CESAR, Constança Marcondes

Vivências filosóficas: três pesquisadoras: Gaston Bachelard no Brasil / Constança Marcondes Cesar, Elyana Barbosa e Marly Bulcão. – 1a ed. – Goiânia: Editora Espaço Acadêmico, 2020. 

José Aguiar Nobre

Pós-doutorado em Filosofia (UFPR); Pós-doutorado em Educação (PUCCampinas). Doutor em Teologia Sistemático-Pastoral, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2017). Doutorando em Filosofia (UFPR). Mestre em Educação, pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2012).  

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No Proêmio da Veritates Gaudium, argumenta o Papa Francisco que uma das grandes tarefas ou critérios para a formação humana na contemporaneidade, circunscreve ao desafio de uma abertura para a riqueza da interdisciplinariedade bem como da transdisciplinariedade que devem ser exercidas com sabedoria e criatividade à luz da Revelação. Normalmente, nos tempos de autoritarismos/obscurantismos, as tentativas de adoção do discurso único, de imposições de uma certa padronização e enquadramento dos comportamentos sociais, morais e religiosos, se fazem presente muito fortemente, em detrimento da sabedoria criativa. Em contraposição a este tipo de obscurantismo, surgem pessoas em cujo entendimento de que a luta para a consolidação de uma formação humana e da democracia como valores imprescindíveis, deverá ser sempre contínua. Para tanto, estas pessoas fundamentadas no uso genuíno da razão, das artes e da cultura, dos valores religiosos, entre outros, se colocam a serviço dessa nobre tarefa. Desse modo, com ações comprometidas com um comportamento ético e com o bem comum, possibilitam o surgimento de uma sociedade sempre mais humanizada. 

É nesse sentido que vem a indagação: quais exemplos de pessoas contribuíram para que a formação humana integral fosse cada vez mais possibilitada? Como elas poderão trazer uma contribuição para os tempos hodiernos? Para responder a estas questões, o presente escrito apresenta uma obra deslumbrante que acaba de ser publicada. Trata-se do livro intitulado Vivências Filosóficas: três pesquisadoras: Gaston Bachelard no Brasil, publicada pela Editora Espaço Acadêmico. É um livro que tem um caráter autobiográfico, mas que traz uma grande relevância para os tempos hodiernos, não somente por ser redigido por três mulheres, mas acima de tudo, por se tratar de três pensadoras e filósofas, que, dentre outras, são pioneiras numa filosofia de qualidade no Brasil. Segundo Constança Marcondes Cesar, “o estudo apurado dos grandes pensadores se desdobrou para nós [elas], numa abertura de horizontes e de liberdade, de vida criadora” que elas buscaram despertar diante de suas atividades. A expressão vida criadora, traz em si, uma percepção genuína para o sentido da vida humana em cuja participação na criação lhe é inerente, como comumente se entende que Deus cria criadores. As três pensadoras e filósofas, dedicadas e unidas pela filosofia, partilham, com os leitores da contemporaneidade, as suas trajetórias acadêmicas, talhadas pelos desafios e conquistas que vivenciaram. Elas evidenciam, com clareza, como a filosofia possibilitou-lhes não somente amizades prazerosas, como também abrir vários horizontes educativos, criativos e de liberdades pedagógicas. Na presente obra, as filósofas Constança, Marly e Elyana, apontam que, efetivamente, em épocas não muito fáceis, como os tempos de chumbo da ditadura militar, mediante a sagacidade do pensamento de Bachelard, encontraram luzes para quebrar paradigmas, “driblar” as perseguições e riscos, próprios da época, a fim de oferecerem uma formação humana de qualidade aos seus alunos. Com isso, contribuíram para a formação de uma geração de educadores, em cuja quantidade de orientações de trabalhos, dissertações e teses acadêmicas possibilitam a presença do pensamento bachelardiano no cotidiano brasileiro, como de outros pensadores, como um sinal de esperança e resistência e formação do pensamento crítico. 

A obra tem um prefácio igualmente fascinante que é redigido por outra filósofa, professora titular de Filosofia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Dirce Solis. Com palavras sábias, Solis enfatiza a necessidade de colocar as três filósofas, autoras deste livro, no rol de evidências das filósofas internacionais, tais como Hannah Arendt, Simone de Beauvoir e Simone Weil, para aqui citar apenas três. Argumenta a prefaciadora desta obra que, mediante a peculiaridade de cada pesquisadora em filosofia, e ensinantes da mesma, foi graças a elas que o pensamento bachelardiano permanece vivo no meio acadêmico brasileiro. Percebe-se que, as autoras evidenciam a atualidade do pensamento de Bachelard tanto para a investigação científica quanto para a compreensão dos percursos da alma. Ao fazer isso, aponta não só para a sua importância como para a necessidade de que ele se torne mais estudado e conhecido. 

