Revelação, missão e interculturalidade: uma abordagem a partir da pretensão universal do cristianismo 
Revelation, mission and interculturality: an approach from the universal pretension of Christianity

Alonso Gonçalves
Doutor em Ciências da Religião pela UMESP; Pesquisador de pós-doutorado no Programa de Estudos Pós-graduados em Teologia. Contato: 
alonso3134@hotmail.com


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Resumo: O artigo procura discutir a ambiguidade entre a validade de uma expressão religiosa, no caso aqui, mais especificamente, a indígena, e, ao mesmo tempo, a narrativa de aproximação a partir da inculturação. Com isso, pretendemos demonstrar que o uso do termo/conceito “inculturação” como principal ferramenta de abordagem missionária, carrega uma certa ambiguidade quando se admite o lugar de fala de expressões religiosas, mas ainda assim trata a cultura e a religião do outro com certas carências. Isso se dá de uma via apenas, uma vez que expressões religiosas como as indígenas, não carregam o mesmo modus operandi missionário por não terem essa incumbência, mas também por não possuírem uma religião de característica hegemônica, como é o cristianismo. Uma vez admitindo a manifestação revelacional nas demais expressões religiosas de maneira paritária e não ambivalente, a inculturação teria algumas dificuldades narrativas para fazer essa aproximação com o cristianismo e religiosidade indígena. Assim, entendemos que a interculturalidade seria um caminho para tal aproximação por favorecer meios teórico-narrativos por conter alguns elementos equitativos, não comparativos, mas também não acríticos, quando em uma perspectiva que leve em consideração a revelação em projeto teológico-missionário.

Palavras-chave: Inculturação. Interculturalidade. Revelação. Missão. Indígenas. 

Abstract: The article seeks to discuss the ambiguity between the validity of a religious expression, in this case, more specifically, the indigenous one, and, at the same time, the narrative of approximation from inculturation. With this, we intend to demonstrate that the use of the term/concept “inculturation” as the main tool of missionary approach, carries a certain ambiguity when admitting the place of speaking religious expressions, but still treats the culture and religion of the other with certain needs. This is only one way, since religious expressions such as indigenous ones do not carry the same missionary modus operandi because they do not have this task, but also because they do not have a hegemonic religion, such as Christianity. Once admitting the revelational manifestation in the other religious expressions in an even and unambivalent way, inculturation would have some narrative difficulties to make this approximation with Christianity and indigenous religiosity. Thus, we understand that interculturality would be a way for such an approach to favor theoretical-narrative means because it contains some equitable elements, not comparative, but also not uncritical, when in a perspective that takes into account the revelation in a theological-missionary project.

Keywords: Inculturation. Interculturality. Revelation. Mission. Indigenous.

Introdução

A tarefa missionária constitui-se inerente à natureza do cristianismo, ou seja, a missão está na vocação do cristianismo e dela, a missão, o cristianismo não pode abrir mão, sendo algo intrínseco à sua identidade. Naturalmente que essa assertiva traz implicações de ordem cultural, religiosa, política e econômica. 

A discussão quanto à missão passa pelo aspecto positivo da cultura, no sentido de levar em consideração a complexidade cultural e suas ramificações e, principalmente, as expressões religiosas desses povos alvo da evangelização. Assim, a pergunta que se faz quanto a (in)viabilidade da missão, está permeada pelo paradigma do pluralismo religioso e, consequentemente, a possibilidade do diálogo inter-religioso. A partir disso, pelo menos uma pergunta é inevitável: ainda é possível falar em missão quando se admite que, assim como o cristianismo, as demais religiões têm seus códigos de acesso ao divino? A resposta a essa pergunta precisa levar em consideração que as “religiões são caminhos ordinários de salvação dos seus respectivos povos. Culturas e religiões têm uma normatividade interna. Nenhuma dessas culturas e religiões, porém, é, por princípio, normativa para outras culturas e religiões” (SUESS, 2008, p. 95). Uma vez admitindo isso, surgem algumas propostas para essa possível interação do cristianismo – culturalmente determinado, ou seja, códigos de acesso ao divino mediados pelo contexto judaico e helênico, e ocidentalizados com suas diferentes interpretações – com as demais culturas e suas respectivas religiões. Para que essa interação ocorra, um termo/conceito ficou popularizado na linguagem teológica: a inculturação. Ainda que se admita a validade das expressões religiosas uma vez lida a partir do inevitável pluralismo religioso, a aproximação missionária é feita tendo a inculturação como elemento chave de diálogo e evangelização quando em contato com culturas autóctones. 

Com esse artigo, procuramos discutir a ambiguidade entre a validade de uma expressão religiosa, no caso aqui, mais especificamente, a indígena, e, ao mesmo tempo, a narrativa de aproximação a partir da inculturação. Com isso, pretendemos demonstrar que o uso do termo/conceito “inculturação” como principal ferramenta de abordagem missionária, usado tanto por autores católicos[1] como por protestantes/evangélicos, carrega uma certa ambiguidade quando se admite o lugar de fala de expressões religiosas, mas ainda assim trata a cultura e a religião do outro com certas carências. Isso se dá de uma via apenas, uma vez que expressões religiosas como as indígenas, não carregam o mesmo modus operandi missionário por não terem essa incumbência evangelizadora, mas também por não possuírem uma religião de característica hegemônica, como é o caso do cristianismo. 

Uma vez admitindo a manifestação revelacional nas demais expressões religiosas, a inculturação seria um termo/conceito mais apropriado para mediar uma aproximação entre o cristianismo e outras tradições religiosas? Diante dessa pergunta, entendemos que a interculturalidade seria um caminho para tal aproximação e que favorece, assim, o diálogo inter-religioso por conter alguns elementos equitativos, não comparativos, mas também não acrítico. 

