Exegese do Salmo 72 à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica. Um rei que espelha o coração de Deus.
Exegesis of Psalm 72 in the light of Semitic Biblical Rhetorical Analysis. A king who reflects the heart of God.

Waldecir Gonzaga
Doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma. Pós-doutorado pela FAJE, BH, Brasil. Diretor e Professor de Teologia Bíblica do Departamento de Teologia da PUC-Rio. Criador e líder do Grupo de Pesquisa Análise Retórica Biblica Semítica, credenciado junto ao CNPq. E-mail: waldecir@hotmail.com

Jane Maria Furghestti
Doutora em Teologia pela Pontifícia Universidade do Departamento de Teologia da PUC-Rio. Membro do Grupo de Pesquisa Análise Retórica Biblica Semítica, credenciado junto ao CNPq. E-mail: 
jmariaf@hotmail.com


Voltar ao Sumário


Resumo: 

No Salmo 72, o salmista roga a Deus em favor da futura dinastia. Ele súplica por um monarca que saiba seguir os padrões divinos de justiça e retidão. Para isso, ele invoca a bênção divina sobre a dinastia davídica. Para ser um instrumento da realeza de Deus na terra, o monarca precisa viver e agir de acordo com a vontade divina (Sl 72,1). A manutenção da paz e da prosperidade reside na sabedoria do rei, em preservar a bênção por muitas gerações, realizando um governo de justiça e julgamento. A prosperidade do rei ungido será comparada à chuva sobre a campina, numa imagem vivificante, que remete a um novo renascimento para o povo de Deus (Sl 72,5-6). O governante exercerá grande domínio sobre as nações, que se submeterão a ele e o bendirão para sempre. Haverá um longo período de paz e estabilidade, com um governo justo e próspero (Sl 72,9-11). O Sl 72 centraliza qualidades e atitudes necessárias para o governo de um grande rei. Ele viverá para defender os oprimidos (vv.12-13). Será um governo de paz e segurança aos vulneráveis e justiça aos injustiçados (vv.16-17). O salmista utiliza da expressão metafórica יִֽירָא֥וּךָ עִם־שָׁ֑מֶשׁ וְלִפְנֵ֥י יָ֜רֵ֗חַ (“Eles te temerão sob o sol e diante da lua”) para retratar a duração do governo do rei, um reino que subsistirá ao tempo, semelhante ao sol e à lua (vv.5; 7;17). A mensagem do Sl 72 vai além dos descendentes de Jessé, ao fazer referência ao reino universal e eterno de um soberano perpétuo. 

Palavras-chave: Salmos; Justiça; Súplica; Deus; Reinado; Paz. 

Abstract: 

In Psalm 72, the psalmist pleads with God for the future dynasty. His prayer asks for a monarch who knows how to follow the divine standards of justice and righteousness. For this he invokes the divine blessing on the davidic dynasty. To be an instrument of God's kingship on earth, the monarch must live and act according to divine will (Ps 72:1). The maintenance of peace and prosperity lies in the king's wisdom in keeping the blessing for many generations, carrying out a government of justice and judgment. The prosperity of the anointed king will be compared to the rain on the meadow, in a life-giving image, which refers to a new rebirth for the people of God (Ps 72:5-6). The ruler will perform great sovereignty over nations, who will be submissive to him and bless him forever. There will be a long period of peace and stability, with a just and prosperous government (Ps 72:9-11). Ps 72 emphasizes qualities and attitudes necessary for the government of a great king. He will live to safeguard the oppressed people (vv.12-13). It will be a government of peace and security for the vulnerable and justice for the wronged (vv.16-17). The psalmist uses the metaphorical expression יִֽירָא֥וּךָ עִם־שָׁ֑מֶשׁ וְלִפְנֵ֥י יָ֜רֵ֗חַ (“They will fear you under the sun and before the moon”) to portray the duration of the king's rule, a kingdom that will endure in time, similar to “the sun and the moon” (vv.5; 7; 17). Ps 72 portrays a message that goes beyond the reigns of the descendants of Jesse, by referring to the universal and eternal kingdom of a perpetual sovereign. 

Keywords: Psalms; Justice; Prayer; God; Reign; Peace. 

Introdução[1]

O Saltério encontra-se no centro do AT e contém o coração da revelação. É, às vezes, denominado “A Bíblia dentro da Bíblia”, já que apresenta um condensado dos conteúdos dos livros anteriores e antecipa o pensamento dos livros posteriores. Ele é o único livro das Sagradas Escrituras com o qual todos os outros escritos dialogam e mostram afinidade (HOFF, 1998, p. 64), sendo citado em muitas situações, inclusive no Novo Testamento, a exemplo de Paulo, em suas cartas (DEL PÁRAMO, 1963, p. 229-241).

A autoridade do Saltério para o Judaísmo e para o Cristianismo é indiscutível. A vida religiosa judaica, tanto a comunitária quanto a privada, tem sido formada desde o seu início pelos salmos bíblicos. No livro das orações dos judeus, os midrashim, e nos rituais da sinagoga, é visível a presença abrangente do Saltério Hebraico. De modo semelhante, para a Igreja Cristã, o NT é repleto de citações do Saltério (CORBAJOSA, 2018, p. 523-524) e diversos hinos, como o Magnificat, refletem uma continuidade com os louvores de Israel. Além disso, o cristianismo tem o livro de oração da Liturgia das Horas, profundamente marcado pelo ritmo dos Salmos.

O Saltério proporcionou uma força decisiva na formação da liturgia cristã desde os seus períodos iniciais, da Época Medieval e da Reforma. Mesmo, hoje, muitos hinos da Igreja, que perduram, são baseados nos salmos do AT (CHILDS, 2011, p. 508). E nisto se confirma uma perfeita sintonia entre a alma individual e a alma coletiva do judeu e do cristão, que cantam e louvam a Deus com os salmos (HOFF, 1998, p. 64), numa espiral crescente de confiança nas mãos do Senhor (GONZAGA, 2018, p. 155-170). Israel, através de sua história, muitas vezes, sofrida e tortuosa, continuará a recitar, a meditar e a cantar o Saltério, por ocasião de suas numerosas festas nacionais e religiosas, nos ritos da sinagoga e nos lares, tanto que se poderia reafirmar que o povo judeu já nasce com este livro, completamente enraizado em sua vida. Igualmente os cristãos, em toda a sua liturgia ou paraliturgia.

A coletânea dos 150 salmos não perfaz os únicos salmos da Bíblia, eles também estão presentes em outros livros (ZENGER, 2003, p. 307-308).[2] Sua divisão em cinco grandes partes (HOFF, 1998, p. 71)[3] guarda uma semelhança, sem dúvida intencional, à formação da Torah, composta por cinco livros, contendo, no final de cada uma das partes, uma fórmula de bênção ou doxologia com as expressões “Amém, Amém” (HOFF, 1998, p. 71)[4]. Esta coleção leva o nome grego de Psaltérion (LXX), mas a Bíblia Hebraica a chama de Sepher Tehillîm, livro das orações (GONZAGA, 2018, p. 157). Os Salmos são composições que refletem as verdadeiras experiências e vivências de seus autores, inclusive suas emoções (HOFF, 1998, p. 77), que os colocou em categorias, de acordo com o seu uso no culto, reconheceu que muitos eram composições independentes e os classificou em grupo de cinco: os hinos[5], as lamentações comunitárias[6], as lamentações individuais (súplicas), os salmos reais[7], ao qual pertence o Sl 72 (CORBAJOSA, 2018, p. 5199), aqui analisado, e os cantos de ação de graças[8] (HOFF, 1998, p. 71 e 74). A esta classificação ainda se juntam os salmos explicitamente litúrgicos, que são aqueles de ingresso, que indicam as condições para o fiel tomar parte no culto do Templo (Sl 15; 24); os salmos requisitórios, nos quais há um requisitório de Deus contra o povo ou contra os pecadores (Sl 50; 81); os salmos de peregrinação, cantados na peregrinação à Jerusalém (Sl 120–134); os salmos sapienciais, que são de índole proverbial (Sl 127; 133); salmos que falam do sofrimento do inocente (Sl 37; 49; 73); os salmos históricos que narram e cantam a história de Israel[9]

1. Sobre o Salmo 72

O Sl 72 é um salmo real (TATE, 1990, p. 222), tendo muito do gênero “litania” (APARICIO, 2006, p. 299), no qual todas as petições[10] são voltadas para um monarca justo e reto (KRAUS, 1995, p. 121). Muito provavelmente, este salmo foi composto para um determinado rei histórico, um ungido do Senhor, contudo, aos poucos, ele foi adquirindo uma dimensão escatológica, passando a indicar o rei futuro, o rei Messias, tão aguardado pelo povo, aquele que levaria Israel a sua total realização[11]. As ideias principais que estão na base dos salmos reais são a promessa de perenidade da dinastia davídica (2Sm 7,11-12), a declaração do rei como “filho de Deus”, uma filiação que envolve proteção e relação especial.

A pesquisa histórico-crítica tem procurado mostrar que os salmos reais surgiram em um cenário histórico cúltico específico e que compartilhavam muitas características das antigas crenças reais do Oriente Próximo. O salmo honrava a grandeza de um rei, às vezes, em termos muito próximos à sua divinização e buscava sua bênção como um canal para a bênção divina (MONTI, 2018, p. 783). No Sl 72,5-6, por exemplo, tem-se uma exaltação dirigida a um monarca, dentro do reino temporal, com promessa de plenitude: 

“Eles te temerão sob o sol e diante da lua, de geração de gerações. Que ele desça como a chuva sobre a campina, como aguaceiros que umidificam na terra. Florescerá em seus dias a justiça, e abundância de paz até o fim da lua”. 

O Sl 72 exibe o título לִשְׁלֹמֹ֙ה, um nome junto à preposição לִ, que pode significar “para, de ou por” Salomão (CHILDS, 2011, p. 515). Este título, como tal, aparece apenas aqui no Sl 72 e no Sl 127. Ele sugere uma ambiguidade, já que se poderia interpretar que Salomão seria o autor ou a pessoa a quem o salmo é dedicado. A segunda possibilidade nos parece mais provável (HOFF, 1998, p. 138). Mas é difícil fazer uma afirmação categórica e precisa acerca da autoria (AGOSTINHO, 1997, p. 535; TATE, 1990, p. 222; APARICIO, 2006, p. 299; WEISER, 1994, p. 377). Além disso, temos a afirmação “ao flho do rei”, que pode indicar, em sentido amplo, “um herdeiro do trono”, um davídico e não necessariamente Salomão (KRAUS, 1995, p. 120). O salmo encerra-se com a sentença “Concluídas as orações de David” e parece natural entender que o redator compreendeu que o salmo era “para” Salomão e oferecido por David. Por meio deste título, o editor indicava ao leitor/ouvinte que o salmo poderia ser compreendido no contexto da história bíblica narrada no Livro dos Reis e das Crônicas. A promessa da bênção divina, em 1Rs 8, aparece conectada com os oráculos de Natan (2Sm 7) e está baseada na obediência aos mandamentos de Deus. Quando lido dentro desse contexto, o Sl 72 não mais funciona como exemplo de uma antiga crença real do Oriente Próximo, mas como uma oração de David para Salomão, para que este exerça seu governo como um justo monarca que, com fidelidade, possa realizar o reinado de Deus na terra, de acordo com a promessa divina (CHILDS, 2011, p. 516-517; MAYS, 2010, p. 266). 

