A urgência de uma Teologia Política: Crítica e desafios para o atual contexto brasileiro
The urgency of a Political Theology: Criticism and challenges for the current Brazilian context
Cesar Kuzma
Doutor em Teologia. Professor do Programa de Pós-Graduação em Teologia da PUC-Rio. Presidente da SOTER. Contato: cesarkuzma@gmail.com
Resumo
O artigo que aqui apresentamos chama a atenção para a urgência de uma Teologia Política no Brasil, principalmente por sua situação atual, que nos apresenta inúmeros desafios que também devem ser interpelados e enfrentados pela teologia. Temos como objetivo fazer uma leitura atenta e crítica do contexto em que estamos vivendo, na intenção de trazer novos entendimentos para esta realidade. Nossa intenção é que esta perspectiva teológica possa oferecer horizontes de interpretação que podem ser apontados como geradores de uma nova práxis, que de forma construtiva e libertadora visem o compromisso público da teologia na sociedade atual. A partir destes objetivos e mediante uma pesquisa bibliográfica, dividiremos o nosso artigo em quatro partes. Primeiramente, apontaremos aspectos que determinam as características de uma Teologia Política, com destaque às diversas expressões contextuais que marcaram e ainda se fazem presente em nosso tempo. Na sequência, faremos uma descrição do atual contexto brasileiro, marcado por uma profunda crise social e política. Depois, pretendemos oferecer aspectos fundamentais de uma Teologia Política e como que a realidade atual nos interpela à urgência desta questão. Por fim, este percurso nos coloca diante de tarefas que se fazem necessárias para a teologia atual, que em vista de uma perspectiva política conduzem a nossa reflexão para novos horizontes.
Palavras chave: Teologia, Política, Realidade Brasileira, Sociedade Atual.
Abstract
The article presented here calls attention to the urgency of a Political Theology in Brazil, mainly for its current situation, which presents us with numerous challenges that must also be interpellated and faced by theology. The goal is to do careful and critical reading of the context in which we are living, with the intention of bringing new understandings to this reality. Our intention is that the theological perspective presented can offer horizons of interpretation that can be identified as generators of a new praxis, which is a constructive and liberating way aim at the public commitment of theology in current society. Based on these objectives and through a bibliographic search, we will divide our article into four parts. First, we will point out aspects that determine the characteristics of a Political Theology, highlighting the different contextual expressions that have marked and are still present in our time. In the sequence, we will describe the current Brazilian context, marked by a deep social and political crisis. Then, we intend to offer fundamental aspects of Political Theology and how the current reality calls us to the urgency of this issue. Finally, this journey presents us with tasks that are necessary for current theology, which, from a political perspective, lead our reflection to new horizons.
Keywords: Theology, Politic, Brazilian Reality, Current Society.
Introdução
Desde a eleição de Bolsonaro em 2018, o Brasil tem vivido uma profunda crise em seu tecido social e esta crise tem afetado diretamente o modo de viver das pessoas, de modo a produzir conflitos no tempo presente, em vários espaços da sociedade. Estes conflitos geram incertezas em plano futuro e as consequências são graves para a democracia e para o estado de direito. Um dado que aparece com força é o uso que se faz do poder religioso e a maneira como esta estrutura é utilizada como força política, na intenção de manter certo domínio sobre as pessoas, sem que a causa que leve a esta finalidade tenha qualquer relação com o dado religioso ou teológico em si. Tratase de uma apropriação, uma exploração de elementos que levam ao fortalecimento de estruturas de poder que geram divisão, violência e morte. Diante deste fato, pretendemos chamar a atenção para a urgência de uma Teologia Política no Brasil, capaz de fazer uma leitura desta realidade e disposta a oferecer caminhos que levem a uma superação e transformação, como tarefas e horizontes que se fazem necessários, urgentes.
1. Perspectivas de uma Teologia Política
No objetivo de chamar a atenção para a urgência de uma Teologia Política na atualidade e com destaque à importância que esta perspectiva teológica pode oferecer ao contexto em que estamos vivendo, temos consciência das inúmeras transformações que surgiram no quadro econômico, social, cultural e político nos últimos anos e, da mesma forma, observamos como que estas transformações têm trazido impacto para o modo de viver e de se relacionar entre as pessoas, para o modo de organização de nossas sociedades, bem como para a implantação de políticas nacionais e medidas internacionais e econômicas de relação entre os Estados. Estas mudanças estruturais não são as mesmas em todos os lugares e não ocorrem todas da mesma causa e da mesma forma. Por mais que possamos encontrar pontos comuns, as causas e os efeitos destas transformações são variados e não se pode ter uma visão única e global. Temos também a consciência de que muitas destas transformações são construídas a partir de uma nova visão de mundo que vai se moldurando e muito do que se compreende desta visão tem como base concepções religiosas e teológicas que propõem, por um lado, um garantir estrutural para o que se quer e, por outro, um projetar para uma realidade futura, tendo como horizonte um ideal que se pretende construir em nível de sociedade.
Direta ou indiretamente, de uma forma ou de outra, todos estamos ou somos envolvidos nestas transformações, seja no exercer e no mover-se com elas, seja no resistir e no lutar contra elas. No entanto, na medida em que estas mudanças tocam em situações específicas e estas trazem um cerceamento de nossas liberdades, deslocam e destroem direitos e passam a ameaçar a vida humana, inclusive em condições futuras, produzindo e relativizando a morte e outras questões fundamentais, além de incontáveis situações conflitivas, faz-se necessário um questionamento e, desta forma, também a teologia se sente desafiada.
Desde o século XX, com mais força na segunda metade do século, a teologia passou a se ocupar com maior ênfase em questões contextuais e, a partir delas e com elas, passou a tecer o seu discurso e a desenvolver uma forma de dialogar com inúmeras realidades que se faziam presentes e que eram, em cada contexto, desafiadoras e questionadoras da realidade[1]. Uma reflexão sobre a práxis e uma reflexão teológica a partir da práxis passou a compor o labor teologal e este novo modo de se fazer teologia foi sendo solidificado com o passar dos anos. É o que encontramos em Metz, por exemplo, ao tratar a práxis como uma orientação básica de uma nova Teologia Política, visando uma teologia fundamental prática (METZ, 1980, p. 61-100). Em contexto mais próximo ao nosso, na Teologia da Libertação, a mesma intencionalidade ocorre na fala de Gutiérrez, quando convida a uma reflexão crítica da práxis histórica (GUTIÉRREZ, 2000, p. 73-74), que da ação leva à ação, da práxis leva à práxis, como afirmaram depois Leonardo e Clodovis Boff (1986, p. 67). A teologia assume a causa dos negros e da luta contra o racismo (CONE, 1985). Faz o mesmo pelos direitos das mulheres e assume uma perspectiva feminista (GEBARA, 2017); em um tempo mais recente, já no século XXI, numa perspectiva de gênero e numa percepção de Teologia Queer[2]. Há que mencionar o trabalho realizado pela ASETT/EATWOT, numa linha ecumênica e atenta às condições do então chamado “terceiro mundo”, e o que tem sido produzido pelo Fórum Mundial de Teologia e Libertação, junto ao Fórum Social Mundial (FMTL/WFTL). Ainda, há a questão ambiental e a Ecoteologia (BOFF, 2015), com incidência direta no Magistério Católico, com a Encíclica Laudato Sí’ (2015), do Papa Francisco. Evidentemente que estes exemplos são apenas um recorte de um processo mais amplo e com mais detalhes, principalmente pela contextualidade assumida pela teologia nos últimos anos.