Revelação e inculturação

                O caráter hegemônico do cristianismo só foi possível depois da sua aliança intelectual com a filosofia grega e sua ascensão à religião de Estado.[2] A afirmação de Paulo Suess (2011, p. 44), quer sintetizar essa pretensão de universalidade: “Os cristãos herdaram de Israel o monoteísmo, o zelo pela identidade, a instituição da profecia, a superação da territorialidade como pressuposto da universalidade”. O caráter universal do cristianismo é discutível quando o mesmo se encontra forjado dentro de uma respectiva cultura. Assim, tal universalidade não foi dada, mas conquistada à custa de um intenso deicídio. Esse processo de “matar” outras divindades foi possível a partir da leitura metafísica do “deus” cristão. Uma vez que o Logos foi cristianizado, permitiu que o cristianismo deslegitimasse divindades greco-romanas (CABRAL, 2015, p. 34). Com isso, o caminho para a universalidade estava dado tendo como estrato intelectual a filosofia grega, mas detidamente a platônica.[3] Quando o Estado dá o status de religião oficial do Império Romano, o cristianismo (que passa a ser cristandade) tem diante de si um espaço inimaginável até então para se estender a todo o mundo conhecido. Dessa forma, uma expressão religiosa até então minoritária e insignificante para o Império por longos anos, passou a ter projeção universal, proeminência na hierarquia estatal, protagonismo político e controle teológico das vozes dissonantes. Quando o cristianismo capturou a metafísica do Logos, “conseguiu fazer com que gregos e romanos fossem, no máximo, simples prenúncios de uma verdade que jamais poderia ser reconhecida plenamente por eles” (CABRAL, 2015, p. 39). De posse da verdade, o cristianismo se viu detentor de uma revelação inequívoca e unívoca. A partir disso, uma particularidade religiosa se transforma em uma potência político-teológico com força social suficiente para promover o ordenamento do mundo até então conhecido.

É esse cristianismo e essa teologia ocidentalizada que chega ao Novo Mundo.  

Uma vez que essa teologia imperial chega nas caravelas e entra em contato com tradições religiosas antes desconhecidas, os missionários aplicam as mesmas táticas aplicadas quando no enfrentamento com as divindades greco-romanas, ou seja, demonizá-las para que assim pudessem deslegitimar a importância que a “religião” exercia na cosmovisão desses povos agora colonizados. Imbuídos de uma teologia metafísica que dizia que a verdade estava com eles e somente com eles, justificava assim a colonização por entenderem que estavam, enfim, libertando esses povos dos seus pecados.[4] 

A tarefa missionária reconheceu os danos causados pela teologia colonial de missão. Dentre esses danos, a ausência de diálogo inter-religioso respeitoso com os povos originários e suas expressões religiosas. Uma vez reconhecendo isso, a teologia de missão passou a trabalhar na tentativa de atenuar esse histórico negativo, tecendo uma teologia que dialoga com a realidade cultural e religiosa desses povos com a clara intenção de banir as marcas da cristandade na América Latina. No caso católico, a Conferência de Santo Domingo (1992) foi um marco significativo para a Igreja assumir a inculturação como ferramenta de evangelização (SUESS, 1995, p. 16). A partir disso, a leitura teológica da missão terá como chave de aproximação a cultura e as expressões religiosas a partir da inculturação. Assim, é possível perceber a perspectiva teológica adotada quando em diálogo com tradições religiosas ameríndias. O pressuposto é de que o cristianismo, assim como as demais religiões, também é uma religião: “Ao admitir um interesse prático no tema ‘cultura e religião’ para a evangelização, pressupomos implicitamente que o cristianismo é uma religião” (SUESS, 1991, p. 43). O que deveria ser uma obviedade não era até então. O cristianismo (ou cristandade) foi tido como atemporal, a-histórico e totalmente transcendente, não sendo possível comparar o cristianismo com as demais religiões. Uma assertiva assim é importante porque o pressuposto que acompanhou a teologia colonial e, como consequência, a tarefa missionária é desmontado. Uma das principais referências em missiologia na América Latina, o teólogo Paulo Suess, elaborou uma teologia de missão em que o projeto histórico dos outros povos estivessem em pauta na tarefa evangelizadora. Suess (1995, p. 16) chama a atenção de que o principal objetivo, portanto, se dá na emergente tarefa de “desvincular a evangelização de práticas de colonização e situar a história salvífica no seio do projeto histórico e da realidade concreta de cada povo”. Percebemos que ainda que a postura tenha mudado enquanto caminho de aproximação, o pressuposto permanece o mesmo, qual seja, o cristianismo detém um elemento irrepetível, portanto, único, a revelação que tem como base a metafísica do Logos dando, assim, a prerrogativa da revelação divina. Mesmo que se reconheça a historicidade da religião cristã, o pressuposto universalizante está inalterado. Por isso é possível afirmar: “Fora das culturas não há revelação, nem salvação, nem opressão, nem libertação. Por isso, a evangelização inculturada, a aproximação a um grupo humano” (SUESS, 1995, p. 17-18). A abordagem de Suess se dá a partir do inclusivismo, sendo possível por meio do processo de inculturação.[5] Por essa razão, não há problema algum Suess (2011, p. 42-43) entender a revelação na sua manifestação definitiva na encarnação do Logos: “A continuidade da revelação está nas sempre novas experiências contextuais e históricas da humanidade com o Verbo Criador que continua relevante não só a partir da encarnação, mas também antes e depois dela; não só para os israelitas ou os cristãos, mas também para os que estão fora de Israel ou fora da Igreja Católica”. 

Essa junção que se dá entre revelação e inculturação, enfrenta algumas situações que cobra uma tomada de posição. A maioria dos teólogos católicos que travam esse debate, assumem os documentos oficiais da Igreja e procuram coadunar as exigências do pluralismo religioso e do diálogo inter-religioso a partir de uma reflexão teológica que dê conta desse problema. A maioria dos teólogos católicos, com uma ou outra exceção, tendem a serem inclusivistas nesse tema, ou seja, o cristianismo abre um diálogo, mas a primazia revelacional e salvífica permanece sendo a cristã. Com isso, não é para causar surpresa a fala de Mário de França Miranda (2001, p. 25): 

Não sendo alheias à ação salvífica de Deus, as culturas se legitimam teologicamente como mediações da revelação cristã. Esta afirmação, contudo, não imuniza as mesmas de abrigarem elementos resistentes ou mesmo, parcial ou totalmente, em contradição com a mensagem neotestamentária, frutos da ignorância ou do pecado do ser humano. Esta ressalva não derruba, entretanto, a capacidade fundamental de qualquer cultura para acolher, expressar e viver o Evangelho.                 

A tomada de posição de Miranda está dentro da perspectiva inclusivista dentro do debate em torno do pluralismo religioso. O que o teólogo entende que pode contribuir para essa relação revelação cristã e missão, está no processo de inculturação que ele julga que não exerce mais o mesmo poder autoritário de subjugar outras culturas como foi a teologia missionária colonial. Admite-se que “a história da atividade missionária do cristianismo europeu significou para muitos povos a imposição da fé, numa versão e num ethos alheios às próprias culturas” (MIRANDA, 2001, p. 26). Ainda que haja uma confissão, não significa reconsiderar a hegemonia do cristianismo. Antes, “esta questão continua atual ainda em nossos dias e constitui um obstáculo sério a uma autêntica inculturação da fé, dado que o cristianismo missionário é ainda majoritariamente pensado e vivido no interior de uma cultura hegemônica” (MIRANDA, 2001, p. 26). E como resolver isso? Abdicando de uma postura teológica hegemônica? Não. Procurando fazer com que o processo de inculturação não seja tão nocivo para essas culturas e suas expressões religiosas e, com isso, conseguir evangelizá-las.

