Resenha

XAVIER, Donizete. Teologia Fundamental. Coleção Iniciação à Teologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2021

José Aguiar Nobre
Pós-doutorado em Filosofia (UFPR); Pós-doutorado em Educação (PUC-Campinas). Doutor em Teologia Sistemático-Pastoral, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2017). Doutorando em Filosofia (UFPR). Mestre em Educação, pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2012). Bacharel em Filosofia, pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2002).

Gilberto Dias Nunes
Doutorando em Ciência da Religião pela PUC/SP. Especialista em Psicanálise, pelo Núcleo de Estudos da Mente, NEM (2017). Bacharel em Filosofia, pela PUC-Campinas (1999).


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Quem pensa que os tempos freiam a Teologia, tem a oportunidade de uma leitura impressionante que acaba de chegar e perceber que, graças ao Espírito Santo de Deus sempre atuante, a reflexão teológica não para. Na presente resenha tratamos de uma obra que faz jus à disciplina Teologia Fundamental, na sua tarefa de evidenciar o ser humano como alguém que se comunica com Deus e que traz, em si, a vocação mais genuína que é comunicar Deus. Alguns o fazem conscientemente, outros, em sintonia com o que Karl Rahner chama de cristãos anônimos. Isso é possível perceber mediante a fé teologizada, pelo simples fato de as pessoas investirem todas as suas forças no impulso criativo para fazer o bem, evidenciando a graça divina tocando a história. Em meio à pandemia do covid-19, por exemplo, exatamente quando esta obra vem à tona, existem inúmeras pessoas colocando os seus dons para aliviar sofrimentos e possibilitarem a garantia da vida digna para todos. Este é o ponto de onde a teologia consegue visualizar e orienta os seres humanos a também perceberem a realidade com um olhar transponível, místico. Olhar que é próprio de filhos no Filho.

É nesse sentido que vem a indagação: como a teologia poderá ser relevante para todos os tempos e lugares? É tarefa genuína da Teologia Fundamental dar razões do seu crer (1Pd 3,15). Como as pessoas podem compreender as experiências salvíficas e traduzi-las em linguagens que possam ser inteligíveis para a sociedade hodierna? Como perceber Deus presente na história mesmo em meio a tanto desastre? Que elementos podem facilitar a sua compreensão? É nesse sentido que a Teologia Fundamental recorre à categoria hermenêutica, mediante a qual está apta a possibilitar ao crente perceber a revelação divina tocar a história por meio da mão humana. Sabemos que a experiência de Deus é sempre contextualizada, tematizada, histórica, uma vez que ela se efetiva pela realização humana trilhando a sinuosidade da história. É então que o papel da Teologia Fundamental se torna tão relevante, a fim de que muitos desserviços -, frutos dos inúmeros fanatismos político-religiosos - sejam combatidos. De modo que, graças a uma consciência cristã evidenciada nas experiências humanas e humanizante de participação na vida de Deus, a existência é sempre ressignificada e a vida ganha sentido renovado. Esse movimento que nasce de uma fé inteligível e consciente gera corresponsabilidade na efetivação do Reino bem como na realização humana.  Este Mistério se efetiva quando percebemos Deus como um aliado da sua criação. Assim, a importância de uma demorada leitura da presente obra poderá favorecer grandemente um sincero diálogo com as Escrituras, com a Tradição teológica e com o Magistério da Igreja, fontes essenciais para o exercício de uma boa Teologia Fundamental. 