Este movimento de teologias mais contextuais e da práxis ocorreu em várias partes e deve sempre ser compreendido de modo aberto, dialogal, interconfessional e ecumênico, pois o advento do mundo moderno não permitia mais uma condição isolada, sobretudo diante de espaços e desafios comuns, que exigiam uma nova postura e uma resposta nova. É possível perceber este movimento em níveis institucionais, como no Vaticano II, principalmente pela Constituição Gaudium et spes, visando o diálogo com o mundo que emergia naquele momento. Da mesma forma, encontramos as ações do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), muitas delas em atenção a realidades específicas, em lugares periféricos. O mesmo ocorre em ONGs e outras entidades, confessionais ou não. A relação das igrejas com os Estados e a liberdade religiosa, o direito das pessoas, o progresso e o desenvolvimento econômico e científico, o aspecto cultural, as liberdades e a causa dos direitos humanos, estas e outras são ações que vão ganhando destaque e que, ao mesmo tempo, passam a indagar e ocupar os espaços de discussão teológica, o que, de modo mais recente, vai se tratar da dimensão pública da teologia, isto é, uma Teologia Pública (SINNER, 2012)[3].
É em vista desta perspectiva que a nossa proposta busca encontrar a sua relevância e oferecer um questionamento crítico à realidade atual do Brasil, em sua condição política e social, permeada, em vários aspectos, por elementos religiosos e teológicos que foram agrupados e que buscam, em vários momentos, legitimar as escolhas e decisões que são feitas em nível de governo e de Estado.
Como afirmamos acima, temos consciência das transformações que estão ocorrendo em nível global e o impacto que isso traz, também das diferenças; do mesmo modo, observamos a movimentação religiosa que se faz presente e que coopera para esta nova concepção social, política e cultural, principalmente no Brasil. Porém, o nosso objetivo aqui, ao enfrentar a realidade brasileira, é ressaltar a urgência de uma Teologia Política, que tenha como base uma leitura coerente e honesta da realidade e que se proponha à libertação integral da pessoa humana, que esteja atenta e que respeite as diferenças e as liberdades, fortalecendo movimentos em favor da justiça e do bem comum, que seja incisiva no combate às injustiças e a todas as formas de opressão, exclusão e violência, que se empenhe no reestabelecer do direito, na opção preferencial pelos pobres e excluídos e que tenha firmeza na defesa da democracia e no exercício da cidadania. Observamos que estes princípios são questionados no Brasil atual, sobretudo pelo atual governo, e que, portanto, faz-se necessário resgatá-los. Diríamos que, é onde se encontra a nossa urgência e é por onde pretendemos expor o pensar teológico, tendo em vista a construção de uma nova sociedade, capaz de transparecer o amor, a paz e a justiça, características essenciais do Reino de Deus e que já foram apontadas como imprescindíveis na América Latina, durante a Conferência de Medellín, em 1968 (DM, 1,3).
2. A atual realidade política e social do Brasil: uma interpelação teológica necessária
Quando falamos da questão democrática no Brasil, é importante destacar que ela sempre foi oscilante. Por um lado, ela ainda mantém elementos que nos permitem um debate da situação e uma busca por alternativas que sejam capazes de oferecer outra proposta. Todavia, na atualidade, estes elementos são poucos e nem sempre eles estão bem articulados, mas mesmo assim eles se fazem presentes pela liberdade de expressão e de imprensa, pela história das lutas sociais e de direitos, pela existência e resistência de povos originários, pela garantia constitucional, pela representatividade política e partidária, pelos movimentos de juventude, pelos espaços acadêmicos e por associações e órgãos de classe, dentre outros. No entanto, os valores e princípios democráticos sempre foram questionados por uma elite que se entende como dona de direitos e privilégios, como afirma Jesse Souza (2019), pela cultura colonialista, escravocrata e que produz um “racismo estrutural”, conforme aponta Silvio Almeida (2019), pela subordinação e dependência estrangeira (BOFF, 2018), pela imposição do mercado de capital e pela dolorosa marca de regimes autoritários que marcaram a história deste país. Então, a situação atual e a crise política desencadeada por ela não surgem do nada, pois é possível encontrar vestígios de anos atrás, em condições que ainda se repetem e voltam de tempos em tempos.
O enfraquecimento da democracia e a retirada de direitos, assim como a invisibilidade de grupos e representatividades favorecem esta desigualdade e permitem que uma minoria rica, branca e poderosa possa comandar e determinar o futuro do país. A democracia fica em vertigem, como diz o documentário de Petra Costa, de 2019[4], e por este enfraquecimento se destroem princípios de cidadania, restringindo o acesso à educação e a serviços básicos, desencadeando uma história marcada e construída em cima de uma desigualdade social. Em momentos de crise, como o que ocorreu em 2020, por conta da pandemia da Covid-19 e pela consequência social desencadeada por ela, esta desigualdade e este desiquilíbrio aparecem ainda mais.
Se concentrarmos o nosso olhar para o contexto atual, poderemos observar que o Brasil passa hoje por um dos momentos mais difíceis de sua história recente. A eleição de Bolsonaro, em 2018, reforçou a divisão no país e o colocou diante de graves problemas sociais, institucionais e trouxe um agravamento de sua situação política, com consequências que já são previsíveis e que avançarão para além de 2022, data prevista para o término de seu mantado. Isso se dá por uma agenda de reformas que leva em conta apenas o poder econômico e diminui espaços e direitos de trabalhadores, sobretudo dos mais pobres e que vivem em vulnerabilidade, o que se traduz facilmente em um sistema de exclusão e morte sem precedentes. O desrespeito à diversidade de ideias e o enfraquecimento de instituições democráticas seguem para o mesmo caminho. Há ainda o desequilíbrio ecológico, marcado por uma agenda de desmatamento e de negacionismo da crise socioambiental, que parece não se preocupar com as vidas futuras e compromete todo um ecossistema e biodiversidade. Entidades do mundo inteiro chamam a atenção para este problema e buscam entender o efeito Bolsonaro na atual conjuntura política global. Pelo lado católico, a CNBB, tratada pelo presidente como inimiga, desde a campanha presidencial, tem-se pronunciado sobre estes assuntos e chamado a atenção a estas realidades e para a perda de princípios democráticos. Juntamente com outras instituições, ela assina o Pacto pela Vida e pelo Brasil, pelo qual adverte para a grave crise sanitária, econômica, social e política e aponta para a falta de uma liderança no país[5] . Em 22 de julho de 2020, uma Carta ao Povo de Deus, assinada por mais de 150 bispos católicos e depois com apoio de milhares de pessoas cobrou responsabilidade do governo e acusou a ineficiência para lidar com situações de crise. Movimentos contra o fascismo tem tomado conta de várias igrejas cristãs e muitas delas têm-se pronunciado sobre estes fatos, da mesma forma o CONIC e outras entidades religiosas e instituições civis.