Essa problemática é tão pertinente, que teólogos como Faustino Teixeira, um dos mais expressivos expoentes da teologia das religiões, quando trata do tema (inculturação e pluralismo religioso) tem dificuldade de equacionar. Com o intuito de atenuar o impacto pastoral da inculturação, Teixeira (2001, p. 84) admite que “o processo de inculturação envolve um duplo movimento, de ruptura e de continuidade”. Em outras palavras, Teixeira está assumindo que todo e qualquer processo que tem como objetivo entrar na cultura e religiosidade do outro provoca, no mínimo, uma ruptura. Para ele, “é ruptura enquanto implica numa proposta evangelizadora que é novidadeira” (TEIXEIRA, 2001, p. 84), ou seja, o cristianismo tem a novidade e com isso provoca uma ruptura religiosa e cultural para se estabelecer como proposta evangelizadora. E todo esse processo se dá com uma ressalva, qual seja: “Que esta proposta ocorre no pleno respeito à liberdade do ouvinte” (TEIXEIRA, 2001, p. 84). Nesse sentido, o ouvinte só não tem liberdade de permanecer com a sua própria tradição religiosa de maneira inalterada, uma vez que esta não tem caráter universalizante, como também não usufrui de um aparato político-econômico de poder devido a sua cultura não ser hegemônica. 

O processo de inculturação da fé quando na tarefa missionária é visto com desconfiança e ressalvas por conta dos seus objetivos ocultos. Teixeira (2001, p. 91) concorda que “muitas das resistências oferecidas pelas outras tradições culturais e religiosas à dinâmica da inculturação, refere-se à desconfiança ou suspeita face ao que consideram uma estratégia do cristianismo para melhor se impor”. Ao que parece, a desconfiança permanece. Ainda que a postura seja cordial e respeitosa quando em diálogo com outras tradições religiosas, há uma enorme tendência “a suspeitar que sob a face de abertura do que se apresenta como inculturação esteja sendo dissimulada uma estratégia de dominação” (TEIXEIRA, 2001, p. 91). Há que se concordar com essa suspeita, principalmente quando um dos propósitos do processo de inculturação inclui a fase do diálogo, no “qual se examina que elementos culturais podem ou não ser assumidos e valorizados pela fé cristã” (MIRANDA, 2001a, p. 38). Por essas e outra razões, que Teixeira (2001, p. 91-92), ainda que não trate do tema, reconhece que “para evitar certos desgastes, os teólogos asiáticos preferem adotar a palavra ‘interculturação’, em vez de inculturação, justamente para evidenciar a dinâmica de mútua fecundação que deve ocorrer na experiência dialogal do pluralismo”.  

Revelação e interculturalidade

O termo/conceito interculturalidade foi popularizado pelo filósofo latino-americano, radicado na Alemanha, Raúl Fornet-Betancourt na América Latina. Antes, é bom ressaltar que o termo/conceito já era frequente no contexto asiático e tem na figura de Raimon Panikkar um expoente. A novidade que Fornet-Betancourt apresenta está no fato do autor exercer o seu ofício docente num importante centro de conhecimento, o europeu e, mais especificamente, o alemão, e fazer uma ponte com o contexto latino-americano. Como filósofo atuando na Europa, Fornet-Betancourt estudou as fontes da pretensa universalidade da filosofia europeia, principalmente Hegel, o que deu a ele, portanto, uma condição e uma oportunidade de elaborar um pensamento que resistisse, por dentro, a evidente característica da filosofia europeia, a sua pretensão universal. Nesse intento, o filósofo se encontrou com o caminho da interculturalidade.[6] O pressuposto para a interculturalidade está na tentativa de “libertação do paradigma europeu com sua suposta universalidade e assim a abertura do pensamento filosófico para a riqueza de outras tradições” (FORNET-BETANCOURT, 2011, p. 28). O reconhecimento de que a filosofia europeia é, antes de tudo, pontual a uma localidade, faz uma enorme diferença no diálogo. Não se trata de uma recusa da tradição filosófica europeia, o que seria inimaginável, mas sim do estabelecimento da particularidade desta e a desconstrução da narrativa que advoga para si o caráter universal do pensamento humano, desconsiderando, desse modo, as demais tradições filosóficas de outras, igualmente, particularidades históricas.[7] Essa tarefa de desconstrução se dá ainda mais quando a colonização exercida na América Latina foi legitimada por pensadores europeus a partir de uma filosofia eurocêntrica e racista.[8] Assim, é preciso reconsiderar o lugar da filosofia europeia e sua pretensão de universalidade e isso só é possível quando “os integrantes de outras tradições filosófico-culturais tomam consciência de sua própria história filosófica, e do valor situado nela” (DUSSEL, 2015, p. 24). Esse foi o caminho que Raúl Fornet-Betancourt procurou fazer a partir da filosofia e tradições culturais da América Latina, abrindo um diálogo que tem na interculturalidade o seu espaço para se construir.[9] A tarefa se dá em abrir diálogo a partir do contexto latino-americano tendo como principal pressuposto “criar as condições para que os povos falem com voz própria, quer dizer, que digam sua própria palavra e articulem seus logos sem pressões nem deformações impostas” (FORNET-BETANCOURT, 1994, p. 20). 

Ainda que a preocupação de Fornet-Betancourt seja o campo filosófico, uma vez dialogando com tradições culturais latino-americanas, o autor não abre mão do debate teológico e religioso, colocando a interculturalidade para conversar sobre esses temas. 

