A URGÊNCIA DE UMA ANTROPOLOGIA SEXUAL PERSONALISTA: a dificuldade de incorporação do princípio conciliar na antropologia sexual católica
THE URGENT OF A PERSONALIST SEXUAL ANTHROPOLOGY: the difficulty of incorporating the conciliar principle in catholic sexual anthropoly

Ronaldo Zacharias
Pós-Doutorado em Democracia e Direitos Humanos (Ius Gentium Conimbrigae - Universidade de Coimbra - Portugal), é Doutor em Teologia Moral (Weston Jesuit School of Theology - Cambridge/USA), Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Educação em Sexualidade (Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL) e Secretário da Sociedade Brasileira de Teologia Moral (SBTM).


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RESUMO: 

Partindo do pressuposto de que o Concílio Vaticano II abriu uma era importante para a compreensão e enfoque da sexualidade por parte da Igreja, no presente artigo aborda-se a tentativa feita pelo Magistério de estender a perspectiva personalista promovida pelo Concílio a questões referentes à sexualidade, especialmente fora do contexto matrimonial. Servindo-se de uma leitura crítica sobre alguns elementos que comprometeram e continuam comprometendo o êxito do Magistério nessa tentativa, são evidenciadas as razões pelas quais assumir o princípio personalista do Concílio na antropologia sexual católica ainda se impõe como tarefa.

PALAVRAS-CHAVE: Concílio Vaticano II – Sexualidade – Magistério – Moral Sexual. 

ABSTRACT: 

Assuming that the Second Vatican Council opened an important era for the Church's understanding and focus on sexuality, this article addresses the attempt made by the Magisterium to extend the personalist perspective promoted by the Council to issues related to sexuality, especially outside the matrimonial context. Using a critical reading of some elements that compromised and continue to compromise the Magisterium's success in this attempt, the reasons why accepting the Council's personalist principle in Catholic sexual anthropology is still imposed as a task.

KEYWORDS: Second Vatican Council – Sexuality – Magisterium – Sexual Moral.


Introdução

Distantes há meio século do Concílio Vaticano II, pode ser difícil compreender a profundidade das afirmações feitas por dois grandes estudiosos da teologia moral católica. Para Charles Curran, “a realidade eclesial mais significativa que afetou profundamente a teologia moral e a vida toda da Igreja Católica foi o Concílio Vaticano II (1962-1965)” (CURRAN, 1999, p. 15). A partir do Concílio, a Teologia Moral deverá articular-se com a renovação dos demais campos da Teologia, a dialogar com as ciências e a abrir-se às transformações socioculturais. Caminhar com a humanidade e participar das suas alegrias e esperanças, dores e sofrimentos será fator determinante para o repensamento da moral católica (FABRI DOS ANJOS, 2004, p. 389-404; McCORMICK, 2006, p. 3-24). 

Anthony Kosnik, por sua vez, não hesitou em afirmar que “com o Vaticano II abriu-se uma nova era na compreensão e enfoque da sexualidade por parte da Igreja” (KOSNIK, 1982, p. 70). Para ele, isso se deve ao fato de o Concílio ter introduzido “uma nova valorização da dimensão pessoal da sexualidade humana e um novo princípio para integrar as finalidades procriativa e unitiva da sexualidade no matrimônio” (KOSNIK, 1982, p. 70). Tais conquistas contribuíram, efetivamente, para que a moral católica reexaminasse suas mediações hermenêuticas e desse um passo significativo no reconhecimento da complexidade e pluralidade tanto da doutrina sobre sexualidade quanto do juízo moral sobre a vivência sexual dos fiéis.

A reflexão que segue, num primeiro momento, destacará a importância do Concílio Vaticano II para uma nova compreensão da Igreja sobre sexualidade. Em seguida, ela se deterá sobre a tentativa feita pelo Magistério da Igreja de estender a perspectiva personalista promovida pelo Concílio a questões referentes à sexualidade, especialmente fora do contexto matrimonial. E, por fim, proporá uma leitura crítica sobre alguns elementos que comprometeram e continuam a comprometer o êxito do Magistério nessa tentativa, evidenciando as razões pelas quais assumir o princípio personalista do Concílio na antropologia sexual católica ainda se impõe como tarefa.

1. Vaticano II: uma nova abordagem da sexualidade

A contribuição do Concílio quanto ao novo enfoque dado à sexualidade está expressa no capítulo sobre a promoção da dignidade do matrimônio e da família da Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo de Hoje, Gaudium et Spes (GS; COMPÊNDIO DO VATICANO II. Gaudium et Spes, 2015, n. 47-52). Kosnik sintetiza-a de forma clara e precisa: o Concílio “rejeita a primazia dos aspectos procriativos sobre os aspectos unitivos da sexualidade, insistindo sobre sua adequada harmonia e integração [GS 51]. Sugere, com razão, que a pessoa humana é o centro integrador desses diversos valores característicos e reconhece explicitamente os valores pessoais [GS 51] e interpessoais que estão no cerne da sexualidade humana. Chama a atenção para a qualidade humana das expressões da sexualidade e como essas devem contribuir para o crescimento e desenvolvimento da pessoa [GS 49]. Reflete uma aguda sensibilidade para as dimensões sociais e comunitárias da sexualidade humana e do matrimônio [GS 47 e 50]. Por fim, ao reconhecer o Criador como fonte e cume da sexualidade humana santificada de modo especial na união sacramental que é o matrimônio, traz uma perspectiva transcendente a uma realidade que com demasiada frequência é considerada dum ponto de vista limitado e temporal [GS 48]” (KOSNIK, 1982, p. 70; GENOVESI, 2008, p. 186-188). 

O Concílio deixa claro que o aspecto moral de todo procedimento orientado a harmonizar o amor conjugal, com a transmissão responsável da vida, deve ser determinado “segundo critérios objetivos tirados da natureza da pessoa e de seus atos” (GS 51) e que é somente por meio da virtude da castidade conjugal que se pode “preservar o sentido integral da doação mútua e da procriação humana no contexto do verdadeiro amor” (GS 51). Vale notar ainda que, embora a Gaudium et Spes tenha aberto uma nova era a respeito da compreensão da Igreja sobre sexualidade, seu foco não era a sexualidade como tal, mas o matrimônio. É dentro da doutrina do matrimônio que se podem encontrar orientações a respeito da sexualidade e esse é um ponto-        -chave para o entendimento da visão católica sobre o tema. Será somente no ensino da Igreja pós-Vaticano II que as intuições básicas do Concílio serão estendidas a outras áreas da sexualidade humana.   

2. Humanae Vitae

Antes de tomarmos em consideração os documentos pontifícios pós-conciliares específicos sobre sexualidade, convém que consideremos alguns elementos de um dos documentos eclesiais mais controversos após o Concílio Vaticano II: a Carta Encíclica de Paulo VI sobre a regulação da natalidade, Humanae Vitae (HV) (PAULO VI, 2011). Além do fato de a doutrina apresentada por Paulo VI ter influenciado profundamente o ensino da Igreja sobre sexualidade, João Paulo II tornou-se um dos principais defensores da opção feita por Paulo VI. 