Não bastasse todo o problema político, em 2020, como já apontamos acima, o Brasil se tornou um dos países com o maior número de vítimas atingidas pela Covid-19, chegando a ter milhares de pessoas contaminadas, com milhares de mortos. O jeito de Bolsonaro governar levou incertezas, inseguranças, negacionismos, orientações sem fundamentação médica e/ou científica, desprezo pela condição social e numa nítida argumentação de se colocar a economia em um patamar mais importante que a vida das pessoas (KUZMA, 2020). Com o argumento de que “o Brasil não pode parar” se incentivou uma flexibilização dos cuidados e das práticas de isolamento, favorecendo um retorno às atividades comerciais e de lazer, além de se criar uma narrativa ideológica e em vista de uma disputa geopolítica internacional, com total desvio de atenção para o problema da saúde e para o concreto da vida das pessoas. Levando em consideração que o número de pessoas que morreram pelas complicações da Covid-19 é maior entre as classes mais pobres e que são mais dependentes de estruturas públicas de saúde, e que por conta de sua condição de vida não podem fazer um isolamento em casa, mas são obrigados a sair e buscar o seu sustento, é possível perceber o desprezo do governo por esta situação, como a ausência de políticas públicas e no desrespeito à vida humana em sua integralidade. Essas possíveis complicações e cenários já haviam sido demonstrados na campanha presidencial de 2018, apontando riscos, caso a eleição de Bolsonaro viesse a se confirmar. Também em 2019, a CNBB alertou para o problema das Políticas Públicas e que a ausência delas atinge em cheio aqueles e aquelas que são mais pobres[6].
Bolsonaro em si, não é uma novidade. O espanto está em ele ter sido eleito e com um grande apoio popular, e mais: com apoio de estruturas e instituições da sociedade, incluindo igrejas e líderes religiosos, como padres, bispos e pastores. O espanto está em saber que ele defende armas, torturas e morte, enquanto as igrejas, por sua vez, defendem a vida e a paz. Uma opção que não se faz coerente, mas que se fez realidade. Bolsonaro é um político de carreira, com três décadas de vida pública e que no exercício de seu mandato nunca apresentou ou aprovou projetos de importância para o país, além de ter empregado nas estruturas de Estado praticamente toda a sua família, seja em cargos eletivos seja em cargos de confiança. Ele nunca escondeu suas intenções e o seu preconceito contra as mulheres, negros, indígenas, pobres, nordestinos, contra a comunidade LGBTQ+. Sempre enfatizou seu apresso pelo período de Ditadura Militar no Brasil e o elogio público feito a torturadores, como o que foi realizado na votação do impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, em 2016, quando exaltou a figura de um torturador, condenado pela justiça brasileira. Soma-se a estes dados, a ligação dele e de sua família com grupos milicianos do estado do Rio de Janeiro, acusados de inúmeros crimes, dentre eles, o assassinato da vereadora e ativista dos Direitos Humanos Marielle Franco, em 14 de março de 2018.
A eleição de Bolsonaro foi sendo construída aos poucos e não é possível apontar uma única causa. Não entraremos nestes detalhes aqui, pois desde 2018 muita literatura já vem sido produzida e estudada a este respeito, no Brasil e fora do Brasil[7] . O que nos interessa neste artigo e é onde gostaríamos de dedicar um pouco mais a nossa atenção, diz respeito às consequências para a sociedade e o uso que ele faz do elemento religioso, produzindo uma espécie de messianismo político e de manipulação do tecido social. Este é um elemento que produz uma narrativa política e social no país e é um ponto de interpelação teológica para nós.
No próprio slogan da sua campanha ele traz a mensagem: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Esta frase já nos induz a uma interrogação: que Brasil está aí representado ou que Brasil se quer construir com esta imagem? Ou ainda, o que significa estar acima de tudo e de todos?
Em âmbito político, é um slogan que traz muitas interpretações. Sabemos que expressões como essa já foram utilizadas anteriormente na história, em situações não muito favoráveis, como no regime nazista, com a “Deutschland über alles”, e mesmo no modo arrogante como Trump usa o seu “American first”. Colocar-se acima significa se achar numa situação de grandeza, de superioridade, de dominação e de exploração. Isso cria isolamentos e sentimentos ultranacionalistas, os quais a história nos recorda de momentos delicados. Mesmo assim, analisando a postura política de Bolsonaro, se percebe que o gesto de se colocar acima se impõe mais para o terreno interno, sobre pessoas e instituições. O que se vê em nível exterior, pelas relações, é uma total subordinação aos EUA (de Trump), impedindo que o Brasil estenda relações políticas e comerciais com outros países, que historicamente sempre fizeram parte de seus acordos e aproximações.
Se analisarmos o sentido teológico da frase “Deus acima de todos”, cabe o mesmo questionamento, pois quem é este Deus que se coloca acima de tudo e de todos? Seria este o Deus cristão, pregado por Jesus Cristo e que deveria fundamentar a práxis das igrejas cristãs? Um Deus acima de todos? Com toda certeza, não. Não se trata aqui de negar a condição de criador e criatura, mas sim ressaltar a atitude kenótica deste Deus que se revela e se aproxima da nossa condição humana, fazendo-se humano, frágil, vulnerável, disposto a tocar o mais íntimo de nosso ser e de nossa realidade, fazendo comunhão conosco para nos convidar a uma comunhão plena e terna com ele. Porém, ao impor esta frase e a repeti-la frequentemente, Bolsonaro cria uma narrativa e atinge uma grande parcela da população que é muito devota e religiosa, conservadora, digamos assim, sendo, pois, sensível a este discurso. Para muitas dessas pessoas, simples na vida e na fé, imaginar Deus acima é imaginar um Deus que pode nos proteger de todos os males e mais, aquele que o invoca, o presidente, aparece como o eleito, o ungido, o enviado para proteger e salvar a nação. Este messianismo se faz presente em sua atitude política e é bem explorado por sua equipe e assessores, a partir de uma estratégia que Pedro Ribeiro de Oliveira chama de “Guerra da 4ª Geração” (2019) [8] , que é articulada pelo uso das mídias digitais e pela construção de narrativas construídas em pós-verdades, Fake News e interesses econômicos, tendo como grande personagem Steve Bannon, estrategista da campanha de Trump e que também atuou na campanha de Bolsonaro, alguém muito próximo aos filhos do presidente, mas que hoje responde a inúmeros processos judiciais nos EUA.
Todavia, o comportamento e o discurso que brotam do presidente e de suas ações não combinam em nada com o rosto misericordioso de Deus. Tais atitudes estão totalmente distantes do pastor que protege e dá a vida pelas ovelhas. Deus não combina com ódio, com tortura, com ameaças. Isso em nada tem a ver com o Deus-amor, com o Deus-misericórdia, como alertou Boff (2019), ao falar da blasfêmia de Bolsonaro ao dizer “Deus acima de todos”. Deus é aquele que por sua misericórdia reestabelece o direito e a partir dela faz a sua justiça, como diz o Papa Francisco na Misericordiae vultus (2015). O que vemos na atitude de Bolsonaro é justamente o oposto.