Alguns estudiosos entendem que o próprio David escreveu este salmo para a coroação de seu filho Salomão e que representa o desejo do pai para o reinado do filho (HOFF, 1998, p. 68-69), podendo ter sido usado na liturgia de entronização real (WEISER, 1994, p. 377)[12]. Outros, no entanto, consideram este salmo uma composição de Salomão, a qual seria uma descrição glorificada de seu reinado de paz e justiça. Ainda que não exista um senso comum sobre esta questão, a tradição judaico-cristã o considera um salmo messiânico (TATE, 1990, p. 222). A imagem do rei e de seu reinado aparece descrita com nítidas cores com as quais os profetas descrevem o rei Messias e seu domínio[13]. Será um reinado de paz (v.7) sem fim (vv.5.17), sobre todas as nações (vv.8.11); um governo de misericórdia, justiça e integridade (vv.7.12-14); uma época de fertilidade inigualável (v.16) (HOFF, 1998, p. 138); de tal forma que, a misericórdia do rei, conhecer-se-á a misericórdia divina (WEISER, 1994, p. 377).

2. Texto, segmentação e tradução

          Sl 72

Para Salomão[14]

v.1a

לִשְׁלֹמֹ֙ה  

Ó Deus, os teus julgamentos[15] ao rei concede

v.1b

אֱֽלֹהִ֗ים מִ֭שְׁפָּטֶיךָ לְמֶ֣לֶךְ תֵּ֑ן

e tua justiça ao filho do rei. 

v.1c

וְצִדְקָתְךָ֥ לְבֶן־מֶֽלֶךְ׃

Que ele governe[16] teu povo com justiça,

v.2a

יָדִ֣ין עַמְּךָ֣ בְצֶ֑דֶק

e os teus pobres com julgamento.

v.2b

וַעֲנִיֶּ֥יךָ בְמִשְׁפָּֽט׃

Que tragam os montes a paz ao povo,

v.3a

יִשְׂא֤וּ הָרִ֓ים שָׁ֨ל֥וֹם לָעָ֑ם

e as colinas em justiça.[17]

v.3b

וּ֜גְבָע֗וֹת בִּצְדָקָֽה׃

Ele julgará[18] os pobres do povo,

v.4a

יִשְׁפֹּ֤ט׀ עֲֽנִיֵּי־עָ֗ם

salvará os filhos do necessitado

v.4b

י֭וֹשִׁיעַ לִבְנֵ֣י אֶבְי֑וֹן

e aniquilará o opressor.

v.4c

וִֽידַכֵּ֣א עוֹשֵֽׁק׃

Eles te temerão[19] sob o sol e diante da lua, geração de gerações.[20]

v.5a

יִֽירָא֥וּךָ עִם־שָׁ֑מֶשׁ וְלִפְנֵ֥י יָ֜רֵ֗חַ דּ֣וֹר דּוֹרִֽים׃

Que ele desça como a chuva[21] sobre a campina,

v.6a

יֵ֭רֵד כְּמָטָ֣ר עַל־גֵּ֑ז

como aguaceiros que umidificam[22] a terra.

v.6b

כִּ֜רְבִיבִ֗ים זַרְזִ֥יף אָֽרֶץ׃

Florescerá[23] em seus dias a justiça[24] 

v.7a

יִֽפְרַח־בְּיָמָ֥יו צַדִּ֑יק

e abundância de paz até o fim da lua.

v.7b

וְרֹ֥ב שָׁ֜ל֗וֹם עַד־בְּלִ֥י יָרֵֽחַ׃

Que ele domine de mar a mar, 

v.8a

וְ֭יֵרְדְּ מִיָּ֣ם עַד־יָ֑ם

desde o rio até aos confins da terra.[25]

v.8b

וּ֜מִנָּהָ֗ר עַד־אַפְסֵי־אָֽרֶץ׃

Diante dele se curvarão os habitantes do deserto,[26]

v.9a

לְ֭פָנָיו יִכְרְע֣וּ צִיִּ֑ים

e seus inimigos comerão[27] o pó.

v.9b

וְ֜אֹיְבָ֗יו עָפָ֥ר יְלַחֵֽכוּ׃

Dos reis de Társis e das ilhas levarão oferta,

v.10a

מַלְכֵ֬י תַרְשִׁ֣ישׁ וְ֭אִיִּים מִנְחָ֣ה יָשִׁ֑יבוּ

dos reis de Sabá e de Sebá oferecerão tributo.[28]

v.10b

מַלְכֵ֥י שְׁבָ֥א וּ֜סְבָ֗א אֶשְׁכָּ֥ר יַקְרִֽיבוּ׃

E se prostrarão a ele todos os reis,[29]

v.11a

וְיִשְׁתַּחֲווּ־ל֥וֹ כָל־מְלָכִ֑ים

todas as nações o servirão.

v.11b

כָּל־גּוֹיִ֥ם יַֽעַבְדֽוּהוּ׃

Pois, ele livrará o necessitado, que suplica, 

v.12a

כִּֽי־יַ֭צִּיל אֶבְי֣וֹן מְשַׁוֵּ֑עַ

e o pobre e o que não tem quem o socorra.

v.12b

וְ֜עָנִ֗י וְֽאֵין־עֹזֵ֥ר לֽוֹ׃

Terá piedade do vulnerável e do necessitado

v.13a

יָ֭חֹס עַל־דַּ֣ל וְאֶבְי֑וֹן

e as almas dos necessitados salvará.

v.13b

וְנַפְשׁ֖וֹת אֶבְיוֹנִ֣ים יוֹשִֽׁיעַ׃

Da opressão e da violência resgatará a alma deles,[30] 

v.14a

מִתּ֣וֹךְ וּ֭מֵחָמָס יִגְאַ֣ל נַפְשָׁ֑ם

É precioso o sangue deles[31] a seus olhos.

v.14b

וְיֵיקַ֖ר דָּמָ֣ם בְּעֵינָֽיו׃

Assim, viva[32]

v.15a

וִיחִ֗י

e a ele será dado do ouro de Sabá,  

v.15b

וְיִתֶּן־לוֹ֘ מִזְּהַ֪ב שְׁ֫בָ֥א

interceda-se[33] por ele sempre,

v.15c

וְיִתְפַּלֵּ֣ל בַּעֲד֣וֹ תָמִ֑יד

todo dia o abençoe.[34]

v.15d

כָּל־הַ֜יּ֗וֹם יְבָרֲכֶֽנְהֽוּ׃

Que haja abundância de trigo na terra,

v.16a

יְהִ֤י פִסַּת־בַּ֙ר׀ בָּאָרֶץ

no cume dos montes se agite, como o Líbano, o seu fruto, 

v.16b

בְּרֹ֪אשׁ הָ֫רִ֥ים יִרְעַ֣שׁ כַּלְּבָנ֣וֹן פִּרְי֑וֹֹ

e que eles floresçam[35] da cidade, como erva da terra.

v.16c

וְיָצִ֥יצוּ מֵ֜עִ֗יר כְּעֵ֣שֶׂב הָאָֽרֶץ׃

Que seja seu nome para sempre,

v.17a

יְהִ֤י שְׁמ֙וֹ לְֽעוֹלָ֗ם

diante do sol, germine[36][a] o seu nome 

v.17b

שְׁ֫מ֥וֹ [יִנּ֪וֹן] (יָנִין) לִפְנֵי־שֶׁמֶשׁ֘

e serão abençoados nele,[37]  

v.17c

וְיִתְבָּ֥רְכוּ ב֑וֹ

todas as nações[38] o felicitarão.

v.17d

           כָּל־גּוֹיִ֥ם יְאַשְּׁרֽוּהוּ׃

Bendito seja YHWH Deus, o Deus de Israel,

v.18a

בָּר֤וּךְ׀ יְהוָ֣ה אֱ֭לֹהִים אֱלֹהֵ֣י יִשְׂרָאֵ֑ל

que faz maravilhas, somente[39] ele.

v.18b

עֹשֵׂ֖ה נִפְלָא֣וֹת לְבַדּֽוֹ׃

Bendito seja o nome de sua glória[40] para sempre.

v.19a

וּבָר֤וּךְ׀ שֵׁ֥ם כְּבוֹד֗וֹ לְע֫וֹלָ֥ם

E de sua glória seja toda a terra.

v.19b

וְיִמָּלֵ֣א כְ֭בוֹדוֹ אֶת־כֹּ֥ל הָאָ֗רֶץ

Amém! Amém! 

v.19c

אָ֨מֵ֥ן׀ וְאָמֵֽן׃

Concluídas as orações de David, filho de Jessé.[41]

v.20

כָּלּ֥וּ תְפִלּ֑וֹת דָּ֜וִ֗ד בֶּן־יִשָֽׁי׃

3. Notas à tradução  

a) v.2a: a raiz verbal דין é encontrada 25 vezes no AT, sempre no qal, com exceção de 2Sm 19,10, no nifal. O substantivo דין ocorre 24 vezes e seu significado original abrange todos os atos da justiça, que absolve o justo ou condena o culpado (HAMP, 1978, p. 187-188). A raiz verbal דין quando relacionada à atividade humana, aparece em passagens que falam dos responsáveis pela defesa dos direitos dos vulneráveis e necessitados da sociedade (KRAUS, 1995, p. 121), pedindo por eles (Sl 72,2.4, alertando-os (Jr 21,12; Pr 31,9), advertindo-os (Jr 22,16) ou proferindo punições contra os maus (Jr 5,28). O uso de דין pode se referir, especialmente, ao julgamento justo das questões dos vulneráveis e necessitados quando acompanhado da expressão בְצֶ֑דֶק (Sl 72,2a) (SCHULTZ, 2011, p. 914-915).

 A raiz verbal דין, aplicada à atividade divina, refere-se ao governo de Deus (Jó 36,31); às nações em geral (Sl 9,8; 96,19); aos atos específicos de juízo (Gn 14,15) e às nações e aos seus governantes (Sl 110,6). O Sl 72 “alude ao rei como um juiz justo” (CORBAJOSA, 2018, p. 519).

Quando a raiz verbal דין tem o significado de “julgar, fazer justiça”, geralmente, aparece como sinônimo da raiz verbal שׁפט. Esta raiz denota, antes de tudo, o ato de sentenciar, de arbitrar uma decisão legal, enquanto a raiz דין se refere mais ao processo formal, como um todo. A raiz דין pode ser interpretada, como um ato do juiz e שׁפט como uma decisão declarada pelo juiz. Tem-se procurado demonstrar que o significado predominante de דין pode ser aquele que denota “autoridade, governança, chefia”, além de uma decisão vinculada a uma ação judicial (HAMP, 1978, p. 187-188). 

b) v.2b: os escritos bíblicos enfatizam, de modo especial, a ação de Deus em favor dos mais necessitados. O Senhor se propõe a libertar os miseráveis de seus opressores e de suas condições indignas, desejando reverter o seu destino[42]. A ação de Deus, em favor dos pobres, ganha centralidade nas diversas tradições bíblicas, ao destacar as narrativas que contam a história do povo de Deus, ao ocupar as tradições jurídicas do Antigo Israel e ao inspirar os discursos profético-sapienciais (GRENZER, 2010, p.441).

