Luís Felipe Carneiro Marques*
*Doutor em teologia em Teologia SacramentaL pelo Pontifício Ateneu Santo Anselmo de Roma. Professor do Instituto São Boaventura. http://lattes.cnpq.br/1255092570492953
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Resumo:
Observando a questão ministerial a partir do Concílio Vaticano II, somos convictos da necessidade de uma séria renovação. O horizonte paradigmático da reforma foi paradoxal. Por um lado, a prospectiva observou alguns aspectos relacionados aos sinais dos tempos; por outro, apresentou prospectivas de atualização baseadas em princípios e valores da modernidade. O resultado deste movimento consiste numa crise eclesiológica e ministerial inevitável. Diante disso, é preciso rever a teologia fundamental do ministério ordenado sabendo remediar pensamentos unilaterais e palavras distorcidas. Essa revisão deve ser parte essencial de uma reforma da Igreja, pois um novo paradigma precisa de reflexões fundamentais.
Palavras chave: Forma ministerial; Reforma; Missão; Crise; Pastores
Abstract
Looking at the ministerial issue since the Second Vatican Council, we are convinced of the need for serious renewal. The paradigmatic horizon of the reform was paradoxical. On the one hand, Foresight looked at some aspects related to the signs of the times; on the other hand, it presented updating prospects based on the principles and values of modernity. The result of this movement is an inevitable ecclesiological and ministerial crisis. Therefore, it is necessary to review the fundamental theology of the ordained ministry knowing how to remedy unilateral thoughts and distorted words. This revision must be an essential part of a reform of the Church, since a new paradigm needs fundamental reflections.
Keywords: Ministerial Form; Reform; Mission; Crisis; Pastors
Com a estabilidade Tridentina, entre o final do século XIX e início do século XX, muitos movimentos suscitavam intuições e lançavam questões a nível de renovação da vida litúrgica, sacramental, bíblica, histórica, laical e ministerial. Quanto ao sacramento da ordem, a linguagem e a forma tridentina eram oficialmente acolhidas nos textos magisteriais, na teologia e na espiritualidade. Os dados emergentes destes textos foi a dimensão cristológica do sacerdócio. O ponto central estava na noção de caráter que consagrava e configurava a Cristo. Por conseguinte, fortaleceu-se uma dinâmica por demais ontologizada, indicada como participação ao sacerdócio de Cristo, expressa em fórmulas como agere in persona Christi, nomine Christi.
Nessa perspectiva, a forma cultual permaneceu e a pessoa do ministro continuou a ser vista sacralizada, sacerdos alter Christus, indicando a sua função de mediação. A principal missão do sacerdote era o exercício do poder sacrifical- -sacramental, ou seja, do poder que servia para consagrar a Eucaristia e para perdoar pecados. Com efeito, a união das categorias e das expressões encontradas fortaleciam a visão funcional do sacerdócio como repraesentatio Christi, mesmo que essa formulação não se encontrasse nos documentos (cf. CASTELLUCCI, 2012, p. 187-195). Temos uma teologia do ministério sem eclesiologia, com uma autoridade forçada e baseada na sacra potestas que o sacerdote possuía pessoalmente e que, numa forma ministerial imbricada, detinha um consolidado quadro jurídico (cf. SCHILLEBEECKX, 1992, p. 100-101).
Essas formulações e formas não correspondiam à mudança de época. Então, surge o desejo de uma nova reforma. Era preciso elaborar respostas mais significativas e que favorecessem o crescimento da vida cristã, a adaptação das instituições eclesiásticas às realidades dos tempos, a promoção da unidade dos cristãos e o reforço do ardor missionário da Igreja. Surgia a inspiração e a necessidade de um novo Concílio. O memorável discurso de abertura, Gaudet mater ecclesia, do papa João XXIII, apresentou-se como um texto inspirado e profético que orientou novo desenvolvimento, intuição de uma nova forma e categoria, nova visão da Igreja e novo método de dar respostas. De fato, o papa, mesmo formado, instituído e eleito dentro de determinada cultura, realizou gestos e formulou expressões que, além das suas intenções, representou, de modo objetivo, um fator de descontinuidade. Um novo paradigma estava implícito nas suas intuições. O papa Roncali tinha clareza de que o punctum saliens do Vaticano II não estava na discussão de um ou mais artigos da doutrina da Igreja, mas numa renovada, serena e tranquila adesão a todo o ensinamento da Igreja (cf. GALAVOTTI, 2018, p. 451-467).