A fim de contribuir com uma melhor e consistente formação humana integral é que a presente obra deverá ser lida, entendida, criticada e aprofundada. Em face disso, podemos indagar novamente: como a Teologia Fundamental poderá trazer uma contribuição para os tempos hodiernos? Para responder a esta e às demais questões, o presente escrito apresenta uma obra deslumbrante que acaba de ser publicada. Trata-se do livro intitulado Teologia Fundamental, publicada pela Editora Vozes.  É um livro que tem um caráter introdutório, apesar de sua densidade e grandeza. Dizemos que tem um caráter introdutório simplesmente por estar inserida numa coleção intitulada Iniciação à Teologia, mas que tem uma grande relevância para os tempos hodiernos, não somente por ser redigido por um exímio e jovem teólogo, possuidor de um currículo admirável, mas pelo seu próprio labor testemunha, evidenciado no pleno exercício do magistério, como professor de teologia e vice-diretor da Faculdade de Teologia (PUC-SP), além de pároco e assessor teológico. De maneira formal, é de bom alvitre apresentar o autor, Padre Donizete José Xavier é doutor em Teologia Fundamental pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Diretor-adjunto da Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor permanente do Programa de Estudos Pós-Graduados em Teologia (PUC-SP). Líder do Grupo de Pesquisa “A questão de Deus”. Pároco da Paróquia Santa Maria Madalena e São Miguel Arcanjo na Arquidiocese de São Paulo – Região Episcopal Sé.

Estruturado em duas partes, a obra traz uma clara proposta de trabalho que consiste em apresentar uma fenomenologia da revelação divina e demonstrar a linguagem como a sua mediação. É uma espécie de Teologia Fundamental I, procurando deixar claro que a revelação é o núcleo irredutível dessa teologia. A proposta que segue, toca em apenas um dos capítulos da Teologia Fundamental, apesar de sua reflexão ser fecunda e interagir com os mais variados temas existenciais. Trata-se de uma disciplina de fronteira com janela aberta para uma interlocução com variados temas da contemporaneidade. De modo que faz interlocução e dialoga com os mais variados parceiros externos: Igreja, religiões, culturas e ciências. Sendo assim, como uma espécie de preparatio revelationis, assumida como horizonte, sobretudo estabelecendo um diálogo com a filosofia. Observa-se que o autor se apropria da ideia de que a credibilidade da revelação se relaciona com as instâncias culturais e filosóficas do próprio tempo de modo que seus interlocutores refletem a partir do evento Jesus de Nazaré, o Filho Revelador do Pai, por excelência. 

O professor Donizete procura destacar que, na história moderna da Teologia Fundamental, a temática da credibilidade da fé cristã foi desenvolvida com propriedade por Renè Lautorelle e hoje encontra ecos e impulsos profundos no pensamento de Rino Fisichella e Piè-Ninot. Utilizando-se de uma metodologia clara e linguagem de última grandeza o autor, sistematicamente, procura uma proximidade com um grande público, atingindo várias modalidades de leitores, de modo que não é uma obra exclusiva para estudantes de teologia. Essa aproximação possibilita apresentar uma Teologia Fundamental que olha para frente, que dialoga sem medo e com consciência viva de sua identidade e de sua missão. Observa-se que parte do que o professor Donizete Xavier escreve na obra encontra-se também nos manuais de Rino Fisichella além de Pie-Ninot. Esse último foi seu professor na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma de modo que é possível perceber que muito do que o autor apresenta na estrutura do livro, denota seguir os esquemas de pensamento de Pie-Ninot, que é uma grande referência no assunto. 

Segundo o professor Donizete, “pensar a revelação de Deus no horizonte da linguagem pressupõe um estudo dinâmico que integre na busca de nova razão teológica as realidades utilizadas por Deus como instrumentos de manifestação de seu amor e de sua misericórdia”. No contato com a obra Teologia Fundamental, é possível perceber que, movido não somente pelas capacidades intelectuais, mas acima de tudo pela categoria do testemunho, ao se utilizar de uma linguagem direta e profunda, o autor acaba evidenciando a sua facilidade de manejo dos conceitos teológicos em interlocução com as ciências humanas, para tecer uma escrita acessível e técnica. Ele evidencia, com clareza, como a teologia possibilitou-lhe não somente uma capacidade de comunicar a revelação e Deus presente na história, como também possibilita ao leitor hodierno um crível e oportuno abrir de vários horizontes educativos na fé, de modo que se trata de uma obra criativa e de liberdades mistagógicas. 