Mesmo antes de sua eleição, a política de Bolsonaro tem sido comparada ao fascismo. É evidente que não estamos diante de um regime fascista, como aqueles que já ocorreram na história, mas de práticas fascistas que subsistem dentro do sistema capitalista atual, através do qual se desenha uma dinâmica perversa. Estas práticas se assentam bem na estrutura brasileira e no modo como ela foi sendo moldada, como por exemplo: o modo como se concebem como normais as atitudes violentas e a agressividade contra os pobres, negros e mulheres da periferia dos grandes centros, da mesma forma contra a comunidade LGBTQ+; a ideia de classes, muito bem enraizada e de matriz colonial; o sentimento escravocrata, bastante presente e que moldura o regime de trabalho brasileiro; ainda o autoritarismo, percebido em várias instâncias e lugares, também do poder religioso; todas estas são práticas que se ajustam a atitudes fascistas e que parecem emergir na sociedade contemporânea. Contudo, concordamos com a proposição de Löwy (2019), quando diz que se trata de um “neofascismo”, com características diferentes e que, no caso de Bolsonarismo, surgem peculiaridades que são próprias da realidade brasileira e o modo como este evento se desenvolveu. É por onde caminha Fabio Py (2020), ao trazer novamente a expressão cristofascismo, para a qual busca entender o uso que Bolsonaro faz de elementos cristãos para com eles se aproximar das pessoas e justificar as suas ações, que obviamente em nada tem a ver com o cristianismo em si, mas são sabiamente exploradas em vista de uma pauta autoritária, conservadora, militarizada e subordinada ao neoliberalismo atual. É por onde Löwy define o conceito de neofascismo e o modo como são utilizados elementos do cristianismo. O teólogo espanhol Tamayo também parte desta intenção, caracterizando Bolsonaro como um autêntico representante do “cristo-neofascismo” e o bolsonarismo como um movimento “cristo-neofascista” (TAMAYO, 2019). Tamayo justifica esta afirmação pelo frequente recurso que Bolsonaro faz a Bíblia para legitimar a sua política homofóbica, racista, machista, ultraliberal e neofascista, em um claro sequestro do texto sagrado judeu- -cristão, que ele lê de forma fundamentalista.
O conceito de cristofascismo foi criado pela teóloga Dorothee Solle, em 1970, para caracterizar a legitimação que ocorreu do regime totalitário nazista por importantes setores da Igreja cristã na Alemanha, tanto do lado católico quanto do lado protestante, como explicita Tamayo no mesmo artigo que citamos acima. Infelizmente, é possível observar este mesmo movimento nos dias de hoje, quando lideranças cristãs legitimam ou se portam de forma indiferente aos desmandos do governo, sabendo que estes desmandos produzem morte e o prejuízo para milhares de pessoas. O efeito Bolsonaro, durante a campanha presidencial, e a sustentação de seu governo, apesar das inúmeras crises, escândalos de corrupção e outros crimes são motivos de estudo e análise, a fim de desconstruir o “mito”, como faz Casara (2020). Como dissemos acima, muitos são os fatores que corroboraram para este pleito, todavia, destacamos aqui o estudo de Lacerda e Brasilense, que destacam a habilidade da campanha em utilizar o poder de voto evangélico, sobretudo pentecostal e neopentecostal. É seguro que uma parte significativa dos evangélicos não votou em Bolsonaro, mas ele conseguiu abraçar uma grande quantidade de votos, em número muito maior que do que fizeram seus adversários, explorando elementos sensíveis à fé e pelo uso e influência que lideranças pentecostais e neopentecostais exercem nas comunidades (LACERDA; BRASILENSE, 2019, p. 255-259). No entanto, sem o apoio de uma grande parcela de católicos, também influenciados por padres, bispos e lideranças de mídia digital, este efeito não teria tido êxito. É uma combinação de fatores que envolve a fé cristã em seu aspecto católico e evangélico, alimentada em naturezas e expressões conservadoras, como bem desenvolveu Magali Cunha, em uma entrevista para o Instituto Humanitas da UNISINOS (2019). Sabemos que, ainda hoje, esta prática é utilizada e explorada pelo presidente e seus aliados.
Esta atitude agressiva e desrespeitosa já era um ponto de alerta que se fazia na campanha e muito desta perspectiva veio a se confirmar, quando se vê o desprezo pela vida humana, por aqueles que são diferentes e mais vulneráveis e pela forma como ele articula a estrutura de poder ao seu redor, impondo seu domínio e, com isso, abrindo espaço para a implantação de políticas que não levam em conta a realidade das pessoas e o respeito a princípios democráticos. Diante desta realidade, a teologia é questionada e deve oferecer uma resposta; e esta deve ser uma resposta de resistência e de esperança, uma resposta que seja ousada para ir contra o sistema e, com isso, buscar novas formas de agir em sociedade, resgatando direitos e a integridade das pessoas. É quando, segundo o teólogo Moltmann (2011, p. 29-30), a teologia política se faz crítica e torna realidade a ideia de se voltar às questões do mundo, se colocando em serviço aos outros; algo próprio de uma identidade que se constrói no seguimento de Jesus, no Cristo Crucificado.
É aí que entra a urgência de uma Teologia Política, que se faça atenta e crítica frente aos desafios que a interpelam e a convidam a uma resposta e a um diálogo, que seja firme e coerente.
3. A urgência de uma teologia política e seus desafios
Diante do quadro que expressamos acima, mesmo sendo ele um recorte de um problema ainda mais abrangente e que nos afeta em todas as esferas da sociedade, faz-se necessário, portanto, perguntar por qual horizonte teológico poderíamos ser capaz de responder a estes questionamentos, a estes desafios que para nós são colocados dentro deste contexto. Perguntamos: teria a teologia algo a dizer? Teria a teologia a capacidade de ter uma voz crítica, com força de denúncia e em proposição de um novo espaço, de uma nova situação? Em que sentido e em que direção ela se colocaria? Perguntamos ainda: Entraria aqui a urgência de uma Teologia Política, como estamos pretendendo apresentar e chamar a atenção? Se sim, a partir de qual abordagem e com qual questionamento esta teologia se colocaria? Mais: como oferecer uma argumentação teológica para os desafios da sociedade atual? Especificamente, para aquilo que descrevemos aqui para o Brasil, sem que isso se torne um peso a mais para um contexto que, de certa forma, já é marcado por uma narrativa político-religiosa e que, a partir dela, projeta uma tendência de organização social. A urgência está em colocar um questionamento que possa indagar qual proposta teológica poderia se colocar diante dos desafios apresentados e, ainda, diante daqueles e daquelas que se tornam as grandes vítimas do sistema dominante atual, para que com eles, junto a eles, seja possível discernir por caminhos e perspectivas futuras, levando a uma libertação integral, a uma transformação de estruturas, em vista da vida e do bem comum.
