Claudio Vianney Malzoni
Doutor em exegese bíblica pela Escola Bíblica de Jerusalém (2002). Professor e pesquisador na Universidade Católica de Pernambuco. cvmalzoni@hotmail.com
Resumo:
A Segunda Carta a Timóteo é um escrito do Novo Testamento pouco conhecido. No corpus paulino, encontra-se entre as cartas tritopaulinas, o que lhe confere pouca importância, a de um escrito periférico. Nessa Carta, são mencionadas nominalmente quatro mulheres: Loide e Eunice (2Tm 1,5), Prisca (2Tm 4,19) e Cláudia (2Tm 4,21). Há também na Carta uma passagem que se refere a “mulherzinhas carregadas de pecados, levadas por vários desejos; sempre aprendendo, sem nunca serem capazes de chegar ao conhecimento da verdade” (2Tm 3,6b-7). Este artigo pretende mostrar que, apesar desse texto depreciativo em relação às mulheres, o que prevalece, na Carta, é a valorização da figura feminina, representada pelas quatro mulheres citadas acima.
Palavras-chave: Segunda Carta a Timóteo. Cartas paulinas. Mulheres nas igrejas paulinas.
Abstract:
The Second Letter to Timothy is little-know writing of the New Testament. In the Pauline corpus, it is found among the tritopauline letters, which gives it little importance, this one of peripheral writing. In this Letter, four women are mentioned by name: Lois and Eunice (2Ti 1:5), Prisca (2Ti 4:19) and Claudia (2Ti 4:21). There is also a passage in the Letter that refers to “weak women weighed down with sins, led on by various impulses, always learning and never able to come to the knowledge of the truth” (2Ti 3:6b-7). This article aims to show that, despite this disparaging text in relation to women, what prevails in the Letter is the valorization of the female figure, represented by the four women mentioned above.
Key words: Second Letter to Timothy. Pauline letters. Women in the Pauline churches.
A Segunda Carta a Timóteo traz diversas reminiscências pessoais de Paulo, ainda mais que a Primeira Carta a Timóteo, ao modo de um testamento espiritual do Apóstolo. No ocaso de sua vida, já envelhecido, novamente encarcerado e sentindo próxima sua morte, Paulo escreve a seu discípulo dileto, Timóteo. A Carta apresenta-se, assim, como uma carta do próprio Paulo. Dentre as passagens em que o gênero autobiográfico é mais marcante está 2Tm 4,6-8, que contém o célebre adágio: “Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé” (2Tm 4,7).[1]
No entanto, a Segunda Carta a Timóteo é um dos escritos do Novo Testamento que testemunham a época da passagem da segunda para a terceira geração de cristãos e os desafios que essa época trouxe consigo. Para fazer frente a esses desafios, estes escritos insistem no enraizamento na tradição, na qual são importantes as Escrituras, o ensinamento, mas igualmente o testemunho das pessoas que transmitem o ensinamento.
Na Carta, há quatro mulheres mencionadas por seus nomes: Loide e Eunice (2Tm 1,5), Prisca (2Tm 4,19) e Cláudia (2Tm 4,21). Também há uma passagem que se refere a “mulherzinhas carregadas de pecado, movidas por vários desejos; aprendendo sempre, sem nunca chegar ao conhecimento da verdade” (2Tm 3,6b-7).[2] Este trabalho quer mostrar que, apesar desse texto depreciativo em relação às mulheres, na Carta, prevalece a valorização da figura feminina, representada pelas quatro mulheres já citadas.
Para alcançar o objetivo proposto, será apresentada, primeiramente, a Segunda Carta a Timóteo: seu lugar no corpus paulino e seus temas teológicos principais. Em seguida, serão apresentados os textos da Carta nos quais se faz menção às mulheres, inserindo-os em seus contextos. Traçado esse quadro, será feita a avaliação de como a figura da mulher é apresentada na Carta e qual a pertinência dessa avaliação enquanto testemunho da presença das mulheres nas igrejas paulinas.
A Segunda Carta a Timóteo não é longa: são quatro capítulos nos quais o leitor encontra uma carta pessoal de Paulo dirigida a Timóteo, membro da equipe missionária de Paulo, frequentemente citado nas cartas paulinas e nos Atos dos Apóstolos.[3] Essa Carta forma um conjunto com a Primeira Carta a Timóteo e a Carta a Tito, outro importante membro da equipe missionária de Paulo. Desde o início do século XVIII, essas três cartas são chamadas de “cartas pastorais” (FABRIS, 1992, p. 211; REDALIÉ, 2015, p. 393).
Segundo Redalié, as cartas pastorais se caracterizam pelo discurso indireto:
Timóteo e Tito são exortados a exortar, convidados a ensinar, a recuperar quem se desviou. Paulo intervém em suas comunidades não diretamente, mas por intermédio de seus dois colaboradores convidados a representar, tanto por seu ensinamento como por seu comportamento, um modelo de vida coerente com a mensagem do apóstolo para as comunidades pelas quais eles se tornaram responsáveis (2015, p. 393).
