Giovani Meinhardt*
*Doutorado em Filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Contato: giovani.meinhardt@institutoivoti.com.br
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Resumo:
Os intelectuais que conviveram com Zubiri relatam a ausência de menções sobre a situação política espanhola ou internacional em seu discurso. Essa lacuna foi indevidamente projetada em sua teoria, produzindo a crença de que seu sistema filosófico não contempla a política. Este artigo pretende apresentar o equívoco da questão, demonstrando que Zubiri teoricamente escreveu sobre política através de entidades da sociedade civil como a instituição escolar.
Palavras chave: conexão; escola; política; realidade; Xavier Zubiri.
Abstract
Intellectuals who lived with Zubiri report the absence of mention of the Spanish or international political situation in his speech. This gap was improperly projected into his theory, producing the belief that his philosophical system does not contemplate politics. This article intends to present the mistake of the question, demonstrating that Zubiri theoretically wrote about politics through civil society entities such as the school institution.
Keywords: connection; politics; reality; school; Xavier Zubiri.
Ao contemplar a opera omnia zubiriana, aparentemente os cursos e livros de Xavier Zubiri não conduzem à evidência de uma filosofia política, qualquer que seja. A leitura de suas principais obras, como a trilogia da inteligência senciente ou seu livro Sobre la Esencia, reportam as mesmas dúvidas, isto é, a carência de menções sobre política. De forma aparentemente lógica, poderíamos pensar que um dos vazios teóricos de destaque da teoria zubiriana estaria na dimensão política. Esse argumento, a saber, de uma ausência de um discurso político, buscaria estabelecer uma base teológica e filosófica distante da realidade, ao mesmo tempo que um dos eixos de grande envergadura sistemática de Zubiri é o próprio conceito de realidade. Ora, de acordo com esse prisma, a política seria uma aporia de seu complexo sistema e poder-se-ia dizer que Zubiri foi aversivo ao discurso político vigente na evolução de seu pensamento. Como hipótese, a análise mais eloquente sobre o pensamento de Zubiri afirmaria que sua rede conceitual ofereceria uma trama infalível, “[...] acima das disputas políticas. E, claro, acima da mediocridade do entorno”.1 (SIGUÁN, 2007, p. 65). Zubiri, nessa esteira, trataria os problemas da vida sem cogitar a existência política nela. Contudo, o tratamento da questão seria realmente este?
A fim de tornar explícita a justificação da política enquanto vazio teórico zubiriano, importa salientar um conjunto de breves relatos de alguns dos colaboradores mais íntimos de Zubiri. No intuito dessa análise, Laín, ao se referir sobre sua convivência com Zubiri, sentenciou: “Ele nunca interveio com um caráter político e menos com uma denominação política”.2 (LAÍN, 2007, p. 54). Igualmente, Siguán (2007, p. 65) tece considerações sobre Zubiri, atestando o que para ele era um fato: “Nunca ouvi nenhum comentário que pudesse ser interpretado em tom político, a favor ou contra a situação”.3 Diego Gracia (2007, p. 176), atual diretor acadêmico da Fundación Xavier Zubiri afirma: “[…] Zubiri não exerceu certas dimensões da práxis, porque nunca atuou diretamente na política e muito menos se considerou um político”.4
A equivalência de proposições que desconhecem algum caráter político na filosofia zubiriana não param por aqui. Panikkar, frequentador de alguns cursos ministrados por Zubiri e assumido leitor de suas obras, expressa suas impressões intelectuais do grande professor espanhol sem cátedra, como Zubiri o foi apontando-o como um intelectual divorciado da política: “Ele fazia seu trabalho e estudava; era uma autêntica vocação intelectual, vivia metido nos livros ... E se alguém fosse vê-lo, ele falava. Ele não era um homem de ação, até onde eu sei, nem de ação política intelectual ...”.5 (PANIKKAR, 2007, p. 83). De forma notável, Panikkar (2007, p. 87) retrata o tipo de diálogo que se estabelecia entre os dois: “Sempre conversamos sobre questões filosóficas. [...] nunca falei de política com ele, falamos de Plotino ou Fílon...”.6 De fato, a conversa regida exclusivamente pelo viés filosófico concentrado em autores clássicos era uma peculiaridade desse encontro. O que merece uma nota de destaque está na particularidade da exposição de Panikkar, qualificando o conteúdo dialógico de ambos em uma ideia de filosofia desconectada da política, uma vez que a política desde a aurora grega da filosofia foi um tema efetivo.
Sobre essa série de testemunhos, cabe ainda um importante comentário que causa uma intrigante questão: diante da aparente ausência da esfera política na teoria zubiriana, repousa a vívida relação de Zubiri com um autor cuja obra sublinha um número considerável de importantes escritos políticos, a saber, Ignacio Ellacuría. O teólogo Ellacuría (2005, p. 478) tateava o conflito, buscando as profundezas “[...] no próprio setor das massas, ou seja, entre aqueles que sofrem o peso da miséria e da injustiça estrutural [...]”.7 Para Ellacuría (2005, p. 478), indubitavelmente, na população convulsa “[...] também houve um alto grau de aprendizado, o que levou a um grande realismo político”.8 Tal contexto do pensamento de Ellacuría encontra na política um tema incontornável e valioso.