Ao lado do vocábulo אֶבְיוֹן, o termo עָנִי refere-se, de modo geral, a todos aqueles que se encontram em condições vulneráveis (Sl 82, 3-4) (BODA, 2016, p. 459). O vocábulo עָנִי parece o mais adequado para designar o pobre como vítima da opressão econômica (Is 3,15; Ez 18,12) (SKA, 2018, p.78), do tratamento injusto nas decisões legais (Is 10,2) e da vitimização através da decepção (Is 32,7). Para Isaías e Jeremias, o libertador do pobre é o rei (Is 14,32; Jr 22,16), mas, em outros textos, YHWH é retratado como o único defensor do pobre (Hab 3,14; Sf 3,12) (EPSZTEIN, 1990, p. 134-135). Os vulneráveis à opressão, no Antigo Israel, são aqueles considerados à margem da sociedade e formam grupos distintos: o pobre, o necessitado, a viúva e o órfão (GRENZER, 2007, p. 179).[43] 

c) v.4a: a raiz verbal שׁפט descreve uma série de ações que garantem a justiça, particularmente, no domínio social. São ações tanto realizadas por Deus quanto por um agente humano e podem denotar o sentido de “governar, reger”, como uma atividade contínua ou “julgar, livrar, resgatar”, como uma atividade específica.

Entre os sujeitos indicados pela raiz verbal שׁפט encontram-se o rei, o juiz, o profeta, a assembleia israelita e seus oficiais e YHWH; e entre os objetos incluem Israel, as nações estrangeiras e especialmente os necessitados.

As passagens, que fazem referência ao grupo dos necessitados, refletem uma correspondência maior entre a raiz verbal שׁפט e o estabelecimento da justiça, dentro de um contexto, que vai além do tribunal. A forma verbal שׁפט aparece com a raiz verbal דין, com sentido de “julgamento”, “julgar”[44]; רִיב, com sentido de “disputar, rivalizar, brigar, debater”[45]; מִשְׁפָּט, com sentido de “julgamento”, “justiça”[46]; אֱמוּנָה, com sentido de “verdade” (Sl 96,13) e אֱמֶת, com sentido de “fidelidade”[47] (SCHULTZ, 2011, p. 212-213).

d) v.4c: a raiz verbal דכא abrange um grande campo semântico e pode ter o sentido de “aniquilar, esmagar, triturar, reduzir a pó, pulverizar, oprimir, abusar”; em um sentido figurado pode significar “humilhar” (KLEIN, 1987, p. 124). Esta raiz é utilizada, particularmente, para pessoas, e pode transmitir a ideia de “opressão”, como o esmagamento do corpo e do espírito. 

A raiz verbal דכה ocorre somente nos salmos e denota o sofrimento do poeta pela ira de Deus (Sl 38,9); associa a ira de Deus ao sofrimento que vive (Sl 44,20); reconhece a culpa e implora perdão (Sl 51,10) e suplica por sacrifícios agradáveis a Deus (Sl 51,19) (O’CONNELL, 2011, p. 921). 

No v.4c, a forma verbal וִֽידַכֵּא, piel yiqtol, expressa a ideia do rei ideal que aniquila o opressor, aniquilação emocional ou física, construindo assim uma oposição aos vv.4ab. O v.4c chama atenção para o rei que defende a causa do vulnerável e do necessitado, e aniquila qualquer um que os ameaça (FUHS, 1990, p. 204).

e) v.4c: a raiz verbal עשׁק descreve a ação de oprimir e pode significar também “extorquir, explorar, roubar, ofender, agir com violência, injuriar” (KLEIN, 1987, p. 489). Esta raiz denota ações que carregam uma conotação negativa.   O profeta pede que se faça justiça aos necessitados, que estes não sejam oprimidos (SICRE, 1990, p. 583). São ações proibidas (Lv 19,13; Dt 24,4), caracterizadas como repreensíveis (Lv 5,21.23) e injuriosas à pessoa afetada (Dt 28,29.33). O uso da raiz עשׁק aparece na lista de ações reprováveis (Ez 18,10-18; 22,23-31) e aflições temíveis (Sl 146,7-9) (GERSTENBERGER, 2001, p. 413), na falha em pagar a um assalariado pobre (Dt 24,14-15; Ml 3,5), na perda da colheita para uma nação subjugada (Dt 28,33) ou na opressão de um povo exilado (Is 52,4; Jr 50,33) (BODA, 2016, p. 458-459).

f) v.5a: a raiz verbal ירא é frequente no AT. Sua forma verbal aparece, geralmente, no qal, com sentido de “temor, respeitar, adorer”. Em algumas ocorrências, o objeto do temor pode ser uma situação do cotidiano; em outras, Deus pode ser o objeto do temor. Porém, a natureza do “temor de Deus” depende dos contextos particulares. Dentre os aspectos do temor, que a raiz ירא abarca, estão “pavor, respeito e adoração”. No entanto, “pavor e adoração” são dois extremos, que podem traduzir pólos opostos, pois o primeiro sugere uma ansiedade e o último exprime confiança. A atitude de respeito pode expressar um sentido reduzido de “medo ou adoração” (FUHS, 1990, p. 292-296).

 Os salmos apresentam o grupo dos “tementes a Deus”[48]; com diversas designações: aqueles que te temem (Sl 31,20), dos que o temem (Sl 34,8), daqueles que temem o seu nome (Sl 61,6), vós que temeis a Deus (Sl 66,16). A partir do contexto cultural dos salmos, fica evidente que o emprego do temor a Deus encontra-se mais associado com adoração do que, propriamente, com temor; pois eles glorificam e permanecem em reverência a Deus (Sl 22,24). O segredo de Deus é para aqueles que o temem (Sl 25,14), que serão abençoados (Sl 115,13; 128,1), cuja salvação está próxima deles (Sl 85,10) (VAN; KAISER, 2011, p. 529).

g) v.6b: a raiz verbal זרף pode designar “fluir ou afluir”, aspergir com grande abundância, também inclui o sentido de chuva mais forte, gota, respingo. O v.6b apresenta a expressão זַרְזִ֥יף para falar do poder do rei que descerá como chuva sobre a campina, como aguaceiros, que umidificam a terra. Um modo de se referir ao poder do rei sobre a terra, uma súplica para que o seu domínio conceda vida aos seus súditos, da mesma forma que as chuvas abundantes trazem vida ao solo (HAMILTON, 2011, p. 1125-1126).  

h) v.10b: a raiz verbal קרב, em seu sentido básico, significa “aproximar-se, adiantar-se”; no hifil tem sentido de “oferecer, conceder, trazer para perto”. Esta raiz, além de proximidade física, também pode denotar proximidade temporal (Sl 69,19; Ml 3,5) (ARNOLD, 2011, p. 975). 

No hifil, com o sentido de “aproximar, trazer”, pode apresentar um objeto pessoal: os israelitas surpreendem o homem e o trazem para um julgamento (Nm 15,33; Js 8,23), um homem traz uma madianita diante de Moisés e da comunidade (Nm 25,6) e um líder faz se aproximar um grupo para um propósito particular (Js 7,16-18). O hifil também pode denotar o oferecimento de tributos ou presentes para um governante. No Sl 72,10, o hifil יַקְרִֽיבוּ descreve a ação dos reis das regiões longínquas que oferecem tributo ao rei idealizado pelo salmista (GANE; MILGROM, 2004, p. 141-142).  

O valor teológico da raiz קרב se dá quando o salmista aguarda que Deus se aproxime para libertá-lo (Sl 69,19). Deus se aproxime para julgar (Ml 3,5) ou, então, para reanimar (Lm 3,57). O homem também pode se aproximar de Deus, como os sacerdotes que o servem (Lv 9,7) ou os levitas, ao cumprir o serviço do tabernáculo do Senhor (Nm 16, 9-10) (ARNOLD, 2011, p. 974).

i) v.14a: a forma verbal גָּאַל, normalmente, é utilizada em conexão com a vida social e legal e com os atos redentores divinos. Em diversos textos do AT esta forma verbal apresenta o sentido de “libertar, resgatar, redimir, ser redimido, ser liberto”. Existem outras formas paralelas, que funcionam quase como um sinônimo à forma גָּאַל: a raiz verbal פדה, com sentido de “resgatar, redimir, remir”[49]; a raiz verbal ישׁע, com sentido de “salvar, libertar” (Is 60,16; Sl 106,10) e a raiz verbal נצל, com sentido de “salvar, resgatar”[50] (RINGGREN, 1975, p. 351-353).   

A forma גָּאַל é usada pelo salmista para pedir a proteção de YHWH, num contexto de domínio de “orgulho e pecado” (Sl 19,15): quando o povo de Israel se lembra daquele que o libertou do Egito (Sl 78, 35) e na súplica para ser salvo numa situação de dificuldades legais (Sl 119. 54) (HUBBARD, 2011, p. 768).

No v.14, o salmista declara a ação do rei que resgatará a alma dos necessitados das mãos do opressor (יִגְאַ֣ל). O segmento anterior (v.13), descreve a imagem do rei protetor dos direitos dos necessitados, que salvará as suas almas (יוֹשִֽׁיעַ) (RINGGREN, 1975, p. 351-353).  

 j) v.15d: a forma verbal יְבָרֲכֶנְהוּ, da raiz ברך, no no piel, pode significar “abençoar, louvar, saudar, ser abençoado, ser louvado”. A raiz ברך aparece nas línguas semíticas com dois significados: o de joelho, “ajoelhar, fazer ajoelhar-se”, e com o significado de abençoar. A ligação tradicional de “ajoelhar” e “abençoar” vem da suposição de que a pessoa a ser abençoada se ajoelhava para receber uma bênção. Contudo, nas diversas passagens, em que a oração é mencionada no AT, a pessoa que ora, pode permanencer em pé (WILLIAMS, 2011, p. 731.).

A fórmula padronizada בָּר֤וּךְ é utilizada para pessoas que estão particularmente comprometidas ou em débito (1Sm 26,25), ou pessoas socialmente ligadas pela mesma fé (Dt 33,20; Sl 118,26). Esta fórmula implica o reconhecimento de profunda relação com a pessoa nomeada e um modo de expressar reconhecimento ao Deus da aliança de Israel.

A locução בָּר֤וּךְ יְהוָה, com significado de “abençoado seja (é) YHWH”, pode ser frequentemente ampliada por um epíteto de YHWH ou pelo complemento “para sempre ou eternamente”[51]. Em algumas expressões, o nome divino vem substituído pelas locuções “meu rochedo” (2Sm 22,47), “a glória de YHWH” (Ez 3,12) ou “o nome de sua glória” (Sl 72,19) (SCHARBERT, 1975, p. 285-286).

k) v.17d: a forma verbal יְאַשְּׁרֽוּהוּ, da raiz אשׁר, pode ser traduzida por “verdadeiramente feliz, abençoado, quão feliz, bem-aventurado”. Trata-se de um vocábulo nominativo abstrato; aparece como um plural intensivo construto, que em diversas ocasiões tem um sentido exclamativo. As versões com sentido de “feliz, bem-aventurado”, são limitadas a contextos seculares e com sentido de abençoado, bendito são usadas com função mais sagrada, solene e religiosa (BROWN, 2011, p. 555).