De acordo com a Carta, Paulo a escreveu estando ele prisioneiro em Roma e tendo sido abandonado por seus companheiros da Ásia, à exceção dos da casa de Onesíforo (2Tm 1,6-18). Lucas também está com Paulo (2Tm 4,11) e ele pede que Timóteo venha a seu encontro, trazendo consigo Marcos (2Tm 4,9-11). Na Carta, há constantes referências ao sofrimento de Paulo (2Tm 1,8.12; 2,3.9; 3,11; 4,6), que, em seu gênero literário, se aproxima de um testamento espiritual.
A Carta segue um esquema simples. Depois da saudação (2Tm 1,1-2) e da ação de graças (2Tm 1,3-5), Paulo trata de sua situação como prisioneiro (2Tm 1,6-18). Segue a parte mais longa da Carta, de exortações a Timóteo (2Tm 2,1—4,8).[4] Na parte final da Carta, predominam as notícias pessoais de Paulo (2Tm 4,9-18), que termina com despedidas e a saudação final (2Tm 4,19-22).
Do ponto de vista temático, em 2Tm 1,6-18, há várias exortações dirigidas a Timóteo, dentre as quais, a de “guardar o bom depósito” (2Tm 1,14), um modo de se referir ao ensinamento cristão.[5] Logo após, vem uma referência àqueles que abandonaram Paulo. Vê-se, assim, que, para guardar o bom depósito, é preciso estar em comunhão com aqueles que transmitiram a fé.
Os elos da transmissão reaparecem em 2Tm 2,1-2. Logo em seguida, há uma referência aos sofrimentos do Apóstolo. O sofrimento causado pelas perseguições sela o ensinamento que o apóstolo transmite (2Tm 2,3-10). Em 2Tm 2,11-13, há um pequeno hino que celebra a solidariedade na morte e na vida dos cristãos com o Cristo.[6] Na sequência, voltam as referências aos falsos mestres que apareciam na Primeira Carta a Timóteo. Novamente, é típico desses falsos mestres o palavreado excessivo (2Tm 2,14-17). Quanto ao que ensinam, não se sabe muito. Desta vez, o autor denuncia que eles afirmam que “a ressurreição já se realizou” (2Tm 2,18).[7]
O capítulo 3 é dedicado a problemas advindos de pessoas com um comportamento falso, que perturbam a vida familiar e a eclesial (2Tm 3,1-9). Diante desses e de outros problemas, Paulo exorta Timóteo a viver segundo seu ensinamento e seu modo de proceder (2Tm 3,1-13).[8] Exorta também a perseverar no que aprendeu desde a infância, isto é, no conhecimento da Escritura, capaz de educar para a prática de toda boa obra (2Tm 3,14-17). No capítulo 4, entre as exortações pastorais, merecem destaque aquelas que se encontram em 2Tm 4,1-5, que insistem tanto no reto ensinamento quanto no reto comportamento.
A crítica moderna, a partir do século XIX, colocou em dúvida a autoria direta de Paulo dessas cartas. Atualmente, elas são consideradas como escritos do final do século I e início do século II, provenientes da pena de um discípulo de Paulo (REDALIÉ, 2015, p. 393-394). Os argumentos que embasam essa conclusão levam em consideração a pesquisa sobre a língua e o estilo das cartas pastorais, as contradições internas nessas cartas e as dificuldades de harmonizar os dados biográficos que apresentam com o que se sabe sobre Paulo de outras fontes, o uso de um vocabulário teológico que não aparece nas outras cartas e os reflexos de um ambiente eclesial posterior àquele das primeiras comunidades paulinas (REDALIÉ, 2015, p. 399-401).[9] Todavia, ainda se podem ouvir vozes que afirmam a autoria de Paulo para as cartas pastorais, como é o caso de Ellis (2017, p. 184), para quem as diferenças de estilo em relação às outras cartas podem ser explicadas pela suposição de outro secretário de Paulo e pelo uso de tradições pré-formadas na composição dessas cartas.[10] Para Ellis (2017, p. 186), a Segunda Carta a Timóteo foi escrita em 67, mesmo ano em que ele situa a morte de Paulo.[11]
Não obstante a autoria direta de Paulo dessas cartas seja um dado que já possa ser desconsiderado, é fora de dúvida o papel que nelas lhe é atribuído, como garantia da tradição recebida e a ser transmitida. Ademais, também a figura de Timóteo tem um papel relevante nas cartas em que aparece como destinatário, apresentado como modelo do discípulo que guarda o exemplo e os ensinamentos de seu mestre, mantendo com ele uma estreita ligação. Desse modo, também ele pode confiar a outros o que aprendeu, os quais, por sua vez, o transmitirão a outros que virão (2Tm 2,2).
Por outro lado, nada impede que se continue a considerar as cartas pastorais como parte integrante do conjunto das cartas paulinas, uma vez que, em linhas gerais, na base da teologia das cartas pastorais, está a teologia paulina, colocada diante de novas situações e, não poucas vezes, expressa com um vocabulário diferente daquele das cartas protopaulinas, o que, não raro, chega a causar estranheza à fineza do leitor assíduo das cartas de Paulo. De acordo com Fabris (1992, p. 221):
As cartas pastorais representam [...] a interpretação e a releitura do pensamento e do ensinamento de Paulo, tendo em vista situações novas das comunidades cristãs. Nesse sentido, pode-se dizer que as três cartas [...] são verdadeiramente paulinas, porque, na sua origem, como fonte, está a pessoa, a obra missionária e o impulso espiritual de Paulo. Em outros termos, nossos três escritos trazem o selo da autenticidade paulina não no plano histórico-literário, mas no espiritual.