Refiro-me, aqui, aos elementos da Encíclica que julgo imprescindíveis para a compreensão do magistério pontifício posterior: o matrimônio, instituído pelo Criador, implica “doação pessoal recíproca”, “própria e exclusiva” dos esposos “em vista de um aperfeiçoamento mútuo pessoal, para colaborarem com Deus na geração e educação de novas vidas” (HV 8). O amor, razão da união conjugal, deve ser “plenamente humano”, “total”, “fiel e exclusivo” e “fecundo” (HV 9) e, como um ato da vontade, além de não poder admitir reservas, implica o compromisso perene do vínculo e abre-se à geração de novas vidas. Cabe ao casal a deliberação de fazer crescer uma família ou evitar um novo nascimento, respeitando as leis biológicas descobertas pela inteligência, dominando, por meio da razão e da vontade, as tendências do instinto e das paixões e assumindo a tarefa de ser intérprete fiel da ordem moral estabelecida por Deus, “expressa na própria natureza do matrimônio e dos seus atos e manifestada pelo ensino constante da Igreja” (HV 10). Os atos conjugais são honestos, dignos e legítimos, mesmo se infecundos, “pois permanecem destinados a exprimir e a consolidar” a união dos esposos, embora faça parte do ensinamento do Magistério “que qualquer ato matrimonial (quilibet matrimonii usus) deva permanecer aberto à transmissão da vida” (HV 11). Existe uma inseparabilidade – querida por Deus e que ninguém pode alterar – entre os significados unitivo e procriador do ato conjugal, pois, “pela sua estrutura íntima, o ato conjugal, ao mesmo tempo que une profundamente os esposos, torna-os aptos para a geração de novas vidas, segundo leis inscritas no próprio ser do homem e da mulher” (HV 12). O respeito às leis do processo generativo implica o reconhecimento de não se considerar árbitro das fontes da vida humana, “mas tão-somente administradores dos desígnios estabelecidos pelo Criador” (HV 13). A renúncia ao uso do matrimônio nos períodos fecundos é uma questão de autocontrole – implica capacidade de “dominar as energias proporcionadas pela natureza irracional e orientá-las para um fim conforme com o bem do homem” –, e uma questão de respeito à “ordem estabelecida por Deus” (HV 16). Razão, vontade e ascese são meios para se dominar o instinto e favorecer que “as manifestações afetivas da vida conjugal sejam conformes com a ordem reta” (HV 21).

Seria muito proveitoso se pudéssemos fazer, aqui, um estudo mais aprofundado da Humanae Vitae, mas isso nos distanciaria do objetivo proposto por esta reflexão (GERARDI, 2018). Vale, contudo, ter presente que Paulo VI, embora se mantendo fiel à tradição para a qual “o ato conjugal só pode ser livre de pecado se realmente buscar a transmissão da vida”, ele “se diferencia dela ao reconhecer que a malícia não está tanto na recusa de gerar novas vidas, mas em intercursos sexuais que não respeitam as leis da natureza e a incidência da fertilidade” (ZACHARIAS, 2018, p. 271). João Paulo II não medirá esforços para deixar claro que a doutrina da Humanae Vitae deve ser normativa para o exercício da sexualidade (JOÃO PAULO II, 1987, n. 32 e 34).

3. Documentos pontifícios pós-conciliares sobre sexualidade

São muitas as publicações pontifícias em que há referências explícitas à sexualidade. Aqui vou me ater àquelas específicas sobre o tema. Acredito que a compreensão não resultará comprometida, porque o critério da continuidade histórica do ensinamento se impôs historicamente.

3.1 Persona humana

A Declaração Sobre alguns pontos de Ética Sexual (Persona Humana – PH; CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, 2011, p. 112-124), publicada pela Congregação para a Doutrina da Fé, em dezembro de 1975, não teve a pretensão de abranger todo o ensino da Igreja sobre sexualidade, mas “recordar” (PH 6) e “reafirmar” (PH 13) o seu “ensinamento constante” (PH 8) sobre o assunto,[1] opondo-se a opiniões errôneas e a desordens morais difundidas na época (PH 6). A recordação-reafirmação da doutrina constante da Igreja – e, consequentemente, das normas que dela derivam – está fundada na convicção de que há “princípios e normas que, sem hesitações, a Igreja tem transmitido no seu ensinamento” (PH 5). Não importam as mudanças culturais; esses princípios e normas são absolutos e imutáveis (PH 4) porque inscritos na própria natureza humana, afetando, portanto, o pleno desenvolvimento e a santificação da pessoa. Sendo “coluna e fundamento da verdade” (1Tm 3,15), a Igreja é a única autoridade que pode autenticamente interpretá-los (PH 4).

Em síntese, alguns elementos essenciais da Declaração: a natureza e o significado da sexualidade humana expressam a sua finalidade em termos de sua radical importância para o desenvolvimento da pessoa e sua integração na comunidade humana (1). O verdadeiro sentido da sexualidade reside na Revelação e na ordem essencial da natureza – na qual há princípios imutáveis e normas absolutas que não podem ser alteradas por circunstâncias históricas nem culturais – e, portanto, só existe promoção da dignidade humana se a ordem essencial da sua natureza for respeitada (PH 3 e 4), assim como só existe bondade moral do ato sexual se a sua finalidade também for respeitada (PH 5). É apenas no matrimônio legítimo, isto é, numa comunidade definitiva de vida entre um homem e uma mulher, que o uso da função sexual tem o seu verdadeiro sentido e a sua retidão moral (PH 5 e 7). Consequentemente, relações sexuais pré-matrimoniais, relações entre pessoas do mesmo sexo e prática da masturbação são atos privados de sua finalidade e, por isso, considerados intrinsecamente desordenados segundo a ordem moral objetiva, sejam quais forem os motivos de tais práticas (PH 9). As faltas de ordem sexual são objetivamente graves, mesmo que a pessoa em questão não seja sempre subjetivamente responsável por elas (PH 10). Maior atenção é dada aos elementos subjetivos no julgamento pastoral: a solicitude pastoral deverá ser compreensiva e prudente (PH 10). Embora a Declaração não feche as portas ao aprofundamento da doutrina – pois admite que, ao instruir os fiéis na doutrina moral que se refere à sexualidade, é preciso ter presente que essa “doutrina tradicional terá de ser aprofundada, expressa de maneira apta, para esclarecer as consciências perante as novas situações criadas e enriquecidas com discernimento por aquilo que pode ser dito de verdadeiro e de útil sobre o sentido e o valor da sexualidade humana” (PH 13) –, ela deixa claro que os princípios e as normas de vida moral reafirmados por ela deverão “ser fielmente mantidos e ensinados” (PH 13).