  O vocábulo אַשְׁרֵי aparece com mais frequência nos salmos. Ele inicia o Sl 1,1 (GONZAGA; SANTOS, 2020, p. 1-17), é encontrado no Sl 2,12, está ausente nos dois primeiros livros dos Salmos, com exceção do último salmo de cada grupo (32-41 e 65), ocorre nos salmos que concluem as coleções I (Sl 42,2), III (Sl 89,16) e IV (Sl 106,3), e está presente no último livro (em especial no Sl 119,1s).

Esta evidência ajuda a perceber uma conexão entre o vocábulo אַשְׁרֵי e a liturgia do Segundo Templo. O temo אַשְׁרֵי remete a um grito litúrgico, e sua conexão com a raiz verbal אשׁר (caminhar, ir adiante) pode remeter ao peregrino que buscava o Templo e ao seu retorno do exílio. Este ato torna o crente “feliz” e explica o significado das diversas versões que expressam אַשְׁרֵי como “bem-aventurado” (CAZELLES, 1977, p. 446.).   

Apesar da semelhança semântica (Sl 1,1 e Jr 17,7), os termos אַשְׁרֵי e בָּר֤וּךְ refletem suas formas gramaticais variadas e distinções lexicais entre as suas raízes. O vocábulo אַשְׁרֵי evidência mais um estado de felicidade, enquanto o vocábulo בָּר֤וּךְ, embora não exclua este estado, refere-se ao recebimento de poder ou de ser favorecido, como aquele que recebe uma bênção do Senhor, sendo assim, o “abençoado” (BROWN, 2011, p. 739).  

4. Estrutura do Salmo 72             

O Sl 72 é formado por um título (v.1a) e subdividido em quatro partes: 1) vv.1b-4; 2) vv.5-11; 3) vv.12-14; 4) vv.15-19 e uma doxologia final, no v.20, de caráter “hínico ou litúrgico” (KRAUS, 1995, p. 126; TATE, 1990, p. 223). 

A primeira parte (vv.1b-4) inicia com uma súplica a Deus, para que os julgamentos divinos sejam concedidos ao rei e sua justiça à sua descendência (v.1bc): será um governo justo, voltado para o povo e os pobres (v.2ab); com a natureza portadora da paz e justiça (v.3ab); um governo que julga os pobres (v.4a) e salva os filhos do necessitado (v.4b), mas aniquila o opressor (v.4c), e a justiça mira os pobres (APARICIO, 2006, p. 300), que esperam pela justiça (AGOSTINHO, 1997, p. 549). 

A segunda parte (vv.5-11) retrata todo o alcance do rei, na dimensão temporal (v.5a), descreve o valor de suas ações benéficas (v.6ab) e chama atenção para os atributos divinos aplicados a ele (v.7ab). Há o retorno do tema do domínio do rei sobre toda a terra (v.8ab) e sua soberania diante dos inimigos (v.9a); a submissão das nações (v.9b); o reconhecimento das nações distantes (v.10ab) e os gestos de subserviência perante o rei justo (v.11ab). A soberania e as bênçãos do rei devem constituir um reflexo da soberania e das bênçãos divinas (WEISER, 1994, p. 377).

A terceira parte (vv.12-14) retorna ao tema da proteção do rei aos marginalizados (v.12ab), também o vulnerável e o necessitado são dignos de sua piedade (v.13ab), porque o rei os resgatará da injúria e da violência (v.14ab). O bom governo se traduz em defesa dos mais pobres e fragilizados (APARICIO, 2006, p. 302).

A quarta parte (vv.15-19) enfatiza a recompensa dada ao rei justo (v.15ab) e a ação de interceder por ele e o abençoar (v.15cd): a fertilidade agrícola, que decorre de um governo favorável (v.16ab); a expansão dos homens na cidade (v.16c); a existência de seu nome para sempre (v.17ab); os que serão abençoados neste nome e as nações que o felicitarão (v.17cd). O salmista bendiz a “YHWH Deus”, “Deus de Israel”, por suas maravilhas (v. 8ab), bendiz o nome de sua glória e enaltece a glória divina por toda a terra (v.19abc).  No v.20, a doxologia final indica a conclusão das orações de David e faz menção ao seu pai, Jessé.

O Sl 72, em sua estrutura, submetido aos critérios do Método da Análise Retórica Bíblica Semítica, de Roland Meynet,[52] com seus níveis ou figuras e frutos, possibilita ser melhor visto em sua tessitura, com sua temática, aspectos linguísticos e teológicos, visto que a chave de leitura metodológica oferece condições de análise e interpretação de textos bíblicos e extrabíblicos. Com a aplicação deste método é possível ler o salmo, tendo presente os termos estruturantes do mesmo. Neste sentido, realçamos alguns termos que são importantes ao longo de cada uma das partes e do todo do Sl 72, como se vê no gráfico a seguir.

A primeira parte: vv.1b-4

1a. Para Salomão 

1b. Ó DEUS,                   os teus JULGAMENTOS     ao rei concede. 

                                         e tua JUSTIÇA                     ao filho  do rei.

2. Que ele governe           teu POVO                            com JUSTIÇA,

  e os teus POBRES                                                      com JULGAMENTO.

--------------------------------------------------------------------------------------------------

3.Que tragam                   os montes                                a paz ao POVO, 

                                         e as colinas,                            em justiça.

4. Ele JULGARÁ            os POBRES                             do POVO,

          salvará                   os filhos                                  do necessitado 

       e aniquilará               o opressor.

-------------------------------------------------------------------------------------------------

A segunda parte: vv.5-11

5. Eles te temerão sob o sol 

  e diante da lua, geração de gerações.

6. Que ele desça        como a chuva sobre a campina,

                                    como aguaceiros que umidificam a terra.

7. Florescerá em seus dias a justiça 

    e abundância de paz até o fim da lua.

------------------------------------------------------------------------------------------

8. Que ele domine      de mar a mar,

   desde o rio               até aos confins da terra.

9. Diante dele             se curvarão os habitantes do deserto,

   e seus inimigos       comerão o pó.

-------------------------------------------------------------------------------------

10. Dos reis de Társis e das ilhas levarão oferta,

      Dos reis de Sabá e de Sebá oferecerão tributo

 

11. E se prostrarão a ele       todos os reis

      todas as NAÇÕES         o servirão.

-----------------------------------------------------------------------------------------------

A terceira parte: vv.12-14

12. Pois, ele LIVRARÁ       o NECESSITADO,      que suplica 

      e o POBRE,                    e o que não tem           quem o socorra.

13.Terá piedade                     do VULNERÁVEL e do NECESSITADO

     e as almas                         dos NECESSITADOS SALVARÁ.

14. Da opressão                    e da violência resgatará a alma deles,

      É precioso                       o sangue deles a seus olhos

-------------------------------------------------------------------------------------------

A quarta parte: vv.15-19

15. Assim, viva     e a ele será dado       do ouro de Sabá

      Interceda-se por ele sempre, todo dia o abençoe.

16 Que haja       abundância de trigo na terra,

      no cume dos montes se agite,   como o Líbano, o seu fruto,

      e que eles floresçam da cidade, como erva da terra.

---------------------------------------------------------------------------------------

17. Que seja          SEU NOME para sempre,

      diante do sol,  germine o SEU NOME

                              e serão abençoados nele 

                               todas as NAÇÕES o felicitarão.

18. Bendito seja YHWH DEUS, DEUS de Israel,

     Que faz maravilhas, somente ele.

19. Bendito seja O NOME de sua GLÓRIA para sempre.

      E de sua GLÓRIA seja toda a terra

      Amém! Amém!

Doxologia final: v.20

Concluídas as orações de David, filho de Jessé (Ishay).

5. Análise Retórica do Salmo 72 

O Sl 72 tem uma estrutura concêntrica (CORBAJOSA, 2018, p. 519): os vv.1-4 e 5-7, das duas partes iniciais, estão em paralelo com os vv.12-14 e 15-17, as duas partes finais. Se os vv.1-4 e 12-14 falam do governo do rei em prol de seu povo, os vv.5-7 e 15-17 falam das bênçãos que se pedem para ele. E os vv.18-19, com seus “benditos” constituem uma doxologia litúrgica, que desemboca na doxologia final do II Livro do Saltério (v.20) (MAYS, 2010, p. 268; TATE, 1990, p. 225; APARICIO, 2006, p. 308).

As súplicas do Sl 72 (WALTKE, 2011, p. 1168)[53] buscam o estabelecimento de um reinado justo, governado por um rei universal, um rei terreno que pede ao rei celeste a capacidade de saber manifestar sua justiça e retidão aos olhos do seu povo e das nações estrangeiras (WALTKE, 2011, p. 1168-1169).

No v.1bc, o salmista suplica a Deus, utilizando-se de um imperativo, única ocorrência no Sl 72, para que os julgamentos divinos sejam concedidos ao rei e a justiça divina seja concedida à sua descendência, de tal forma que a justiça humana seja espelho da justiça divina (WEISER, 1994, p. 378; TATE, 1990, p. 223), pois o rei deve ser como que o “’braço estendido’ de Deus” (KRAUS, 1995, p. 125). A expressão לְבֶן־מֶֽלֶךְ, literalmente “ao filho do rei” (v.1c) faz um paralelo à expressão לְמֶ֣לֶךְ “ao rei”, do v.1b, mas, às vezes, pode se referir ao mesmo indivíduo. No entanto, esta terminologia parece enfatizar o lugar do novo rei na dinastia real davídica (KSELMAN, 1975, p. 77- 81). As duas expressões paralelas מִשְׁפָּטֶיךָ e וְצִדְקָתְךָ são direcionadas a Deus. Neste sentido, as palavras de súplica são para que o governo do rei e de sua descendência sejam marcados pela justiça e pelos julgamentos divinos (APARICIO, 2006, p. 301). As petições são em favor do filho do rei, que ele reine com justiça, que seu domínio seja protegido de seus inimigos e que ele tenha uma vida longa e seja abençoado. A súplica do salmista, desde o seu início, já vislumbra a futura geração do monarca.

Nos vv.1bc e 2ab, o uso repetido do sufixo de segunda pessoa masculina singular, mostra Deus como destinatário. Ainda nessa estrutura, encontram-se os nomes nos vv.1b e 2b, no plural, e os nomes nos vv.1c e 2a, no singular. Porém, todos eles estão relacionados a Deus: os teus julgamentos (v.1b), tua justiça (v.1c), teu povo (v.2a) e os teus pobres (v.2b) (SCHÖKEL; SICRE DIAZ, 2004, p. 541).[54]

A - Ó Deus, os teus julgamentos ao rei concede (v.1b)

                                 B - e tua justiça ao filho do rei (v.1c).

B’ - Que ele governe teu povo com justiça (v.2a) 

                                                A’ -     e os teus pobres com julgamento (v.2b).