Depois de quase 60 anos da perspectiva conciliar, dado a complexidade e a velocidade das mudanças, é chegado o tempo de revisar novamente a forma do ministério ordenado e desbloquear algumas concepções equivocadas da ação ministerial na Igreja de hoje. As mudanças atuais são radicais e é preciso colher com maior seriedade para ler adequadamente a estrutura do serviço na Igreja. Uma das maiores dificuldades que enfrenta o ministro de hoje é a de ser formado para uma sociedade que não existe mais e, quiçá, para uma Igreja que também está deixando de existir. A visão da religião e do crer é profundamente diferente respeito as formas históricas assumidas no passado. Hoje o modelo fundamental da vida espiritual, por vezes, mais recorrente no âmbito externo da Igreja, é a unidade, a integridade, a harmonia, a integração, a aceitação e o equilíbrio. Essas são as palavras chaves da nova forma ministerial que devem substituir o léxico do homem religioso pré-moderno: sacrifício, renúncia, mortificação, combate, obediência e preceito. Por isso, estamos diante de uma passagem fundamental para repensar o ministério na sociedade contemporânea. Enquanto a vida cristã ministerial não for pensada com categorias do dom, da graça, da misericórdia, da alegria e da relação não será possível experimentar toda a sua verdade.
O Concílio Vaticano II não se exauriu na reiteração de um solene magistério expresso, mas dedicou-se a encontrar instrumentos e linguagens adaptadas ao seu tempo para que a Igreja prosseguisse o seu caminho de evangelização, adaptando-se melhor às necessidades do tempo as instituições susceptíveis de mudança e promovendo tudo o que podia ajudar à união de todos em Cristo. Nesse sentido, o movimento conciliar ficou codificado com três palavras próprias do tempo: aggiornamento, modernização com profundas implicações; desenvolvimento, equivalência ao progresso e à evolução; ressourcement, retorno ad fontes. Entretanto, conscientes de que o processo iniciado não terminou, a Igreja como instituição humana e terrena continua sendo chamado, por Cristo, para uma reforma constante e perene (cf. FRANCISCO, 2013, n. 26). Podemos dizer que tivemos uma primeira fase de recensão do Concílio, caracterizada pela discussão da qualidade teórico-teológica dos textos e por uma certa efervescência sem regras e ingênua de governo a nível vital. Depois, temos uma segunda, caracterizada por um debate sobre a hermenêutica da continuidade ou por ruptura do plano teórico e da tentativa de uma eclesiologia de comunhão e de nova evangelização. Agora talvez, é possível que estejamos diante de uma terceira fase de recensão. Não se tratando de uma periodização simplesmente acadêmica, estamos diante de uma fratura instauradora, próprio da dinâmica da tradição cristã que, atravessando biografias e conceitos, procura ainda e sempre o Corpo de Cristo vivente na história (cf. MORRA, 2017, p. 60).
O Vaticano II propôs mudanças. Entretanto, em relação ao ministério ordenado, algumas expressões continuam iguais aos séculos precedentes. De um lado, a prospectiva seguia uma linha de abertura ao homem moderno, caracterizada pelos critérios de atenção aos sinais dos tempos; por outro, apresentava prospectivas de atualização da doutrina baseada em alguns princípios e valores da modernidade. O horizonte paradigmático era paradoxal. A atualização pensada para conduzir o homem contemporâneo à Igreja acabou por determinar o seu decisivo distanciamento e o modelo de presbíteros acabou favorecendo crises profundas, quase irrecuperáveis, e estranhas associações estão fazendo com que próprio presbítero de hoje pague preços altíssimos. De forma geral, podemos dizer que temos um modelo que quase foi repensado. Ou ainda, embora alguns aspectos da teologia do ministério e o modo com que os aspirantes ao ministério fossem formados e selecionados tenha mudado com os anos sucessivos, temos ainda um modelo que encontra numa crise profunda e, provavelmente, irrecuperável, devendo ser reconstruído a partir de novas categorias e formas, aceitando uma verdadeira mudança de critérios e mentalidades. Dito de outro modo, não é novidade que os ministérios na Igreja precisam ser revistos e reestruturados. A coisa fundamental, entretanto, é fazer de modo justo, por motivos justos, com atitudes justas, em conformidade com o dom de Deus e com a nossa identidade evangélica, carismática e eclesial.
Valendo-se das Escrituras e da Tradição, o Concílio colocou bases para uma correta relação entre a dimensão cristológica e eclesiológica do ministério ordenado, enquanto a teologia precedente encerrava o sacerdócio somente na dimensão cristológica. Como segundo elemento, desejou tirar o ministério do seu isolamento individualístico, dando valor ao sacerdócio comum, ao presbitério e ao colegiado episcopal. Dessa forma, releu em chave missionária toda a teologia da Ordem, tratando a relação entre culto e apostolado. Foi evidenciada a descontinuidade da relação entre sacerdócio pagão-veterotestamentário e sacerdócio neotestamentário e o modo novo de apresentar a relação ministro-mundo. Em consequência, nascia a necessidade de sistematizar a identidade do presbítero, sobretudo, recuperando o primado da Palavra no ministério.