3.2 Orientações educativas sobre o amor humano

Em 1.º de novembro de 1983, a Congregação para a Educação Católica, contribuindo para a aplicação das declarações conciliares, publicou um documento intitulado Orientações Educativas sobre o Amor Humano. Linhas gerais para uma educação sexual (OEAH), destinado aos educadores católicos (CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA, 1984). No documento propõe-se “examinar o aspecto pedagógico da educação sexual e indicar algumas orientações para a educação integral do cristão, segundo a vocação de cada um” (OEAH 2). Embora assegure que seu ensino pressupõe os princípios doutrinais e as normas morais relativos à sexualidade tais como propostos pelo Magistério da Igreja (OEAH 2), o documento representa um significativo progresso na compreensão da sexualidade. A sexualidade é assumida como dimensão constitutiva da pessoa: “é uma componente fundamental da personalidade, um modo de ser, de se manifestar, de comunicar com os outros, de sentir, de expressar e de viver o amor humano. Ela é, portanto, parte integrante do desenvolvimento da personalidade e do seu processo educativo” (OEAH 4); “caracteriza o homem e a mulher não somente no plano físico, como também no psicológico e espiritual, marcando toda a sua expressão” (OEAH 5). O amor é o princípio humanizador da sexualidade, a qual, para adquirir qualidade verdadeiramente humana, deve ser “orientada, elevada e integrada” por ele (OEAH 6). Como “riqueza de toda a pessoa,” a sexualidade “manifesta o seu íntimo significado ao levar a pessoa para o dom de si no amor” (OEAH 16). Por isso, o exercício da genitalidade não deve nunca ser divorciado do contexto do dom recíproco que se realiza na comunhão de amor dos cônjuges (OEAH 5). Amor e fecundidade são significados intrínsecos da sexualidade, significados “que se incluem e reclamam mutuamente e não podem portanto ser considerados nem alternativos, nem opostos” (OEAH 32). 

Criados à imagem e semelhança de Deus, “o homem e a mulher constituem dois modos segundo os quais a criatura humana realiza uma determinada participação do Ser Divino” (OEAH 26). A diversidade sexual existente entre homem e mulher visa à complementaridade de ambos numa relação de alteridade que implica reciprocidade de amor (OEAH 5 e 25). A pessoa humana expressa-se por meio de um corpo sexuado; por isso a corporeidade torna-se “o modo específico de existir e de operar próprio do espírito humano” e constitui a “primeira mensagem de Deus” para o homem e a mulher, como se fosse “uma espécie de 'primordial sacramento'” (OEAH 22), contribuindo “a revelar Deus e o seu amor criador, enquanto manifesta a criaturalidade do homem, a sua dependência de um dom fundamental, que é o dom de amor” (OEAH 23). Esse corpo sexuado “exprime a vocação do homem à reciprocidade, isto é, ao amor e ao mútuo dom de si e reclama o homem e a mulher à sua constitutiva vocação à fecundidade, como um dos significados fundamentais do seu ser sexuado” (OEAH 24). 

Jesus Cristo enriqueceu a vocação para o amor com o sacramento do matrimônio e com o chamado para a virgindade por amor do Reino. Ambos, matrimônio e virgindade, são vocações que se comprometem a realizar o dinamismo inerente à sexualidade, o dinamismo da autodoação, da abertura para os outros (OEAH 30 e 31). O domínio de si – entendido como capacidade de orientar o instinto sexual ao serviço do amor e de integrá-lo no desenvolvimento da pessoa – caracteriza a virtude da castidade à qual todos são chamados, virtude que é fruto, sim, da graça de Deus e do esforço pessoal de cada um (OEAH 18). 

3.3 A verdade e o significado da sexualidade humana

O documento Sexualidade Humana, verdade e significado. Orientações educativas em família (SHVS) foi publicado pelo Conselho Pontifício para a Família em dezembro de 1995 (CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A FAMÍLIA, 2002), para oferecer aos pais algumas orientações para a educação sexual no seio da família. O Conselho Pontifício – reconhecendo que uma das dificuldades dos pais para uma adequada preparação dos filhos para a vida adulta está na educação para o verdadeiro significado da sexualidade – tira “da sabedoria que provém da Palavra do Senhor e dos valores que iluminam o ensino da Igreja”, algumas orientações pastorais com o intuito de ajudar os pais, e liga-as “com o conteúdo fundamental relativo à verdade e ao significado do sexo, no quadro de uma antropologia genuína e rica” (SHVS 2).                                                                                                 

São dois os fundamentos da antropologia teológica do Documento: o homem e a mulher foram criados para o amor; todos são chamados à castidade. Ao criar o ser humano à sua imagem, o Deus Trindade – cuja essência é ser comunhão de amor – “inscreve na humanidade do homem e da mulher a vocação e, assim, a capacidade e a responsabilidade do amor e da comunhão. O amor é, portanto, a fundamental e originária vocação do ser humano” (SHVS 8), vocação esta realizada tanto por meio do amor conjugal quanto do amor virginal (SHVS 16), pois ambos os estados de vida encontram seu sentido na doação de si (SHVS 12). Essa vocação ao amor implica a capacidade e a responsabilidade de o homem e a mulher amarem e viverem em comunhão, isto é, na doação recíproca (SHVS 9). A capacidade de amar e dar-se ao outro encarna-se no caráter esponsal do corpo: o homem torna-se um dom para a mulher e vice-versa e, mediante esse dom, a pessoa “realiza o próprio sentido do seu ser e existir” (SHVS 10 e 12). O fato de a pessoa amar na sua “totalidade unificada” (SHVS 13) faz com que a sexualidade humana se converta num dom, na medida em que é um “modo de se relacionar e se abrir aos outros”, tem “como fim intrínseco o amor, mais precisamente o amor como doação e acolhimento, como dar e receber” (SHVS 11). O homem e a mulher dão-se totalmente um ao outro até a morte, e abrem-se para o dom pelo qual se tornam cooperadores com Deus ao dar vida a uma nova pessoa humana. Somente como parte integral desse amor é que a doação sexual se realiza verdadeiramente. Por isso, “a este amor conjugal, e somente a este, pertence a doação sexual” (SHVS 14). Doar-se totalmente ao outro só é possível para quem é senhor de si mesmo, pois doação exige autodomínio, ao qual se chega pela “disciplina dos sentimentos, das paixões e dos afetos” (SHVS 16). Esse é o sentido da castidade (SHVS 18), virtude à qual cada um é chamado a viver conforme o próprio estado de vida. O amor é interpelado a ser amor de benevolência, que comporta o acolhimento da pessoa amada e considera o seu bem como próprio (SHVS 53); por isso a educação para o amor implica educação para a autodoação que, por sua vez, requer respeito, altruísmo e serviço, virtudes que pressupõem domínio de si, chave da educação na castidade. 

4. João Paulo II: uma poderosa influência na noção católica de sexualidade

No período pós-conciliar, tivemos outros documentos pontifícios explícitos sobre questões sexuais, mais especificamente sobre a questão homossexual, que vale a pena serem nomeados aqui.[2] Não me referirei explicitamente a eles por causa da especificidade do tema de cada um. Vale notar, ainda, que, em 11 de outubro de 1992, foi publicado o Catecismo da Igreja Católica (CIgC; CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 2017), redigido depois do Concílio Vaticano II. Para João Paulo II, “depois de sua conclusão, o Concílio não deixou de inspirar a vida da Igreja” (JOÃO PAULO II, 1992, p. 8). Objetivando sintetizar a doutrina da Igreja em matéria de fé e de moral, o Catecismo refere-se à sexualidade ao abordar, na Terceira Parte, o agir cristão, exposto a partir dos Mandamentos (CIgC 2331-2391). Embora não seja um texto específico sobre sexualidade, o Catecismo sintetiza aspectos importantes dos vários documentos pontifícios sobre o tema, publicados até 1992. Talvez pelo seu caráter de “instrumento válido e legítimo a serviço da comunhão eclesial e como uma norma segura para o ensino da fé” (JOÃO PAULO II, 1992, p. 11), o Catecismo acabou mais conhecido e, consequentemente, mais citado do que todos os demais documentos juntos.