O v.2ab continua a enfatizar o governo do rei debaixo da justiça e do julgamento, mas agora com as expressões usadas de modo inverso ao v.1bc. Nestes, o salmista pede por julgamentos e justiça, mas, no v.2ab, a estrutura inverte e ele pede por justiça e julgamento, colocando estes dois termos em paralelo (MEYNET, 2019, p. 360), formando uma estrutura quiástica AB-B’A’ (TATE, 1990, p. 223). Pode-se salientar ainda que, nos vv.1bc e 2ab aparecem em sequência alguns grupos sociais iniciados, primeiramente, pelas expressões “ao rei” e  “ao filho do rei”, pela noção geral “povo” e mais particular “pobres”, que são “os destinatários e beneficiários da justiça do rei” (MEYNET, 2019, p. 360).

O v.3ab inicia com um cenário topográfico, uma imagem que sugere o alcance do governo do rei justo, porém com destaque para os vocábulos “povo” (vv.2a e 3a) e “justiça”, já mencionados anteriormente (vv.2a e 3b). A crítica textual sugere a ordem da sentença diferente da construção do v.3ab, sendo: “Os montes e as colinas trarão paz ao povo”, com justiça. No entanto, o TM, separa os vocábulos do mesmo campo semântico “montes” e “colinas”, enfatizando a expressão בִּצְדָקָֽה, no v.3b, e reafirmando um possível desejo: “que tragam os montes a paz ao povo” (v. 3a) e “as colinas em justiça (v. 3b)”, indicando um movimento em prol da justiça e da paz, desde as colinas e as montanhas. O rei irá sempre praticar a justiça e conduzir seu povo para a paz, em todos os campos e momentos de seu governo. Para tanto, o campo lexical do Sl 72 vai conduzindo para este movimento em prol dos “necessitados” (MEYNET, 2019, p. 360). 

O v.4abc destaca as três formas verbais regidas pelo yiqtol, terceira pessoa masculina singular (יִשְׁפֹּ֤ט, י֭וֹשִׁיעַ e וִֽידַכֵּ֣א) e expressa as ações de “julgar, salvar e aniquilar”: o rei julgará os pobres do povo, salvará os filhos do necessitado e aniquilará o opressor. Os pobres do povo são os pobres de Deus, já mencionados no v.2b; os filhos do necessitado formam outro grupo sob o governo do rei, que age segundo a vontade divina, na terra (KRAUS, 1995, p. 125). A ação intensiva do piel yiqtol וִֽידַכֵּ֣א, no v.4c, com uma conotação negativa, contrasta com o hifil yiqtol יוֹשִׁיעַ, do v.4b. As três formas verbais mostram certa relação pelas ações que exercem: “julgar, salvar e aniquilar”. Contudo, o contraste maior encontra-se entre as formas verbais יוֹשִׁיעַ e וִידַכֵּא (“salvar e aniquilar”), do v.4bc, que espelham as ações do rei em favor dos grupos vulneráveis. 

O v.5a principia com uma retórica direcionada àquele que julgará os pobres do povo (v.4a), salvará os filhos do necessitado (v.4b) e aniquilará o opressor (v.4c), indicando que “o rei deverá julgar segundo a justiça e o direito” (MONTI, 2018, p. 784), pois “o rei tem a obrigação de cuidar dos pobres” (KRAUS, 1995, p. 125). A forma verbal יִירָאוּךָ, regida por um qal yiqtol, terceira pessoa masculina plural, com sufixo de segunda pessoa masculina singular, pode significar “temer, recear” (Gn 22,12; 2Rs 17,7) ou “ser temeroso” (Gn 3,10; 15,1). Esta conotação, aliada ao complemento do v.5a יִֽירָא֥וּךָ עִם־שָׁ֑מֶשׁ וְלִפְנֵ֥י יָ֜רֵ֗חַ דּ֣וֹר דּוֹרִֽים (“Eles te temerão sob o sol e diante da lua, geração de gerações”) retrata uma perpetuidade no tempo, “indicando a duração de um reino dilatado no tempo, marcado com luzes de eternidade” (APARICIO, 2006, p. 302; AGOSTINHO, 1997, p. 543), pedindo “vida longa para o rei” (MEYNET, 2019, p. 360). A compreensão mais ampla deste segmento quer designar a permanência do rei no âmbito temporal, com uma descendência duradoura, conforme a vontade divina. Neste sentido, o TM se aproxima da versão da LXX, que utiliza a expressão καὶ συμπαραμενεῖ, com sentido de “ele permanecerá, continuará”. 

No v.6ab, os vocábulos fazem referência à renovação da vida. A ação favorável do rei se assemelha à germinação do solo, depois das chuvas tão esperadas. Os vocábulos “chuva – campina / aguaceiros – terra” formam dois pares que constituem uma metáfora, para descrever um novo tempo para o povo, um renascimento debaixo da proteção do rei.

A ênfase do v.7ab está no vocábulo צַדִּיק, um atributo divino, no entanto, dado ao rei, para que exerça domínio sobre toda a terra. O sentido de צַדִּיק (“justo ou justiça”) recebe maior ênfase pela oposição a עוֹשֵׁק (“opressor”), do v.4c, objeto da ação do rei em favor dos oprimidos. 

Aqui, uma linguagem agrícola persiste, para descrever um tempo de restauração, expressa pela forma verbal יִֽפְרַח, um qal yiqtol, terceira pessoa masculina singular, junto ao vocábulo שָׁלוֹם, ambos remetendo à prosperidade e à paz duradoura; o salmo suplica por vida longa (MAYS, 2010, p. 266). O vocábulo שָׁ֜ל֗וֹם, normalmente, é traduzido por “paz”, no entanto, dentro deste contexto, pode ter o sentido de “bem-estar”, uma compreensão também adequada, ainda mais quando o temos presente juntamente com a “justiça” (KRAUS, 1995, p. 121). O leitor deve estar atento à conotação de totalidade, de perfeição, que o vocábulo representa em ambas as citações do salmo (vv.3 e 7) (KSELMAN, 1975, p. 77-81).

O v.8ab evidencia todo o alcance do monarca sobre os pontos da terra. A expressão מִיָּם עַד־יָם denota uma grande extensão e, aliada à עַד־אַפְסֵי־אָֽרֶץ, descreve a amplidão de um governo, no âmbito temporal. Isso pode indicar a fama de Salomão, que tem um reinado de alcance internacional (CORBAJOSA, 2018, p. 522). Os vocábulos “mar, rio e terra”, dentro de um mesmo campo semântico, constituem-se em uma imagem metafórica apropriada para falar da extensão do governo de um monarca, que age segundo a vontade divina. Contudo, esta mensagem parece extrapolar os reinados dos monarcas terrenos, quando sugere a descendência de um reino universal. Alias, como se vê, os vv.8-10b e 16b indicam a ampla irradiação das ações do monarca: desde os rios até “aos confins da terra” (v.8) e pelos quatro pontos cardeais: o deserto, a Este (v.9), Társis, a Oeste (v.10), Sabá e Seba, ao Sul (v.10b) e o Líbano, ao Norte (v. 16b).

O v.9ab dá sequência à descrição do amplo domínio do rei, evidenciado pelo uso das formas verbais יִכְרְעוּ, um qal yiqtol, terceira pessoa masculina plural, com sentido de “curvar-se, dobrar-se, sujeitar-se”, numa postura de resignação. De modo semelhante a forma יְלַחֵכוּ, regida no piel yiqtol, terceira pessoa masculina plural, denota a ação de uma pessoa prostrada, com a cabeça tocando o solo, num gesto de servilismo. 

Após as imagens de sujeição e submissão, descritas pelas formas verbais precedentes, seguem-se duas ações favoráveis para retratar a proeminência do monarca diante das nações: as ações de trazer ofertas (v.10a) e oferecer tributos (v.10b) espelham o reconhecimento de poder e primazia.   

As formas verbais וְיִשְׁתַּחֲווּ (prostrar-se) e יַעַבְדֽוּהוּ (servir), do v.11ab, mostram grande afinidade com as formas יִכְרְעוּ (“curvar-se”) e יְלַחֵכוּ (“comer”), do v.9ab, pois servem para enfatizar os gestos de submissão e subserviência. Prostrar-se diante de alguém e servi-lo constituem-se em gestos de obediência. Todos os reis da terra se submeterão ao rei universal e o servirão com privilégios. O segmento do v.11b sintetiza, em poucas palavras, todas as imagens de poder mencionadas anteriormente. O monarca ideal exercerá um domínio sobre todas as nações e estas lhe serão submissas. A repetição do vocábulo “reis” (vv.10ab e 11a), com referência a distantes reinados, serve para destacar a supremacia do rei justo, que faz justiça imparcial perante as outras nações, que se pauta pelo direito, segundo o projeto de Deus (APARICIO, 2006, p. 301). 

O v.12ab retorna ao tema do cuidado do rei com o grupo dos vulneráveis. Para falar da proteção do rei ao necessitado e ao pobre, o v.12ab, é enfático no uso das formas verbais com sentido de “proteger, suplicar e ajudar” os mais vulneráveis (MEYNET, 2019, p. 361). No v.12a, a forma verbal יַצִּיל, um hifil yiqtol, terceira pessoa masculina singular, retrata o agir do rei voltado aos grupos passíveis de socorro. Os particípios מְשַׁוֵּעַ e עֹזֵר são expressões que confirmam a condição do necessitado, que suplica (v.12a), e do pobre, que não tem quem o socorra (v.12b).

No v.13ab, o vulnerável e o necessitado são os merecedores da piedade e da salvação por parte do rei justo. As formas verbais יָחֹס e יוֹשִׁיעַ, ambas na terceira pessoa masculina singular, expressam a disposição do rei para resguardar a vida daqueles que estarão em extremo perigo.  

No v.14ab, a ação do rei prossegue na disposição de fazer o bem e consiste em resgatar a vida daqueles que sofrem de injúria e violência. A forma qal yiqtol יִגְאַל, da raiz גאל, que significa “resgatar, reivindicar, redimir e proteger”, pressupõe a exigência de solidariedade, por retratar a ação de responsabilidade (ALONSO SCHÖKEL; CARNITI, 1996, p. 912-913). O גֺּאֵל é um redentor, um defensor, um protetor dos interesses do indivíduo e, de modo geral, do grupo. Este vocábulo foi adotado na linguagem religiosa para falar de Deus como vingador dos oprimidos e salvador de seu povo (ALONSO SCHÖKEL; CARNITI, 1996, p. 43-44).[55] A repetição da expressão נֶפֶשׁ, nos vv.13 e 14, confirma que é uma questão de vida ou morte. O rei não permitirá o sacrifício de seu povo mais humilde por qualquer interesse, porque este será sempre de grande valor (ALONSO SCHÖKEL; CARNITI, 1996, p. 912-913). Isto está enfatizado no v.14ab, onde as locuções נַפְשָׁם e דָּמָם mostram-se paralelas e sinônimas, pois a “alma deles” e o “sangue deles” estão semanticamente relacionados e entrelaçados.