É sabido que os povos originários resistiram culturalmente ao colonizador a partir da tradição religiosa. Embora o discurso da teologia colonial tenha sido de que os povos originários não tinham religião (no sentido ocidentalizado), isso se demonstrou falso.[10] Por essa razão, que Fornet-Betancourt dará prioridade ao diálogo inter-religioso tendo a interculturalidade como mediação. No seu entender, a inculturação não contribui para esse propósito, porque ainda “reflete a lógica agressiva da tradicional militância missionária ocidental e se apresenta, em consequência, como um projeto de ação interventora nas culturas nas quais essas são mais objeto de transformação que como sujeitos em igualdade de condições e direitos de interação” (FORNET-BETANCOURT, 2007, p. 42). Enquanto a inculturação tem no Logos encarnado a chave hermenêutica e justificativa teológica para inculturar em outras culturas com o pressuposto de possuir a revelação universal,[11] a “interculturalidade não aponta, porém, à incorporação do outro no próprio, seja no sentido religioso, moral ou estético. Busca, pelo contrário, a transfiguração do próprio e do alheio tendo como base a interação com vistas à criação de um espaço comum compartilhado e determinado pela convivência” (FORNET-BETANCOURT, 1994, p. 22). Se por um lado a inculturação tem como fundamentação teológica a encarnação gestada a partir da cultura ocidental como verdade absoluta,[12] por outro lado, a perspectiva intercultural não concebe uma verdade como condição ou situação, mas sim como processo. Nas palavras de Fornet-Betancourt (1994, p. 22), isso “significa o reconhecimento de que nenhuma posição cultural pode ser entendida como lugar definitivo da ‘verdade’ nem, muito menos, como expressão absoluta da mesma”. A postura teológica é distinta, porque entende que “as culturas não dão a ‘verdade’, mas sim, possibilidades para buscá-la; referências para colocar em marcha o processo discursivo acerca da ‘verdade’. Assim, não há relação de equivalência entre tradição cultural e ‘verdade’” (FORNET-BETANCOURT, 1994, p. 22). Com essa postura assumida, está dado o caminho para se repensar a discursividade teológica em torno de doutrinas cristãs que ganharam o status de ontológicas. Não é novidade que a figura de Cristo, alçado à Deus Filho com pretensão universal a partir da metafísica e do império romano,[13] funcionou como subterfúgio para deslegitimar tradições religiosas e culturas quando transformaram o Nazareno em guerreiro conquistador de territórios.

Quando se assume que é preciso reconsiderar essa teologia ocidentalizada, é possível, então, repensar a revelação a partir da perspectiva intercultural, ou seja, a “perspectiva da interculturalidade habilita o cristianismo para a pluralidade das culturas e das religiões” (FORNET-BETANCOURT, 2007, p. 53). Nesse sentido, percebemos que o diálogo inter-religioso com tradições religiosas indígenas seria fortalecido quando houvesse, por parte dos cristãos, reconhecimento de que o divino também se manifestou na realidade desses povos. Essa foi a reivindicação de Antônio Werá, líder Guarani: “Antes de 1500 nós já sabíamos que Deus existe. Será que o Deus do branco é diferente? Será que joão-de-barro vai fazer ninho de outro pássaro? Não. Será que a religião guarani não serve? Mesmo que falemos português, mesmo que tenha morrido nossas lideranças, não esqueceremos nossa religião” (ALTMANN; ZWETSCH, 1992, p. 103).

A disputa em torno da missão

A missão na América Latina, empreendida tanto por católicos como por protestantes/evangélicos, segue encontrando resistência quando o modelo missiológico é colonizador ou neocolonial. Ainda assim, é possível perceber uma narrativa missionária que tem no seu discurso um tom ainda colonizador, com uma prática missiológica que dá certa ênfase ao aspecto doutrinário nos mesmos modus operandi da teologia ocidental marcada por um universalismo pretensioso. Por essa razão, há questionamentos de diferentes ordens. Um desses questionamentos é: há necessidade, ou não, de haver projetos missionários quando há um reconhecimento da cultura e religião do outro? Ainda seria possível haver missão quando se reconhece o pluralismo religioso como um fato e, portanto, as religiões, naturalmente, tendo seus meios e códigos que correspondem a fé de uma gente? É mesmo plausível reivindicar a revelação do Deus de Israel que foi ocidentalizado a uma gente que entende haver uma plena conexão entre a vida e a natureza, como é o caso da tradição indígena? Quais os projetos missionários levariam em consideração a herança teológica de uma gente que, mesmo vilipendiada, preservou suas tradições e raízes na ancestralidade do seu povo? São questões difíceis de equacionar, mas não impedem de realizar o trabalho missionário, no entender de muitos missionários. A partir desses questionamentos, se faz necessária uma reflexão que leve em considerações essas questões, principalmente quando admitido que o pluralismo religioso precisa ser refletido teologicamente a partir de uma teologia das religiões. Admitir o pluralismo religioso e, concomitantemente, a tarefa missionária, torna-se em árdua equação para os teólogos e missionários.

José Maria Vigil (2006, p. 402) insiste que não houve uma “clara distinção entre verdade salvadora e roupagem cultural judaico-cristã ocidental em que esta verdade se expressa”. Propagar a vontade salvífica de Deus é, portanto, anunciar uma determinada cultura, povo e língua. Por essa razão, Vigil (2006, p. 402) é enfático: “A convicção de que Deus quer que todos os humanos cheguem ao conhecimento da verdade (nossa!) foi uma arma sumamente perigosa nas mãos do Ocidente nesses vintes séculos de história”. Por meio da força bélica, e com a ajuda tecnológica da época e a convicção teológica de que “do Senhor é a terra e tudo que nela há”, produziu-se genocídio e pilhou-se riquezas de povos conquistados. Com isso, é possível entender que esse processo foi gestado por equívocos teológicos, principalmente quanto a figura de Jesus de Nazaré, interpretado como mandatário a partir de motivações questionáveis (VIGIL, 2006, p. 404). Admitir o pluralismo religioso não apenas como um fato, mas como um direito, implica em repensar a missão. Para Vigil (2006, p. 411), um primeiro passo importante é não encarar “o lugar do destinatário como um ‘vazio soteriológico’, um lugar abandonado pela mão de Deus, um povo marginalizado do carinho de Deus”. Quando o projeto missionário não se torna em agente de conversão, ou seja, quando o principal objetivo da missão não é a conversão do outro ao cristianismo, a perspectiva da missão precisa ser alocada em outra plataforma. Para Vigil (2006, p. 412), a missão, dentro de uma teologia missionária que tenha como base o pluralismo religioso, não pretende converter o outro, antes “os conteúdos sejam colocados de tal forma que a conversão seja sempre exceção, e que, em todo caso, seja possível a conversão em qualquer das direções. Que como norma, não espere mais conversões ao cristianismo do que aquelas possíveis também no sentido contrário”. Vigil não formula um programa missionário dentro das suas perspectivas quanto ao caráter da missão. Apenas certifica-se de que o modelo missionário foi alterado com o advento do paradigma pluralista. Assim, está aberto o futuro da missão, uma vez que “o futuro já não é a missão clássica, a conquista espiritual ou domínio do mundo por parte de uma instituição eclesiástica, a submissão de todas as almas a Cristo ou o triunfo da religião cristã sobre todas as religiões da terra” (VIGIL, 2006, p. 417). 