Com efeito, Presbyterorum ordinis, decreto conciliar que refletia sobre o ministério e a vida dos sacerdotes, procurou compensar os limites da visão tridentina e considerou a necessidade de tratar os presbíteros com mais amplitude e profundidade para que no meio das situações pastorais e humanas, o ministério se mantenha com mais eficácia. Quanto a espiritualidade do sacerdote, o decreto procurou libertá-la da moldura monástica. Recentemente, Erio Castellucci caracterizou algumas passagens fundamentais desse decreto. Da perspectiva da consagração para a perspectiva da missão eclesial. Trento partiu de uma perspectiva sacramental, da Eucaristia à ordem, o Vaticano II coloca a doutrina em um contexto mais amplo, como forma de cumprir a missão eclesial. Da singularidade do ministério cultual à integração dos ministérios profético e pastoral. De uma visão sacerdotal individualista para uma visão presbiteral da comunidade, na qual este ministério também é caracterizado como participação no ministério episcopal. Optou-se pelo vocabulário presbiteral em relação ao sacerdotal, por sua maior proximidade com a linguagem do Novo Testamento e por enfatizar mais sua especificidade, não poderia ser subestimada. Do padre alter Christus e mediador, expressões deliberadamente excluídas, ao padre que trabalha em nome de Cristo. Da santidade como alimento do ministério ao ministério como elemento da própria santidade (CASTELLUCCI, 2017, p. 317-326).
Por conseguinte, o esquema do triplex munus ou tria munera teve enorme sucesso no Vaticano II e foi aplicado à Igreja, aos bispos, aos sacerdotes e aos leigos. Um sistema que trouxe diversas vantagens e, ao mesmo tempo, oferecia perigos e grandes riscos a verdade da própria Igreja, pois é um modelo que apresenta uma longa e controversa história. A perspectiva originária desse modelo não é eclesiológica, mas cristológica. O escopo principal é a capacidade de unificar a missão de Cristo com a pluralidade de dimensões: profética, sacerdotal e real. A intenção verdadeira é a tentativa canonista de colocar, em primeiro lugar, o magistério doutrinal em função do sacramental e do disciplinar: magisterium, ministerium e regimen. Esses aspectos influenciam, com força, o agir pastoral da Igreja e a própria teologia pastoral. Com isso, no pós-concílio abriram-se novas e intermináveis reflexões sobre o mesmo aspecto. Em modo quase mecânico e funcionalista, a estrutura da Igreja com seus instrumentos pastorais se adequou em torno dos tria munera, tornando-se, a tentação mais imediata e autorreferencial (cf. BRAMBILLA, 2011, p. 389-407). Entretanto, tendo a necessidade de voltar nesse tema, devemos ser conscientes de que é diferente a auctoritas de quem governa respeito a quem anuncia e celebra (cf. GRILLO, 2008, p. 266).
Nossa última consideração está na formulação in persona Christi. Por sinal, somente 9 vezes empregada no Vaticano II. Ela significa a atribuição a Cristo de certos atos postos pelo padre ao título de seu ministério e que devem ser situados no contexto de invocação do Espírito. Entretanto, mal interpretada, essa fórmula favorece um isolamento funcional da ação dos padres em relação à da Igreja e sugere que há padres em si e para si, situados acima da Igreja, provocando vários e constantes problemas. Por vezes, a metafisica ontológica, a partir do inpersona Christi, atribui uma função “reapresentativa” e não “re-presentativa”. O ministro como aquele que substitui a Cristo e não como aquele que o torna memorialmente presente una cum o povo de Deus reunido. Dizer memorialmente não significa diminuir a força da presença, mas categoriza pontualmente aquela que é e permanece uma função, de modo absoluto, necessária e importante (cf. MILITELLO, 2019, p. 90).
Se os sinais de renovação foram evidentes e persuasivos são também evidentes que os métodos pastorais posteriores sofreram à causa de reducionismos, de retornos, de dispositivos de bloqueio e de elementos incompreendidos. Depois dos primeiros anos de implementação das reformas, em especial, a partir da década de 1980, algumas vozes surgiram questionando os métodos, bloqueando a própria perspectiva conciliar e defendendo o retorno à equivocada “tradição de sempre”, isto é, ao método da cristandade tardo-medieval.
O Concílio foi uma chance de reforma significativa para o ministério ordenado, pois muitas questões que hoje se abrem, tiveram a oportunidade de serem respondidas naquele momento. Embora o decreto conciliar tenha sido dogmático, ele não conseguiu responder, de maneira específica, a inquietação relativa ao cuidado dos fiéis e do ministério presbiteral. No entanto, positivamente, não repetiu uma imagem falsificada do sacerdote desconsiderando sua realidade humana. Diante disso, o Vaticano II mostrou-se incompleto e não soube entregar, junto com a sua visão eclesiológica renovada, um fundamento dinâmico e adequado para a reforma ministerial.
Assim sendo, no período pós-conciliar encontramos uma crescente bibliografia que, na sua grande maioria, tratava da problemática sacerdotal no ministério. A partir do ano de 1967, torna-se corrente a expressão crise sacerdotal. Neste ambiente de crise, o Sínodo dos Bispos de 1971 abordou o tema do sacerdócio ministerial centrando sua reflexão sobre a identidade do presbítero, procurando respostas para o difícil momento vivido pelos padres da época e que hoje permanecem com novas dolorosas situações e com impensadas perguntas. O documento sinodal intitulou-se Ultimis Temporibus e apresentou a figura do sacerdote num mundo em mudança.