Na Segunda Carta a Timóteo, há três perícopes onde são mencionadas mulheres. São essas perícopes que, agora, passarão a ser apresentadas.
As três perícopes nas quais são mencionadas mulheres na Segunda Carta a Timóteo encontram-se uma no início, outra no meio e outra no final da Carta.
A primeira dessas perícopes é 2Tm 1,3-5, que constitui a ação de graças da Carta. Típico da ação de graças nas cartas paulinas[12] são as referências a Deus, a quem se dá graças, e o apelo à memória das boas qualidades ou bons feitos do destinatário da carta, seja ele um indivíduo ou uma igreja. Na Segunda Carta a Timóteo, a ação de graças assim se apresenta:
Dou graças a Deus, a quem sirvo, desde meus antepassados, com consciência pura, quando sem cessar, dia e noite, me recordo de ti em minhas orações, desejando te ver, recordando-me de tuas lágrimas, para me encher de alegria, fazendo recordação da fé sem hipocrisia que há em ti, a qual habitou primeiramente em tua avó Loide e em tua mãe Eunice, e estou convencido que habita também em ti.
Aqui, o autor da Carta refere-se aos antepassados de Paulo, suposto emissário, e de Timóteo, suposto destinatário da Carta. Quanto a Paulo, ele se refere a Deus, a quem serve com consciência pura, desde seus antepassados (2Tm 1,3), ou seja, enraizando o serviço de Paulo em sua herança familiar. Quanto a Timóteo, ele se refere a sua fé sem hipocrisia, que nele habita, e que, primeiramente, habitou em sua avó Loide e em sua mãe Eunice (2Tm 1,5), ou seja, enraizando a fé de Timóteo em sua herança familiar.[13]
A apresentação de Paulo e seu enraizamento em uma tradição familiar de serviço a Deus está de acordo com os dados autobiográficos que vêm das cartas protopaulinas (2Cor 11,22; Fl 3,4-5). Já a apresentação de Timóteo, não parece nem inteiramente de acordo, nem em total desacordo com sua apresentação nos Atos dos Apóstolos. Segundo At 16,1-3, Paulo encontrou Timóteo em Listra, em sua segunda estadia na cidade. Timóteo já fazia parte da igreja local, sendo filho de mãe judia crente e de pai grego. O nome de sua mãe não é mencionado. A anotação de que era crente tanto pode ser compreendida como crente no judaísmo como no novo caminho do cristianismo. O fato de seu filho ainda não ter sido circuncidado – é Paulo que irá fazê-lo – estaria indicando que o adjetivo, preferencialmente, deva ser tomado como referindo-se ao cristianismo, de modo que Timóteo e sua mãe já eram membros da igreja em Listra quando Paulo o chamou para seguir viagem com ele. A avó não é mencionada nos Atos dos Apóstolos.
Em síntese, as duas presenças femininas na ação de graças da Segunda Carta a Timóteo são as referências de antepassados do destinatário, são aquelas que lhe transmitiram a fé, o que se deu em ambiente familiar.
A segunda menção a mulheres se dá no corpo da Carta, em 2Tm 3,1-9, perícope que inicia enunciando que, nos últimos dias, virão tempos difíceis (2Tm 3,1). A menção dos últimos dias insere a recomendação que virá a seguir em contexto escatológico. Esse tempo é marcado pelo surgimento de pessoas que, sob a aparência de piedade, apresentam, de fato, um comportamento moralmente reprovável.[14] Esse comportamento é caracterizado a partir de uma longa lista de vícios e atitudes, entre os quais se encontram o interesse por si mesmos e pelo dinheiro, a arrogância, a desobediência aos pais, a ingratidão, a maledicência, a falta de autocontrole, a crueldade, a traição, a precipitação, e a amizade do deleite colocada acima da amizade de Deus (2Tm 3,2-5a). O autor da Carta exorta seu destinatário: “Afasta-te também destes” (2Tm 3,5b).
É nesse contexto que são mencionadas as mulherzinhas, em 2Tm 3,6-7: “Entre esses se encontram os que se introduzem nas casas e levam cativas mulherzinhas carregadas de pecados, levadas por vários desejos; sempre aprendendo, sem nunca serem capazes de chegar ao conhecimento da verdade.” A apresentação dessas pessoas de comportamento moralmente censurável ainda continua por mais dois versículos (2Tm 3,8-9), nos quais o acento recai sobre a oposição que fazem à verdade, uma vez que têm a mente corrompida e são reprováveis no que diz respeito à fé. Tais pessoas, no entanto, não progredirão, uma vez que a tolice deles tornar-se-á evidente a todos.
Visto o contexto em que se encontra 2Tm 3,6-7, cabe explicitar melhor os detalhes das afirmações que se fazem nesses dois versículos. O uso do diminutivo mulherzinhas é depreciativo. As mulheres aí mencionadas são caracterizadas a partir de três afirmações. Elas são “carregadas de pecados”, “movidas por vários desejos”, e, embora demostrem uma atitude de discípulas, não são capazes de chegar ao conhecimento da verdade. Assim, elas se tornam presa fácil daquelas pessoas de comportamento moralmente censurável, que, não obstante tal comportamento, apresentam uma aparência de piedade. Essas mulheres são cooptadas em suas casas, tendo sido invadido o ambiente familiar.