Paul Knitter também se preocupa com a missão a partir do paradigma pluralista. Como católico, assim como Vigil, há uma preocupação com os documentos da Igreja e as orientações do Magistério. Teólogos católicos que lidam com o pluralismo religioso, precisam fazer um excessivo esforço para conjugar problemas prementes no campo teológico e a demanda plural com o direcionamento oficial da Igreja. No tema missão, isso é algo notório. Knitter (2007, p. 102) recorre aos documentos[14] da Igreja, para dizer que há a possibilidade, nas entrelinhas, de que “os missionários devem não só proclamar e ensinar, mas também ouvir e aprender”. Para Knitter (2007, p. 103-104), o desafio é dialogar enquanto se faz missão, em outras palavras, a missão é o diálogo. Sendo a missão, a partir do paradigma pluralista, uma condição para o diálogo, ou seja, a missão não se dá mais em pretensões de superioridade do cristianismo em relação às demais religiões, Knitter (2007, p. 104) pergunta: “Mas, se a finalidade última do trabalho missionário, de acordo com o paradigma pluralista, já não é mais estabelecer a Igreja cristã como revelação e religião superior e definitiva sobre todas as outras, qual é então esta finalidade?”. É uma boa pergunta, principalmente quando se está tratando com um ramo do cristianismo que participou ativamente de projetos de conquista com o lema da fé. A resposta que Knitter dá a essa pergunta é dupla. Para ele a missão tem um caráter ad extra e ad intra. No primeiro aspecto, há a dimensão reinocêntrica. Fazer missão é fazer valer os valores do Reino de Deus. Nesse sentido, o projeto missionário é o mesmo de Jesus de Nazaré, ou seja, “o fim que proporciona o foco e a norma para todo o trabalho missionário é o mesmo fim que era o foco e a norma da missão e do ministério de Jesus: a Basileia tou Theou” (KNITTER, 2007, p. 104-105). Quando há pessoas de diferentes religiões imbuídas do mesmo projeto de Jesus de Nazaré, o Reino de Deus, há diálogo no entender de Knitter. Para ele, “a finalidade primária da missão-como-diálogo cristã: empenhar outras religiões, e qualquer pessoa que estiver interessada, no tipo de diálogo que promova aquilo que os cristãos simbolizam como a Basileia” (KNITTER, 2007, p. 106). Em outras palavras, o diálogo só é possível quando todos estão envolvidos na missão de levar adiante o Reino de Deus, uma noção cristã. Nesse sentido, no nosso entender, não há diálogo estritamente, mas sim missão com a chancela do diálogo, quando o real objetivo é a conversão do outro: “Desejamos que a informação se infiltre, convença e ilumine a mente e o coração do parceiro de diálogo. Desejamos que o parceiro veja e sinta e seja movido pela verdade que anima nossa vida. Num sentido amplo, mas também profundo, isto é conversão” (KNITTER, 2007, p. 107). Trata-se de diálogo quando se pretende convencer o outro de que há uma verdade correta, enquanto a do outro é mera especulação? Para Knitter, fazer missão é sinônimo de conversão do outro, embora de livre vontade, de que o Reino de Deus é a expressão máxima da vontade de Deus e levar adiante os valores do Reino de Deus é missão, com a prerrogativa do diálogo. 

Outro teólogo de tradição católica que se dedica a pensar a missão a partir do paradigma pluralista, é Faustino Teixeira. Tanto Knitter quanto Teixeira, partem dos documentos já mencionados (RM e DA). Esses documentos constituem a base, com certas ambiguidades, da relação pluralismo religioso e missão. Teixeira explora essas possibilidades na sua profícua produção dentro da temática “Teologia das Religiões”. Quando está lidando com os referidos documentos da Igreja, o autor não os trata de maneira acrítica: “Num tempo marcado pela dinâmica do pluralismo religioso e pelo desafio imprescindível do diálogo, determinados documentos emitidos pelo Magistério eclesiástico acabam provocando perplexidade ou dúvidas com respeito às reais intenções de abertura anunciadas pela Igreja Católica” (TEIXEIRA, 2014, p. 137). Ainda com “perplexidade ou dúvidas”, Teixeira trata o tema da missão a partir dos documentos – algo que os teólogos católicos não podem ignorar, mas interpretar. A perspectiva dos documentos, como vimos em Knitter, está na dimensão reinocêntrica, ou seja, o Reino de Deus como abertura e condição para se pensar a missão e o respectivo diálogo. Teixeira (1995, p. 225) procura, de certa maneira, interpretar os documentos de modo positivo, mesmo admitindo problemas: “A história da salvação não se inicia com a chegada do agente evangelizador, como se entre os povos não evangelizados houvesse simplesmente uma ‘ânsia’ da verdade de Deus, depois respondida pelo entusiasmo do missionário”. A missão se dá como testemunho em favor do Reino (TEIXEIRA, 1995, p. 224). Nesse sentido, “a missão evangelizadora da Igreja não consiste tanto em levar, necessariamente, à conversão e ao batismo, mas sobretudo ao testemunho vivo do Reino de Deus, que brilha para além de suas fronteiras” (TEIXEIRA, 1995, p. 226). Mesmo com uma declaração como essa, Teixeira recorre ao documento Diálogo e Missão para enfatizar que o agente da conversão é o Espírito Santo sendo, portanto, “o cristão [um] simples instrumento e colaborador de Deus” (TEIXEIRA, 1995, p. 226) nesse processo. De qualquer modo, o diálogo se dá a partir da prerrogativa cristã, com seus códigos e categorias teológicas, ou seja, não é nada estranho não haver a disposição para o diálogo quando pautado pela reciprocidade teológica. Ocorre que, ao que parece, o Reino de Deus não é uma perspectiva ad intra para a Igreja perceber a emergência de uma postura dialógica em que os valores do Reino de Deus, expressos nos evangelhos, sejam a real inciativa para o diálogo com o outro, independentemente do pressuposto conversão. Tanto para Knitter quanto para Teixeira, a categoria Reino de Deus se dá na sua dimensão ad extra, ou seja, é algo que a Igreja leva para fora, portanto, o pressuposto para a tarefa missionária, em um contexto de pluralismo religioso, é o Reino de Deus, conceito que foi, até recentemente, identificado de diferentes maneiras, mais ainda pesa uma ideia de que Reino de Deus e Igreja são sinônimos, ou seja, ainda é frequente uma conotação de que esse aspecto teológico, Reino de Deus, abriga uma noção dominadora e legitimadora quanto aos avanços da Igreja no âmbito das religiões, mas, também, político.[15] Assim, Reino de Deus não se constitui como um projeto em que a Igreja está em coparticipação com o proclamador do Reino, Jesus de Nazaré, mas, sim, como portadora dele, o Reino de Deus, principalmente quando esse Reino é possível quando há conversão ao cristianismo. Em outro momento, Teixeira (2014, p. 139) sinalizou algo assim quando tratou da figura de Jesus, a missão e o diálogo inter-religioso: “Ganha aqui centralidade o estilo de vida de Jesus, o seu ideal, o sentido de sua existência, os valores que marcaram o seu projeto de vida voltado para o Reino de Deus”. Uma vez essa concepção da figura de Jesus e sua relação com o Reino de Deus for viável, caberia a pergunta se a conversão, como entendida nos documentos da Igreja, dentro de um horizonte onde a missão se dá a partir do diálogo inter-religioso, seria ainda o objetivo? Se a Igreja é coparticipante e não portadora do Reino de Deus, a conversão teria ainda lugar? Teixeira parece ir nessa direção, embora não diga com todas as palavras: “É dando testemunho dos valores do Reino com o seu ser e agir que a Igreja traduz fidelidade ao seguimento de Jesus e consegue confirmar sua credibilidade no tempo atual” (TEIXEIRA, 2014, p. 139). 