Em 1991, um segundo sínodo, seguido pela Exortação apostólica Pastores Dabo Vobis, tratava da formação do sacerdote nas circunstâncias atuais. Contudo, as indicações de Pastores dabo vobis, talvez o documento pós-conciliar mais importante sobre o ministério, não conduziu a um repensamento estrutural. Nesse afirma-se que o discernimento vocacional se deve confrontar com quatro dimensões fundamentais: humana, espiritual, intelectual e pastoral. A esfera pastoral é colocada em último lugar, evidenciando o paradoxo de um documento que deliberadamente escolhia intitular-se utilizando o termo pastores. A formação pastoral não está fora, acima ou abaixo das outras dimensões, mas se impõe como o fim específico. Por formação pastoral, de fato, não se entende a capacidade de aprender técnicas ou metodologias particulares, mas educar a si mesmo a um estilo e a uma mens que oriente toda a personalidade (cf. BRANCOZZI, 2021, p. 128-133).
Em seguida, em 1994, trinta anos após Presbyterorum Ordinis, a Congregação para o Clero publicou o “Diretório sobre o ministério e a vida dos presbíteros”. Em 2001 foi realizado o sínodo com o tema “O bispo, servo do Evangelho de Jesus Cristo para a esperança do mundo”, junto ao qual seguiu a exortação apostólica Pastores Gregis (2003). Em 2009, celebrando os 150 anos da morte do Santo Cura D’Ars, foi convocado um ano sacerdotal, cuja intuição e teologia apresentava concepções diversas da teologia ministerial do Vaticano II e gerava completas dissonâncias da vocação ministerial tentando salvar a crise sacerdotal com estranhas elaborações ao tempo e com justificativas distantes das grandes problemáticas do clero. Em 2016 foi lançada a última edição da Ratio fundamentalis institutionalis sacerdotalis, onde encontramos um texto prudente, não tocando uma reforma necessária sobre os lugares e os tempos da formação, mas com numerosos aspectos que manifestam uma nova forma de olhar. Podemos dizer que o texto possui três palavras-chaves: humanidade, espiritualidade e discernimento. Nisso, em alguns elementos, essa última versão inspira-se no interesse missionário de Papa Francisco e recoloca a formação ministerial dentro da dinamicidade batismal e eclesial.
Observando esta grande movimentação pós-conciliar nos perguntamos: qual é o ponto crítico da questão? Todas as tentativas parecem buscar o sentido, a identidade e a forma adequada para o ministério ordenado. Dessa maneira, encontramos um tipo de pensamento mais preocupado com a instituição, a partir de uma intelectual proteção de um passado teórico, do que uma preocupação de ação inteligente e de interesse pelo novo apresentado aos nossos olhos. A tentativa é prevenir as inseguranças, as crises e outros problemas. Os particularismos e as discussões são temidos, enquanto se cai nos nominalismos. Retém-se o significante para ignorar os significados. O resultado disso é o crescimento de uma perspectiva conservadora, tradicionalista e sacerdotalizante, que tende a desvalorizar a presença do fiel batizado. Nesse sentido, toda essa movimentação “exortativa” e pouco “performativa” tem sido muito pouca. O problema é muito maior e trata-se daquela mediocritas que é a perversão e a morte da vocação batismal (cf. CENCINI, 2015, p. 48).
Temos uma mediocridade que ameaça a todos, seja os que estão na formação inicial seja aqueles que vivem na formação permanente. Essa mediocridade pode ser observada na falta de motivações qualificadas, de aspirações sérias, na ausência de visão epocal e na carência de perspectiva eclesial. Na origem da mediocridade está a incapacidade de aceitar a constante rediscussão de si mesmo, que a vida obriga constantemente e que o medíocre ignora, pois acredita que tudo já temos. A mediocridade é confortável. É uma espécie de anestesia, uma droga psicotrópica. É a escolha de um único modo de ser. Uma revolução anestesiante ocorreu silenciosamente diante de nossos olhos, mas mal a percebemos: a mediocracia nos oprimiu. Qualquer formador de seminário ou qualquer professor nas nossas faculdades de teologia podem observar tal sentimento com facilidade. O interesse por visões criativas, por novas perspectivas e livres visões é ausente ou inexistente. Por isso, a mediocracia deve ser temida porque causa sofrimento e é a antecâmara do autoritarismo. O autoritarismo é psicótico e a mediocracia é perversa. Psicótico porque o autoritarismo não tem dúvidas sobre quem deve decidir. A mediocracia é perversa porque tenta dissolver a autoridade nas pessoas, fazendo-as internalizá-la e se comportar como se fosse sua própria vontade. De fato, temos que temer a mediocracia porque ela deriva de sistemas decadentes de poder. O poder consolidado teme o confronto com a inteligência e teme de ser abatido nas suas ideias de base. No trabalho, no amor, na amizade, na saúde, na Igreja e no ministério, por vezes, são preferidas as soluções medíocres, justamente porque não são prejudiciais ao sistema. Resistir para sair da mediocridade certamente não é fácil. Mas talvez seja importante tentar. Somos chamados a ser testemunhas da inquietação, da incompletude e da imaginação (cf. MORRONE, 2021).