Em síntese, a referência às mulherzinhas está inserida em uma perícope que se refere a pessoas de comportamento moralmente reprovável. Comparando-se com o primeiro texto em que havia referência a mulheres, a ação de graças da Carta, na qual eram mencionadas a avó e a mãe de Timóteo, o elemento comum a esses textos (2Tm 1,5; 2Tm 3,6) é o ambiente familiar, no primeiro, preservado e apto à transmissão da fé; no segundo, corrompido por um comportamento moral pervertido.
A terceira menção a mulheres se dá no final da Carta, nas saudações finais, em 2Tm 4,19-22:
Saúda Prisca e Áquila, e a casa de Onesíforo. Erasto permaneceu em Corinto, e deixei Trófimo em Mileto, adoentado. Apressa-te em vir antes do inverno. Saúdam-te Êubulo, Prudente, Lino e Cláudia e todos os irmãos. O Senhor esteja com teu espírito. A graça esteja convosco.
Duas mulheres são mencionadas nas saudações finais da Segunda Carta a Timóteo: Prisca e Cláudia. A primeira delas é conhecida de outras cartas paulinas e dos Atos dos Apóstolos; a segunda é mencionada somente aqui.
Nos Atos dos Apóstolos, Prisca é chamada de Priscila, nome que ocorre três vezes no capítulo 18, sempre acompanhado do nome de Áquila, seu esposo. Na primeira vez, Paulo os encontra em Corinto, em sua segunda viagem missionária, vindo de Atenas. Áquila, natural do Ponto, tinha chegado a Corinto recentemente, vindo da Itália, com sua esposa, depois que o imperador Cláudio decretara que os judeus deixassem Roma.[15] Paulo se associou a eles, que tinham a mesma profissão. Eram fabricantes de tendas (At 18,1-3). Na segunda vez em que são mencionados, Priscila e Áquila partiram de Corinto com Paulo, em direção à Síria. Chegados a Éfeso, Paulo os deixou ali (At 18,18-19). Na terceira menção, Priscila e Áquila, que continuaram em Éfeso, ouvem Apolo que ensinava na sinagoga e o tomam consigo para lhe expor mais acuradamente o caminho do Senhor (At 18,24-26). Na primeira menção, Áquila é citado antes de Priscila, nas outras duas, o nome dela precede o dele.
Nas cartas paulinas, Priscila é chamada Prisca, nome que ocorre três vezes, em três cartas: Romanos, Primeira aos Coríntios e Segunda a Timóteo, na perícope acima transcrita. Também nessas atestações, seu nome vem acompanhado do nome de seu esposo, Áquila. Em 1Cor 16,19, eles aparecem nas saudações finais da Carta: “As igrejas da Ásia vos saúdam. Saúdam-vos muito no Senhor, Áquila e Prisca, com a igreja que está em sua casa.” Em Rm 16,3-4, eles são assim mencionados: “Saudai Prisca e Áquila, meus colaboradores em Cristo Jesus. Eles arriscaram suas vidas em meu favor. Não somente eu lhes sou grato, como também todas as igrejas dos gentios”. Na Primeira Carta aos Coríntios, eles saúdam; portanto, estão com Paulo. Na Carta aos Romanos, eles são saudados, não estando com Paulo.
Em 1Cor 16,19, além da menção ao casal, também é citada a igreja que está na casa deles, de modo que se pode pensar que eles coordenam uma célula eclesial que se reúne na casa deles. Áquila é mencionado por primeiro, Prisca em seguida.
A menção ao casal na Carta aos Romanos encontra-se em uma longa lista de saudações (Rm 16,3-16), sob a qual pesa a suspeita de ser um acréscimo à Carta.[16] Tomando o texto como está, deve-se afirmar que o casal retornou a Roma, onde estava por ocasião do envio da Carta.[17] Aqui, Prisca é mencionada por primeiro, Áquila em seguida, e ambos encabeçam a lista de nomes nas saudações da Carta. Paulo se refere a eles como: “meus colaboradores em Cristo Jesus”, reconhecendo a importância do casal em sua atividade missionária e em sua vida. Ele afirma que eles “arriscaram a vida em seu favor” e reconhece que não somente ele, mas todas as igrejas dos gentios lhe são devedoras. Percebe-se o quanto esse casal contribuiu com o anúncio do evangelho atuando na equipe missionária de Paulo.
Na Segunda Carta a Timóteo, o casal também é mencionado. O nome Prisca precede o de Áquila. Pela leitura da Carta, Paulo, que está em Roma, lhes envia saudações. Já Timóteo, a quem a Carta está endereçada, está em Éfeso. Nesse caso, é preciso supor que Prisca e Áquila tinham retornado de Roma para Éfeso. Por outro lado, acompanhando a tendência atual, de considerar a Segunda Carta a Timóteo como um escrito de um discípulo de Paulo, que faz uma homenagem a seu mestre seguindo o gênero de um testamento espiritual, compreende-se que Prisca e Áquila não poderiam deixar de ser mencionados, dada a importância que tiveram para Paulo, em sua vida e missão. Em um testamento espiritual de Paulo o casal não podia não estar presente.