Na presente obra, à luz da fé, é possível perceber a importância da Teologia Fundamental para que seja possível uma apurada e fiel leitura da realidade que nos cerca. De modo que, efetivamente, em épocas não muito fáceis, como os tempos de crises - e hoje já com as consequências que advêm da covid-19 -, mediante a sagacidade do pensamento teológico, é possível encontrarmos luzes para quebrar paradigmas, “driblar” as criatividades selvagens que surgem na eclesiologia hodierna, principalmente nas solenidades e festas religiosas, aonde, devido à carência de uma honesta e profunda Teologia Fundamental, muitos exageros são praticados. Sendo assim, em face aos riscos de cairmos no vazio da fé e mesmo no ridículo, é que a presente obra de Teologia Fundamental se faz tão necessária. Indubitavelmente, a obra tem um rico potencial que está a oferecer uma formação humano-religiosa de qualidade aos seus alunos de teologia bem como ao público em geral, que busca uma segura reflexão teológica. Não há dúvidas de que a presente obra subsidiará na formação de uma geração de futuros teólogos, em cuja quantidade de estudantes que à sua leitura se dedicar, será capaz de “fincar os pés” com firmeza no “chão” da reflexão teológica. 

A divisão da obra em duas partes ficou assim estruturada:

Na parte I com sete capítulos: histórico da teologia fundamental; o acesso do ser humano à revelação; o Mistério infalível; perspectiva filosófico-exegética; a Constituição Dogmática Dei Verbum; Mudança de perspectiva e algumas analogias significativas para a Teologia Fundamental. A parte II também contém sete capítulos assim distribuídos: Teologia Fundamental e a linguística cognitiva; a importância da hermenêutica para a Teologia Fundamental; o conceito de revelação em Paul Ricoeur; o resgate da importância do conceito de testemunho; a teologia do martírio e seu lugar na Teologia Fundamental; Francisco, o papa da Teologia Fundamental e o problema do mal na reflexão da Teologia Fundamental. Pela extensão e riqueza de cada capítulo torna-se impraticável trazer aqui mesmo que pequena, uma reflexão sobre cada um deles; então, optamos por ressaltar que na primeira parte o autor traz uma certa vertente da fundamentação que circunscreve à dimensão conceitual da Teologia Fundamental e, na segunda parte, aponta para uma interlocução com temas afins com a práxis cristã como é a questão da categoria testemunhal, o martírio, o mal e a própria referência ao papa Francisco com toda a sua “virada copernicana” na vida da Igreja na contemporaneidade.

O livro é de uma atualidade evidente e, visto no seu conjunto, percebe-se que o autor almeja que os seres humanos hodiernos sejam capazes de um olhar atencioso para a questão de Deus que sofre por amor. A esse respeito, assim é possível ler textualmente: “a fé em um Deus que sofre por amor oferece uma saída à problemática enclaustrada da teodiceia. Nesse sentido, mais do que falar do sofrimento de Deus, talvez seja necessário um deslocamento no pensar teológico para a ideia do ‘sofrimento em Deus’. Pois o sofrimento em Deus não é da ordem da passividade como o é nas criaturas, mas sim um ato livre de amor”. Oxalá a riqueza deste fragmento deva remeter os leitores deste texto à leitura completa da obra ora resenhada.

Em suma, como as narrativas são bastante fascinantes, e por que não dizer, apaixonantes e admiráveis, um destaque para a interlocução entre teologia e filosofia, talhadas pela hermenêutica, é dada, ao livro Teologia Fundamental do professor Donizete. A obra em questão aponta que, assim como o autor se deixou encantar pela busca da verdade da fé e da liberdade de um pensar Deus de modo coeso e teologal, oxalá a sua leitura também inspire os estudiosos de hoje, para uma abertura e apreço pelo conhecimento teológico, a fim de que ele seja contínuo na história da salvação.