Cientes da amplitude do ministério e das suas consequentes configurações, somos convictos da fracassada reforma. A reforma das mentalidades e das estruturas clericais continuam sendo uma tarefa complexa e profunda a ser realizada. Em seu cerne exige a renovação do modelo teológico-cultural milenar herdado pela Igreja, segundo o devir eclesial e as necessidades emergentes a fim de manter a apostolicidade e a catolicidade ao largo da história. Se de um lado já podemos encontrar a riqueza de repensar o ministério em uma perspectiva missionária, por outro devemos reconhecer que a estrutura das nossas comunidades cristãs permanece aquela da cristandade. Por isso, não podemos nos abandonar aos velhos esquemas e comportamentos. Não podemos nos habituar a indiferença e a neutralidade. As atitudes do Senhor estão totalmente ao polo oposto.
Marcados novamente por uma profunda transformação sociocultural somos convictos de que muitas vozes se convergem para pedir que a Igreja reflita sobre alguns dos seus aspectos. São vozes que, ao menos nos últimos 100 anos, estão unidas para evocarem a transformação de alguns mecanismos que estão bloqueados e chegaram ao fim. Nesse sentido, temos necessidade de uma reforma que toque o corpo eclesial a fim de torná-lo idôneo e significativo para o nosso contexto atual; e de uma reforma que, não sendo somente espiritual, seja estrutural. De forma definitiva, precisamos de coragem e parrhesia para abandonar os modelos tridentinos e pós-tridentinos de organização eclesial que tem acompanhado quase cinco séculos de experiência católica-sacramental, plasmando ideias, espiritualidades, modelos e formas.
Não é necessário ser esperto e especialista de leitura conjectural e sociológica para saber que a situação na vida da Igreja e, em particular, na vida do clero, é grave. A nossa atual situação não é nada confortável. Isso é alarmante e deprimente. Muitos usam sua posição na Igreja ou sua autoridade espiritual para satisfazer suas próprias necessidades autorreferenciais e seus desejos autocentrados. Uma pergunta fundamental poderia ser: qual o núcleo gerador dessas situações por demais dramáticas? É a sacerdotalização do ministério, resultado de uma estruturação sistemática, ligada à uma forma de Igreja transmitida pela reforma gregoriana, que, sacralizando a exterioridade, exigiu um temor reverente e autorreferencial, uma perigosa concepção do poder (sacra potestas), lógica essa que continua a produzir causadores e vítimas (cf. MARQUES, 2021, p. 196-197).
O nó do problema é sistemático, ou seja, está na própria estrutura da Igreja. Temos alguns mecanismos que contribuem sistematicamente à indiferença, ao autoritarismo e à toda forma de abuso. Temos que aceitar que a crise seja institucional e que o melhor modo de intervir é colocar-se também nesse nível. Quando o Papa Francisco insiste que “dizer não aos abusos, é dizer não, em modo categórico, a qualquer forma de clericalismo” (FRANCISCO, 2018, p. 1284), é claramente consciente de que o tipo de autoridade e de poder reconhecido ao clero na Igreja deve ser reformado. É difícil negar que, no curso da história, os efeitos da ordenação foram sobrestimados, descaracterizando todos os ministérios sempre mais do seu aporte carismático e mudando o modo de entender a cura animarum. O sacerdote é descrito como “outro Cristo”, “mediador entre Deus e os homens”, “sacerdote para sempre”, “superior aos anjos”. Algumas espiritualidades chegaram a descrevê-lo como fonte fecunda e inexaurível da graça. O Vaticano II certamente reequilibrou esta espiritualidade sacerdotal, mas continuou tomando para si, expressões técnicas suscetíveis a ambiguidades, como in persona Christi. Na realidade essa espécie de idealização abstrata é a origem e não a solução do problema (cf. LEGRAND, 2020, p. 555-558).
Desse modo, para que a Igreja encontre nova credibilidade deve ser sincera consigo mesma e coerente na sua real e salutar capacidade autocrítica. Para não saltarmos da gravidade ao desespero, dependemos de medidas que colham os sinais equivocados e os erros. Somos forçados a abraçar um verdadeiro e urgente caminho de conversão. Uma mudança paradigmática. O desafio é de entrar num intenso processo de conversão do coração e da mente. Uma conversão que não pode ser simplesmente uma reação às denúncias que veem de fora, mas fruto do desejo autêntico de uma vida evangélica. Faz-se necessário não somente indignação, mas conversão permanente. A tarefa não é fácil e nem de curto prazo. Não podemos permitir que uma esclerose institucional impeça à Igreja de responder aos novos desafios. Se desejarmos uma forma nova de Igreja que não escorregue numa fácil retórica, devemos rever as dinâmicas de serviço, mediação e autoridade, sem cair na tentação de impedir um repensamento em nome da fidelidade à tradição. Aliás, quanto ao não desejo de reforma em nome da fidelidade à tradição é preciso recordar e sublinhar que por baixo da repetição e da perpetuação de modelos e formas passadas esconde-se, na realidade, uma rejeição à História da Salvação no seu dinamismo de crescimento e de necessária mudança (cf. SEMERARO, 2018, p. 14-16).