Os vv.12ab-14ab mostram uma conexão entre as suas formas verbais. Cada uma delas traduz uma ação benéfica em favor dos grupos negligenciados. A sequência das formas verbais conduz o ouvinte/leitor à certeza de que o rei, proclamado pelo Sl 72, atenderá às necessidades destes grupos. As formas verbais יַצִּיל (v.12a) e יִגְאַ֣ל (v.14a) reafirmam a intenção do futuro rei de atender àqueles que necessitam de ajuda. Pode-se considerar as formas verbais dos vv.12ab-14ab como expressões similares, no sentido em que retratam um governo, no qual os oprimidos e excluídos receberão a bênção em forma de proteção de um rei terrestre, que obedecerá à vontade do rei celeste, YHWH, que o elegeu (KRAUS, 1995, p. 126). 

O v.15a tem, no rei (DE VAUX, 2003, p. 137),[56] a figura central, seguido das ações em seu favor. Há o retorno do tema do v.10, refletindo a sua importância no futuro governo, visto que “o bom e o mal governo tem repercussões na sociedade e na natureza” (APARICIO, 2006, p. 302). A ele serão dedicadas ofertas de ouro (v.15b) e sempre intercederão por ele (v.15c). Para as súplicas e petições em favor do rei, as formas verbais וְיִתְפַּלֵּל (interceder) e יְבָרֲכֶנְהוּ (abençoar) expressam equivalência àquele a quem os homens desejam todas as bênçãos de Deus (v.15cd) (ALONSO SCHÖKEL; CARNITI, 1996, p. 913).    

O v.16 exalta o resultado da atuação do rei junto ao povo (KSELMAN, 1975, p. 77-81). O cenário que segue anuncia algo incomum, a abundância de trigo no alto dos montes, descrevendo a prosperidade agrícola, graças a um governo justo. A menção do Líbano sugere algo de prodigioso e magnífico, embora nele cresçam cedros resistentes e não árvores frutíferas, o imaginário do salmista conduz para um movimento sinuoso de espigas (ALONSO SCHÖKEL; CARNITI, 1996, p. 913). A relação recíproca entre o rei e o povo manifesta-se na fertilidade da terra (v.16ab), assim como na disposição das nações em favorecê-lo (v.15bcd) (KSELMAN, 1975, p. 77-81).

O v.17 realça esta relação recíproca percebida no uso das expressões que denotam uma descendência duradoura. A ênfase do v.17a está na expressão שְׁמוֹ, repetida no v.17b, confirmando que, mesmo num futuro distante, este nome persistirá e será bendito pelos séculos. A forma verbal יִנּוֹן, da raiz נין, com sentido de “germinar, crescer, propagar”, introduzida no v.17b, reafirma a noção de uma linhagem, que existirá para além do inimaginável. Para reforçar esta compreensão, a expressão לְעוֹלָם, no v.17a, traduz a perpetuidade deste nome, que estará “para sempre” na memória dos homens (Sl 45,18) (ALONSO SCHÖKEL; CARNITI, 1996, p. 913). O segmento וְיִתְבָּרְכוּ בוֹ (v.17c) confirma a expressão שְׁ֫מו, do v.17b, e enfatiza o alcance deste “nome” sobre todos os homens.

Tem-se uma repetição significativa na estrutura dos vv.11b e 17d. No v.11b, a estrutura כָּל־גּוֹיִם, seguida de יַעַבְדוּהוּ, um qal yiqtol, terceira pessoa masculina plural, com sufixo de terceira pessoa masculina singular, destaca uma ação em prol do monarca justo, e no v.17d, a estrutura כָּל־גּוֹיִ, seguida de יְאַשְּׁרֽוּהוּ, um piel yiqtol, terceira pessoa masculina plural, com sufixo de terceira pessoa masculina singular, tem o seu sentido intensificado, para retratar o amplo domínio do monarca sobre todas as nações. Assim, as ações favoráveis ao monarca, do v.11b (כָּל־גּוֹיִם יַעַבְדוּהוּ), são reafirmadas no v.17d (כָּל־גּוֹיִם יְאַשְּׁרוּהוּ), através da declaração de que “todas as nações o felicitarão”.

Os vv.18-19 atuam como uma bênção final dirigida a Deus, pelo reinado do justo monarca e por suas ações, que espelharão as ações divinas, em favor de todos os homens. 

Nos vv.18a e 19a, a presença da forma verbal בָּר֤וּךְ, da raiz ברך, um particípio passivo, masculino singular, implica numa íntima relação de confiança àquele para quem se destina a petição. Deste modo, o salmista para expressar sua dependência e confiança amplia sua oração utilizando o epíteto divino, “Deus de Israel”, como reconhecimento àquele que firmou aliança com o seu povo.

O v.17c destaca a forma verbal וְיִתְבָּרְכוּ, para enfatizar a bênção, que se destina a todos aqueles que proclamam o nome do justo monarca “diante do sol”, isto é, uma expressão metafórica que indica a sua longevidade no tempo, mas que redunda igualmente no espaço (APARICIO, 2006, p. 300).

O v.18a enfatiza a forma verbal בָּר֤וּךְ, para falar da bênção, que se destina ao “Senhor Deus, o Deus de Israel” (MEYNET, 2019, p. 362), fazendo memória ao único Deus merecedor de toda glória, porque somente ele realiza maravilhas.

O v.19a repete a forma verbal בָּרוּךְ para enfatizar o nome de “YHWH Deus, o Deus de Israel”, diante dos homens e sua glória por toda a terra (v.19b). No v.19c, a fórmula de exclamação אָמֵן וְאָמֵן ratifica as súplicas e petições de cada segmento do Sl 72 e assevera que estas são palavras dignas da aprovação divina (BARKER; KOHLENBERGER, 1994, p. 871-874).

No v.1b, o salmista suplica a Deus em favor do rei e de sua descendência. Ele pede pelo governo daquele que um dia reinará e por todos os seus desafios, por um reinado longo e que seja repleto de bênçãos para o seu povo (MEYNET, 2019, p. 365). Nos vv.18-19, ele reconhece este poder divino e o exalta através das repetições: בָּרוּךְ (v.18a; 19a), יְהוָה אֱלֹהִים אֱלֹהֵי יִשְׂרָאֵל (v.18a), כְּבוֹדוֹ (v.19ab) e אָמֵן (v.19c). O salmista encerra o Sl 72, dando graças a Deus e glória ao seu nome, enaltecendo o seu inigualável poder divino. Uma doxologia finaliza o II Livro dos Salmos (Sl 42–72), com o v.20 destacando o nome de David e seu pai Jessé.[57]   

Conclusão

No Sl 72, a súplica é feita em favor da prosperidade de um reinado messiânico da dinastia davídica. A súplica e o louvor brotam do anseio do salmista, quando ele invoca a bênção divina sobre as futuras gerações do monarca. Para ser um instrumento da realeza de Deus na terra, o monarca necessita seguir os padrões divinos de justiça e retidão. Para isso, ele precisa viver e agir de acordo com a vontade divina (Sl 72,1). O Sl 72 ocupa quase a metade do Saltério, que conta com 150 salmos. Sua trajetória se incia com o Sl 2, um salmo régio, e conclui-se aqui, como ele, um outro salmo régio (Sl 72), concluindo o II livro do Saltério.

Tendo um rei justo, segundo a lei de YHWH, o povo desfrutará dos benefícios de um governo divino, confiando que seu rei estará agindo, em favor de seu povo. O pobre, os filhos do necessitado e o povo em geral serão beneficiados com a manutenção de seus direitos e com a punição do opressor. A proteção, como fruto da justiça, trará prosperidade com sentido de bem-estar para o povo (Sl 72,2-4). 

A esperança está ancorada na sabedoria do rei em manter a bênção por gerações de gerações e está relacionada à extensão da dinastia real mais do que ao governante individual. A prosperidade do rei será comparada à “chuva sobre a campina, como aguaceiros que umidificam a terra”, uma imagem que remete a um renascimento na vida do povo de Deus (Sl 72,5-6). Isso fez com que os autores do NT olhassem com carinho para o Sl 72 e o citasse em seus escritos.

Enquanto a dinastia davídica corresponder à sabedoria divina, o Senhor dará garantias de que a justiça e a paz florescerão. Os resultados de uma boa administração durarão e seus benefícios sobre o povo serão percebidos, por longo tempo. O governo da dinastia davídica não se estenderá somente no âmbito temporal, mas atingirá igualmente a dimensão espacial. Este governo do Senhor se espalhará pelos mares, pelos rios e pela terra, porque o mundo todo pertence a Deus e somente ele o governa (Sl 72,7-8). 

O monarca representa o profundo interesse de Deus pelos oprimidos e excluídos, cujas preocupações ele considera primordiais, em seu governo. Sua piedade é o fundamento para agir em seu favor, porque ele os ama, os resgata das mãos dos inimigos e lhes concede a vida.

A segurança e perpetuidade de seu reinado são enfatizadas pelas nações distantes que lhe trazem oferta e tributo para o seu bem-estar. A prosperidade do rei abençoado pelo Senhor se estende por todo seu domínio, representada pelas expressões agrícolas presentes no Sl 72: “trigo” e “fruto” (v.16ab). A ênfase está na ação favorável do Senhor, na vida do fiel, porque Ele é o Deus de Israel, aquele que realiza maravilhas. O Sl 72 inicia com uma súplica pelo reinado messiânico da dinastia davídica e finaliza com louvores de reconhecimento pelas maravilhas de Deus (Sl 72,18-19). Na doxologia final há um duplo “Amém”, um modo de legitimar todas as palavras divinas (Sl 72,18-20). 

Referências

AGOSTINHO, S. Comentário aos Salmos (Enarrationes in Psalmos) Salmos 51-100. Coleção Patrística, 9/2. São Paulo: Paulus, 1997. 

ALONSO SCHÖKEL, L.; CARNITI, C. Salmos I (Salmos 1-72). Grande Comentário Bíblico. São Paulo: Paulus, 1996.

APARICIO, A. Salmos 42-72. Comentario a la nueva Biblia de Jerusalén Bilabao: Desclée de Brouwer, 2006.

ARNOLD, B. T. קרב. In: VANGEMEREN, W. A. Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2011. v. 3, p. 974.

BARKER, K. L.; KOHLENBERGER, J.R. The Expositor’s Bible Commentary. Grand Rapids. Zondervan. 1994.

BODA, M. J. The Book of Zechariah. Grand Rapids: Eerdmans Publishing Company, 2016.

BROWN, M. L. אשׁר, In: VANGEMEREN, W. A. Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2011. v.1, p. 555.

BROWN, F; DRIVER, S.R; BRIGGS, C.A. (ed.). The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English Lexicon. New York: Hendrickson, 1999.

CAZELLES, H. אשׁר. In: BOTTERWECK, G. J. RINGGREN, H. (Eds.). Theological Dictionary of the Old Testament. Michigan: Eerdmans Publishing, 1977. v. 1, p. 446.

CHILDS, B. Introduction to the Old Testament as Scripture. Fortress Press, Philadelphia, 2011.

CORBAJOSA, I., Salmos I (Salmos 1-72). Madrid: BAC, 2018.

COGGINS, R. J.; HOULDEN, J. L. Psalms. A Dictionary of Biblical Interpretation, SCM Press London: Trinity Press International: Philadelphia, 1990.

DE VAUX, R. Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Editora Teológica, 2003.

EPSZTEIN, L. A Justiça Social no Antigo Oriente Médio e o Povo da Bíblia. São Paulo: Paulinas, 1990.

