Rivael de Jesus Nacimento*
Waldir Souza**
*Doutorando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Contato: pe.rivael@gmail.com
**Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRJ). Professor adjunto da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Contato: wacasouza@yahoo.com.br
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Resumo
O artigo tem como objetivo apresentar o Concílio Vaticano II como grande motivação para a transformação da igreja no mundo. O evento, iniciado em 1962 e encerrado em 1965, continua sendo um desafio para a aproximação e diálogo com a sociedade deste tempo. O método usado no artigo é o dedutivo com uma metodologia qualitativa bibliográfica. O artigo apresentará como chave de leitura para esta compreensão três elementos fundamentais. O primeiro deles é o aggiornamento proposto por João XXIII, que interroga o ser humano diante de uma nova antropologia. Esse aggiornamento é muito necessário diante de uma nova compreensão de cultura, estruturada em uma nova ótica eclesial. O segundo elemento é a cultura, é esta que marca a intenção do Magistério da Igreja para a compreensão do tempo presente. O terceiro elemento é a educação, um tópico muito necessário e desafiador nestes tempos. A educação continua sendo uma base fundamental para o diálogo, para a promoção humana e à solidariedade. O artigo sugere esses três elementos e desenvolve-os, a fim de possibilitar a compreensão do Vaticano II que precisa de progressiva atualização diante dos desafios que a cada dia o ser humano enfrenta. Nesse cenário, cabe à Igreja dar as respostas necessárias, fundamentadas na fé e na verdade.
Palavras-chaves: Vaticano II; aggiornamento; antropologia; cultura; encontro; educação
Abstract
The article is a goal to the present the of Concilium Vatican II and how big motivation to the transformation of church in whole word. The event began in 1962 and finesthed in 1965, to be continued to the challenge of the aproximation and dialogue with the sociaty in the time. The method used in this article is the deductive with a qualitative methodology and bibliography.The article will present the key of reading of three fundamental elements. The first from them is the “aggiornamento” proposed by Joao XXIII, interrogating the humanm beings in front of the new antropology. This aggiornamento is very requerid in front of the new cultural question, is second elemento, where it is structure in the new optical eclesiastic and set the magisterium eclesiastic and your pastoral actions in the last years. The third elemento is the education, the topics very requerid in the challenges of the times. The education continues to be the fundamental basis of dialogue, to humanam promotion and kindness. The article suggests the three elements and develops to the undestanding of Vatican II, and it needs every of progressive update in front of the challenges of in everyday the church needs to give the necessary answers in the faith in the trueth.
Keywords: Vatican II; aggiornamento; antropology; culture; meeting; education
Oinício do pontificado do Papa Francisco apresenta um itinerário intenso de renovação e proposição da Igreja para um diálogo com o mundo e isso revive a memória do Papa João XXIII em seu desejo de inovação pastoral de toda a igreja, que culminou no grande evento do Concilio Vaticano II.
O Papa João XXIII, ao convocar esta importante reunião dos bispos do mundo inteiro, falava de um aggiornamento para toda a vida eclesial. O que seria esse aggiornamento que o Romano Pontífice profetizava quando conclamava este importante evento? E que linhas de ação direcionavam para uma compreensão de uma nova mentalidade pastoral que renovaria a esperança da vida humana?
Os documentos sugeriram muitas respostas diante de um novo ser humano, em uma realidade modificada, após duas guerras mundiais e misérias na sociedade toda. Uma nova antropologia é apresentada ao mundo, em mudança e contraste com novas tecnologias, mas, com a pobreza de então e “diante de alegrias e sofrimentos”, a igreja oferece pistas para novos caminhos (GS 1), e inserindo o ser humano na dinâmica da história, onde ele tem um protagonismo singular
O Vaticano II exorta os cristãos de todos os tempos para viverem bem o tempo presente, na força do Evangelho, às questões de seu tempo, com suas origens e seu fim, diante de uma nova cultura, de uma nova mentalidade que tem necessidade de novas interpretações. Essa realidade foi pensada pelos mais de 2500 bispos, vindos de tantos lugares do mundo, neste evento histórico de relevância para a comunidade católica do mundo inteiro (1962-1965). O Concilio também chamado ecumênico para o dom da verdade com as outras religiões de irmãos separados, inclusive contou com a representação deles, visando uma aproximação tão necessária na história da igreja. Com esse intuito se percebe uma nova hermenêutica na maneira de olhar a fé católica em uma nova postura de linguagem e planejamento do seu futuro em diálogo com o mundo.
Este artigo quer apresentar ideias relevantes sobre a contribuição do Vaticano II, com seu desejo de reforma no mundo de hoje, dentro de uma dinâmica urbana, e o ser humano diante de uma nova visão antropológica com um mundo em mudanças. Com este pensamento, serão propostas algumas linhas de ação para a compreensão desta realidade vivenciada na Igreja há quase 60 anos e que são essenciais para a clareza e singularidade desta análise. São elas: antropologia, cultura e educação. Estes elementos são fundamentais para a compreensão do mundo e para a percepção do grande alcance que o Vaticano II teve sobre toda a Igreja. Ainda neste tempo, o Papa Francisco apresenta em seu pontificado uma contribuição para uma ressignificação do evento com diálogo, promoção humana, encontro com a cultura contemporânea em um clima de fraternidade e acolhida, que pode ser nominado como um grande atualizador do Concílio no tempo presente.