Nesses aspectos estão o futuro do cristianismo no Ocidente. Em outras palavras, o nosso futuro depende da estrada que tomaremos depois do pontificado de Francisco, que soube interpretar de modo evidente a hermenêutica que foi iniciada pelo Concílio. Por vezes, temos a impressão de que, quanto mais a história vai adiante, alguns aspectos que tocam a estrutura da Igreja parecem tendencialmente voltar-se para trás ou justificarem-se com abstrações por demais objetivas e obsoletas.
Uma das categorias bases para a elaboração da ideia conciliar, sobretudo, para que a Igreja continuasse sua missão no mundo era a leitura dos “sinais dos tempos”, ou seja, a leitura dos fenômenos que, pela sua generalidade ou pela sua grande frequência, caracterizam épocas e de onde através deles são definidas necessidades e aspirações. Por conseguinte, “sinais dos tempos” é aquela complexidade de eventos, experiências de vida, união de valores que, tendo atingido a consciência crítica na linguagem adotada por uma determinada cultura histórica, provoca a necessidade de repensar e reformular a sua linguagem à luz da fé, sobretudo, no testemunho de vida para maior fidelidade ao Evangelho e eficácia na comunicação. Em vista disso, chamamos “sinais dos tempos” tudo aquilo que na história, ajuda, estimula e provoca a Igreja desenvolver de melhor modo sua missão em sintonia não somente com um evento do Jesus histórico, mas com a ação do Espírito do Ressuscitado na história humana. Com efeito, esse foi o caminho endereçado pelo Concílio, quando convidou a teologia e todo o povo de Deus a prestar particular atenção aos “sinais dos tempos” em função de uma renovação da Igreja – conversão ou autorreforma – a fim de melhor realizar a sua missão salvífico-evangelizadora dentro da história humana (cf. FERRETI, 2017, p. 105-108).
Neste contexto, observamos que são muitos os “sinais dos tempos” em referência ao sacramento da ordem. As problemáticas marcam o ambiente eclesial em que vivemos exigindo que novas decisões sejam objeto de discernimento da comunidade eclesial, da própria teologia e da fé. Dessa forma, são urgentes esclarecimentos elementares e fundamentais, a partir de movimentos que trazem desconexões e reconexões. Dessa forma, muitos são os sinais que nos convidam a acolher e a discernir com simplicidade o desejo de sermos autênticos discípulos e atores qualificados para a missão salvífica. A tarefa é árdua, dada a ambiguidade dos fenômenos históricos. Ao mesmo tempo, os sinais mostram que o tempo vivido pela Igreja é propício, que a mudança de época é visível e que velhas perguntas podem ser novamente refeitas, exigindo respostas novas e não repetidas, através da inteligência evangélica e do discernimento, para sem medo conseguir retornar ao essencial do próprio Evangelho, renunciando aos formalismos oficiais e aos sentimentalismos individuais.
Naturalmente, por exemplo, o cuidado pastoral deve ter uma função grandiosa e, ao mesmo tempo, simples, colocando a Palavra e os gestos cristãos dentro do alfabeto da vida humana para suscitar novos discursos e formas de vida. Somente uma libertação das imagens equivocadas dos espaços e da experiência sacramental do povo de Deus abrirá a estrada para uma efetiva e criativa participação do batizado, tornando-se presença fecunda da Igreja na história. Hoje o coração da cura animarum não é somente a salvação das almas, mas a edificação da Igreja como sinfonia no caminho do povo de Deus em direção ao Reino (cf. BRAMBILLA, 2018, p. 54). Isso requer passagens importantes e um ministério adequado ao tempo. As experiências são em ato, os sinais são encorajantes, os êxitos incertos.
Foi a perda da instância evangélica de serviço que colocou sobre as costas do ministério dois problemas: a imagem de um ministério sacral e o modelo de um ministério jurídico-institucional. Conforme C. Militello, ter introjetado uma sacralidade estranha a qualidade constitutiva, ter constituído a partir disso um próprio léxico e uma forma foi o mais gritante mal-entendido. No melhor dos casos, isso produziu compreensões quase esquizofrênicas do poder sacro, permitindo que a teologia caísse em concepções redutivas e distorcidas, apresentando os resultados que hoje nos convidam a fazer sérias autocríticas (cf. MILITELLO, 2019, p. 86-88). Não havia entendimento correto da sacralidade, mas centralização do poder; não existia validade por fidelidade a um programa ritual, mas o exercício sacralizado de autoridades prudentes. Nesse panorama, não podemos continuar tratando a autoridade como um poder sacral, nem muito menos como um poder que seja diverso daquele de servir. Por isso, o imperativo categórico de hoje é restituir ao ministério a sua significação imediata, a diakonia.