Há mais uma mulher citada nas saudações da Segunda Carta a Timóteo: Cláudia. Seu nome aparece em uma sequência de quatro nomes, sendo o quarto, precedido dos nomes de três homens. Nenhum desses quatro nomes aparece em outra passagem do Novo Testamento, de modo que nada se sabe sobre eles. Todavia, é importante notar a presença do nome de Cláudia entre eles, dando visibilidade à presença feminina nas igrejas paulinas.
O passo seguinte será fazer uma avaliação de conjunto da presença das mulheres na Segunda Carta a Timóteo.
Um dos temas principais das cartas pastorais é o enfrentamento dos falsos mestres. É nesse contexto que está inserida a única passagem depreciativa em relação às mulheres na Segunda Carta a Timóteo: é a passagem na qual se encontra o diminutivo pejorativo mulherzinhas (2Tm 3,6-7). Para Fabris (1992, p. 327), não se pode descartar “que uma ponta de antifeminismo tenha sugerido aquela apresentação pejorativa das mulheres, clientes dos falsos mestres que se infiltram nas casas”.
Não se trata de isentar essas mulheres de uma reprovação, como a que lhes faz o autor da Carta, mas é importante ler o texto em seu contexto. Nesse sentido, Redalié (2015, p. 403) chama a atenção para uma das ameaças que provém dos falsos mestres: “a perturbação das casas”. Tal ameaça também aparece na Carta a Tito: “De fato, há muitos indisciplinados, loquazes e fraudulentos, em especial entre os que são da circuncisão, aos quais é preciso fazer calar, esses perturbam casas inteiras, ensinando o que não se deve, em vista de ganho desonesto.” (Tt 1,10-11).
A perturbação das casas, ou seja, do ambiente familiar, é especialmente grave quando se tem presente que, nos primeiros tempos do cristianismo, os ambientes familiar e eclesial se misturavam. Nas cartas pastorais, a imagem mais importante para apresentar a Igreja é a de casa de Deus, como se percebe nesta passagem: “Essas coisas te escrevo esperando ir a teu encontro em breve. Todavia, se eu tardar, quero que saibas como convém se comportar na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e fundamento da verdade.” (1Tm 3,14-15).
É nesse ambiente familiar que a avó Loide e a mãe Eunice transmitiram a fé a Timóteo. Há uma passagem na Segunda Carta a Timóteo frequentemente citada quando o tema é o da inspiração da Sagrada Escritura, trata-se de 2Tm 3,14-17:
Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste convencido, sabendo de quem aprendeste. Desde tua infância conhece as Sagradas Escrituras, que podem fazer-te sábio para a salvação, através da fé que há em Cristo Jesus. Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para o ensinamento, para a repreensão, para a correção, para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja perfeito, e plenamente instruído para toda boa obra.
Essa perícope é citada, juntamente com 2Pd 1,19-21, como a base neotestamentária para a compreensão do tema da inspiração da Sagrada Escritura.[18]
Em 2Tm 3,15, o autor da Carta exorta seu destinatário a permanecer firme no que aprendeu, sabendo de quem o aprendeu, o que pode ser uma referência a Paulo. Contudo, logo em seguida afirma que o destinatário conhece as Sagradas Escrituras desde sua infância (2Tm 3,16). Não é difícil fazer a ligação desses versículos com 1Tm 1,5, onde foram mencionadas Loide e Eunice, apresentadas como avó e mãe de Timóteo. Assim, 2Tm 3,14-15, reforça a importância das mulheres ancestrais na transmissão da fé e do conhecimento das Escrituras no ambiente familiar.
As outras duas mulheres – Prisca e Cláudia – aparecem nas saudações finais da Carta. Elas testemunham a visibilidade das mulheres nas igrejas paulinas. Nesse sentido, a Segunda Carta a Timóteo alinha-se a outras cartas paulinas nas quais aparecem mulheres mencionadas nas saudações finais. São elas: a Carta aos Romanos (Rm 16,3-16) e a Primeira Carta aos Coríntios (1Cor 16,19-20).[19]
Com essas menções nas saudações finais nas cartas paulinas cabe já encaminhar as considerações finais deste presente artigo.
Dentre as passagens da Segunda Carta a Timóteo que mencionam mulheres, uma apenas tem tom pejorativo: 2Tm 3,6-7. Não se trata, porém, de uma referência às mulheres de um modo geral e há que se considerar que esses versículos encontram-se em uma perícope cujo objetivo é alertar o pastor quanto ao modo de atuação dos falsos mestres que, com mostras de piedade, têm um comportamento moralmente reprovável. As outras duas passagens que mencionam mulheres são bastante positivas, valorizando seu papel nos ambientes familiar e eclesial. Uma dessas mulheres: Prisca, é conhecida de outras cartas paulinas e dos Atos dos Apóstolos. As outras três: Loide, Eunice e Cláudia, são mencionadas apenas na Segunda Carta a Timóteo.