O desafio da Igreja é encontrar e levar a Palavra de Deus e oferecer as motivações para o ser humano se encontrar diante de tantas misérias. O Concílio deseja que as pessoas se encontrem e redescubram a alegria do Evangelho, em atitudes de diálogo e serviço, com o dom da liberdade de serem filhos e filhas de Deus.
Um dos objetivos do Concílio Vaticano II era descobrir naqueles inícios dos anos 60, que mundo estava sendo gestado com novas tecnologias de informação, e por onde deveria trilhar. Mas também, uma mensagem interna e externa da Igreja como o retorno às fontes da Palavra de Deus e da liturgia, um olhar comprometido com a realidade social e uma compreensão maior da igreja como Povo de Deus. Eis a necessidade de um aggiornamento.
O Papa João XXIII usou essa expressão ao anunciar o Vaticano em 25 de janeiro de 1959 diante dos cardeais. Nessa ocasião, também anunciava um sínodo romano e a atualização do Código de Direito Canônico. A decisão deste encontro geral dos bispos, torna-se um projeto de pastoralidade para uma nova compreensão do mundo e do ser humano, era necessário um aggiornamento. Mas, o que seria esse aggiornamento?
Aggiornamento quer ser uma escuta, um ir ao encontro, um abrir-se as justas exigências do mundo de hoje, em suas profundas mudanças de estruturas, de modos de ser (culturas), inserindo num mundo para ajudá-lo, respeitando sempre sua autonomia relativa (secularização), num espirito de doação, de caridade total, que é a diaconia, o serviço dos anawim (pobres de Javé). É considerar a maneira de pensar das criaturas humanas, a sua linguagem o seu modo de ser, para apresentar o Evangelho de Jesus Cristo como única mensagem capaz de salvar. O Evangelho é a Boa-Nova, a Boa notícia da saúde do corpo e da alma do mundo. Trata-se de uma abertura crítica ao mundo de hoje, fundamentada no Evangelho. É o aspecto encarnacionista do mistério da Igreja, a sua historicidade, com especial atenção aos sinais dos tempos. (LORSCHEIDER, 2005, p.6)
As palavras do antigo Arcebispo de Aparecida, Dom Aloísio Lorscheider, nesta definição de aggiornamento, proferida em julho de 2003, sintetizam o objetivo do Concílio Vaticano II e seu eixo inspirador para todos os seres humanos neste tempo de pós-modernidade que tanto necessita de diálogo. O ser humano que se torna diferente com os processos de urbanização se distancia da fé e de Jesus Cristo. E desta maneira surge a necessidade de uma Igreja viva presente na história humana que leve o ser humano a redescobrir a força do Evangelho, da Palavra de Jesus e de seu Reino na sociedade humana.
O Evangelho revela plenamente Jesus como modelo de todo o ser humano. Os documentos conciliares apontam para essa máxima. João Paulo II e Bento XVI evidenciaram também essa realidade, mostrando o ser humano chamado para a experiência da misericórdia e onde também é convidado a “abrir as portas para o Cristo”, para o Redentor como João Paulo II assim falava no início de seu pontificado. É um grande desafio anunciar o Evangelho em uma cultura que se distancia da fé e ignora as dores do tempo presente.
O Documento de Aparecida sugere sempre o diálogo com a cultura que nestes últimos decênios, o Magistério eclesial trata com muita seriedade. Uma cultura para a compreensão do ser humano e para situá-lo diante da fé. Esta fé tem como base a transformação de uma sociedade em comodidade que vive na indiferença do que se refere ao comunitário. Neste contexto, o ser humano necessita irradiar a vida em Cristo, esse é um pensamento do Concilio Vaticano II que perdura, que faz superar a indiferença e o medo.
Dessa forma, se compreende o Concílio Vaticano II como um momento dialético da Igreja com o mundo para revelar Deus e seu mistério, onde a conversão pastoral coloca o ser humano como sujeito responsável pelo Reino da vida, comprometendo o ser humano na corresponsabilidade comum e um testemunho em diálogo.