Sem qualquer pretensão de responder a todas estas perguntas, mas sim de se deixar guiar e interpelar por elas, afirmamos que estes são pontos que gostaríamos de chamar a atenção e com eles discorrer sobre a urgência de uma Teologia Política, que seja construída de forma atenta ao nosso contexto e aos inúmeros desafios que nele são questionados. A intenção é de resgatar uma percepção de Teologia Política, tendo por referência o que já foi aventurado por Metz e que esta produza uma hermenêutica social e crítica, atenta aos direitos e valores humanos e na direção de um horizonte democrático que se construa em prol da justiça e da paz, podendo ser entendido, analogicamente, como “parábola histórica da vinda do Reino de Deus” (MOLTMANN, 1989, p. 21). Soma-se a isso os impulsos que foram dados pela Teologia da Libertação na América Latina e que ainda se fazem necessários, pela opção pelos pobres e pela denúncia a todo tipo de opressão, que como forças dominantes geram pobreza e morte; mortes precoces e injustas (GUTIÉRREZ, 2003, p. 31).
Não está em nossa intenção trazer algo conclusivo, mas sim ressaltar a urgência e a importância desta posição, para que, em uma perspectiva aberta e dialogal, a teologia possa dar a sua contribuição naquilo que lhe é próprio, e somar com outros esforços que podem ser traçados e que merecem toda a atenção.
No fundo, a grande questão a ser colocada é a relevância de uma teologia que possa ser, por um lado, crítica da estrutura dominante, e por outro, criativa e impulsionadora de novas possibilidades, descortinando barreiras e enfrentamentos. Não argumentamos aqui o fato de se criar uma “nova” Teologia Política; não temos esta pretensão e este não é o nosso objetivo, contudo temos a intenção de resgatar elementos que são essenciais para o debate público da teologia e que já foram explorados em outros contextos, de modo especial, por Metz, que sim, elencou a sua proposta, chamando-a de uma “nova Teologia Política”, afastando- -se de qualquer ideia que levasse a uma neopolitização da fé e, da mesma forma, uma clericalização da política. A intenção de Metz foi de devolver à teologia a sua relevância pública, sem a pretensão de uma universalização buscada pela religião, mas de transparecer os compromissos sociais, humanos e libertadores como implicações autênticas do cristianismo, tendo por base o Evangelho. Uma forma de tornar a mensagem da teologia realmente eficaz e que não viesse a servir apenas para iluminar consciências, mas, objetivamente, para transformá-las, e com elas, a sociedade, em vista dos valores do Reino de Deus (GIBELLINI, 2002, p. 301-304). Esta intencionalidade vai ao encontro do que se propôs no Concílio Vaticano II, na Gaudium et Spes (GS), ao dizer que a pessoa humana deveria ser salva e a sociedade, transformada (GS n. 3). Tempos depois, na Conferência de Medellín, em 1968, falava-se de uma libertação integral, da pessoa humana e da sociedade.
Ainda na América Latina, pela Teologia da Libertação, a ideia era de oferecer, de modo sensível e crítico, algo pertinente e que realmente permitisse uma leitura honesta e geradora de uma nova condição humana e social. De acordo com o pensamento de Gutiérrez (2000, p. 304), trata-se de pensar um projeto histórico com o intuito de oferecer uma nova consciência social que consiga pensar a criação de uma nova sociedade, que seja diferente e solidária. Diríamos, também, inclusiva e receptiva. Isto é, libertada das estruturas de pecado que impossibilitam o existir humano e a integração de todas as coisas (GUTIÉRREZ, 2003, p. 27). Trata-se da libertação “do pecado como fato social, histórico, como ausência de fraternidade, de amor nas relações entre os homens, ruptura da amizade com Deus e com os homens e, em consequência, cisão interior, pessoal” (GUTIÉRREZ, 2000, p. 235). Desta forma, a Teologia da Libertação se entendeu como uma nova maneira de se fazer teologia, não se limitando a pensar as questões da fé de modo privado e isolado, de forma inconsequente, como também apontada e alertava a nova Teologia Política proposta por Metz, mas atentando para uma práxis e refletindo a partir da práxis, sendo assim libertadora e, portanto, uma teologia libertadora da história da humanidade. Isto é, de forma consequente.
Uma teologia que não se limita a pensar o mundo, mas procura situar-se como um momento de processo por meio do qual o mundo é transformado: abrindo-se – no protesto diante da dignidade humana pisoteada, na luta contra a espoliação da imensa maioria da humanidade, no amor que liberta, na construção de uma nova sociedade, justa e fraterna – ao dom do Reino de Deus (GUTIÉRREZ, 2000, p. 74).
Levando-se em consideração os inúmeros problemas existentes no Brasil de hoje e as consequências destes para a democracia e para a vida das pessoas, a grande pergunta a se fazer é – e esta é a nossa intenção aqui, por isso resgatamos elementos essenciais da Teologia Política de Metz e a sua correspondência com a Teologia da Libertação – de que modo a teologia pode se inserir neste diálogo, numa posição de observadora e interpeladora da realidade, apontando caminhos que ofereçam garantias de direito, de liberdade, na ótica do bem comum e no respeito à dignidade da pessoa humana, atenta à dor e ao sentimento do povo, sobretudo dos pobres e daqueles e daquelas que sofrem violência e todo tipo de opressão, exclusão e discriminação. Um questionamento necessário. Ainda assim, esta teologia deve oferecer uma voz crítica à sociedade, que segue alicerçada em um sistema político-econômico perverso e que produz morte, como denunciou Francisco aos movimentos populares na Bolívia (2015); um sistema de morte que se alinha a uma narrativa religiosa que surge, em muitos casos, como garantidora desta situação, alienando e produzindo novos ídolos. No dizer de Moltmann (2011, p. 404) uma Teologia Política “deve libertar o Estado do serviço político dos ídolos e deve libertar o homem da alienação política e da perda de direitos”. Diz ainda que, “a idolatria política e a alienação política surgem quando os seus representantes dominam sobre aqueles que deveriam representar e quando o povo se curva aos seus próprios governantes” (MOLTMANN, 2011, p. 404). Algo bem próximo ao que estamos vendo na atualidade, que vem sendo produzido e sustentado pelo fenômeno bolsonarista, carregando uma nova forma de populismo de direita (GABATZ; SINNER, 2020), numa espécie de messianismo invertido, pois ele não surge de um grito das bases oprimidas em busca de libertação, mas de uma elite já dominante e de parte da sociedade, que elegem um ídolo (mito) e que buscam se instaurar plenamente no poder.
Sem uma hermenêutica produzida por uma Teologia Política, uma Teologia Política que se faça crítica da práxis histórica (METZ, 1980, p. 61-100), caímos no grave perigo de cair em um messianismo político-religioso, que não é capaz de respeitar a autonomia do campo político, nem ao que corresponde o dado autêntico da fé, como lá atrás, já alertava Gutiérrez (2000, p 302), ao colocar as relações que envolvem esta aproximação entre a fé e a política. Deste modo, a posição de uma Teologia Política também é de oferecer critérios para determinadas opções políticas que se fazem necessárias e que ocupam o espaço público na atualidade. Por isso, ela é urgente.