Deste modo, desde a relevância da subjetividade da imagem, até a riqueza estética e a força ontológica da poética bachelardiana, a obra “Vivências Filosófica: Gaston Bachelad no Brasil”, se desvela como muito relevante e atual, em tempos de obscurantismos e de nagacionismo da ciência, como os atuais. Tempos em que as forças das falsas notícias são tão atrozes quanto os canhões ou as pontas das lanças e das espadas, em tempos de guerras sangrentas ditatoriais. Ressalta-se que tanto mais o pensamento de Bachelard for utilizado hoje, tanto mais será possível diminuir pensamentos continuístas, retrógrados e conservadores em todas as áreas do conhecimento, dentre eles o religioso. percebe-se que há um grande risco global na atualidade o atrelamento dos discursos políticos com falsos e fanáticos discursos religiosos. A obra Vivêncis filosóficas, põe a descoberto que a filosofia de Bachelard torna-se importantíssima para que seja possível um processo de melhor formação de pessoas que sejam cada vez mais humanizadas e criativas. Dado que ele oferece oportunidade de rupturas e cortes epistemológicos, fazendo com que os seus leitores sejam capazes de possibilitar o combate de “positivismos” apressados e incongruentes. As autoras deixam transparecer que, por meio do pensamento de Bachelard, é possível entender que a descontinuidade epistemológica, tornará possível a efetivação de um genuíno conhecimento da realidade. Com isso, entende-se que tornar-se-á cada vez mais fácil de mitigar certo negacionismo científico reinante na contemporaneidade. 

O livro é de uma atualidade evidente e, visto no seu conjunto, percebe-se que as suas autoras almejam que os seres humanos hodiernos sejam capazes de um olhar atencioso para as questões humanas e naturais. Essa percepção não é difícil de captar, e é bastante razoável pensar assim, uma vez que ele nasce das mãos de genuínas educadoras. Desse modo, talvez sem perceber, as autoras trazem também uma contribuição para as ciências teológica. Os leitores desta área do conhecimento, sabem com tranquilidade que, como admoesta o Papa Francisco, ao apontar para a necessidade de sintonia entre ciência e cuidados com a natureza, ao ressaltar a riqueza da obra ciência e poesia, por exemplo, Constança fala de modo tão profundo e consistente que, a impressão que se tem, é que ela está discutindo a Laudato Si, ao argumentar que Bachelar postula a existência de uma consciência cósmica. Ou quando admoesta que a imensidão está em nós. Tudo isso possibilita ao leitor, o direito de sonhar, numa compreensão da existência de uma genuína consonância entre a alma humana e alma do mundo. Desse ponto de vista, entende-se que o mundo é a nossa casa. Por aí se percebe a profunda sintonia com a teologia da Casa Comum de Francisco, ao argumentar o pontífice que o destino comum a todos os seres humanos na Casa Comum, a Mãe Terra, é auto implicativo no cuidado, uma vez que tudo está interligado. Observa-se assim, que há uma profunda interlocução como o Magistério da Igreja atual na seara da ética do cuidado, bem como aos desafios de uma formação humana integral ressaltadas tanto na Veritatis Gaudium, na Laudato Si, quanto na Querida Amazônia. Em suma, e livro enfatiza a atualidade da obra bachelardiana que, por meio dos caminhos da ciência e da técnica, se torna possível repensar o momento atual e postula uma nova maneira de o ser humano viver. Sendo assim, as três pensadoras e filósofas ponderam, que o pensamento de Gastom Bachelard, facilita as intervenções nas inúmeras práticas, sejam elas sociais, políticas, religiosas e ou econômicas.

O livro está assim subdividido: cada autora faz uma breve apresentação de suas trajetórias como educadoras, pensadoras e filósofas e, em seguida, escreve um capítulo a saber: (i) Uma trajetória filosófica: da descoberta da filosofia ao seu estudo sistemático (Constança Marcondes Cesar); (ii) Como fui apresentada a Gaston Bachelard (Elyana Barbosa); (iii) Fiel às paixões: andanças filosóficas e as contribuições de Gaston Bachelard (Marly Bulcão). 

Constança após dizer no prefácio que a filosofia lhe abriu horizontes e trouxe liberdade, ela conta como encontrou a filosofia, recordando que, aos 15 anos, quando uma professora no colégio, ensinando História da Filosofia Antiga, ela se encantou com o mito da caverna em Platão e não teve dúvidas de que queria sair da caverna. Relata que este impulso lhe fascinante pois assim, ela foi em busca do sol da verdade. Dentre a sua encantadora e frutuosa atividade filosófica, chama a atenção o relato do seu livro Filosofia da Cultura Grega, no qual trabalha a noção de kairós. E, este conceito ressalta o tempo oportuno em que esta obra é publicada. Efetivamente, num tempo oportuno para a reflexão. Desse modo, sem delongas, pois espera-se que o texto seja encontrado pelos leitores deste pequeno manuscrito, vale ressaltar que é com a profundeza com que as três filósofas e pensadoras brindam a sociedade hodierna com um livro tão minúsculo em termos de tamanho físico. Mas, como domo diz o velho ditado: “nos pequenos frascos, se encontram os melhores perfumes”, com Vivências filosóficas não foge à regra. 

O que foi feito nessas trajetórias filosóficas? Indaga Constança: percebe-se que delas surgiram riquíssimas obras, publicadas no Brasil e no exterior, assim como a formação de grande e comprometidos pesquisadores e educadores também tanto pelo Brasil quanto no exterior. 

Em suma, como as narrativas são bastante fascinantes e por que não dizer apaixonantes e admiráveis, um destaque para a interlocução entre ciência e poesia, a obra em questão possibilita que, assim como as três se deixaram encantar pela busca da verdade e da liberdade, que a sua leitura também inspire os estudiosos de hoje, para uma abertura e apreço pelo conhecimento científico seja contínuo na história.