No entanto foram as catequeses de João Paulo II sobre o amor humano – realizadas durante as Audiências Gerais das quartas-feiras, em Roma, de 5 de setembro de 1979 a 28 de novembro de 1984 – que influenciaram todo o ensino católico sobre sexualidade na década de 1980 (JOÃO PAULO II, 2005).[3] Vale a pena, aqui, ao menos elencar alguns dos principais elementos do seu ensinamento. No debate gerado pela Humanae Vitae foi muito enfatizada a capacidade de a pessoa controlar a natureza e manipular os processos biológicos. João Paulo II mudou o foco da questão para a capacidade de a pessoa controlar a si mesma e, por isso, concentrou suas reflexões na centralidade do “dom de si” e da “autodisciplina” (SMITH, 1991, p. 233). Para ele, “o homem é pessoa precisamente porque é senhor de si mesmo e se domina a si mesmo. De fato, sendo senhor de si mesmo, pode ‘dar-se’ ao outro. E é esta dimensão — dimensão da liberdade do dom — que se torna essencial e decisiva para aquela ‘linguagem do corpo’, em que o homem e a mulher se exprimem reciprocamente na união conjugal. Dado que esta é comunhão de pessoas, a ‘linguagem do corpo’ deve ser considerada segundo o critério da verdade” (JOÃO PAULO II, 2005, p. 501, n. 5). 

Para João Paulo II, o intercurso sexual tem um significado inerente e, por isso, uma verdade objetiva que deve ser respeitada e com a qual o comportamento deve ser conformado. Considerando que o intercurso sexual é um ato próprio do matrimônio, os esposos devem conformar suas ações ao significado do ato sexual, à sua natureza intrínseca. O significado inerente a esse ato é o de ser um ato de total dom de si. Porque o ato não significa só amor, mas também fecundidade em potencial, não se deve, nunca, despojá-lo de sua plena e adequada significação, como ensina a Humanae Vitae (JOÃO PAULO II, 2005, p. 501, n. 6). A separação artificial desses dois aspectos – unitivo e procriativo – não corresponde nem à verdade integral do significado do ato em si, nem à dignidade da comunhão de pessoas envolvidas nele e, portanto, contradiz a “linguagem do corpo”.[4] Desse modo, não se pode falar nem da verdade do domínio de si, nem da verdade do dom recíproco e da recíproca aceitação de si por parte da pessoa” (JOÃO PAULO II, 2005, p. 501-502, n. 7). Para João Paulo II, é no amor matrimonial que um homem e uma mulher fazem um sincero dom total de si mesmo ao outro. É só no matrimônio que o homem e a mulher chegam a pertencer totalmente um ao outro. O dom de si não só é a alma do matrimônio, mas também a alma do ato conjugal. Portanto, se tudo é doação de amor, então não deveríamos nunca nos dar de modo parcial a alguém.

No ensinamento de João Paulo II, o significado do corpo não pode ser separado do significado do sexo (JOÃO PAULO II, 2005, p. 83-84, n. 5).[5] Se o significado do corpo é um significado sexual, e a função do sexo, em certo sentido, é um “constitutivo da pessoa” e não apenas “um atributo da pessoa” (JOÃO PAULO II, 2005, p. 85, n. 1), a comunhão entre pessoas está profundamente enraizada na “natureza” corpórea delas. Esse significado é realmente expresso por meio da união “nupcial”, isto é, pela doação do homem à mulher e vice-versa. Trata-se de uma doação que completa e realiza o homem e a mulher, a ponto de fazer deles “uma só carne”. Não há dúvida de que, para João Paulo II, a unidade entre homem e mulher é expressa e realizada no ato conjugal. É o sexo que permite ao homem e à mulher se tornarem “uma só carne” e submeterem sua humanidade à bênção da fertilidade. Por causa disso, não há razão para tratar o corpo e o sexo fora do contexto do casamento.

Para João Paulo II, é a capacidade de autodomínio que torna possível a autodoação. Para compreender o que isso significa, é preciso, primeiro, considerar o significado teológico que ele dá ao conceito de natureza: ela deriva de Deus e reflete Seus pensamentos e planos eternos. Consequentemente, os ditames da ordem natural devem ser compreendidos e aceitos pela razão, se não se quiser violar a justiça de Deus. Mais do que ser fiel a uma “lei natural” impessoal, a pessoa é chamada a ser fiel a Deus, Criador, Fonte e Senhor da ordem que se manifesta nessa lei. O respeito pelas leis da natureza é, para João Paulo II, o produto não de uma atitude legalista, mas de uma atitude amorosa. Quem gera violência à “natureza” também “viola” a pessoa, fazendo dela um objeto de prazer em vez de um objeto de amor. A união de pessoas no amor não tem necessariamente de ser realizada por relações sexuais. Mas, quando toma essa forma, o valor personalista da relação sexual não pode ser assegurado sem a disposição para a paternidade/maternidade. A aceitação da possibilidade de procriação, na relação conjugal, protege o amor e é condição indispensável para uma união verdadeiramente pessoal. Mas isso exige domínio de si, autocontrole, autodisciplina. Entendido como uma singular capacidade de perceber, amar e praticar os significados da linguagem do corpo, o autodomínio – que, na realidade, é a virtude da continência – é a “condição fundamental” para que a “recíproca linguagem do corpo permaneça na verdade” (JOÃO PAULO II, 2005, p. 513, n. 1). João Paulo II não ignora o fato de que o autodomínio pode começar como capacidade de resistir à concupiscência da carne. Mas é importante que o autodomínio leve os esposos a alcançar o bem da autodoação no seu relacionamento. Para ele, o principal não é se o autodomínio liberta ou não a pessoa de suas paixões, nem se capacita a pessoa para que se abstenha do intercurso sexual, quando necessário; o seu efeito principal é capacitar a pessoa a pôr suas paixões a serviço do amor e a fazer escolhas que respeitem a natureza humana (JOÃO PAULO II, 2005, p. 513, n. 1). Isso só é possível mediante a educação da vontade, dos sentimentos e das emoções, educação que pressupõe “a clara percepção dos valores expressos na norma e a consequente maturação de sólidas convicções que, se acompanhadas pela respectiva disposição da vontade, dão origem à correspondente virtude” (JOÃO PAULO II, 2005, p. 513, n. 1).