Sempre existiu uma correspondência entre a imagem concreta de Igreja e a figura histórica de ministério. Sem dúvidas, o bom exercício do ministério deve interrogar-se sobre a imagem da Igreja que deseja edificar. Em contrapartida, a Igreja deve interrogar-se sobre qual imagem deseja ser reconhecida e de onde está tirando a sua razão de ser. Em outras palavras, o ministério é bom se dá a possibilidade à Igreja de realizar-se como comunidade evangélica e missionária (cf. BRAMBILLA, 2018, p. 68).
Papa Francisco, até o momento, não dedicou de forma específica qualquer documento destinado ao ministério ou à formação presbiteral. Nem mesmo Evangelii Gaudium contém particulares atenções, salvo algumas passagens esporádicas que são destinadas a toda a Igreja. A única parte específica é o amplo momento dedicado à preparação da homilia. No entanto, Francisco toca no problema do ministério de padres e bispos em diversas circunstâncias, oficiais e não, onde mostra o seu pensamento, as vezes de modo muito duro e crítico. Para o papa, os ministros são chamados a ser homens de misericórdia, a viver uma sincera sobriedade pessoal, uma distância dos bens, a fuga do carreirismo e a radicalidade evangélica. A imagem mais evocativa desse estilo é a do pastor que partilha a sua vida com as próprias ovelhas, não conhecendo somente o nome, mas assumindo também o cheiro (cf. BRANCOZZI, 2021, p. 145-147).
Neste panorama, precisamos reconhecer a passagem fundamental: do culto à missão. A missão não é um ornamento, um apêndice, uma parte da vida ministerial, é algo que não pode ser arrancado do ser do ministro (FRANCISCO, 2013, n. 273). Em breve não teremos mais necessidade de uma simples presença cultual ligada aos sacramentos ou limitada a gerenciar as etapas existências de uma comunidade paroquial, mas será necessária uma figura missionária, evangelizadora, capaz de anunciar a amizade com o Senhor. A nova evangelização exige conversão pastoral e transformação estrutural da Igreja: “ninguém põe vinho novo em odres velhos, senão, o vinho arrebenta os odres, e perdem-se o vinho e os odres, mas vinho novo em odres novos!” (Mc 2,22). De fato, o Evangelho arrebenta uma Igreja cristalizada no “cômodo critério pastoral: ‘fez-se sempre assim’” (FRANCISCO, 2013, n. 33) e uma Igreja enrijecida em formas medievais e adaptações mercadológicas (cf. SUESS, 2018, p. 28). No entanto, se por um lado, é certamente uma grande riqueza repensar o ministério em uma perspectiva missionária; por outro, devemos reconhecer que a estrutura das nossas comunidades cristãs permanece aquela da cristandade.
Ao mesmo tempo, temos de ser conscientes de que os ministros não são enviados para correr atrás de almas perdidas e nem mesmo para defender regras e códigos distantes do Evangelho, mas para salvar, para atrair vidas pela beleza convidativa da fé experimentada no mundo e na história, para “dizer palavras de incentivo, que reconfortam, consolam, fortalecem, estimulam ao invés de palavras que humilham, angustiam, irritam, desprezam” (FRANCISCO, 2020, n. 223). Esse desafio não é simples, mas muito mais delicado. Se trata de passar de uma presença espacial a uma presença fecunda. Esses aspectos nos permitem compreender a metáfora da Igreja como “hospital de campanha”.
O sacerdote é chamado a aprender isto, a ter um coração que se comove. Os presbíteros — permiti que use esta palavra — «ascetas», aqueles «de laboratório», completamente limpos e bonitos, não ajudam a Igreja. Hoje podemos pensar a Igreja como um «hospital de campo». Isto, perdoai-me se repito, porque o vejo assim, porque o sinto assim: um «hospital de campo». É necessário curar as feridas, e elas são numerosas. Há tantas chagas! Existem muitas pessoas feridas por problemas materiais, por escândalos, até na Igreja... Pessoas feridas pelas ilusões do mundo... Nós, sacerdotes, devemos estar ali, próximos destas pessoas. Misericórdia significa, antes de tudo, curar as feridas. Quando alguém está ferido, tem necessidade imediata disto, não de análises, como os valores do colesterol, da glicemia... Mas quando há uma ferida, curemo-la e depois vejamos as análises. Em seguida, façam-se os tratamentos com um especialista, mas antes é necessário curar as chagas abertas (FRANCISCO, 2014, p. 184).
Contudo, essas metáforas correm o risco de tornarem-se apenas slogan diminuindo a profundidade da proposta de Francisco. O dever da Igreja de inclinar-se nas feridas da humanidade não deriva do seu serviço filantrópico, mas da própria exigência do Evangelho da misericórdia: “a Igreja ‘em saída’ é a comunidade de discípulos missionários que ‘primeireiam’, se envolvem, acompanham, frutificam e festejam” (FRANCISCO, 2013, n. 24). Dessa forma, aos ministros habituados com as normas, Papa Francisco convoca a corresponsabilidade processual; aos ministros limitados na aplicação das normas e na defesa dos valores inegociáveis, o papa invoca a fadiga e a liberdade da reflexão; aos ministros, defensores do poder e do autoritarismo, o bispo de Roma evoca o dever da criatividade. Destarte, para não dar razões aos “nominalismos ineficazes que, no máximo, classificam e definem, mas não empenham [...], é preciso passar do nominalismo formal à objetividade harmoniosa” (FRANCISCO, 2013, n. 232).