A hermenêutica política exige um diálogo com movimentos socialistas, democráticos, humanistas e antirraciais. A hermenêutica política reflete a nova situação de Deus na situação desumana dos homens, a fim de romper com as relações hierárquicas que as privam da autodeterminação e de ajudar a desenvolver sua humanidade (MOLTMANN, 2011, p. 390).
Assim, as questões apontadas acima e o questionar de que tipo de Teologia Política se faz urgente hoje, nos leva a resgatar aspectos que tratamos no início, quando dissemos que o nosso objetivo, ao enfrentar e expor detalhes da realidade brasileira, seria de ressaltar uma urgência que tenha como base uma leitura coerente da realidade e que se proponha à libertação integral da pessoa humana, que esteja atenta e que respeite as diferenças e as liberdades, fortalecendo movimentos em favor da justiça e do bem comum, que seja, desta forma, incisiva no combate às injustiças e a todas as formas de opressão, exclusão e violência, que se empenhe no reestabelecer do direito, na opção preferencial pelos pobres e excluídos e que tenha firmeza na defesa da democracia e no exercício da cidadania. Problemas reais e vividos no atual contexto do Brasil e que se transformam também em desafios para a teologia.
É por onde uma Teologia Política se faz urgente, se constituindo em uma tarefa necessária para oferecer uma resposta à sociedade, uma resposta que leve vida e esperança e que esteja aliada aos valores do Reino de Deus, pois é teologia. Como Teologia Política, ela não se colocará na intenção de favorecer um aspecto religioso para o Estado, mas respeitará a autonomia do tempo e, dentro dele, buscará um espaço que ofereça libertação, inclusive do poder religioso, quando este aliena e oprime. Esta urgência se faz também necessária como forte crítica de processos religiosos, usados para legitimar as ações do Estado, visando o poder da religião/Igreja ou, quando usado por estruturas maiores de poder (político e econômico) cede à sua força mobilizadora com alienação. Diante disso, Moltmann (2011, p. 405) diz que, uma Teologia Política deve se fazer crítica e que “uma teologia política crítica deve tomar o rumo da dessacralização, da revitalização e da democratização”. Olhando rapidamente e buscando o conteúdo dos desafios apresentados, percebemos que estes três aspectos são questionados ou atacados atualmente, ou até mesmo, usados de uma forma não muito coerente, digamos assim. Então, faz-se necessário e torna-se urgente a proposição de uma teologia que possa atender a estas questões, questionando os novos ídolos de nosso tempo e tirando deles toda a pretensão de sacralização do poder, usada para os colocar acima dos demais, justificando ações e posturas, muitas vezes, geradoras de violência, de dominação e de morte. Depois, é importante revitalizar a sociedade, marcada pela opressão, pela morte, pela perda e pela ausência de um sentido que impulsione a esperança; e, por fim, democratizar. Melhor dizendo, resgatar a democracia, também em seu conteúdo, que foi esvaziado nos últimos tempos. Nas palavras de Sousa Santos (2018, p. 64), devemos redemocratizar a democracia, valorizar o sul global, as muitas resistências e a crítica a posturas fascistas e autoritárias que levantam em nosso tempo; chama a atenção às novas epistemologias, também teológicas (TAMAYO, 2017). É importante esta garantia e este dado. É urgente, pois, vencer a idolatria política e superar sistemas de domínio político e religioso que tornam o ser humano apático (MOLTMANN, 2011, p. 405), isto é, indiferente e sem um compromisso assumido com o outro e com a sociedade.
Todavia, este movimento nos apresenta tarefas e é nosso dever prestar a devida atenção a elas e oferecer uma resposta autêntica e coerente a partir da teologia, apontando horizontes de reflexão.
4. Tarefas e horizontes
Na intenção de seguir com a nossa proposta, pretendemos nesta parte final apresentar tarefas e horizontes que se fazem urgentes e que interpelam à necessidade de uma Teologia Política na atualidade, em especial, na atenção à realidade social e política do Brasil. Faremos em forma de teses, sem pretensão de que sejam as únicas realidades que merecem atenção neste momento, mas que aqui destacamos com a finalidade de oferecer caminhos possíveis de interpretação.
1. Crítica à sociedade: uma das principais tarefas de uma Teologia Política é a de fazer uma reflexão crítica da atual sociedade, na intenção objetiva de propor novos entendimentos e propostas possíveis. Tendo em conta a realidade atual, em nível global, marcada pelo crescimento de movimentos ultranacionalistas, separatistas e de autoritarismos, muitas vezes travestidos de estruturas e espaços democráticos; tendo presente a pressão do mercado financeiro e o avanço do capital sobre o trabalho, numa tendência sem limites, favorecendo uma pequena parcela cada vez mais poderosa, em detrimento do aumento e do descarte de uma maioria pobre; observando o aumento da desigualdade social e a crescente diferença entre as nações e os povos, sobretudo em prejuízo aos mais pobres; e ainda, com o transparecer de sentimentos racistas, machistas e homofóbicos, legitimados por um sistema e por uma cultura que tolera a violência e a indiferença, torna-se urgente e necessária uma ação teológica que passe a questionar esta estrutura, e que seja, portanto, crítica e que ofereça outro caminho para a sociedade, orientada pelos valores do Reino de Deus. Vivemos, hoje, em uma sociedade que está em metamorfose (BECK, 2018), onde o mal-estar cria desesperança (ZIZEK, 2019). Estes fenômenos, descritos acima, também se refletem na realidade brasileira, reproduzindo os mesmos efeitos globais e, ao mesmo tempo, favorecendo outros que já estão, de certa forma, alicerçados na história e na cultura do país e que agora, em meio a esta crise política e social, ressurgem e ameaçam a democracia, o estado de direito, afetando o presente e o futuro das pessoas. Falamos aqui, especificamente, de sentimentos elitistas, escravocratas, racistas, patriarcais, neofascistas, homofóbicos e preconceituosos, de dependência colonialista e que passam a fazer parte do nosso cotidiano, de modo explícito, e que merecem, de nossa parte, uma resposta crítica e reflexiva, também teológica. Eis uma tarefa urgente para a teologia e que exige uma postural pública, um agir da práxis, um pensar e agir político. Não se trata de travar um embate, mas de fazer denúncia e de modo profético apontar outro horizonte, outro caminho e possibilidade. Esta utopia reacende a chama de um profetismo que sempre deve estar presente, como nos alertava Ellacuría (2008, p. 396). Nesta crítica à sociedade, a Teologia Política deve sempre alimentar uma esperança de que outro mundo é possível[9].