5.  “Homem e mulher os criou”: o diálogo sobre a questão gender         

Em 02.02.2019, a Congregação para a Educação Católica publicou o documento “Homem e mulher os criou”. Para uma via de diálogo sobre a questão do gender na educação” (HMC; CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA, 2019), com o objetivo de ajudar as famílias, as escolas e a sociedade a “enfrentar com método as questões mais atuais acerca da sexualidade humana, à luz da vocação para o amor a que cada pessoa é chamada” (HMC 5). Partindo do pressuposto da existência de uma “desorientação antropológica” (HMC 1), o documento pretende combater a “ideologia genericamente chamada ‘gender’, que nega a diferença e a reciprocidade natural de homem e mulher” (HMC 2) e “apresenta uma sociedade sem diferenças de sexo, esvaziando a base antropológica da família” (HMC 2). Para o documento, a chamada ideologia de gênero visa promover “uma identidade pessoal e uma identidade afetiva radicalmente desvinculadas da diversidade biológica entre homem e mulher” (HMC 2) e, com ela, não há como dialogar. Assumindo a concepção de sexualidade (HMC 4) proposta por Persona Humana e por Orientações educativas sobre o amor humano (PH 1, OEAH 4), o documento pretende instaurar uma via de diálogo sobre a questão gender na educação com as investigações sobre gênero “que procuram aprofundar adequadamente o modo em que se vive, nas diversas culturas, a diferença sexual entre homem e mulher” (HMC 6). Articulando o tema com base em três atitudes – ouvir, analisar e propor – o documento pretende responder a algumas emergências educativas sobre os temas da afetividade e sexualidade. A síntese aqui proposta seguirá a mesma metodologia. Ouvir: o documento sintetiza o que ocorreu nos últimos decênios da seguinte forma: do predomínio da leitura sociológica da diferenciação sexual – a ponto de se afirmar que “a identidade sexual deriva mais de uma construção social do que de um dado natural ou biológico” (HMC 8) – chegou-se a “uma radical separação entre gênero (gender) e sexo (sex), com prioridade do primeiro sobre o segundo”, a ponto de as pessoas “autodeterminarem as próprias inclinações sexuais sem ter em conta a reciprocidade e a complementaridade da relação homem-mulher e da finalidade reprodutora da sexualidade” (HMC 10), abrindo as portas a várias “orientações sexuais” que dependem unicamente da escolha do sujeito (HMC 11). Tais concepções levaram a priorizar o afeto nas relações e a prescindir da diferença sexual e da procriação; consequentemente, a duração das relações passou a depender exclusivamente do desejo contingente dos indivíduos e não da natureza vinculante da relação (HMC 2, 13, 14, 19, 22). O matrimônio passou a ser uma forma a mais de união entre tantas outras possíveis, inclusive poliamorosas. A liberdade de escolha de gênero impôs-se como expressão da absoluta liberdade de autodeterminação dos indivíduos. Cabe à sociedade apenas garantir os direitos de cada indivíduo, a fim de que possam realizar-se sem ser discriminados (HMC 8-14). Analisar: o documento afirma “a centralidade do corpo como elemento integrante da identidade pessoal e das relações familiares”, corpo este profundamente marcado pelo “dimorfismo sexual”, isto é, pela diferença sexual entre homem e mulher (HMC 24). A diferença entre masculino e feminino é “parte constitutiva da identidade humana” e a tentativa de superar essa diferença é um obstáculo ao “processo de identificação” dos indivíduos (HMC 25-26), visto que “a diferença é condição para o conhecimento de modo genérico e para o conhecimento da própria identidade”, identidade que se forma por meio da alteridade (HMC 27). Somente a “complementaridade fisiológica, baseada na diferença sexual, assegura as condições necessárias para a procriação” (HMC 28), de modo que o recurso às tecnologias reprodutivas, embora possível, dá origem a uma série de problemas éticos que deveriam ser evitados pelo bem das pessoas em questão. Propor: no processo de educação afetivo-sexual, que se expressa como educação para o amor, as propostas educativas devem-se fundamentar numa antropologia autenticamente cristã. Esta “funda as suas raízes na narração das origens como são descritas no Livro do Gênesis” (HMC 31). A natureza humana – a ser respeitada e não manipulada – deve ser compreendida “à luz da unidade da alma e do corpo”, ou, em outras palavras, numa “totalidade unificada” (HMC 32-33). Por isso é necessário “confirmar a raiz metafísica da diferença sexual: homem e mulher, na realidade, são as duas modalidades nas quais se exprime e se realiza a realidade ontológica da pessoa humana” (HMC 34). A abertura de um ao outro – e dos dois aos outros – é condição para um amadurecimento autêntico (HMC 33). “À luz de uma ecologia plenamente humana e integral, a mulher e o homem reconhecem o significado da sexualidade e da parentalidade naquela intrínseca intenção relacional e comunicativa que atravessa a própria corporeidade e os envia um para o outro mutuamente” (HMC 35). 

6. O que foi feito com o princípio conciliar?

O Concílio Vaticano II propôs que o princípio personalista – a natureza da pessoa e de seus atos ­(GS 51) – fosse assumido como critério para a avaliação do comportamento sexual no matrimônio. Os documentos pós-conciliares poderiam ter efetivamente estendido a aplicação desse princípio a questões sexuais fora do contexto matrimonial. A análise crítica que segue evidenciará – de forma indireta – o que foi feito com tal princípio.

6.1 Persona Humana

Persona Humana provocou uma reação decepcionante em relação à metodologia e ao conteúdo assumidos (CURRAN, 1976, p. 147-164; McCORMICK, 1977, p. 100-114). Em vez de afirmar o sentido da sexualidade humana a partir da natureza da pessoa e de seus atos, optou por afirmá-lo com base na finalidade e estrutura do ato sexual e, com isso, foi acusada de reduzir a sexualidade à sua dimensão física e/ou biológica (CURRAN, 1989, p. 50).  Em outras palavras, é na ordem essencial da natureza que devem ser encontrados os imutáveis, universais e eternos princípios que transcendem as categorias históricas; consequentemente, as diferenças históricas e culturais têm pouca ou nenhuma importância no juízo moral de uma determinada prática. 

Numa perspectiva personalista, faculdades e atos sexuais deveriam ser considerados “em referência à pessoa e à sua relação com outras pessoas” (CURRAN, 1976, p. 156), caso contrário o “lugar” dos aspectos psicológicos, socioculturais, pessoais, relacionais e transcendentais da sexualidade torna-se uma questão secundária. Abre-se, assim, o espaço para o legalismo impor-se como modelo ético primordial, em detrimento do valor e do sentido da sexualidade humana. Nessa perspectiva, a obediência à lei passa a ser o único critério para a avaliação moral do agente. A proposta da Declaração talvez fosse outra se tivesse assumido o modelo relação-responsabilidade como modelo ético por excelência (VACEK, 1996, p. 633-653). e reconhecido que, quanto mais se aprofundam as questões particulares, mais as leis têm de admitir exceções, pois é muito difícil e, às vezes, até mesmo impossível se admitirem leis imutáveis, eternas e universais.

Embora o modo como a Declaração se refira à Sagrada Escritura possa ser questionado – por ignorar totalmente os processos hermenêuticos que deveriam ser aplicados para melhor compreensão do texto e do seu sentido (KEANE, 1977, p. 188; CURRAN, 1977 p. 158) –, ele é coerente com a metodologia empregada, pois o que o autor bíblico pretendia dizer – na ocasião e nas circunstâncias em que o texto foi escrito –, não importa. O que, de fato, interessa é que tais citações possam servir como prova da existência de normas morais absolutas, como atestam as notas 16 e 18 da Declaração.