A maior dificuldade do clero hoje é a de ser formado para um mundo que está deixando de existir. Evidentemente, esta situação pede novas mudanças. Não tem sentido ser preparado para uma sociedade que na realidade está em decadência ou não existe mais. Por isso, a formação do clero parece ser uma das questões fundamentais nas discussões relativas aos problemas e impasses que a Igreja católica atravessa em nossa época. É preciso continuar a questionar o modelo que está embutido no processo formativo e que é transmitido aos candidatos. O seminário, por exemplo, é um lugar importante e necessário, porém é um lugar que reforça os que são bons, mas não é capaz de ajudar os doentes, inclusive, tornando-os mais doentes. Hoje precisamos de homens que sejam verdadeiros mediadores entre os componentes objetivos e os componentes subjetivos do aspecto sacramental. Embora a superação dessa dicotomia resulte evidente, não é. A humanidade do ministro deve ser a normal mediação da obra de salvação contribuindo para o sentido do sacramento da penitência, ou seja, é o seu testemunho humano e vivencial que permitirá a mediação, não o seu conhecimento teórico e literário. Todavia, esta capacidade não se improvisa e nem se investiga com algumas perguntas retóricas, dialéticas e canônicas e nem mesmo com uma formação in vitro. Ela é fruto de itinerários iniciáticos, das experiências da vida, dos contatos com a história pessoal, de uma mens eclesiológica saudável, da performance ritual e da sacramentalidade do ministério.
O objetivismo forte da mentalidade clássica e tardo-moderna deve ser corrigido a partir da recuperação simbólica-ritual a fim de ajudar toda o objetivação jurídica-dogmática e sentimental-espiritual. Ademais, é preciso descobrir que o que fundamenta um serviço qualificado não é a estrutura metafisica-ontológica, mas a dinâmica histórica-relacional; não a firmeza do conceito, mas a visibilidade de uma imagem com sua qualidade espiritual e carismática; não o poder recebido, mas a autoridade vivenciada (cf. LAFONT, 1998, p. 75). Na perspectiva metafisica-ontológica temos sempre o risco de favorecer o pensamento mágico- -automático, que cancela totalmente a visão cristã centrada no dom e na liberdade, sendo fortemente rejeitada pela sociedade, pois é continuamente vista como medo e insegurança por muitos. É tempo de abraçar nitidamente a abordagem relacional como única possibilidade de compreender o humano e de poder intuir sobre a estrutura existencial e social mediante gestos (sacramentos) que sejam lugar de encontro (com o divino) e então da construção da vida entre os homens (cf. MARANESI, 2016, p. 13). Estruturalmente, a reflexão (formação) é a personalização da passagem do ato ao sujeito acontecida por meio da experiência e da vivência. Nesse sentido, é a partir dessa dinâmica que articularemos melhor experiência e auctoritas, no plano verbal e não-verbal, interior e exterior e a clássica expressão agire in persone Christi assumirá um sentido mais vasto do que em precedência. A necessidade que temos de apontar caminhos plausíveis de compreensão do fundamento teológico do ministério, não é somente uma questão logística ou uma espécie de solução técnica para a resolução de problemas, mas é uma questão teológica de ampla pertinência que deve nos ajude a renunciar as incompreensões de idoneidade e as improvisações. As possíveis reformas deverão ser acompanhadas de aprofundamentos teológicos necessários, de modo particular no campo da sexualidade, na teologia dos ministérios, na espiritualidade sacerdotal e, mais globalmente, na eclesiologia (cf. LEGRAND, 2020, p. 560). Nesse sentido, não nos bastam formações no plano das ideias, nem elaborações de novos conceitos, nem mesmo exortações pastorais sobre a dimensão ministerial. Muitas vezes, esse caminho comporta uma preocupação ascética-moral, canônica-jurídica e, consequentemente, acabada por heroísmos individuais, devocionais e pelo primado da potência. Portanto, as passagens que precisamos tocam a metamorfose teológica-ministerial e a mediação que estrutura a vida eclesial-sacramental mostrando-se possíveis graças aos novos sinais dos tempos e à mudança de época. Precisamos ir mais além. O nosso desafio atual é entrar num processo de conversão permanente com o intuito de elaborar projetos autênticos e evangélicos. Se esse processo não for o princípio, podemos ter a certeza de que nada ou pouco, além das aparências, será transformado. Esse processo de conversão não deve se reduzir a formas exteriores ou a vagos propósitos. Não bastam exortações, documentos, formações teorizadas e objetivadas. Algumas prescrições nos servem para adequação de procedimentos e sanções, mas não conseguem pôr fim à algumas dinâmicas.
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