2.Crítica à estrutura religiosa: da mesma forma como a crítica à sociedade, a Teologia Política também participará em uma crítica à estrutura religiosa, quando esta se afastar de seu objetivo primeiro, que é, em uma perspectiva cristã, a libertação e a construção do “homem novo”, para se aventurar em esferas de poder e para se perpetuar como força soberana na sociedade. A crítica deve ser feita quando esta estrutura religiosa passa a oprimir e não libertar, quando ela passa a se impor como normativa da moral e como única detentora da verdade, quando passa a olhar mais o passado e não se importa com as graves situações que afetam o presente, permitindo que o futuro das pessoas seja sequestrado ou aniquilado por completo. A crítica se faz necessária quando a religião cai na idolatria, suscitando novos deuses que se impõem como arautos da verdade e buscam se eternizar no presente da história; quando a religião, em especial as igrejas cristãs, se transformam em espaços burgueses da sociedade, afastando toda e qualquer lembrança do julgamento político de Jesus, pois esta memória subverte e ameaça a sua relevância político-religiosa (MOLTMANN, 2011, p. 400). A crítica se faz presente também em outras expressões religiosas e tradições, quando o uso de sua condição ultrapassa e interfere forçosamente na liberdade e na composição política e social, produzindo dependência, alienação, violência, segregação e até mesmo a morte. Uma Teologia Política será crítica de uma religião política, da mesma forma como será de uma política religiosa, pois ambas as situações negam a autonomia das partes e não corroboram para o exercício do bem comum. Uma religião política usará da política em benefício de suas estruturas e de uma legitimação de sua ordem na sociedade, sendo impositiva e autoritária, se apresentando como elemento garantidor da verdade, desprezando a condição do sujeito, sua liberdade e autonomia. Uma política religiosa valerá de elementos sensíveis da fé para o fortalecimento de sua postura autoritária. Moltmann (2011, p. 403) aponta que, numa esfera cristã, esta crítica é feita pela teologia da cruz, que pela memória da Paixão e da Ressurreição de Cristo é, ao mesmo tempo, “perigosa e libertadora”. Diz que, “ela ameaça uma igreja que está adaptada à política religiosa da sua época e a leva à comunhão com os sofredores da sua época. Ela liberta a igreja das políticas da igreja político-religiosas, para uma teologia cristã crítico-política” (p. 403).
3. Firmeza na opção pelos pobres e por todos aqueles e aquelas que são excluídos e que são vítimas na sociedade: uma preocupação que sempre deverá fazer parte de nosso cotidiano humano e teológico é a pergunta pelos pobres e por todos aqueles e aquelas que sofrem violência e opressão, vítimas de um sistema perverso que requer a morte de muitos, não se importando com suas vidas e com suas histórias. A pergunta feita por Gutiérrez, anos atrás (2003), de onde dormirão os pobres [?] segue ainda atual e ela deve ser pronunciada insistentemente, como denúncia profética, pois a existência de estruturas de pobreza, o aumento do número de pobres em nossas cidades e entornos, com vários rostos, como disse o Documento de Aparecida (DAp n. 402), rostos que doem em nós (DAp n. 407-430), exige de nossa parte uma postura crítica pela teologia, uma postura de denúncia à sociedade e às estruturas religiosas que não se posicionam de maneira firme contra esta realidade. A opção deve ser pelos pobres contra a pobreza e contra as estruturas de pecado que geram exclusão, violência e morte. Não se pode ser indiferente, pois nossa indiferença também gera opressão, violência e morte. Na atual sociedade brasileira, sobretudo com a crise decorrente da Covid-19, pode se perceber um aumento substancial de pessoas pobres, muitas delas, retiradas de seus direitos e impedidas de progredir e se desenvolver enquanto pessoas humanas. Há ainda o aumento do desemprego, as vítimas das violências de gênero e doméstica, os abusos contra menores e mulheres, a perseguição e assassinato contra povos originários/indígenas e a população negra. Entram também o desrespeito a direitos fundamentais de sobrevivência, como alimentação, trabalho e saúde. Entra com muita força a denúncia feita pelo Papa Francisco, na Evangelii Gaudium (EG n. 53-60) de que estamos caminhando para uma cultura da indiferença e para a qual devemos dizer alguns “nãos”: não a uma economia de exclusão, não à nova idolatria do dinheiro, não a um dinheiro que governa ao invés de servir, não a desigualdade social que gera violência, e diante de tudo isso, buscar uma cultura do encontro. Esta opção sempre será fundamental para uma Teologia Política, principalmente se esta teologia tem perspectiva libertadora e se faz atenta às exigências de nosso contexto, oferendo à sociedade a relevância do discurso público da teologia que se produz. Será sempre uma atitude solidária e de protesto (GUTIÉRREZ, 2000, p. 359-363), que coloca em risco aqueles que tomam este caminho, pois ao fazer a opção por estes que são os últimos, acaba-se também optando contra o poder opressor, fazendo que esta partilha solidária e de protesto experimente, em alguns casos, horizontes de martírio; o que une ainda mais a identidade da cruz e a libertação dos crucificados da história. A opção pelos pobres e por todos aqueles e aquelas que sofrem opressão e que são vítimas da sociedade é antes de tudo uma opção por Deus e por seu Reino, uma opção pela vida e que, por isso, é questionadora de toda a estrutura de morte. Hoje, fazer esta opção ainda é uma tarefa urgente e necessária. Está na base.
4. Produzir uma teologia a partir de baixo: quer dizer, a partir dos dominados e vencidos, de quem luta por libertação e que, ainda assim, alimenta uma esperança; ou, em alguns casos, o agente que produz teologia passa a ser para estes ponto e suporte de esperança. Isso implica também a produção de uma teologia decolonial[10], que apareça como resistência diante de espaços de poder, de necropoder, em alguns casos (MBEMBE, 2018). É de onde surgem as novas hermenêuticas e novas experiências de libertação, novas indagações que nascem das margens da sociedade (IRARRÁZAVAL, 2013), atentas às situações concretas que reclamam da teologia uma posição, supostamente libertadora. É sumamente importante que a teologia se debruce sobre este aspecto, principalmente dentro de uma perspectiva latino-americana; ainda mais, observando o renascimento da submissão brasileira a outras nações, seja no aspecto econômico e cultural, o refletir sobre este dado e o avançar sobre esta perspectiva pode oferecer caminhos e se fazem necessários. Isso nos faz denunciar e resistir aos círculos viciosos de morte e a construir processos de libertação, como caminhos e horizontes que podem ser trilhados para todos.