E aqui destaca-se um dos documentos em que essa temática ficou bem evidenciada: Gaudium et Spes. Nele há um forte clamor por um humanismo cristão e um novo diálogo entre fé e ciência. A ciência é vista com uma nova ótica para a compreensão da teologia, do mundo e do ser humano. Eis um enunciado para explicitar este contexto:
As ciências humanas visualizadas pela constituição da GS apresentam a sociologia consolidada em suas esferas fundamentais que possibilita analisar a sociedade humana em termos globais e em termos específicos. Deste modo, abarca-se o tema da modernidade e sua implicação política que possibilita adentrar o tema da globalização e da pluralidade social. Evidencia-se na constituição tanto a teoria funcionalista quanto a teoria da autonomia social e a teoria da dependência que possibilita compreender contradições e teorias e conflitos sociais. Além disso, possui grandíssimo valor a antropologia que possibilita a compreensão da cultura hodierna, a psicologia que propicia reconhecer a profundidade da existência humana e a história, que compreende o dinamismo temporal dos acontecimentos humanos. (GONÇALVES, 2015, p.398)
A contribuição que as ciências podem oferecer para a compreensão do ser humano neste tempo, se torna essencial. Elas, de modo geral, contribuem para esse processo, desde que não sejam pautadas somente por números, por mera quantificação, mas para o bem comum da sociedade. Nesse cenário, se encontra também a filosofia e a teologia que ocupam significativamente o seu espaço e a sua identidade científica e o diálogo para a contemporaneidade. Os termos como: transcendência natural e sobrenatural, cultura e história têm a necessidade de serem contemplados nesta nova ótica. Esse diálogo deve ser centrado na pessoa de Jesus Cristo que apresenta o ser humano no mundo em processo de plenitude.
A antropologia integral ajuda na compreensão do ser humano como alma e corpo em suas dimensões interrelacionais. O Concílio motiva a redescoberta dos direitos dos povos, e a paz tão sonhada, na justiça social e a política para a superação das misérias. O Papa Francisco aponta atualmente os limites deste tempo na Carta Laudato Si’ e amplia a reflexão do tema:
Entre os componentes sociais da mudança global, incluem-se os efeitos laborais de algumas inovações tecnológicas, a exclusão social, a desigualdade no fornecimento da energia e de outros serviços, a fragmentação social, o aumento da violência e o aparecimento de novas formas de agressividade social, o narcotráfico e o consumo crescente de drogas ente os mais jovens, a perda da identidade. São alguns sinais, que mostram como o crescimento nos últimos dois séculos não significou, em todos os aspectos, um verdadeiro progresso integral e na melhoria da qualidade da vida. Alguns destes sinais são ao mesmo tempo sintomas de uma verdadeira degradação social, de uma silenciosa ruptura dos vínculos de integração e comunhão social. (LS 46)
Mesmo em um contexto secularizado, com alto índice de indiferenças, como afirma Francisco na citação acima, o ser humano é sensibilizado para reconhecer Deus presente em toda a criação, manifestado plenamente em Cristo Jesus. O Concílio Vaticano II recorda com maestria essa tarefa, onde o ser humano, mesmo sendo senhor de sua consciência, é convidado a ter discernimento do que é necessário para a sua felicidade e realização e para a contemplação da vida e da coletividade.
O Papa Francisco tem lembrado ao mundo essa missão da Igreja em salvar o ser humano. Ele recorda em seu magistério que a Igreja é chamada a ouvir o mundo e a escutar os seus problemas e ser portadora da esperança. É uma das metas de sua reforma. E também, diante de uma nova linguagem como já apresentava a Gaudium et Spes para a promoção da humanidade na paz, unidade e cuidado da vida, diante dos sinais dos tempos (GS 4).
Na antropologia manifestada pelo Magistério do Concílio Vaticano II, a Igreja tem a consciência do diálogo com o mundo, especialmente com a ciência. E, reforça a promoção da liberdade religiosa e a formação humana para a dignidade da pessoa. A antropologia do Concilio vê o ser humano e seu encontro com Deus e o mundo como uma justa contribuição em transformar a vida em benefício de todos. Isso é o que mais de precioso o ser humano tem, sua colaboração na tarefa de construir o Reino de Deus.
Desta maneira, para a compreensão de uma nova ação, a Constituição Dogmática Gaudim et Spes, motiva os féis para o serviço do Reino, para o respeito a toda religiosidade e diálogo com o mundo; um serviço para a vida e esperança, que em seus primeiros anos de Pontificado, o Papa Francisco sugeriu a toda a humanidade essa realidade, com o nome de cultura do encontro. Sua homilia na Casa de Santa Marta, em 13 de setembro de 2016 ficou conhecida por usar este termo: cultura do encontro, essa consistia em um apelo:
Um convite a trabalhar pela ‘cultura do encontro’ de modo simples, como fez Jesus, não só vendo, mas olhando, não apenas ouvindo, mas escutando, não só cruzando-se com as pessoas, mas detendo-se com elas, não só dizendo ‘que pena, pobrezinhos!’ mas deixando-se arrebatar pela compaixão; e depois aproximar-se, tocar e dizer: “Não cores” e dar pelo menos uma gota de vida”. (FRANCISCO, 2016, p.1)
Este é um pensamento sensível à realidade da promoção da vida. O então Cardeal Argentino faz uma pelo para a superação da indiferença e a busca da graça de Deus na dignidade de cada pessoa humana. A cultura do encontro se faz necessário em todas as relações humanas. E especificamente indaga a influência da internet neste contexto: “O desejo de conexão digital pode acabar por nos isolar do nosso próximo, de quem está mais próximo de nós. Sem esquecer que a pessoa que, pelas mais diversas razões, não tem acesso aos meios de comunicação corre o risco de ser excluída”. (FRANCISCO, 2015. p.84) O desafio proposto pelo papa é atual e diante de uma cultura que é carente de diálogo e contato pessoal, há necessidade de proximidade e discipulado para a amplitude dos contatos pessoais que vão além do mundo virtual e ajudem a curar as feridas da humanidade, onde se encontram homens e mulheres sem esperança e envoltos em misérias físicas e espirituais. O tema ainda é ampliado no próximo item.