Essa apresentação das mulheres na Segunda Carta a Timóteo, de modo mais positivo que negativo, é peculiar entre as cartas pastorais, uma vez que, na Primeira Carta a Timóteo e na Carta a Tito, há passagens em que as mulheres são apresentadas em situação de submissão em relação aos homens. São elas: 1Tm 2,11-15 e Tt 2,3-5. Todavia, na Primeira Carta a Timóteo, também há passagens a serem examinadas mais acuradamente a partir da perspectiva feminista. Uma delas é 1Tm 3,11, seja que se considere esse texto como referindo-se à mulher que exerce o ministério da diaconia, seja que se considere como referindo-se à esposa daquele que exerce esse ministério. A outra é 1Tm 5,9-15 que se refere à ordem das viúvas, com seu estatuto e com a descrição do serviço que as viúvas inscritas nessa ordem desempenham.[20]
Neste ano em que se relembra o 16º centenário da morte de São Jerônimo, patrono dos biblistas, ocasião celebrada pelo papa Francisco com a Carta Apostólica Scripturae Sacrae Affectus, na qual são mencionadas várias qualidades do grande biblista, é importante colocar em destaque a presença das mulheres nas igrejas paulinas, visto que o próprio Jerônimo também valorizou a presença feminina em sua vida. Dentre elas, merecem destaque Paula e, sua filha, Eustáquia, grandes mulheres, carregadas de virtudes, levadas por nobres desejos, sempre prontas a aprender em vista de alcançar a meta, que é o conhecimento, em Deus, da plena verdade.
BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo, II. Tradução de José Maria de Almeida; supervisão exegética de Johan Konings. São Paulo: Loyola, 1991. (Bíblica Loyola, 5)
BÍBLIA. A Bíblia de Jerusalém: Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1979. 6ª edição.
BÍBLIA. Bíblia de Jerusalém: nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.
BORN, Adrianus van den; MERCIER, Jacques. Prisca, Priscila. In: Dicionário enciclopédico da Bíblia. Publicado sob a direção do Centro “Informática e Bíblia” Abadia de Maredsous. Tradução de Ary E. Pintarelli, Orlando A. Bernardi. São Paulo: Loyola; Paulus; Paulinas. 2013; p. 1093.
DANKER, Frederick W. A Greek-English lexicon of the New Testament and other early Christian Literature. Chicago: The University of Chicago Press, 2000; 3rd ed.
ELLIS, E. Earle. Cartas pastorais. In: HAWTHORNE, Gerald F.; MARTIN, Ralph P.; REID, Daniel G. (Orgs.). Dicionário de Paulo e suas cartas. Tradução de Barbara Theoto Lambert. São Paulo: Vida Nova; Paulus; Loyola, 2017. 1ª reimpressão da 2ª edição; p. 181-191.
FABRIS, Rinaldo. As cartas de Paulo, III. Tradução de José Maria de Almeida; supervisão exegética de Johan Konings. São Paulo: Loyola, 1992. (Bíblica Loyola, 6)
FRANCISCO. Carta apostólica Scripturae Sacrae Affectus. Disponível em <http://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_letters/documents/papa-francesco-lettera-ap_20200930_scripturae-sacrae-affectus.html> Acesso em 14 DEZ 2020.
GONZAGA, Waldecir. O corpus paulinum no cânon do Novo Testamento. Atualidade Teológica, Rio de Janeiro, ano XXI, nº 55, p. 19-41, janeiro a abril, 2017.
(THE) INSTITUTE FOR NEW TESTAMENT TEXTUAL RESEARCH AND THE COMPUTER CENTER OF MÜNSTER UNIVERSITY. Concordance to the Novum Testamentum Graece of Nestle-Aland, 26th edition, and to the Greek New Testament, 3rd edition. Berlin: Walter de Gruyter, 1987.
IOVINO, Paolo. Lettere a Timoteo. Lettera a Tito: nuove versione, introduzione, commento. Torino: Paoline, 2005. (I Libri Biblici, Nuovo Testamento)
JEREMIAS, Joachim. Le lettere a Timoteo e a Tito. In: JEREMIAS, J.; STRATHMANN, H. Le lettere a Timoteo e a Tito. La lettera agli Ebrei. Traduzione Gino Cecchi. Brescia: Paideia, 1973; p. 9-128. (Nuovo Testamento, 9)
KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. Tradução de Isabel Fontes Leal Ferreira e João Paixão Neto. São Paulo: Paulus, 1982.
MANNUCCI, Valerio. Bíblia, palavra de Deus: curso de introdução à Sagrada Escritura. Apresentação de L. Alonso Schökel. Tradução de Luiz João Gaio. Revisão literária e exegética de Anacleto Alvarez. São Paulo: Paulus, 1985 (4ª ed. 2008).
MÉHAT, André. Pastorais, Epístolas. In: Dicionário enciclopédico da Bíblia. Publicado sob a direção do Centro “Informática e Bíblia” Abadia de Maredsous. Tradução de Ary E. Pintarelli, Orlando A. Bernardi. São Paulo: Loyola; Paulus; Paulinas. 2013; p. 1037-1040.
METZGER, Bruce M. A Textual Commentary on the Greek New Testament: a Companion Volume to the United Bible Societies’ Greek New Testament (Fourth Revised Edition). Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1994. Second edition.
(O) NOVO Testamento Grego. Com introdução em português e dicionário grego-português. Barueri: Deutsche Bibelgesellschaft; Sociedade Bíblica do Brasil, 2009.