Outro fator que nos leva a afirmar que a Declaração é uma mistura de elementos pré e pós-conciliares é o modo como aborda a questão do pecado e da opção fundamental (CURRAN, 1976, p. 159). O pecado mortal é compreendido em termos de atos contra a lei de Deus (KEANE, 1977, p. 187). Atos isolados e/ou particulares – assim como a escolha consciente e livre de um objeto gravemente desordenado e a transgressão deliberada, em matéria grave, de cada uma das leis morais – são suficientes para constituir pecado mortal, não importando a opção fundamental que define a disposição moral da pessoa (PH 10; CURRAN, 1970, p. 159-188). Infelizmente, a antropologia relacional subjacente ao Vaticano II não informou a doutrina da Declaração sobre o pecado. 

A respeito de questões práticas – como sexo antes do casamento, homossexualidade e masturbação –, a Declaração optou por “recordar” a “doutrina constante” da Igreja de que “o uso da função sexual não tem o seu verdadeiro sentido e a sua retidão moral senão no matrimônio legítimo” (PH 5), em oposição a “graves erros e a maneiras de proceder aberrantes, amplamente difundidos” (PH 6), sintetizados nos números de 8 a 10. 

Por um lado, a Declaração contribuiu para o desenvolvimento da doutrina da Igreja sobre a ética sexual, pois, segundo Kosnik, “as intuições básicas do Vaticano II [ele se refere a uma nova valorização da dimensão pessoal da sexualidade humana e um novo princípio para integrar as finalidades procriativa e unitiva da sexualidade no matrimônio] foram ampliadas para além do contexto do matrimônio a outras áreas da sexualidade humana” (KOSNIK, 1982, p. 50). Por outro, segundo os elementos apenas apresentados, várias são as indicações de que a Declaração não alcançou o seu intento (KEANE, 1977, p. 187). O fato é que o ensinamento proposto pela Declaração não impactou a vida dos fiéis, assim como não se permitiu ser impactado por ela. 

6.2 Os documentos sobre Educação Sexual

Orientações Educativas sobre o Amor Humano e Sexualidade humana: verdade e significado caracterizam-se como diretrizes – o primeiro, para as escolas e o segundo, para as famílias – que proclamam ser indispensável a ação educadora, com a convicção de que, através de Cristo, toda educação, dentro e fora da família, torna-se parte da própria pedagogia salvífica de Deus. Em vista da sua natureza, seria irrealista esperar que tais documentos propusessem algo novo em relação ao ensino da Igreja. 

Ao contrário de Persona Humana, tais documentos discutem a sexualidade em termos da visão cristã básica que afirma a bondade da sexualidade e de toda a criação, a transformação redentora da sexualidade humana à luz do mistério de Cristo, mas também a sua fragilidade, sempre ameaçada pela limitação e pecaminosidade humanas. Nesse sentido, ambos refletem – pelo menos no plano teológico – um desenvolvimento da tradição, pois apresentam uma compreensão da sexualidade humana como radicalmente enraizada na própria natureza da pessoa humana. Essa nova apreciação da profundidade e do significado da sexualidade humana não é de menor importância: implica um papel legítimo da sexualidade humana em todas as fases do desenvolvimento humano, deixando de vê-la como simplesmente restrita ao estado matrimonial (SHVS 77-111). Dentro e fora do casamento, pelo menos no plano teórico, a sexualidade humana deve servir à finalidade de promover o crescimento para a maturidade pessoal e a inserção na sociedade.

A maior riqueza de ambos os documentos está no fato de não considerarem a condição sexual da pessoa humana como mero acidente, atributo ou qualidade da pessoa. Eles a assumem como uma condição constitutiva do ser humano, um modo específico de viver “na carne”. Nessa perspectiva, os corpos humanos, na sua condição masculina ou feminina, são expressões concretas da humanidade e de todas as dimensões que os fazem seres humanos.

Infelizmente, essa perspectiva holística não é muito evidente quando são abordadas questões práticas concernentes à moralidade sexual fora do contexto do matrimônio. Subjacente a essa ambiguidade está a relação entre conhecimento moral objetivo e experiência moral subjetiva. Segundo os documentos, a objetividade do conhecimento moral deve ser totalmente determinada pelos valores morais fundamentais relativos às questões sexuais. Se esses valores são plenamente realizados, as ações sexuais são objetivamente morais; se não forem plenamente realizados, são objetiva e gravemente imorais, não importando quais sejam as circunstâncias a elas inerentes. Nessa perspectiva, a sensibilidade pastoral que caracteriza os documentos — especialmente Orientações educativas sobre o amor humano — é reduzida a uma questão de justificar por que as pessoas às vezes não são subjetivamente culpáveis por suas más ações, mesmo se o que fizeram for objetivamente grave. Infelizmente, as razões que devem motivar a sensibilidade pastoral não são vistas como constitutivas do significado moral das ações; consequentemente, só podemos esperar por respostas “cosméticas” a certos dilemas morais, isto é, respostas que não impactam a vida das pessoas porque não têm significância para elas – como a abstinência perpétua para pessoas homossexuais e a continência perfeita para os casais em segunda união –, fazendo com que vivam como podem – até mesmo em contradição com as normas –, sem se considerar menos católicas por isso.

Os documentos admitem que a sexualidade humana expressa a qualidade única da pessoa e, ao mesmo tempo, ajuda a pessoa a se realizar plenamente. Por isso, a sexualidade humana jamais poderia ser reduzida a um fenômeno que “acontece”, independentemente de escolhas pessoais. As pessoas são chamadas a humanizar sua sexualidade, integrando seus impulsos sexuais num projeto de vida. E aqui há outra ambiguidade presente nos documentos: a abstinência de relações sexuais é a única maneira de integrar a sexualidade na totalidade da pessoa e, portanto, condição necessária para se alcançar excelência moral (ZACHARIAS, 2018, p. 265-294).

6.3 A Teologia do Corpo de João Paulo II 

A teologia do corpo proposta por João Paulo II é caracterizada por uma considerável dose de essencialismo e idealismo. Para ele, há uma verdade objetiva no significado do sexo ao qual nosso comportamento deve conformar-se. Esse significado inerente é a inseparável conexão, estabelecida por Deus, entre os significados unitivo e procriativo do ato conjugal. Essa é a verdade sobre o sexo que a linguagem do corpo deve expressar (CAHILL, 1987, p. 173-174).

A metáfora “esponsal” é assumida por João Paulo II como base da sua antropologia teológica (JOÃO PAULO II, 2005, p. 97-106). Mediante a encarnação e a redenção, Deus, o Criador, estabelece uma relação esponsal com sua criação, a humanidade. Deus inicia o relacionamento e a humanidade responde. Deus é quem ama e a humanidade responde a esse amor. Deus é essencialmente masculino e a humanidade essencialmente feminina; a mulher é caracterizada como essencialmente receptiva e o homem, essencialmente ativo; portanto a complementaridade só pode ser alcançada por meio de um relacionamento entre sexos opostos. O relacionamento esponsal corresponde a essa ordem e a doação de si – atividade e receptividade – parecem reduzir-se a uma questão biológica. Em outras palavras, o relacionamento interpessoal entre homem e mulher é moldado e estruturado como o relacionamento entre Deus e a humanidade. A humanidade é a noiva em relação a Deus, o noivo. A ética sexual que deriva dessa concepção se fundamenta no fato de o amor espiritual exercer completo domínio sobre o corpo.