No Concilio Vaticano II o termo cultura não é apresentado como uma definição. É muito citado em todo os documentos, mas se apresenta com maior ênfase na Constituição Dogmática Gaudum et Spes intrinsecamente ligada à fé. Pois, assim como o cristianismo se expandia, pela sua ação missionária, se expandia também a fé. O conceito é amplo em sua definição. No Concílio recebe um contexto que merece a atenção em acréscimo ao desenvolvimento do ser humano.
Pela palavra ‘cultura’ em sentido geral, indicam-se todas as coisas com os quais o homem aperfeiçoa e desenvolve as variadas qualidades da alma e do corpo; procura submeter pelo seu poder e conhecimento e pelo próprio trabalho urbe terrestre; torna a vida social mais humana, tanto na família quanto na comunidade civil. (GS 53)
Mas neste tópico, longe de definições sistemáticas, se pretende entender a cultura deste tempo, o pensamento eclesial e em quais aspectos o Magistério Eclesial colaborou para a ampliação deste conceito.
O Papa Paulo VI evidenciava seu pensamento acerca da transformação cultural pela qual a sociedade estava atravessando e sobre a necessidade de a igreja ampliar o seu diálogo. Eis a sua mensagem muito relevante no final da década de 70.
Nas atuais mutações, tão profundas e tão rápidas, cada dia o homem se descobre como algo novo e interroga-se a si mesmo acerca do sentido de seu próprio ser e da sua sobrevivência coletiva. Hesitante em como há de recolher as lições do passado, que reputa, demasiado, superado e diferente, ele tem, não obstante, necessidade de lançar luz sobre o seu porvir - que ele antevê tão incerto quanto instável - com o recurso das verdades permanentes e eternas, que certamente o transcendem, mas de que pode, e o quiser fazer sinceramente, encontrar por si os mesmos vestígios. (OA 7)
No final da década de 1970, o Papa Paulo VI já anunciava as grandes transformações que o mundo estava sofrendo e os impactos das mudanças, em um contexto de grandes impactos. Mas, onde a igreja e os fiéis seriam chamados a contemplar com o olhar de esperança e fé.
O tema continua sendo atual, pois a cultura revela o ser humano no momento presente, suas buscas do passado e o desbravamento do futuro, com o mesmo olhar de esperança que faz o ser humano compreender a cultura do seu tempo. A definição sobre cultura, presente no Documento da IV Conferência do Episcopado Latino-Americano, traz uma boa reflexão para a compreensão deste tema proposto pela reforma do Vaticano II. Até o título da Conferência tem o tema da cultura: “Nova Evangelização Humana, Promoção Humana, Cultura Cristã”. Eis o apelo do Documento que conclama à nova evangelização e à promoção da cultura pautada nos valores da vida, mostrando a evolução do pensamento eclesial sobre a cultura.
Anunciar a Jesus Cristo a todas as culturas é a preocupação central da Igreja e objeto de sua missão. Nos nossos dias, isto exige, em primeiro lugar, o discernimento das culturas como realidade humana a evangelizar e, consequentemente, a urgência de um novo tipo e alto nível de colaboração entre todos os responsáveis da obra evangelizadora. (SANTO DOMING0 20)
A Conferência de Santo Domingo, dos bispos da América Latina, desenvolveu a temática que já se tinha iniciado no Concílio Vaticano II na Gaudium et Spes. O objetivo ficava claro no documento redigido que era o anúncio de Jesus Cristo, mesmo diante de uma cultura fragilizada e com a ausência dos valores do Evangelho. Em 1992 o documento denunciava uma ênfase a um racionalismo e a uma subjetividade que contrapõem o Evangelho. Sugere um novo discernimento pastoral, com a força da Palavra em benefício da coletividade.
O tema é oportuno, pois retrata a evolução deste pensamento, enfatizando que o ser humano precisa sempre resgatar a sua história e planejar o seu futuro. A partir desta ótica, podemos constatar que o Evangelho continua sendo essencial para fazer estas hermenêuticas com a realidade e a cultura.
Com este espírito, o Documento de Aparecida também aponta o conceito pós-conciliar sobre a cultura e sua relevância da compreensão deste tempo para o benefício da evangelização e promoção do ser humano.