DEL PÁRAMO, S., La Citas de los Salmos en S. Pablo. In: Pontificio Instituto Biblico (Org.), Analecta Biblica 17-18. Studiorum Paulinorum Congressus Internationalis Catholicus 1961. Roma: E. Pontificio Instituto Biblico, 1963, p. 229-241.

FUHS, H. F. ירא. In: BOTTERWECK, G. J. RINGGREN, H. (Eds.). Theological Dictionary of the Old Testament. Michigan: Eerdmans Publishing, 1990. v. 6, p. 292-296.

GANE, R. E.; MILGROM, J. קרב. In: BOTTERWECK, G. J. RINGGREN, H. (Eds.). Theological Dictionary of the Old Testament. Michigan: Eerdmans Publishing, 2004. v. 13, p. 141-142. 

GERSTENBERGER, E. עשק. In: BOTTERWECK, G. J.; RINGGREN, H. (Eds.). Theological Dictionary of the Old Testament. Michigan: Eerdmans Publishing, 2001. v.11. p. 412-417.

GESENIUS, W.; KAUTZSCH, E.; COWLEY, A. E. Gesenius’ Hebrew Grammar. New York, Dover Publications: 2006.

GONZAGA, W. O Salmo 150 à luz da Análise Retórica Semítica. ReBiblica, v. 1, n. 2, jul.-dez. 2018, p. 155-170.

GONZAGA, W.; SANTOS, A. M.; Salmo 1: o portão de entrada para se meditar sobre o caminho dos justos e dos ímpios, Teocomunicação, Porto Alegre, v. 50, n. 2, jul.-dez. 2020, p. 1-17. Doihttps://doi.org/10.15448/0103-314X.2020.2.39479

GRENZER, M. O Projeto do Êxodo. São Paulo: Paulinas, 2007.

GRENZER, M., Ação Inversora do Destino dos Pobres: Um estudo do Salmo 113. Atualidade Teológica, Rio de Janeiro, Ano XIV n. 36, p.441-452, setembro a dezembro/2010.

HAMILTON, V. P. זרף. In: VANGEMEREN, W. A. Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2011. p.1125-1126.

HAMP, V. דין. In: BOTTERWECK, G. J., RINGGREN, H. (Eds.). Theological Dictionary of the Old Testament. Michigan: Eerdmans Publishing, 1978. v. 3, p. 187-188.

HOFF, P. Libros Poéticos: Poesía y Sabiduría de Israel. Editorial Vida, 1998, p. 138.

HUBBARD, R. L. גָּאַל. In: VANGEMEREN, W. A. Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2011. v.1,  p. 768.

KLEIN, E. דכא. In: KLEIN, E. A Comprehensive Etymological Dictionary of the Hebrew Language. Jerusalem, Baruch Sarel, 1987, p. 124. 

KLEIN, E. זַרְזִ֥יף. In: KLEIN, E. A Comprehensive Etymological Dictionary of the Hebrew Language. Jerusalem, Baruch Sarel, 1987, p. 203-204.  

KLEIN, E. עׇנׅי. In: KLEIN, E. A Comprehensive Etymological Dictionary of the Hebrew Language. Jerusalem: Baruch Sarel, 1987. p. 477.

KLEIN, E. עשק. In: KLEIN, E. A Comprehensive Etymological Dictionary of the Hebrew Language. Jerusalem, Baruch Sarel, 1987. p. 489.

KRAUS, H-J. Los Salmos. Sal 60-150. v. II. Salamanca: Síguime, 1995. 

KSELMAN, J.S. Ps 72: Some Observations on Structure. Baltimore: Basor 220, 1975, p.77-81.

MAYS, J. L. Salmi. Torino: Claudiana, 2010. 

MEYNET, R., L’Analise Retorica. Brescia: Queriniana, 1992.

MEYNET, R., A Análise Retórica. Um novo método para compreender a Bíblia, Brotéria 137, 1993, p. 391-408,

MEYNET, R., I frutti dell’analisi retorica per l’esegesi biblica, Gregorianum, v. 77, n.3, 1996, p. 403-436.

MEYNET, R., Trattato di Retorica Biblica. Bologna: EDB, 2008.

MEYNET, R. Le Psautier. Deuxiéme livre (Ps 42/43-72). Leuven-Paris-Bristol, CT: Peeters, 2019.

MEYNET, R., La retorica biblica. Atualidade Teológica, Rio de Janeiro, v. 24, n. 65, p. 431-468, mai./ago.2020. Doi: https://doi.org/10.17771/PUCRio.ATeo.49825.

MONTI, L. I Salmi: preghiera e vita. Magnano: QiQajon, 2018. 

O’CONNELL, R. H. דכה, In: VANGEMEREN, W. A. Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2011. v.1, p. 921.

RINGGREN, H. גָּאַל.   In: BOTTERWECK, G. J. RINGGREN, H. (Eds.). Theological Dictionary of the Old Testament. Michigan: Eerdmans Publishing, 1975. v. 2, p. 351-353.

SCHARBERT, J. בָּר֤וּךְ. In: BOTTERWECK, G. J. RINGGREN, H. (Eds.). Theological Dictionary of the Old Testament. Michigan: Eerdmans Publishing, 1975. v. 2, p. 285-286.

SICRE, J. L. A justiça social nos pobres. São Paulo: Paulinas, 1990.

SCHÖKEL, L.A; SICRE DIAZ, J. L. Profetas I: Isaías – Jeremias. Grande Comentário Bíblico. Paulus, 2004.

SCHULTZ, R. דין, In: VANGEMEREN, W. A. Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2011.v.4, p. 213-214.

SKA, J. L. Antigo Testamento: Temas e Leituras. Petrópolis: Vozes, 2018.

TATE, M. E. Psalms 51–100. 2nd ed. Vol. 20. Nashville: Nelson Reference & Electronic, 1990.

TOV, E. Textual Criticism of the Hebrew Bible. Fortress Press: Minneapolis, 2012.

TOV, E. Crítica Textual da Bíblia Hebraica. Rio de Janeiro: bvbooks Editora, 2017.

VAN, M. V; KAISER, W. C.  ירא.  In: VANGEMEREN, W. A. Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2011. v.2, p. 529.

WALTKE, B. K. Salmos. NDTTEAT. São Paulo: Cultura Cristã, 2011. p. 1168-1169. vol. 4.

WEISER, A. O Salmos. São Paulo: Paulus, 1994. 

WILLIAMS, W. C. ברך. In: VANGEMEREN, W. A. Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2011. v.1, p. 731

ZENGER, E. Introdução ao Antigo Testamento. Loyola: São Paulo, 2003. 

--------------------

Notas

[1] Este artigo é fruto do Grupo de Grupo de Pesquisa Análise Retórica Bíblica Semítica, credenciado junto ao CNPq, que se reúne periodicamente na PUC-Rio, sob a liderança do Prof. Dr. Waldecir Gonzaga.

[2] Ex 15,1-18; Dt 32; Jz 5; 1Sm 2,1-11; 2Sm 23,1-7; Is 12; Jn 2,3-10; Jt 16.

[3] Livro 1: Sl 1 – 41; livro 2: Sl 42 – 72; livro 3: Sl 73 – 89; livro 4: Sl 90 – 106; livro 5:  Sl 107 – 150. 

[4] Livro 1: Sl 1 – 41, cf. 41,14; Livro II: Sl 42 – 72, cf. 72, 18ss; Livro III Sl 73 – 89, cf. 89,53; Livro IV: Sl 90 – 106, cf. 106,48.

[5] Sl 8; 19; 29; 33; 46-48; 76; 84; 87; 93; 96-100; 103-106; 113; 114; 117; 122; 135; 136; 145-150. 

[6] Sl 12; 44; 60; 74; 79-80; 85; 106; 123; 129; 137.

[7] Sl 2; 18; 20; 21; 28; 61; 72; 84; 63; 101;110; 132; 144.

[8] Sl 18; 21; 30; 34; 40; 65-68; 92; 116; 118; 124; 129; 138; 144.

[9] Sl 78; 105; 106; 111; 114; 135; 136.

[10] À medida que se traduz e estuda mais profundamente o Sl 72, percebe-se que a expressão “súplica” parece descrever, de modo mais legítimo, as intensas petições do salmista em prol da dinastia davídica. O que se iniciou como uma oração, prece ou petição do salmista, ao longo deste estudo, tomou forma de uma enfática súplica, com contornos de alcance abrangentes. O salmista pede a Deus por um futuro rei com as qualidades divinas, que ele viva sempre em favor do povo, em especial do grupo dos vulneráveis, objeto de sua incontestável proteção, e que seu reinado alcance toda a terra. Embora, o v.20 finalize com “as orações de Davi, filho de Jessé”, o todo do Sl 72 retrata uma forte súplica do salmista a Deus, em favor das futuras dinastias.

[11] Sl 2; 20; 21; 45; 72; 89; 110.

[12] Muitos salmos da coleção de David receberam seus títulos tempos depois de sua morte, contudo, não se poderia desprezar os testemunhos sem razões mais sérias, mas reservar a ele um papel essencial da lírica religiosa do povo eleito. Existem evidências de David como autor de inúmeros salmos: a) Ele é descrito como “o doce cantor de Israel (2Sm 23,1); b) O espírito poético e o temperamento generoso, que caracterizam o lamento de David, por ocasião da morte de Saul e Jônatas (2Sm 1,19-27), permitem atribuir-lhe outros salmos, que expressam as mesmas características; c) David gozava de grande reputação como um hábil músico na corte de Saul (1Sm 16,18). O profeta Amós fala sobre a capacidade de David para inventar instrumentos musicais (Am 6,5); d) A época de David seria um período ideal para a criatividade artística. A monarquia era recente e Israel prosperava, com prestígio nacional; e) Existe uma estreita relação entre os acontecimentos na vida de David e o conteúdo de alguns salmos a ele atribuídos. O Sl 51, por exemplo, expressa, nitidamente, o seu arrependimento diante do pecado contra Bersabeia e Urias (2Sm 11,2–12,25).

[13] Is 9,5; 11,1-5; 60-62; Zc 9,9-10.

[14] A autoria dos Salmos, muitas vezes, pode depender do sentido da preposição hebraica לִ, por exemplo, em uma alusão a Moisés (Sl 90), a Davi (73x), a Salomão (Sl 72; 127), nas referências aos grupos e sacerdotes relacionados a Davi: aos filhos de Corá (Sl 42–49; 84–87), aos filhos de Asaf (Sl 50; 73 – 83), a Emã (Sl 88) e a Etã (Sl 89). Embora a preposição לִ possa significar “pertencente a uma coleção” (BROWN-DRIVER-BRIGGS, 1999, p. 513/ 5b), pode denotar autoria, como acontece em outras línguas semitas (GESENIUS; KAUTZSCH; COWLEY, 2006, p. 419/129c). Esta preposição também pode ocorrer nos cabeçalhos com sentido de um escrito “para”, “por”, “de” (Is 38,9; Hab 3,1) – (WALTKE, 2011, p.1163). A LXX abre o Salmo 71 (Sl 72 no TM) com a expressão “εἰς Σαλωμων” (Para Salomão), talvez por influência do v. 20, que se encerra com a sentença “Concluídas as orações de David, filho de Jessé”. A tradução que segue nesta pesquisa concorda com a versão da LXX (Para Salomão), por perceber uma moldura, em torno do Sl 72, a partir da expressão לִשְׁלֹמֹה, no v. 1a, e a sentença final no v. 20 (כָּלּוּ תְפִלּוֹת דָּוִ֗ד בֶּן־יִשָֽׁי׃).