Essencialmente diferentes, homem e mulher são completos “somente” na relação de um com o outro. Consequentemente, a “essência” de ser masculino e feminino deve ser encontrada nas características e nos papéis que diferenciam homem e mulher e, por isso, constitui a condição sine qua non para uni-los. Tal essencialismo é muito problemático porque propicia modos assimétricos de relacionamento entre homem e mulher e descarta qualquer relacionamento que não esteja baseado na diferenciação de gênero. Torna-se mais problemático ainda, se considerarmos que essa compreensão é “retirada” da Escritura e, por isso, implicitamente, afirmada como palavra de Deus. “Gênero, para João Paulo II, não é mera categoria física, mas uma categoria metafísica e teológica correspondente à ‘ordem da criação'” (ROSS, 2005, p. 80).     

Com a intenção de limitar a relação sexual a uma sexualidade conjugal potencialmente procriadora, João Paulo II defende que a complementaridade — de que é feito o matrimônio — é primária e essencialmente a complementaridade ontológica dos sexos (JOÃO PAULO II, 2005, p. 68-87; SALZMAN; LAWLER, 2012, p. 131-136). Trata-se de uma postura bastante problemática, pois, além de João Paulo II ter optado por uma visão particular entre muitas na área da análise de gênero (KELLY, 1998, p. 51), ele escolheu também uma visão que não corresponde à experiência da maioria das mulheres (TRAINA, 2005, p. 315). As linhas estereotipadas de gênero que João Paulo II sugere estarem inscritas em nossa natureza sexual são o resultado do seu esforço de embasar a complementaridade na ontologia e na anatomia e não na personalidade. E a experiência deixa claro que a complementaridade física, por exemplo, tende a ser menos importante à medida que o amor amadurece (TRAINA, 2005, p. 318). Ao deixar de incorporar a voz e a experiência de tantas mulheres, a teologia do corpo de João Paulo II é criticada por não ser tanto esponsal como parece, mas masculina (BEATTIE, 1997, p. 175).

Embora João Paulo II reconheça que o pecado alterou o significado original da sexualidade (JOÃO PAULO II, 2005, p. 148-170), o idealismo presente no seu ensinamento pode ser mais bem representado por sua crença em que um amor de total doação de si e um perfeito autocontrole racional seja possível. O principal problema implícito nessa compreensão é que a experiência dos sexualmente ativos nos mais variados contextos de relacionamentos interpessoais não é levada em consideração. João Paulo II reconhece que a sexualidade humana não pode ser reduzida a um fenômeno biológico, mas não consegue assumir as profundas consequências de considerar a sexualidade humana enraizada num contexto histórico e social. Por isso insiste em falar sobre “significados” da sexualidade em si mesma, independentemente de gênero, idade, educação, fé, orientação sexual etc. No entanto, não podemos nos esquecer de que, sendo a experiência humana sempre parcial e socialmente condicionada, qualquer “significado” é o resultado da construção pessoal-social atribuída à experiência por parte de quem a vive e, portanto, todo significado é sempre relativo (CAHILL, 1989, p. 150; SELLING, 1998, p. 35).

É claro que a sexualidade humana expressa significados, mas não independentemente do contexto em que está sendo interpretada. Mesmo sem o contato físico, por exemplo, a sexualidade pode significar fecundidade, violência, igualdade, discriminação, reciprocidade, opressão. A metáfora “esponsal” do corpo, além de pretender que o corpo seja essencialmente heterossexual e orientado para a reprodução, assume o matrimônio como o único contexto no qual a sexualidade encontra e expressa seu único significado, o conjugal (SELLING, 1998, p. 32). E isso faz com que, apesar de usar uma linguagem personalista, a teologia do corpo de João Paulo II acabe reduzindo a sexualidade a um meio para alcançar um fim [a procriação] ou a uma realidade que subsiste para justificar outra [matrimônio]. Soa contraditório que João Paulo II dê prioridade à pessoa humana no seu ensino sobre sexualidade, mas não conceba qualquer expressão sexual fora do matrimônio, como se atração e desejo sexual não fizessem parte da vida humana. Também soa contraditório que ele defina o significado da sexualidade em termos de valores intersubjetivos, ao mesmo tempo em que não aceita que atos físicos possam ser subordinados às necessidades das pessoas, como sujeitos, e à sua responsabilidade pelo outro. Não é à toa que o maior desafio à teologia do corpo proposta por João Paulo II e, consequentemente, à compreensão que dela deriva sobre a sexualidade, “é a experiência das pessoas”, porque o que ele “aborda de fora e chama de luxúria, elas vivem a partir de dentro e chamam de amor” (MODRAS, 1988, p. 125).

O uso que João Paulo II faz da Escritura – prescindindo da abordagem histórico-crítica dos textos, do progresso das ciências sociais e da experiência humana –, até certo ponto constitui a base do essencialismo e do idealismo que caracterizam seu ensino. À primeira vista, é fascinante a interpretação da Escritura feita por ele: o amor não poderia ser mais puro nem mais romântico! Mas, na realidade, essa visão é o resultado de se considerar um homem e uma mulher – esposo/ esposa – fundamentalmente abstratos. As interpretações teológicas propostas por ele não estão vinculadas aos significados originais dos textos bíblicos. Além de isso ser muito questionável do ponto de vista da interpretação histórico-crítica, João Paulo II assume uma atitude que parece ser ainda mais problemática: ele interpreta os textos bíblicos “à luz um do outro, supondo que partilhem uma atitude e uma visão teológica comum em relação ao corpo e sua sexualidade” (MODRAS, 1988, p. 123). Consequentemente, a interpretação de masculinidade e feminilidade que emerge de sua leitura da Escritura ignora o fato de que os modos de pensar bíblicos deveriam ser situados em seus contextos históricos, sociais e políticos particulares e, por isso, não podem ser tidos como verdade atemporal. O resultado é que, quando o contexto histórico é ignorado, uma interpretação particular da Escritura é elevada ao nível de revelação divina.

João Paulo II ofereceu à Igreja uma profunda compreensão teológica da sexualidade. Mas ela não teve o potencial para modificar o modelo ético do ensino oficial da Igreja. Lisa Cahill, num dos seus ensaios sobre a ética sexual católica e a dignidade da pessoa, lembra-nos que escritos com fundamentos personalistas não têm, necessariamente, consequências práticas paralelas (CAHILL, 1989, p. 121). Todd Salzman e Michael Lawler – referindo-se à antropologia sexual de João Paulo II – também apontam o fato de que “mudanças de paradigma podem modificar a terminologia, [...] e ainda ser vítima da mesma bagagem conceitual e terminológica” (SALZMAN; LAWLER, 2012, p. 132). Talvez esteja aí a razão do êxito não alcançado.

6.4 “Homem e mulher os criou”

Apesar de mais recente, o documento da Congregação para a Educação Católica é mais uma expressão da falta de consideração da história concreta das pessoas. Ele se propõe ao diálogo, mas seus interlocutores são os documentos pontifícios e não as comunidades médica e científica com experiência em identidade de gênero e, muito menos, as pessoas transgênero e suas famílias (DEVER, 2019; MARTIN, 2019). O julgamento que o documento faz de pessoas que se descobriram transexuais, por exemplo, não deixa de ser resultado de uma perspectiva orientada ideologicamente, o que compromete a via de diálogo proposta.