A cultura em sua compreensão mais extensa, representa o modo particular com que os homens e os povos cultivam sua relação com a natureza e com seus irmãos, consigo mesmos e com Deus, a fim de conseguir uma existência plenamente humana. Enquanto tal, a cultura é patrimônio comum dos povos e também da América Latina. (DAp. 476)
O Concílio Vaticano II apresentou ao mundo uma fé que passa pela cultura dos povos, na arte, na música, na literatura e tantas outras manifestações. Nelas se vê a identidade do ser humano e da coletividade. Mas, nesse tempo, o declínio em favor da objetividade que distância e torna tudo tão relativo em detrimento de uma cultura global, se isenta cada vez mais de conscientizar o ser humano que ele é responsável pelo seu semelhante diante de suas dores. O isolamento e a individualidade se tornam um desafio enorme para a evangelização, e para o crescimento pessoal e espiritual dos seres humanos. O Documento de Aparecida em 2007, assim já se expressava:
O individualismo enfraquece os vínculos comunitários e propõe uma radical transformação do tempo e do espaço, dando papel primordial à imaginação. Os fenômenos sociais e econômicos e tecnológicos estão na base da profunda vivência do tempo, o que se concebe fixado no próprio presente, trazendo concepções e instabilidade. Deixa-se de lado a preocupação pelo bem comum para dar lugar à realização imediata dos desejos dos indivíduos, à criação de novos e muitas vezes arbitrários direitos individuais, aos problemas da sexualidade, da família, das enfermidades e da morte. (DAp. 44)
No tempo presente surge no meio eclesial e comunitário a urgência de superar um pensamento individualizado e fragmentado. No pensamento do Papa Francisco se considera um marco a publicação da exortação Evangelli Gaudium.
Esta carta encíclica tem um marco singular no seu pontificado, pois revela a tentativa de aproximar o ser humano do sagrado e do mistério divino em seu semelhante. A alegria do Evangelho, pois esta apresenta o ser humano na evidência do amor de Deus, que é chamado ao diálogo e ao seu compromisso social. Esta carta encíclica diz respeito aos desafios culturais enfrentados pela Igreja, uma transformação do mundo que Leão XIII já tinha evidenciado em Rerum Novarum (15-05-1891) e que a Doutrina Social da Igreja tratou com muita especificidade nas últimas décadas. No que se refere à cultura, a palavra do Papa Francisco ilumina e aponta com seriedade para a realidade deste tempo.
Na cultura dominante, ocupa o primeiro lugar aquilo que é exterior, imediato, visível e rápido, superficial e provisório. O real cede o lugar à aparência. Em muitos países, a globalização comportou uma acelerada deterioração das raízes culturais com a invasão de tendências pertencentes a outras culturas, economicamente desenvolvidas, mas eticamente debilitadas. (EG 62)
A exortação de Francisco alerta sobre o risco de uma cultura fragilizada que abala a fé, diante de um racionalismo secularizado e este leva o cristão a uma fé intimista e privada, a um distanciamento do pecado social e da coletividade, onde este pensa somente em si e não agrega para o benefício do bem comum. Neste quesito, o então arcebispo de Buenos Aires assim se manifestava e, muito contribuiu para a atualização do pensamento conciliar:
Vivemos numa sociedade da informação que nos satura indiscriminadamente de dados, todos postos ao mesmo nível e acaba por nos conduzir a uma tremenda superficialidade no momento de enquadrar questões morais. Por conseguinte, torna-se necessária uma educação que ensine a pensar criticamente e ofereça um caminho de amadurecimento dos valores. (EG 64)
A cultura deste tempo exige uma interpretação que seja feita à luz da força cristã. Para isso é necessária uma nova educação, que é o próximo item deste artigo. Mas, aqui se ressalta a importância da construção de famílias sólidas que ajudem a superar a individualidade neste mundo pós-moderno1 .
Há a necessidade de pensar novas maneiras de se fazer pastoral para a integração dos vínculos interpessoais e para a integração da fé com as facetas da piedade popular e com as marcas de todos os povos. A vida no mundo urbano é um cenário desafiador em todo o mundo. Como compreender esta realidade cultural que o mundo revela e que o Concílio Vaticano II já questionava muitos aspectos deste desafio transformador? O Papa Francisco e seus predecessores trataram muito esse tema como questões existenciais. Mas nesses últimos anos a visão cultural que permanece na cidade, no mundo urbano, vem se tornando cada vez mais frágil. É urgente a necessidade de um humanismo cristão que busque soluções diante dos dramas humanos. No ano de 2020, isso ficou evidente com a pandemia do Covid-19. Pode constatar-se, a partir disso, a ausência de lideranças para o enfrentamento de problemas não somente causados pelos vírus, mas de outros que já existiam anteriormente. A cultura precisa ser estudada na cidade e as populações urbanas são chamadas à vida e à esperança. O Concílio Vaticano II evoca no pensamento eclesial a presença de Deus no meio da história e no seu tempo. As pessoas inseridas na cultura urbana, mesmo sufocadas pelo imediatismo, precisam reconhecer que Deus vive na cidade para uma superação da violência, miséria e segregação. Deste modo, a cultura deve favorecer ações que promovam a liberdade, a justiça, a comunhão e o senso de coletividade. O chamado é para a vida e que todos a tenham em abundância (Jo 10, 10). Para isso, Francisco, como grande atualizador do Concílio Vaticano II, reforça a ideia de coletividade no dom da escuta do outro e sua procura:
A capacidade de sentar-se para escutar o outro, características de um encontro humano, é uma atitude receptiva de quem supera o narcisismo e acolhe o outro, presta-lhe atenção, dá- -lhe o lugar do próprio círculo. Mas o “mundo de hoje, na sua maioria, é um mundo surdo (..) Às vezes a velocidade do mundo moderno, o frenesi, nos impede de escutar bem o que o outro diz. Quando está no meio de seu diálogo, já o interrompemos e queremos replicar quando ele ainda não acabou de falar. Não devemos perder a capacidade de escuta’. São Francisco de Assis “escutou a voz de Deus, escutou a voz dos pobres, escutou a voz do enfermo, escutou a voz da natureza. E transformou tudo isso em um estilo de vida. Desejo que a semente de São Francisco cresça em muitos corações”. Ao desaparecerem o silêncio e a escuta, transformando-se tido em cliques e mensagens rápidas e ansiosas, colocou-se em perigo uma estrutura básica da comunicação humana. (FT 48)
O Papa Francisco oferece a solução para o protagonismo de uma ação eficiente no meio de uma cultura fragilizada, onde possuir mais informações, conhecimentos precisos, não significa ter sabedoria. O que é ser sábio? Há uma necessidade de resposta diante de um caos urbano e de uma globalização que parece não ter um eixo norteador com os princípios humanos. Uma cultura que avançou e se torna cada vez mais global, mas pautada pela indiferença e pelo distanciamento da solidariedade. Francisco ilumina esse contexto nas situações difíceis do mundo, principalmente neste último ano, no caos que a pandemia do COVID-19 gerou.