[15] A expressão מִ֭שְׁפָּטֶיךָ, um nome masculino plural, com sufixo de segunda pessoa masculina singular, com significado de “teus julgamentos”; “tuas ordens”, é apresentado na versão da LXX como τὸ κρίμα σου, nominativo masculino singular, acusativo comum singular e pronome pessoal genitivo masculino singular, para criar um paralelo textual e poético à expressão também no singular “tua justiça”, do v. 1c (KSELMAN, 1975, p. 77-81).

[16] A raiz verbal דין ocorre nas lamentações individuais (Sl 7,9; 54), nos hinos (Sl 96; 135) e nos salmos que comprovam a justiça divina (Sl 7,9; 9,8). No Sl 135, 13-15, o salmista garante a Israel que Deus continuará a expressar sua compaixão defendendo-o de geração em geração (SCHULTZ, 2011, p. 914-915).

[17] O TM apresenta os vocábulos “montes” e “colinas”, em segmentos separados: “que tragam os montes a paz ao povo (v.3a) e as colinas em justiça (v.3b)”. A expressão בִּצְדָקָֽה pode denotar “em justiça”, “com justiça”, “com retidão” ou “retamente”, também presente em Pr 16,8.12; Is 1,27; 5,16; 48.1; 54;14; 63,1; Dn 4,24; Ml 3,3.

[18] Sl 82,1; 96,13; 98,9.

[19] O TM traz a forma verbal יִֽירָא֥וּךָ, da raiz ירא, terceira pessoa do plural, com sufixo de segunda pessoa do singular, sendo traduzida por “eles te temerão”, “respeitarão”. A versão da LXX traz a expressão καὶ συμπαραμενεῖ: ele permanecerá; continuará.

[20] A construção דּוֹר דּוֹרִים (geração de gerações) um nome comum, masculino singular construto e um nome comum masculino plural absoluto quer designar uma ideia hiperbólica das sucessivas gerações, que estarão debaixo de um governo duradouro e permanente (Sl 102,25; Is 51,8).

[21] Dt 32,2; Jó 29,23.

[22] O nome comum masculino singular construto זַרְזִ֥יף, significando “chuva, gota, aguaceiro”, é um hapax legomenon na Bíblia, ocorrendo apenas no Sl 72,6. Este nome é derivado da forma verbal זרף, com sentido de “umidificar, fluir, escorrer”, o que justifica sua tradução, no v.6, por uma forma verbal (KLEIN, 1987, p. 203-204).

[23] Nm 17,20; Sl 92,13; Jó 14,9; Os 14,6.

[24] A LXX traz δικαιοσύνη; a Vulgata e a Nova Vulgata trazem iustitia, mas o TM traz o vocábulo צַדִּיק.

[25] Zc 9,10 apresenta quase uma repetição do Sl 72,8ab מִיָּ֣ם עַד־יָ֔ם וּמִנָּהָ֖ר עַד־אַפְסֵי־אָֽרֶץ׃ וּמָשְׁלוֹ (O seu domínio irá de mar a mar e desde o rio até aos confins da terra). A LXX interpreta o Sl 71,8 (Sl 72,8, TM) de modo mais universal; “καὶ κατακυριεύσει ἀπὸ θαλάσσης ἕως θαλάσσης καὶ ἀπὸ ποταμοῦ ἕως περάτων τῆς οἰκουμένης” (e dominará de mar a mar do rio até aos confins do mundo habitado). A Vulgata e a Nova Vulgata trazem “et potestas eius a mari usque ad mare et a fluminibus usque ad fines terrae” (e seu domínio de mar a mar e desde o rio até aos confins da terra).

[26] Is 13,21; 34,14; Jr 50,39.

[27] Nm 22,4; Miq 7,17; Is 49,23.

[28] Társis, talvez Tarshish, referindo-se à Espanha; as ilhas poderiam ser os países além do Mediterrâneo; Shebá poderia ser o sul da Arábia e Sebá seria a parte da Etiópia ou da Arábia. Tarshish e Shebá são referências ao moderno Yemen, e Sebá seria uma região localizada na África. O imaginário parece refletir a era de paz e de justiça de Salomão e sua diplomacia com as outras nações longínquas (1Rs 10,1-29) (BARKER; KOHLENBERGER, 1994, p. 874).  

[29] Gn 27,29; 33,7; 1Sm 2,36; Sl 5,8; 99,5.9.

[30] Sl 31,14; 71,10.13; 78,50; 107,5.18.26; 119,20; 142,5.

[31] Sl 26,9; 51,16; 59,3; 79,3.10; 94,21; 106,38; 139,19.

[32] 1Sm 10,24; 1Rs 1,25.34.39; 2Rs 11,12; 2Cr 23,11.

[33] No v.15c, a forma verbal וְיִתְפַּלֵּ֣ל, da raiz פלל, apresenta-se como yiqtol, terceira pessoa do singular, com sentido de “interceder, orar, mediar”. A versão da LXX traz a forma verbal προσεύξονται, de προσεύχομαι, um indicativo futuro médio, terceira pessoa do plural. Neste sentido, a tradução do v.15c, do TM, difere da versão da LXX. 

[34] No v.15d, a forma verbal יְבָרֲכֶֽנְהֽוּ, da raiz ברך, apresenta-se como um yiqtol, terceira pessoa masculina singular, com sufixo de terceira pessoa masculina singular, com sentido de “abençoar, bendizer”. A versão da LXX traz a forma verbal εὐλογήσουσιν de εὐλογέω, um indicativo futuro ativo, terceira pessoa do plural. Neste sentido, a tradução do v.15d, do TM, difere da versão da LXX. 

[35] Sl 92,8; Ez 7,10.

[36] O Sl 72,17b registra em sua forma verbal a anotação Ketib (o texto escrito) e Qe (o texto lido). As formas verbais יָנִין, (K), um hifil yiqtol, terceira pessoa masculina singular, e יִנּ֪וֹן, (Q), um nifal yiqtol, terceira pessoa masculina singular, da raiz נין, são usadas para imagens vegetais e significam “germinar, brotar, crescer”. A leitura que deve ser considerada, no texto, segundo a masora parva (Mp), é a forma Qe (יִנּ֪וֹן) (TOV, 2012, p. 54). 

[37] A forma verbalוְיִתְבָּ֥רְכוּ , da raiz בּרךְ, junto à preposição בוֹ, com sufixo de terceira pessoa masculina singular, também poderia significar “e serão abençoados por ele” (v.17c).

[38] A LXX traz, no v.17d, a sentença “πᾶσαι αἱ φυλαὶ τῆς γῆς”. O acréscimo da expressão “τῆς γῆς”, utilizado para falar do alcance do rei justo sobre a terra, aqui faz uma referência à passagem de Abraão em Gn 12,3; 22,18. 

[39] Sl 136,4; Sl 148,13; Is 2,11.17.

[40] Há um paralelo entre as expressões שֵׁם כְּבוֹד֗וֹ (o nome de sua glória) do v.19a e “יְהוָ֣ה אֱ֭לֹהִים” (YHWH Deus), do v.18a, que serve para corroborar a natureza bendita e gloriosa do nome divino.

[41] O Sl 72 encerra-se, no v.20, com a frase “Concluídas as orações de David, filho de Jessé”, embora o Salmo, propriamente, em algumas traduções, seja considerado de Salomão. Esta conclusão parece sugerir que numa determinada época ele fazia parte de uma coleção de Salmos não atribuídos a David. Isto poderia reforçar a visão mais comum de que o Livro dos Salmos é constituído por uma antologia formada de pequenas coleções e canções separadas, e mais tarde reunidas (COGGINS; HOULDEN, 1990, p. 561).

[42] Sl 72, 2; 4; 12; 13; Sl 82.

[43] O direito do Antigo Israel volta a sua preocupação, em especial, para o “pobre” e suas dificuldades econômicas. Neste sentido, as legislações israelitas em tempos distintos, procuram impedir empréstimos com juros aos economicamente vulneráveis. Porém, exige-se compromisso social e solidariedade por parte daqueles que possuem melhor situação econômica. 

[44] Sl 7,8; 9,4.8; 72,2.4; Pr 31,9; Jr 5,28

[45] Sl 35,24; 43,1; Dt 19,17; 25,1.2; 1Sm 24,16; 2Sm 15,4; Is 1,17.23

[46] Sl 7,12; 9,5.9; 50,6; 51,6; 72,4

[47] Pr 29,14; Is 59,4; Zc 7,9; 8,16

[48] Sl 15,4; 25,12.14; 103,11.13; 118,4

[49] Is 35,10; Jr 31,11; Sl 69,19.

[50] Sl 72,12; Is 36,20; Mq 4,10.

[51] Sl 41,14; 68,20. 36; 72,18; 89,53; 106,48; 135,21; 144,1.

[52] O Método da Análise Retórica Bíblica Semítica trabalha pautando-se nos níveis de composição de um texto e nos frutos de sua aplicação em cada um dos níveis de um texto ou livro bíblico: a) níveis ou figuras de composição de um texto: 1) membro 2) segmento; 3) trecho; 4) parte; 5) perícope ou passagem; 6) sequência; 7) seção; 8) livro; b) frutos da aplicação da Análise Retórica: 1) delimitar as unidades literárias e textuais; 2) auxiliar na interpretação; 3) ler junto as diversas perícopes; 4) auxiliar na tradução do texto; 5) ajudar na crítica textual; 6) fornecer procedimentos e critérios científicos – de tipo linguístico – para a delimitação das unidades literárias aos diversos níveis da organização do texto (MEYNET, 1992, p. 159-249; MEYNET, 1993, p. 391-408; MEYNET, 1996, p. 403-436; MEYNET, 2008,  p. 132-209; MEYNET, R., 2020, p. 431-468). 

[53] As orações do Sl 72 também podem ser consideradas “orações teocráticas”, uma vez que pedem pelo estabelecimento de um reinado justo, governado pelo rei celeste, o Administrador da retidão e da justiça diante de todos os homens. 

[54] O v.1bc mostra uma perfeita sintonia com a profecia de Jeremias, que fala de “um rei que reinará e agirá com inteligência e exercerá na terra o direito e a justiça” (Jr 23,5).

[55] Deus é chamado גֺּאֵל em Jó 19,25; Sl 19,15; 78,35; Jr 50,34; Is 41,14; 43,14; 44,6. 24; 49,7; 59,20.

[56] O grito de exclamação “Viva o rei!” era acompanhado por música, por manifestações populares, havia clamores, tocavam-se flauta e trombeta (1Sm 10,24; 2Sm 16,16; 1Rs 1,39; 2Rs 11,13-14; ).

[57] A doxologia que finaliza o Sl 72 também se encontra nos Sl 41,14; 89,52; 106,48 e no Sl 150,1-6 com uma forma mais ampliada.