do pai com sua família. Este é um assunto muito presente nos ensinos e pregação dEle: fala do pai que envia seus filhos para trabalhar (Mt 21.28-32): fala do pai que envia seu Único filho para receber os frutos da colheita (Mc 12.1-12); fala do pai que descansa com seus filhos (Lc 11.5-8); fala do Pai que envia seu Único filho para a morte de cruz e salvação dos homens e mulheres (Jo 3.16). (LAZIER, 2010, p.31). 

[11] Os liames do parentesco carnal são pospostos aos do parentesco espiritual (cf. Mt 8,21s; Mt10,37; Mt 19,29). (BÍBLIA DE JERUSALÉM, 1973/1985, p. 1862). Cf. COMENTÁRIO BÍBLICO BROADMAN, 1986, p. 193.    

[12] A expressão família de Jesus, atribuída aos seus seguidores, a Igreja, pode entender-se em vários níveis; o evangelista [Marcos] rejeita explicitamente três: a família carnal (3, 20-21.31-35), a religiosa (3, 22-30) e a geográfica, seus conterrâneos (6, 1-6). Frente a essas três, estabelece a quarta: seus discípulos, os cumpridores da vontade de Deus (3, 13-19. 34-35; 6, 7-13). A Igreja é uma superação desses três primeiros níveis, que, de per si, não podem levar a uma compreensão e aceitação da realidade salvífica, presente em Jesus; não podem compreender que ele é o evangelho, o reino de Deus sobre a terra (LA CALLE, 1978, p.66).

[13] Quem fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe (Mc 3,35).

[14] Marcos no capítulo 5, versos 21 a 43 de seu Evangelho relata a Cura da hemorroíssa e ressurreição da filha de Jairo.

[15] E imediatamente, deixando as redes, eles [Simão e André] o seguiram. Um pouco adiante, viu Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, eles também no barco, consertando as redes. E logo os chamou. E eles, deixando o pai Zebedeu no barco com os empregados, partiram em seu seguimento (Mc 1,18-20). Ao passar, viu Levi, o filho de Alfeu, sentado na coletoria, e disse-lhe: “Segue-me”. Ele se levantou e o seguiu (Ma 2,14).

[16] E dizia: “O Reino de Deus é como um homem que lançou a semente na terra: ele dorme e acorda, de noite e de dia, mas a semente germina e cresce, sem que ele saiba como” (Mc 4, 26-27).

[17]“O parentesco básico é apresentado como uma questão de fé, e não de carne” (Mt 3:9; 12: 46-50) (COMENTÁRIO BÍBLICO BROADMAN, 1986, p. 178).

[18] O discípulo é, além do mais, chamado a odiar também à própria vida. Ele precisa estar disposto a afirmar os interesses do reino, e não as suas próprias ambições, ao ponto de estar pronto a morrer, se as circunstâncias assim o exigirem (COMENTÁRIO BÍBLICO BROADMAN, 1987, p. 149).

[19]Esses marcos teóricos foram desenvolvidos por René Girard no livro A Violência e o Sagrado, publicado em 1972, e traduzido para o português em 1990: “Todo ritual religioso provém da vítima expiatória, e as grandes instituições humanas, religiosas e profanas, provêm do rito. [...] o próprio mecanismo do pensamento humano, o processo de “simbolização”, também se enraíza na vítima expiatória. [...] A vítima expiatória, mãe do rito, aparece como a educadora por excelência da humanidade, no sentido etimológico de educação. O rito faz sair pouco a pouco os homens do sagrado; permite que eles escapem de sua violência, afasta-os dela, confere-lhe todas as instituições e todos os pensamentos que definem sua humanidade.” (GIRARD, 1972/1990, p.384).

[20] A unidade de estrutura a partir da qual se elabora um sistema de parentesco é o grupo que nomeio “família elementar; ela consiste em um homem, sua esposa e seus filhos [...]” LÉVI-STRAUSS (1958 apud GIRARD,1990, p. 275).