Ainda dentro da percepção de teólogos católicos quanto ao tema pluralismo religioso e a missão, o nome de Claude Geffré merece destaque. Falecido em 2017, Geffré deixou suas marcas como um dos principais teólogos a pensar o diálogo inter-religioso e fincar algumas bases para uma Teologia das Religiões. Quando trata da relação missão e pluralismo religioso, Geffré é cauteloso com a sua tradição. No seu entender, “o diálogo já é uma forma essencial de missão” (GEFFRÉ, 2013, p. 299). Ele admite essa possibilidade por estar cônscio de que “a missão como proclamação e apelo à conversão, se tornou muito difícil, até mesmo impossível” (GEFFRÉ, 2013, p. 299). Ainda assim, Geffré (2013, p. 299) não vê problema com a ideia de se fazer missão: “Penso que a missão da Igreja não perdeu nada de sua urgência e que o diálogo inter-religioso, fundado num maior otimismo quanto às possibilidades de salvação fora da Igreja, em nada compromete o sentido mais tradicional da missão”. E como se daria isso? Como teólogo católico, Geffré não poderia ignorar os documentos da Igreja que tratam do tema (RM e DA). É com base neles que o autor procura elaborar uma ideia de missão dentro do paradigma do pluralismo religioso. Aliás, para Geffré (1993, p. 65), “o pluralismo religioso permanece um destino histórico permitido por Deus, cujo significado está oculto aos nossos olhos”. Com essa noção de pluralismo religioso, Geffré (2013, p. 313) não fala em conversão, mas sim em diálogo de salvação, ou seja, há um “esforço, na fidelidade à sua própria verdade, para celebrar uma verdade que ultrapassa os limites e as incompatibilidades de cada tradição religiosa”. Ao que parece, a preocupação de Geffré se dá na possibilidade concreta do diálogo. Para ele não há diálogo quando o objetivo é proselitista. Quando em diálogo com outra tradição religiosa, o missionário também recebe algo. Dito de outro modo, o missionário “não está na situação de alguém que dá tudo a quem não tem nada. Ele também recebe, descobre de novo a sua identidade cristã quando é interpelado por outras religiões” (GEFFRÉ, 2013, p. 313). Mesmo admitindo que a missão se dá no diálogo inter-religioso, Geffré não vê dificuldade alguma em dizer que, num primeiro momento da missão, não há necessidade de “fazer menção do acontecimento Jesus Cristo” (GEFFRÉ, 2013, p. 314), mas depois é preciso anunciar Jesus. Para Geffré, a abertura para o diálogo inter-religioso se dá em missão, mas uma vez em diálogo é necessário estabelecer as condições do cristianismo e sua dimensão cristocêntrica, tendo o Reino de Deus como fundamento. Mesmo assim, Geffré (2013, p. 314) resume o real teor da missão que se dá no diálogo:

Pode-se, num primeiro tempo, anunciar o Reino de Deus e o apelo à conversão para nele entrar, sem ainda fazer menção do acontecimento Jesus Cristo. Mas, depois de ter manifestado, por palavras e atos, o Reino que vem, deve-se anunciar Jesus Cristo, que, na sua total humanidade, inaugurou o Reino de Deus e nos revelou a verdadeira face de Deus. Finalmente, deve-se levar a descobrir o mistério da Igreja como o lugar onde Deus vem ao encontro dos homens e como resultado final da busca da Realidade última já em processo no seio de outra religião.

Parece que Geffré não pensa em nada diferente do que já foi colocado pela Igreja e seus documentos que tratam da missão e sua relação com o diálogo inter-religioso. Ainda que se afirme que o diálogo é uma forma de missão, Geffré não articula algo além dos documentos da Igreja, assim como os demais teólogos de tradição católica mencionados aqui. O que ele faz, e nos soa como algo articulado previamente, é entrar no diálogo com o objetivo de fazer missão e, quando estabelecido alguns caminhos para a conversação, deixar os principais dogmas da Igreja bem claros e as condições para a sua aceitação.

Aparentemente, os teólogos de tradição católica elencados aqui, não parecem ter divergências quando tratam do pluralismo religioso e sua relação com a missão. Os documentos da Igreja sobre o tema, se constituem como base para o fazer teológico, não havendo, ao que parece, nenhuma possibilidade de dissonância com a postura e orientação oficial da Igreja por parte dos intérpretes. Enquanto um procura atenuar a tarefa missionária, alegando de que o modelo de missão centrado na conversão não é mais possível a partir do paradigma do pluralismo religioso (Vigil); outro delineia as possibilidades para o diálogo, mas deixa claro que a conversão é algo desejável (Knitter); mesmo havendo a necessidade de se pautar a missão a partir da figura de Jesus de Nazaré (Teixeira), ainda é patente a ideia de que, no fim mesmo, as categorias teológicas da Igreja precisam prevalecer, uma vez que a Igreja ainda detém a primazia diante das religiões (Geffré). Haveria outra possibilidade? 