No mundo atual, esmorecem os sentimentos de pertença à mesma humanidade; e o sonho de construirmos juntos a justiça e a paz parece uma utopia de outros tempos. Vemos como reina uma indiferença acomodada, fria e globalizada, filha de uma profunda desilusão que se esconde por trás dessa ilusão enganadora: considerar que podemos ser onipotentes e esquecer que nos encontramos no mesmo barco. (FT 30).
O que Francisco insiste em relembrar à humanidade, é o que o Magistério do Concílio Vaticano II vem fazendo ecoar nestes 60 anos, a presença histórica da vida humana no mundo, ao lado dos que mais precisam e diante de tantas carências que se sobressaem na vida humana, nestes últimos séculos.
Diante da cultura globalizada, isso se torna um desafio: os fiéis perceberem e lembrarem de sua pertença coletiva e comunitária. Nesse tempo, os fortes protegem a si mesmos e os pobres se tornam cada vez mais vulneráveis. Para a promoção da cultura pautada em valores éticos, é necessário ter clareza do que é o Reino de Deus e o impacto que este provoca na vida das pessoas - o Reino da vida, da justiça e da solidariedade. Na fragmentação do ser humano, a cultura tem a tarefa de romper barreiras e abrir os caminhos para o bem da humanidade. Eis a amplitude do pensamento de Francisco:
A palavra ‘cultura’ indica algo que penetrou no povo, nas suas convicções mais profundas e no seu estilo de vida. Quando falamos de uma ‘cultura’, trata-se de algo mais que uma ideia ou uma abstração: inclui as aspirações, o entusiasmo e, última análise, um modelo de viver que caracteriza aquele grupo humano. Assim, falar de uma ‘cultura do encontro’, significa que, como povo, somos apaixonados por querer encontrar- -nos, procurar pontos de contato, construir pontes, planejar algo que envolva a todos. Isso tornou-se uma aspiração e um estilo de vida. O sujeito dessa cultura é o povo, não o setor de uma sociedade que tenta manter tranquilo o resto com recursos profissionais e mediáticos. (FT 216)
O então cardeal argentino revela aqui um novo ethos cultural que se abre sempre na perspectiva do povo, um olhar que o Concílio Vaticano II já identificava na sociedade entre as “alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo” (GS n.1). Essa cultura que Francisco interpreta, após o Concílio Vaticano II, e que é o retrato de sua própria história, revela a tradição da Igreja e sua vontade de melhorar o ser humano em sua história. É uma consciência eclesial que foi despertada no Magistério Eclesial, nos últimos anos, e vivenciada nestas quase seis décadas, mas ainda desafiada pela fragmentação da verdade e do pragmatismo utilitarista deste tempo. Para isso, é necessária uma boa educação, que será o novo ponto a ser tratado neste artigo.
A quarta sessão do Concílio Vaticano II proclamou a Declaração Gravissimus Educationis importante para se pensar os processos educativos, principalmente para a educação católica, com os desafios para esta se manter com o avanço da escola pública e os “ranços” da secularização. O texto contém muitos limites que poderiam em outra oportunidade serem aprofundados. Um deles diz respeito à fragilidade do pensamento de que a educação é para a vida toda. Faltou o aprofundamento para este item. Mas, se torna evidente o desejo que a educação seja um direito de todos, que todos possam ter acesso para o progresso das ciências, enfatizando a relevância do papel dos pais, da família e da sociedade nesta missão.
A partir desse pressuposto, explicita a natureza e a finalidade da educação cristã, considerando que a Igreja se apresenta como educadora por vocação e sempre acreditou que todos têm direto à formação integral, pois insistiu no artigo XXVI da Declaração dos Direitos Humanos, que afirma que ‘toda pessoa tem direito à instrução, ao menos no nível fundamental; que esta instrução seja gratuita e orientada para desenvolver a personalidade humana, fortalecer o respeito pela liberdade e pelos direitos humanos fundamentais’, preparando a pessoa para fazer parte da vida social, aberta ao diálogo com os outros e pronta para trabalhar pelo bem comum. (JUNQUEIRA, 2015, p. 416).