REDALIÉ, Yann. As epístolas pastorais (1 e 2 Timóteo; Tito). In: MARGUERAT, Daniel (Org.) Novo Testamento: história, escritura e teologia. Tradução de Margarida Oliva. São Paulo: Loyola, 2015. 3ª edição, p. 391-416.
VIEIRA, Geraldo D. Pánta hupomévō diá toús eklektóus, OMNIA SUSTINEO PROPTER ELECTOS (2Tm 2,10a): pequeno comentário da palavra bíblica escolhida por Dom Paulo Cezar Costa como motivo e inspiração de sua missão episcopal. Atualidade Teológica, Rio de Janeiro, ano XV, nº 37, p. 103-123, janeiro a abril, 2011.
VOUGA, François. O corpus paulino. In: MARGUERAT, Daniel (Org.) Novo Testamento: história, escritura e teologia. Tradução de Margarida Oliva. São Paulo: Loyola, 2015. 3ª edição, p. 181-203.
--------------------
[1] As citações neotestamentárias foram traduzidas diretamente de NOVO Testamento Grego, (O). Barueri: Deutsche Bibelgesellschaft; Sociedade Bíblica do Brasil, 2009.
[2] Neste artigo, a palavra “passagem” não está sendo usada como sinônimo de “perícope”. Enquanto perícope é uma unidade básica de sentido, bem delimitada, passagem é uma sequência textual de um ou mais versículos, que se insere no interior de uma perícope.
[3] Timóteo é mencionado nas seguintes cartas paulinas: Romanos, Primeira aos Coríntios, Segunda aos Coríntios, Filipenses, Colossenses, Primeira aos Tessalonicenses, Segunda aos Tessalonicenses, Primeira a Timóteo, Segunda a Timóteo, Filêmon, e ainda na Carta aos Hebreus. Essa e outras referências de frequências de palavras no Novo Testamento foram tomadas de (THE) INSTITUTE FOR NEW TESTAMENT TEXTUAL RESEARCH AND THE COMPUTER CENTER OF MÜNSTER UNIVERSITY. Concordance to the Novum Testamentum Graece (1987).
[4] Essa longa sessão da Carta se abre com as imagens do soldado, do atleta e do agricultor (2Tm 2,4-6) aplicadas a Timóteo, e se encerra com as imagens do combate, da corrida e da coroa, aplicadas a Paulo (2Tm 4,6-8) (VIEIRA, 2011, P. 105-106).
[5] Para depósito, a palavra no texto grego é parathḗkē, aparentada do verbo paratíthēmi, cujo significado é o de propriedade confiada a outro, depósito (DANKER, 2000, p. 764). No Novo Testamento, é uma palavra típica das cartas pastorais, ocorrendo em 1Tm 6,20; 2Tm 1,12.14. Seu significado é próximo daquele de parádosis, do verbo paradídōmi, com o significado básico de tradição. No Novo Testamento, ocorre nos evangelhos, na perícope sobre a tradição dos antigos (Mc 7,3.5.8.9.13; Mt 15,2.3.6), e nas cartas paulinas (1Cor 11,2; Gl 1,14; Cl 2,8; 2Ts 2,15; 3,6).
[6] Esse hino é introduzido pela fórmula pistós ho logos, fiel é a palavra. Essa fórmula aparece cinco vezes nas cartas pastorais. De acordo com Ellis (2017, p. 188), ora ela introduz (1Tm 1,15; 4,9; 2Tm 2,11) ora ela encerra (1Tm 3,1; Tt 3,8) material pré-formado inserido nessas cartas.
[7] Tal afirmação pode ser depreendida das seguintes passagens das cartas deuteropaulinas: Ef 2,5-6; Cl 1,13; 3,1,
[8] Ensinamento traduz o termo grego didaskalía, que faz parte do vocabulário típico das cartas pastorais. Das 21 ocorrências desse termo no Novo Testamento, 15 encontram-se nestas cartas: 8 em 1Tm (1,10; 4,16.13.16; 5,17; 6,1.3), 3 em 2Tm (3,10.16; 4,3) e 4 em Tt (1,9; 2,1.7.10). Por sua vez, o termo didáskalos, mestre, ocorre 3 vezes nas cartas pastorais, uma vez referindo-se aos falsos mestres (2Tm 4,3) e duas referindo-se a Paulo (1Tm 2,7; 2Tm 1,11).
[9] Sobre os argumentos que embasam a conclusão a favor da pseudoepigrafia das cartas pastorais, pode-se ver, com maior riqueza de detalhes, as apresentações de Kümmel (1982, p. 485-503); Fabris (1992, p. 215-223) e Iovino (2005, p. 23-28).
[10] Em um passado não muito distante, Jeremias (1973, p. 16-25) também se posicionava a favor da autoria paulina das pastorais, muito embora, em seu tempo, os argumentos contrários já fossem amplamente debatidos. Seu comentário em alemão é de 1936. Em época mais recente, entre aqueles que ainda contam as cartas pastorais como cartas escritas pelo próprio Paulo, também está Méhat, que elenca os argumentos contra a autenticidade da autoria paulina das pastorais, reconhece o peso desses argumentos, mas termina por afirmar que o argumento principal “em favor da autenticidade é a antiguidade dos testemunhos e a unanimidade da tradição” (2013, p. 1039). Na antiguidade, o único a rejeitar as cartas pastorais foi o controverso Marcião (GONZAGA, 2017, p. 24).