Missão e interculturalidade: uma trilha ainda em construção 

Antes de pensar a relação da missão com a interculturalidade, é preciso pontuar duas questões que são importantes: 

  1. A revelação precisa ser repensada fora das categorias da filosofia grega porque permitiu ao cristianismo se entender como detentor de uma verdade revelacional definitiva e irrepetível.[16] Nesse sentido, é preciso descolonizar a revelação.[17] Para isso, é preciso enfatizar que a revelação que o cristianismo julga ser universal é, antes de qualquer coisa, pontual, ou seja, se dá na história, portanto, datável. A pretensão de universalização da revelação para o cristianismo é fruto da influência direta da filosofia grega quando este se apropriou da categoria de verdade. Foi essa apropriação que sustentou o discurso unívoco que o cristianismo ocidental adotou para validar sua universalidade. Essa verdade se manifesta no Logos e este se dá na encarnação. É bom destacar que o caminho que prepara essa postura exclusivista do cristianismo não está nas Escrituras Sagradas, mas sim na adesão de “uma interpretação da verdade, que reduziu a verdade a correção, caindo com isso em um modelo dualista que interpreta verdadeiro e não verdadeiro no sentido de correto e falso, fazendo da fronteira entre cristianismo e religião não cristã uma autêntica linha de frente” (BERNHARDT, 2000, p. 81). Reconsiderar a revelação a partir da decolonialidade, é pontuar que a história e a cultura exercem um forte elemento de condicionalidade, ou seja, “não há revelação universal por cima de culturas vivas” (SUSIN, 1991, p. 188). Admitir isso implica, necessariamente, rever uma postura beligerante em relação às demais tradições religiosas. Isso significa que “a revelação cristã não foge à regra” (SUSIN, 1991, p. 188). Diante disso, qualquer tentativa de propor uma teologia decolonial que não enfrente a teologia hegemônica e estabeleça uma postura diatópica quanto ao conhecimento teológico, estará reafirmando a condição colonizadora da teologia ocidental cristã.
  2. Num segundo momento, a encarnação, no seu aspecto político-teológico que foi fomentada no estrato da filosofia grega do Logos, precisa ser repensada. Missionários que advogam uma aproximação com outras culturas a partir da inculturação, fazem uso da encarnação como dispositivo teológico para evangelizar, uma vez que o Logos se deu, de maneira permanente e irrepetível, em Jesus Cristo: “É necessário comunicar a mensagem de Jesus universal pré-existente, justamente porque não damos por certo que todos estejam captando corretamente a revelação” (OLIVEIRA, 2017, p. 121). De acordo com essa posição, o cristianismo, mesmo reconhecendo traços da revelação de Deus em outras culturas, tem a prerrogativa da revelação no seu estágio terminado, porque tem na encarnação a justificativa teológica para tanto. Depois que o cristianismo, a partir de Agostinho-Platão, identificou o Logos com o Cristo, este passou a assumir a universalidade de Deus.

Dito isso, a relação da missão com a interculturalidade envolve alguns desafios, por isso é uma trilha em construção. O itinerário da interculturalidade passa, precisamente, pelo reconhecimento do outro com sua cultura e expressão religiosa. Não busca a adesão à uma cultura específica com sua expressão particular do divino, antes, o caminho da “interculturalidade descreve o objetivo de uma convivência de culturas e de pessoas no âmbito de suas culturas” (BECKA, 2010, p. 89). Esse é um tema sensível para o cristianismo que se viu, no contexto latino-americano, como hegemônico quando praticou a teofagia teológica. Suprimindo os outros deuses, contribuiu para aniquilar a cultura também, uma vez que religião (conceito ocidentalizado que carrega significativa carga de preconceito em relação às demais tradições religiosas) e cultura para os povos originários não são dicotômicas, como na sociedade secularizada. Elsa Tamez (1992, p. 127), chega a dizer que é “arrogante declarar que a fé verdadeira dos aborígenes se iniciou com a chegada do cristianismo”. Como já observamos, essa arrogância é fruto de uma pretensão de universalidade do cristianismo que contou com o poder político-teológico do império para se impor de maneira prepotente quando diante de outras tradições religiosas. Tamez (1992, p. 127) enxerga nesse dado, quando reivindicado por missionários e teólogos da missão, a propagação de “Deus extremamente limitado, reduzido à ínfima casta europeia ocidental”.

Uma vez reconhecendo o lugar particular da cultura como também da revelação, a trilha que a interculturalidade propõe não passa pelo essencialismo das culturas como se estas fossem boas per si por serem expressão patente de um povo. Quando culturas se tocam, há abalos e, possivelmente, conflitos interpretativos. A interculturalidade não tem como pressuposto a inocência cultural, pelo contrário, está cônscia de que elementos negativos a constituição humana estão presentes nas diversas culturas e o elemento de poder político-social-econômico também está intricado.[18] Antes, a proposta intercultural está aberta para “a capacidade para a negociação dos saberes, para a capacidade de aprender com o outro, num intercâmbio sugestivo, crítico e criativo” (ZWETSCH, 2015, p. 125). 

A missão, para ser coerente com a perspectiva cultural e a vocação cristã para dar testemunho de Jesus de Nazaré, precisa, a nosso ver, atentar para essa trilha que a proposta intercultural aponta. Qualquer projeto teológico-missionário que advoga para si o status de inconteste diante da realidade plural, assume ainda a condição colonial de se fazer missão. Antes, a missão que tem como trilha a interculturalidade, busca caminhos para se relacionar a partir da “experiência de contraste e de interpelação recíproca” (FORNET-BETANCOURT, 2007, p. 116). 

Considerações finais

Sabemos que o tema é por demais espinhoso e, até mesmo, polêmico. Ainda assim, entendemos que o debate é necessário do ponto de vista teológico como também político-social. Do ponto de vista deste último, é preciso reconhecer a legitimidade de tradições indígenas por parte do cristianismo ainda mais, principalmente quando estamos diante de um governo, no caso brasileiro, que tem uma política de invisibilidade dos povos indígenas e suas tradições, bem como também a clara intenção de reduzir e encerrar de vez as demarcações de terras indígenas para que assim o curso predatório da terra tenha êxito. Embora os principais grupos de atuação missionária entre povos indígenas, como GTME (Grupo de Trabalho Missionário Evangélico) e o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), abriram diálogo com a cultura indígena e promoveu ações junto aos órgãos competentes para que o modus vivendi do índio fosse respeitado juntamente com a sua terra, o que está se observando é um retrocesso em relação ao índio e sua cultura. Evangélicos de segmento fundamentalista atuam em regiões amazônicas do mesmo modo operacional dos colonizadores, transmitindo sua cultura como sinal de civilização e disseminando uma teologia colonial.

Do ponto de vista teológico, esse debate é pertinente porque provoca à mudança de posturas a partir da própria lógica teológica ocidental quando coloca em questão a particularidade da teologia cristã, portanto, habilita o cristianismo para o diálogo de modo paritativo. Uma vez admitida essa particularidade, a aproximação se dá de maneira intercultural e o diálogo como principal tarefa missionária. Esse processo já ocorre com a chamada teologia índia. Mas ainda assim há quem faça essa teologia a partir do pressuposto da inculturação, assimilado a hegemonia cristã. Com essa provocação, esperamos contribuir para o debate reconhecendo que há tensões e perspectivas diversas.