Neste ponto, se vê uma perspectiva humana presente em todas as reformas do Concílio Vaticano II, a força de uma solidariedade e do bem comum, presente na Declaração Gravissimus Educationis, mas também, presente em outros documentos. Essa ideia sintetiza o artigo aqui apresentado. Em um período pós-pandemia, a humanidade necessita de valores e abertura para o diálogo. O cenário do COVID 19, retrata uma angústia que foi acompanhada com violência. Esses dramas humanos foram noticiados amplamente pelos meios de comunicação.
No mundo, urge uma tarefa de reencontrar os valores morais, estes pautados pela solidariedade, pelo diálogo e justiça. O teólogo, João Batista Libanio já abordava em sua obra: “a arte de formar-se”, a crise de valores que a pós-modernidade se encontrava no início do milênio e afirma a importância da formação humana e os desafios da educação. Na educação está presente a força de mudança do ser humano e esta é a linha que o Concílio Vaticano II traz para a Igreja e para toda a sociedade. É este jesuíta que reforça este pensamento.
A alegria de ser constrói-se pela descoberta de si, de seus alentos, de suas possibilidades nos diferentes campos da estética, do saber, das artes, das habilidades, das técnicas, das relações humanas. Aprender a ser é iniciar-se consciente e criticamente neste processo de autodescoberta prazerosa, unida com a pitada cristã e religiosa do dom de si aos outros. Tudo o que somos existe em relação. Aumenta, desenvolve-se em relação. Enquanto ter, pelo contrário, cresce à medida que se cumula para si e não distribui. A dinâmica do dom revela a oposição radical entre os dois mundos do ser e do ter. Este cresce pelo acúmulo egoísta. Aquele se desenvolve pela relação altruísta. (LIBANIO, 2002. p. 88)
Uma educação que reforça a fé e a espiritualidade ajuda a construir a “civilização do amor”, onde o aprender a ser continua sendo um grande desafio, pois recria o ser humano com o dom da liberdade.
A educação entranha a tarefa de promover as liberdades responsáveis que optem nessa encruzilhada com sentindo e inteligência; pessoas que compreendam sem titubeios que sua vida e a vida de sua comunidade estão em suas mãos e que essa liberdade é um dom infinito só comparável à inefável medida de seu sentido transcendente. (FRANCISCO, 2013. p.114).
O então Cardeal argentino já destacava os objetivos da educação e a missão de todos os educadores, ou seja, a promoção humana que integre a sua dignidade. A igreja colabora com esta tarefa, pois na esperança da renovação da humanidade, está em constante diálogo para a superação de barreiras que limitam o ser humano e o abre para o diálogo com os seus semelhantes.
A ação do diálogo proposta no Concílio Vaticano II, sintetiza o olhar para a educação, onde o amor, serviço e diálogo são instrumentos fundamentais para o processo educativo, visando o benefício de cada ser humano. A vida se torna mestra no cotidiano, é necessário saber viver todos os dias e ampliar o desejo de unidade diante de tanta subjetividade que se subtrai nestes novos tempos, onde o egoísmo impera. Ainda neste contexto de novas ações, afirmava Francisco:
Veremos que uma nova humanidade irá se manifestar, além dos reducionismos que apequenaram o tamanho de nossas esperanças. Não basta constatar o que falta, o que se perdeu: é preciso que aprendamos a construir o que a cultura não dá por si mesma, que nos animemos a encarná-la, mesmo que seja às apalpadelas e sem plenas seguranças. (FRANCISCO, 2013.p. 135)
O pensamento de Francisco, ainda quando era cardeal revela uma autêntica contribuição para a compreensão e atualização do Concílio Vaticano. Ele amplia os horizontes quando se torna papa e dá à continuidade à reflexão dos seus antecessores. João Paulo II, o papa polonês, sintetiza a ideia do Magistério Eclesial, inspirado no Concilio Vaticano II no que se refere à promoção da dignidade da pessoa. Sendo assim, todos são chamados para educar a partir desse elemento, a “dignidade inviolável de cada ser humano, que é agente de transformação
A dignidade pessoal é o bem mais precioso que o homem tem, graças o que ele transcende em seu valor todo o mundo material. A palavra de Jesus: “Que serve ao homem ganhar o mundo inteiro, se depois perde sua vida?” (Mc 8, 36) implica uma afirmação antropológica luminosa e estimulante: O homem vale não por aquilo que “tem” – mesmo que ele possuísse o mundo inteiro -, mas por aquilo que “é”. Não são tantos os bens do mundo que contam, mas o bem da pessoa, o bem que é a própria pessoa. (ChL 37)
Há uma carência de clareza em relação ao conceito acima, há uma necessidade do bem neste mundo. E nos tempos da pandemia do COVID 19, se tornou mais urgente lembrar o bem que cada ser humano representa neste mundo. Sua vida é importante, suas ações dentro da coletividade atingem a si e ao seu próximo. É este o pensamento difundido pelo Concílio que renova, integra e coloca-o em constante diálogo.