[11] Com relação às introduções às cartas pastorais nas edições da Bíblia, disponíveis ao leitor comum, nota-se uma mudança de posição na Bíblia de Jerusalém. Na primeira edição, a autoria de Paulo dessas cartas era afirmada e os argumentos contrários a tal atribuição eram refutados (BÍBLIA, 1979, p. 403-405). Na segunda edição, argumentos a favor e contra a autoria de Paulo são apresentados, sem que posição alguma seja tomada, chegando a ser sugerido que a Segunda Carta a Timóteo devesse ter tomada separadamente no tocante a essa questão; nem aqui, no entanto, conclusão alguma é apresentada (BÍBLIA, 2002, p. 1963-1964).
[12] A expressão cartas paulinas é utilizada neste texto em sentido global, abrangendo as treze cartas, de Romanos a Filêmon, em que Paulo aparece como emissário, sem um pré-julgamento se se trata de uma carta propriamente ou predominantemente da autoria de Paulo. Nesse sentido, a expressão cartas paulinas corresponde à expressão corpus paulino. No interior desse corpus, distinguem-se, acompanhando Vouga (2015, p. 185-186), as cartas protopaulinas, as deuteropaulinas e as tritopaulinas, superando, assim, a linguagem que se exprimia em termos de cartas autênticas e não autênticas, dada a ambiguidade que traz consigo ao sugerir a ideia de falsidade.
[13] Para Iovino (2005, p. 180-181), não é necessário desconsiderar sistematicamente a veracidade histórica da informação sobre a mãe e a avó de Timóteo, ainda que se tenha a Carta como pseudoepigráfica.
[14] No texto grego de 2Tm 3,2, está a palavra ántrōpoi, nominativo plural de ántrōpos, que pode significar homem, no sentido de pessoa do sexo masculino, mas cujo significado básico é homem, isto é, relativo ao gênero humano sem especificação de sexo. Por esse motivo, optou-se por referir-se a pessoas, sem especificar se esses tais de comportamento moralmente reprovável sejam homens ou mulheres, muito embora reconhecendo-se que, possivelmente, sejam pessoas do sexo masculino.
[15] A região do Ponto fica no Norte da atual Turquia, às margens do mar Negro. Seu nome significa águia. Prisca é nome de origem latina e significa anciã. Priscila é o diminutivo de Prisca (BORN; MERCIER, 2013, p. 1093). Não há informação quanto a sua origem. Seria ela do Ponto, como seu esposo, ou seria de Roma, onde moravam antes de partirem para Corinto?
[16] A hipótese de um acréscimo é apresentada por Kümmel (1982, p. 413-416), que, no entanto, não se alinha a ela. Como Priscila e Áquila tinham ficado em Éfeso, de acordo com At 18,18-19, levantou-se a possibilidade de que Rm 16,3-16 fosse, originalmente, parte de uma carta enviada à igreja em Éfeso.
[17] Em seu comentário a Romanos, Barbaglio (1991, p. 347) afirma que não é impossível que, no tempo em que a Carta foi escrita, eles já tivessem retornado a Roma, uma vez que Nero tinha revogado o edito de Cláudio que determinara a expulsão dos judeus da cidade.
[18] Em 2Pd 1,20-21, lê-se: “Antes de tudo, deveis saber que nenhuma profecia da Escritura é matéria de interpretação pessoal. De fato, jamais uma profecia foi movida por vontade humana, mas alguns homens, movidos pelo Espírito Santo, falaram da parte de Deus.” Enquanto em 2Tm 3,14-17 o acento da inspiração é posto no resultado, na Escritura produzida; em 2Pd 1,19-21, o acento é posto no processo, nas pessoas movidas pelo Espírito Santo. Para um aprofundamento da questão, ainda é válida o clássico de V. Mannucci. Bíblia, palavra de Deus. São Paulo: Paulus, 1985 (4ª ed. de 2008); p. 144-150.
[19] Nas saudações finais da Carta aos Colossenses, há uma saudação a “Ninfa” e à “igreja que se reúne em sua casa” (Cl 4,15). Não é possível afirmar com certeza se Ninfa é nome de um homem ou de uma mulher. Tal incerteza não é de agora é já aparece refletida nos testemunhos textuais antigos que, para a forma do pronome possessivo em “sua casa”, apresentam tanto a leitura autḗs (feminino) quanto autoú (masculino), entre as principais variações. O Comitê Editorial de O Novo Testamento grego (2009) preferiu a forma com o feminino, atribuindo-lhe conceito {C}, pouca certeza quanto a qual variante iria para o texto. Pode-se também conferir a esse respeito as observações de Metzger (1994, p. 560).
[20] A palavra ordem aqui não remete ao sacramento da Ordem, mas é usada para chamar a atenção de que o texto se refere a algo mais do que a apenas a um “grupo de viúvas”. Pode-se, inclusive, ver, nessa passagem, algo de embrionário das ordens e congregações religiosas e dos institutos e irmandades de vida consagrada.