5. Crítica à idolatria política e religiosa: torna-se uma urgência oferecer um entendimento e contribuir para a construção de uma nova alternativa ao poder dominante, que se trasveste de aspectos religiosos, sensíveis a grande parte da população (que no caso do Brasil é maciçamente cristã), mas que investe em um status de domínio e de opressão. É algo totalmente incoerente e que se afasta totalmente da proposta do Evangelho, por seus princípios, e daquilo que se entende como papel da religião/igreja na sociedade, em sua dimensão pública. Faz-se necessário, então, “desmitificar o mito”, demonstrando que ele é fruto de um processo arbitrário e manipulador, cujos planos não combinam com o estado democrático e com a liberdade da sociedade, nem mesmo com os fundamentos da fé cristã, que se tenta esboçar. Esta questão corrobora à importância daquilo que já apontamos acima, da crítica à sociedade e da crítica à estrutura religiosa. Como já afirmamos, a aposta se dá e é apresentada com características fascistas, levando a uma espécie de neo-cristofascismo, e as consequências são trágicas. Tudo o que apontamos acima, da sociedade e da religião e as constantes agressões e formas de exclusão, tem base nessa narrativa e são fortalecidas por esta intenção. Faz-se necessário que a teologia exerça uma crítica a esta forma de idolatria, pois Deus não está “acima de todos”, como Bolsonaro diz, mas sim, Deus promete ser “tudo em todos” (1Cor 15,28), o que é bem diferente. Deus promete ser tudo em todos porque se rebaixou e se colocou ao lado dos que mais sofrem, dos que são perseguidos, dos mais pobres, dos humilhados, destroçados e violentados da sociedade. Ele participou de suas vidas e os convidou a estar em comunhão com ele. Ele se aproximou de suas dores e sofrimentos e fez destes também os seus. Ele alimentou a esperança de um Reino e abriu para todos o encontro com esta possibilidade, alimentando uma esperança que liberta e que sempre se abre ao novo, onde tudo se faz possível. Deus vem e nos mostra a sua face, e ela é uma face amorosa e cheia de misericórdia (FRANCISCO, 2015); ela nos liberta de todas as amarras e de toda a opressão e nos convida à realização de nossa vocação primeira, que é viver e sentir em nossa humanidade o encontro com a plenitude. Sua presença nos envolve e dela nós não podemos nos afastar. Esta é uma tarefa que a teologia não pode abrir mão, pois ela é a de sua obrigação primeira, faz parte de sua natureza o discursar sobre Deus, por ele, nele e a partir dele. No entanto, nas urgências de uma Teologia Política na atualidade, buscando entender suas tarefas e horizontes, percebemos que diante da pobreza, este Deus se torna pão; que diante da força, ele nos convida para a solidariedade e para a responsabilidade; que diante da alienação, ele nos permite o encontro com a verdadeira identidade humana; que diante da destruição da natureza, ele nos oferece a paz e a harmonia entre tudo e todos; que na falta de sentido, ele vem como o ressuscitado, como aquele que dá razão a tudo o que existe e se torna o sustento de nossa esperança[11]. Na desconstrução de toda a ideologia, percebemos que Deus se faz presente pela nossa força, pelo nosso contato e pelo nosso estar no mundo e na sociedade, em vista da vida, da justiça e da paz.
Conclusão
Ao produzir este artigo, nossa intenção foi a de chamar a atenção para a urgência de uma Teologia Política que possa ser capaz de oferecer um horizonte de reflexão para o grave momento histórico que passamos no Brasil. É importante fazer leituras e, com elas, buscar uma argumentação crítica, na tentativa de apresentar orientações e que estas possam nos oferecer outro caminho e alternativa. Faz-se necessário olhar mais ao longe, como diz Gutiérrez (2000, p. 48) e constituir uma nova etapa de nossa atuação teológica, assumindo compromissos que produzam processos de resistência, vida, esperança e libertação.
Não há uma conclusão a se apresentar, o que temos a oferecer são tarefas e estas nos colocam opções, e por elas é possível caminhar. Que este seja um caminhar de esperança, apesar de tudo.
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Notas
[1] Um breve ensaio destas expressões teológicas pode ser encontrado na obra de Gibellini (1998), sobretudo quando fala da Teologia da Esperança, da Teologia Política, da Teologia da Libertação na América Latina, da Teologia Negra, da Teologia Feminista e dos desafios que chegam a partir de novas realidades, como a africana e a asiática. Ele dá grande destaque ao movimento que surgiu da década de 60 em diante, do século XX, quando a reflexão sobre a práxis, o pensar politicamente e os desafios cada vez mais globais incidem em uma teologia que deve ser cada vez mais aberta, dialogal e ecumênica, capaz de pensar ao lado de outros saberes, oferecendo sua relevância e significado para o debate atual. Anterior a Gibellini, Mondin (1979), também oferece uma reflexão sobre as principais expressões teológicas do século XX, destacando quatro caminhos principais que estavam sendo percorridos pela teologia: o caminho da morte de Deus, o caminho da esperança, o caminho da práxis e o caminho da cruz. Um bom panorama da relevância pública da teologia e sua incidência política na história, também pode ser encontrada em Moltmann (1999).
[2] Em 2019, a Revista Concilium dedicou um número inteiro para tratar esta questão, N. 383, quando a partir da teoria Queer, se aventura a uma Teologia Queer, na intenção de acolher todos os corpos excluídos e violentados na sociedade e, a partir deles, oferecer uma reflexão teológica (KNAUSS, MENDOZA-ÁLVAREZ, 2019).
[3] Nesta obra, Sinner descreve o início da reflexão de uma Teologia Pública no Brasil, ao mesmo tempo em que tece um relato histórico do surgimento desta expressão, em 1974, com Martin Marty e David Tracy, depois, no mesmo artigo, destaca o modo como esta expressão, digamos assim, foi se desenvolvendo, bem como sua proximidade e diferenças com outras expressões teológicas da práxis (p. 11-28). De modo mais recente, o mesmo autor apresenta outra obra, desenvolvendo aspectos de uma teologia pública num estado laico: SINNER, 2018. A editora Sinodal tem publicado uma coleção sobre Teologia Pública, trazendo várias perspectivas, horizontes e abordagens.
[4] O documentário de Petra Costa, “Democracia em Vertigem”, de 2019, reproduz os bastidores do golpe de 2016, contra Dilma Rousseff e o surgimento de sentimentos antidemocráticos no país, que culminaram com a eleição de Bolsonaro, em 2018. O filme foi premiado internacionalmente e em 2020 concorreu ao Oscar de melhor documentário.
[5] O Pacto pela Vida e pelo Brasil foi assinado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Comissão Arns, Academia Brasileira de Ciências, Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) no dia 07 de abril de 2020.
[6] Em 2019, o tema da Campanha da Fraternidade da CNBB foi: “Fraternidade e Políticas Públicas”; e como lema: “serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1,27). Ver: CNBB, 2019.
[7] Sobre este assunto, indicamos: LÖWY, 2019. LACERDA; BRASILIENSE, 2019, p. 223-259. BOITO JR, 2018. CASARA, 2018. CASARA, 2020.
[8] Neste artigo (2019), Pedro Ribeiro de Oliveira faz uma análise de conjuntura em tempos de guerra e, a partir dela, desenvolve a ideia da Guerra da 4 Geração, definindo-a no mundo, na América Latina e, por último no Brasil, dando atenção aos últimos acontecimentos.
[9] Esta é uma das bandeiras dos Fórum Mundial Social (FMS) e, dentro dele, é uma ação que vem sendo desenvolvida pelo Fórum Mundial de Teologia e Libertação (FMTL/WFTL), afirmando sempre que outro mundo é possível e que, portanto, é uma tarefa urgente da teologia a percepção de novas realidades e de novos gritos de opressão e de libertação, que ecoam em várias partes e fazem nascer a esperança. Inclusive, na edição de 2005, do Fórum de Porto Alegre/Brasil, este foi o slogam: “Outro mundo é possível”, o que levou ao lançamento de um livro, um ano mais tarde, com esta abordagem, “uma teologia para outro mundo possível”: (SUSIN, 2006).
[10] Em 2019, o Congresso da SOTER tratou sobre este tema, apontando implicações da perspectiva decolonial para o estudo da teologia e das ciências da religião no Brasil (KUZMA; ANDRADE, 2019).
[11] Aqui, adaptamos com outra linguagem os exemplos apontados por Moltmann (2011, p. 418).