A renovação conciliar proposta pelo Concílio Vaticano II situa o humano dentro de uma sociedade em constante transformação. É chamado a compreender as “realidades terrestres” (GS 36), ou seja, o ser humano se insere no seu tempo em uma sociedade em constante transformação. Neste sentido, os cristãos devem ser, dentro da vida urbana, sinal do Reino. Para isso, há a necessidade de uma nova compreensão do ser humano e a teologia tem essa tarefa de compreendê-lo, para ampliar sua visão pastoral e para favorecer homens e mulheres deste tempo para que testemunhem sua fé e sejam colaboradores do Reino (GS 43).
O segundo elemento é a cultura que favoreça a construção de um mundo mais humano (GS 57), mais fraterno e solidário. O Papa Francisco ao referir- -se à parábola do bom Samaritano, na Carta Encíclica de 2020, fala com muita propriedade sobre essa humanidade.
Que reação poderia provocar essa narrativa, em um mundo onde constantemente aparecem e crescem grupos sociais que se agarram uma identidade que os separa dos outros? Como isso afetaria aqueles que se organizam de maneira a impedir qualquer presença estrangeira que possa ameaçar sua identidade e estruturas autodefensivas e autorreferenciais? Nesse esquema fica excluída a possibilidade de fazer-se próximo que permite consolidar os benefícios pessoais. Assim o termo “próximo” perde todo o significado, fazendo sentido a apalavra “sócio”, aquele que é associado para determinado interesses. (FT 120)
Para que a aproximação aconteça, se faz necessário novas atitudes na pastoral para que eduquem para uma cultura do diálogo, de modo que as novas gerações experimentem a bondade e o amor de Deus no meio da humanidade que faz a história no tempo real. Nesta procura de Deus e tentativas de responder as inquietações do tempo, diante de uma nova cultura, o Concílio Vaticano II continua sendo um “Vade Mecun” para a compreensão do Evangelho nestes dias atuais.
A missão de toda a igreja é se inserir neste tempo, apresentando-se como “Hospital de Campanha”: (...) aquilo que a Igreja precisa hoje é a capacidade de curar as feridas e curar os corações dos fiéis, a proximidade. Vejo a Igreja como um hospital de campanha depois de uma batalha. É inútil perguntar a um ferido grave se tem o colesterol ou açúcar altos. Devem curar- -se suas feridas, depois podemos falar de todo o resto. Curar as feridas (...) curar as feridas... É necessário começar de baixo. (SPADARO, 2013 p.19)
O Concílio Vaticano II sempre será referência de uma igreja em um “hospital de campanha”, agindo para dar continuidade ao projeto do Reino de Deus, em prol da vida e da justiça. A tarefa do Concílio Vaticano II continua sendo atual, exigindo sempre uma ousadia em educar, a fim de formar as novas gerações para novas atitudes que favoreçam o diálogo e a aproximação. Esse desafio é atual, pois mesmo se passando quase 60 anos, muitas perguntas ainda perduram no tempo e se faz necessário traçar um caminho. Os três elementos aqui apresentados de maneira sintética procuraram compor o cenário em que o concílio foi composto, para dar respostas na fé e diante de uma humanidade em evolução, ampliando em novos rumos nos campos da cultura e da educação. O concílio cumpriu bem esta tarefa de suscitar o diálogo, motivando a fé diante de uma humanidade em transformação.
Deste modo, a evolução do pensamento conciliar e sua prática se aprimorou nestes últimos decênios com uma “igreja em saída”, como aponta o Papa Francisco. Uma igreja que diante da cultura com suas indagações quer testemunhar um ser humano educado para a promoção da vida, para a dignidade e a justiça, eixos norteadores de uma humanidade solidária. Assim, se percebe a relevância dos tópicos aqui apresentados: antropologia, cultura e educação. Estes, por conseguinte, são desbravadores para uma igreja que marca sua história nestes dois mil anos de existência, que se firma no terceiro milênio e se esforça para compreender o complexo ser humano, mas também, com as suas lacunas existenciais.
O Concílio Vaticano II continua lembrando que o ser humano deve peregrinar neste mundo, sendo sinal de esperança e alegria, fazendo germinar a cultura da paz e de uma humanidade reconciliada no amor.
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[1] O termo pós-moderno se compreende com a mudança de paradigmas e suas crises. “No início de um novo século, crescem a preocupação e ansiedade pela constatação de uma crise chamada de paradigmas, herança que recebemos no fim do milênio recém-terminado. Vivemos em um novo período da realidade histórico-cultural, isto é, encontramo-nos em uma prática que anula as ‘construções teóricas e filosóficas cridas desde o Iluminismo’. Percebe-se a necessidade de reorganizar o pensamento e de renovar o aparato conceitual. Poder-se-ia, então, caracterizar o marco que divide os dois milênios, como uma crise da modernidade, que inclui o declínio das ideologias, e de tudo o que acompanhou o pensamento até pouco tempo, e que, hoje, provisoriamente recebe o nome de pós-moderno”. (PUNTEL, 2008, p.91-92)