É bastante questionável o fato de o documento caracterizar a expressão não-binária de gênero como uma escolha-opção baseada em sentimentos-desejos. Talvez essa concepção seja resultado da falta de uma clara distinção entre identidade de gênero e identidade sexual (ARAUJO, 2014, p. 136). Seja como for, ela carece de evidência científica e, além de tudo, pode favorecer ainda mais a violência contra pessoas LGBTI+ (SCHUTZ, 2019). A compreensão de masculino e/ou feminino depende essencialmente da dimensão sociocultural da sexualidade. O que é “próprio” do homem e da mulher é mais resultado de uma construção social do que um dado natural ou biológico. Isso não significa anular a diferença sexual como “parte constitutiva da identidade humana” (HMC 26), mas apenas dar a ela o seu devido significado. Masculinidade e feminilidade são dimensões do humano, significadas pela cultura e continuamente transformadas por ela. A identificação entre identidade de gênero e identidade sexual pode gerar confusão e favorecer injustiças. 

A antropologia da complementaridade é a antropologia assumida pelo documento e a distinção sexual é o elemento que a caracteriza. O risco de reduzir complementaridade à sua dimensão biológica pode levar a desconsiderar que as relações humanas são muito mais complexas do que a mera complementaridade baseada no sexo da pessoa. Tais relações “são baseadas em reciprocidades que mudam ao longo do tempo” (IMPERATORI-LEE, 2106). As relações de alteridade, exigência da natureza humana, implicam mais reciprocidade do que complementaridade. Ao sair de si, a pessoa descobre o outro, diferente de si, como possibilidade de relação. Relação que se caracteriza pela partilha recíproca e não pelo interesse em completar o que falta em si ou no outro. E isso se dá também entre pessoas do mesmo sexo, a ponto de podermos falar de complementaridade pessoal, que inclui complementaridade de orientação (SALZMAN; LAWLER, 2012, p. 105). A razão é muito simples: cada pessoa é diferente da outra, independentemente do sexo biológico. Contudo o conceito de complementaridade, em sociedades predominantemente machistas e hetoronormativas, presta-se muito bem para reforçar estereótipos de masculinidade e feminilidade, inclusive para que um determinado sexo ou uma determinação orientação afetivo-sexual subjugue aqueles que não correspondem aos estereótipos impostos a eles.  

Embora nos distanciasse muito do objetivo dessa reflexão abordar o modo como o documento se aproxima da questão de gênero, vale a pena notar que ele não se refere a nenhuma teoria de gênero ou teórico da questão, mas a um determinado movimento intelectual e cultural que cada vez se impõe de forma mais contundente e agressiva devido aos significativos riscos para a humanidade. Em outras palavras, são colocados no mesmo “cesto” teorias e pensadoras/pensadores muito diversos e praticamente “eliminada” a contribuição de todos de uma só vez com um juízo bastante genérico, mas extremamente rigorista. 

7. Urgências em vista da incorporação do princípio conciliar 

Se a sexualidade é uma dimensão constitutiva da pessoa – como afirma o próprio Magistério da Igreja – por que é tão difícil admitir que toda pessoa tem capacidade – dentro ou fora do matrimônio – de administrar sua sexualidade em termos de amor e reciprocidade? Por que é tão difícil admitir que a sexualidade – como qualquer outro aspecto da condição humana – é destinada a servir os relacionamentos humanos e não a subjugá-los? A resposta a essas perguntas será dada em forma de propostas para repensar a Moral Sexual com base no princípio conciliar:

Consideração final

Há um fenômeno relativo à sexualidade que caracteriza nossa época: um abismo entre o que a Igreja ensina sobre sexualidade e no que os fiéis acreditam e vivem. Num contexto como esse, a mera reafirmação de “doutrinas constantes” não será capaz de diminuir tal abismo. A reflexão aqui proposta suscita importantes questões que precisam ser consideradas, caso acreditemos que a realidade concreta deva ser assumida como parte constitutiva — e, portanto, objetiva — do discurso moral e, consequentemente, das decisões morais. A dificuldade de incorporação do princípio conciliar – a natureza da pessoa e de seus atos – na antropologia sexual católica é notória. Essa tarefa ainda não foi superada oficialmente e, justamente por isso, precisa ser enfrentada com a certeza de que o Espírito de Deus pode ajudar-nos a encontrar caminhos de integração, mesmo se, à primeira vista, considerados subversivos, alternativos e até paralelos aos tradicionalmente percorridos. 

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Notas

[1] Na Declaração aparecem também as expressões: “tradição constante” (PH 9), “tradição da Igreja” (PH 9), “tradição cristã” (PH 10) e “doutrina tradicional” (PH 5,9,13). O fio condutor da Declaração é o princípio da continuidade histórica.

[2] CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Carta sobre o atendimento pastoral às pessoas homossexuais (1º.10.1986). In: CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Documenta, 2011, p. 299-307; CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Algumas considerações acerca das propostas legislativas sobre a não discriminação das pessoas homossexuais (23.07.1992). In: Documenta, p. 404-407; CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Nota sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais (03.06.2003). In: Documenta, p. 541-547; CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA. Instrução sobre os critérios de discernimento vocacional acerca das pessoas com tendências homossexuais e da sua admissão ao seminário e às ordens sacras (04.11.2005). Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccatheduc/documents/rc_con_ccatheduc_doc_20051104_istruzione_po.html; CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA Fé. Responsum a um dubium sobre a bênção de uniões de pessoas do mesmo sexo (22.02.2021). Disponível em: https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20210222_responsum-dubium-unioni_po.html

[3] As Catequeses dadas por João Paulo II não constituem um documento oficial da Igreja sobre o tema, mas é importante considerá-las porque explicitam o trabalho feito por Karol Wojtyla antes de ser eleito Papa – Amor e Responsabilidade – e pela grande influência que esse trabalho exerceu no ensino pontifício sobre sexualidade e matrimônio durante seu pontificado (WOJTYLA, Karol. Amore e responsabilità. 6.ª ristampa. Genova: Marietti 1820, 1999). 

[4] O conceito de “linguagem do corpo” é chave para entender a exigência de João Paulo II. Para ele, nenhuma outra ação, além do intercurso sexual, pode significar união, porque os corpos, durante o intercurso sexual, estão envolvidos numa ação que significa total doação de si. Além disso, considerando que essa união significa também a possibilidade de dar origem a uma nova vida, esse ato deve – para os que nele se engajam responsavelmente – significar o compromisso, por toda a vida, de partilhar com o outro o completo bem-estar da outra pessoa. Em outras palavras, está inerentemente vinculada ao intercurso sexual a perspectiva da obrigação moral: o total dom de si implica partilhar a vida inteira por toda a vida. JOÃO PAULO II, 2005 p. 501, n. 5.

[5] João Paulo II não identifica corpo com sexualidade, porque, para ele, “o fato de o homem ser ‘corpo’ pertence à estrutura do sujeito pessoal mais profundamente que o fato de ele ser, na sua constituição somática, também masculino e feminino”. JOÃO PAULO II, 2005, p. 77, n. 1.