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Notas

[1] O termo/conceito é um recurso considerável na literatura católica. Os autores de tradição católica fazem uso do termo/conceito em diversos meios, quer digitais, documentais ou teológicos.

[2] “De igreja perseguida converte-se em igreja triunfante, agraciada por Constantino. Possivelmente por razões políticas, Constantino libertou a igreja. Ao libertá-la, vai constituir-se o que a teologia tecnicamente denomina: a cristandade” (DUSSEL, 1984, p. 51). 

[3] “É nos fins do século I, porém, que ocorre a ruptura. É nessa época que a teologia, que até então tinha sido a descrição ou a explicação da revelação de Deus na história, vai se helenizar. Então se passará de uma consideração reflexiva do que tinha sido a história da revelação de Deus a seu povo a uma teologia sistemática, que vai começar a argumentar ao modo grego” (DUSSEL, 1984, p. 24). 

[4] “Os conquistadores da América não falaram em promover a Modernidade, mas sim de propagar a fé em Jesus como Filho de Deus e a Igreja como depositária do mandato divino de pregar o Evangelho a todos os povos da Terra, a fim de salvá-los do pecado original. Essa ‘salvação’ será apresentada posteriormente em termos de modernização, de emancipação das tradições obsoletas” (PRADO, 2018, p. 64). 

[5] “Inculturação significa o movimento que assume as culturas locais e seus valores como o instrumento básico e um poderoso meio de apresentar, reformular e viver o cristianismo. Dentro desse processo ocorre o diálogo efetivo entre o cristianismo e as culturas locais” (WALIGGO, 2005, p. 651). 

[6] “A interculturalidade não é um chamado de agora, fruto da difusão de uma nova moda filosófica, senão, mais bem uma demanda de justiça cultural. Interculturalidade quer designar, antes, aquela postura ou disposição pela qual o ser humano se capacita para, e se habitua a viver ‘suas’ referências identitárias em relação com os chamados ‘outros’, quer dizer, compartindo-as em convivência com eles. Daí que se trata de uma atitude que abre o ser humano e o impulsiona a um processo de reaprendizagem e recolocação cultural e contextual. É uma atitude que, por nos tirar de nossas seguranças teóricas e práticas, permite-nos perceber o analfabetismo cultural do qual nos fazemos culpáveis quando cremos que basta uma cultura, a ‘própria’, para ler e interpretar o mundo” (FORNET-BETANCOURT, 2004, p. 13). 

[7] “A adesão à contextualidade e contingência não é nenhum providencialismo e não impede a comunicação, porém impede o risco de esconder diferenças atrás do manto da universalidade” (BECKA, 2010, p. 57).  

[8] “O eurocentrismo filosófico, então, tem uma suposta pretensão de universalidade sendo na realidade uma filosofia particular, que em muitos aspectos pode ser subsumida por outras tradições. Sabemos que toda a cultura é etnocêntrica, mas a cultura europeia moderna foi a primeira cujo etnocentrismo se fez mundial” (DUSSEL, 2015, p. 24).  

[9] “O diálogo intercultural necessita, acima de tudo, de paciência: no encontro intercultural se requer suficiente tempo para perceber, entender e valorar o diverso. O espaço para isso designa o inter, aquele espaço aberto do encontro” (BECKA, 2010, p. 46). 

[10] “Com o tempo, todavia, as religiões tornavam-se tão manifestas e tão decisivas em todo o âmbito da sociedade indígena que era absurdo querer negá-las” (MELIÀ, 1992, p. 74).

[11] “O que justifica a colonização é a própria ideia da encarnação de Deus. Existe um Deus universal, que se encarnou em um momento preciso da história, fundando uma religião universal. O universal, em Cristo, se fez na particularidade, e desde essa particularidade aspira se impor a todo o mundo” (PRADO, 2018, p. 69). 

[12] “Certos traços da cultura ocidental, enquanto decorrentes sobretudo da fé cristã, não poderão a priori ser descartados em nome de um respeito a outras culturas. Seria destruir um penoso e demorado processo, levado a cabo ao longo de séculos, com que a fé cristã conseguiu expressar valores e verdades evangélicas” (MIRANDA, 2001a, p. 103). 

[13] “O império, de uma forma ou de outra, foi o contexto no qual algumas das posteriores e mais importantes imagens de Cristo foram desenvolvidas: a noção de senhorio de Jesus ganhou proeminência no tempo em que os imperadores romanos reivindicaram ser os únicos senhores; a ideia da igualdade de Jesus com Deus e com a humanidade se desenvolveu na época em que os imperadores romanos se tornaram cristãos e traçaram sua autoridade a partir do Deus cristão” (RIEGER, 2009, p. xi).

[14] Os principais documentos da Igreja que tratam do tema são: Redemptoris Missio de 1990 (RM) e Diálogo e Anúncio de 1991 (DA). Para uma análise de ambos os documentos, ver: TEIXEIRA, 1995, p. 138-179; DUPUIS, 1999, p. 489-509. 

[15] Jacques Dupuis (2004, p. 249-253) fornece um estudo desse aspecto, quando trata da “História recente das relações entre Igreja e Reino de Deus”. 

[16] “A teologia cristã encontra na filosofia grega o instrumental teórico capaz de lhe permitir comunicar sua experiência de fé de forma cognoscível. Para além dos conteúdos intercambiados nessa aproximação, é fundamental perceber a apropriação das estruturas interiores do pensamento grego, identificadas aqui, principalmente, como metafísica e lógica. A primeira, em sua ênfase na afirmação do ser como essência dos entes e na negação do múltiplo e consequente afirmação do uno, identifica a verdade em sua única possibilidade, em sua condição unívoca. A segunda, com sua lei de não-contradição, oferece os elementos de coerção/exclusão, capazes de manter a univocidade dos discursos” (ROCHA, 2007, p. 44). 

[17] “A descolonização implica a conquista de relações simétricas e libertadoras entre sujeitos e sociedades” (ZWETSCH, 2015, p. 125). 

[18] “Os astecas, uma vez no poder, sentiram-se o povo escolhido para livrar a humanidade do cataclisma que sofrerá o Quinto Sol. Já que o Sol protege a vida de todos, é necessário salvá-lo para que todos se salvem. Contudo, a única maneira de salvá-lo consiste em sacrificar humanos, principalmente os escravos, os prisioneiros de guerra, crianças e mulheres das outras culturas mesoamericanas, submetidas ao império asteca. Não existe diferença entre o Deus preponderante do império asteca e o Deus do império espanhol. Ambos submetem e matam porque são impérios” (TAMEZ, 1992, p. 146 e 148).