Não obstante, na esteira das inúmeras discussões intelectuais entre os dois na casa de Zubiri, palco madrileno instituído dos seminários sobre o pensamento zubiriano, a política não era um tabu. Monteserrat (2007, p. 167) detidamente analisa essa íntima relação e descreve que
Ellacuría, que era seu confidente pessoal, era o segundo patriarca do Seminário e [...] também tinha seu próprio mundo: a teologia e a filosofia da libertação. Mas ele nunca conseguiu fazer com que Zubiri entrasse na discussão sócio-política [...]. É muito provável que, quando conversaram na intimidade, Ellacuría o pressionou fortemente a esse respeito.9
A presença marcante de Ellacuría nos seminários foi aparentemente insuficiente para apropriar Zubiri de temas políticos contemporâneos em sua teoria. Ainda, sobre o ambiente conflitivo que estampava a imprensa espanhola da época, – governada por um regime fascista–, Zubiri pouco falava. Sobre este ponto, de um ambiente espanhol politicamente hostil, Ellacuría (2001, p. 373) concebe uma ressalva a respeito da atividade filosófica de Zubiri:
Recordemos que cerca de quarenta anos de sua plenitude intelectual ele teve que viver sob a autoridade do catolicismo nacional franquista, que ele jamais lisonjeou, ante o qual nunca cedeu, mas cujas consequências ele sofreu na hora solitária do pensar e, ainda mais, na hora de publicar.10
Contudo, esse padecimento referido por Ellacuría facilmente pode ser relativizado. Zubiri, na sua busca incessante sobre a verdade, apesar de sua discrição, não esteve privado à sua casa. Zubiri foi um filósofo público, atividade comprovada pelos inúmeros cursos de conteúdo filosófico e teológico que ministrou em Madri. Diante da situação espanhola convulsa, Zubiri proferiu seus cursos, constituindo chaves de leitura e pesquisa de seu projeto filosófico, diante de plateias cada vez mais amplas. Em pouco tempo, seus cursos consistiam em público numeroso e representativo, cujo papel político sem militância ou partido político à frente, Zubiri protagonizava. Preocupado com a verdade e sua divulgação, seus cursos simbolizaram um ato político. Para Halffter (2007, p. 147)
Embora Zubiri não expressasse suas opiniões políticas, acho que no fundo havia uma atitude ética. Algo que importava muito para ele era a liberdade de pensamento. Para Zubiri, a dignidade da pessoa estava acima de qualquer consideração política. Liberdade de poder acessar qualquer texto, a liberdade de se expressar, a liberdade do indivíduo. [...] Ele falava de sociedade, de ética, e muitas vezes reclamava da falta de ética daqueles governantes.11
O que desponta como uma pista da política zubiriana provavelmente não está em opiniões políticas baseadas na efemeridade dos jornais, mas no pensamento da sociedade como um todo e suas conexões. Nesse sentido, Corominas e Vicens (2007, p. 185) seguem o raciocínio de que “Certamente, não existe um lugar neutro onde o filósofo possa se exilar da política, da linguagem ou da história. Toda a existência humana sempre escoa [...] a chuva que cai no telhado”.12 Esse escoar alude a um específico rastro político na obra zubiriana. Porém, a admissibilidade dessas impressões não retrataria uma trilha sólida, materializada na imagem de pegadas moldadas no chão, cuja identificação orientaria e formaria uma espécie de sistema.
Ora, dada a dificuldade de comentadores e intelectuais de renome em elencar elementos políticos nos cursos de Zubiri, de forma prudente, a análise da questão se modifica. A política em Zubiri assemelha-se a uma vereda ainda pouco iluminada, opaca, ganhando muito de seus vestígios quando queremos aclará- -la, tal como a ação dos raios solares quando evaporam a água da terra, identificando seus sulcos. No que segue, o método empregado aqui não depende em grande parte de procedimentos lexicográficos que exumariam a palavra ‘política’ que, de forma esparsa, encontramos na obra completa zubiriana.13 Não obstante isso, cabe dizer, em atenção ao possível vazio teórico centrado na política, que Ellacuría (2001, p. 401), face a obra completa ainda não publicada, ponderou a existência implícita da questão política na teoria zubiriana: “Zubiri não fala expressamente de questões cidadãs ou políticas, mas como no caso dos sofistas gregos por ele analisados nos anos 1940, ele conhece a importância dessas questões [...]”.14
Assertivamente, como discorre Ellacuría, fiel discípulo de Zubiri, não há uma insuficiência teórica que consequentemente impossibilitaria a definição de conceitos norteadores para uma filosofia política, da qual identificamos que o pensamento zubiriano peremptoriamente encetou e que discorreremos abaixo.
Integrando uma breve revisão de pareceres concernentes ao tópico ‘política’, anexada ao nome próprio ‘Zubiri’, os intelectuais próximos do filósofo espanhol identificaram a ausência hodierna de envolvimento político do autor, projetando uma lacuna referente ao tema no sistema zubiriano. O problema da política, coetânea à vida de Zubiri, é apontado por Corominas (2000, p. 121): “É impressionante como Zubiri, nas milhares de páginas transcritas de suas palestras, que reúnem todas as suas digressões e todos os seus gestos, nunca faz a menor referência política a favor ou contra o regime”15
Que resíduos contemporâneos da política não se encontrem na obra zubiriana não legitima a ausência do tema no pensamento publicado. Se esse fosse o caso, o exercício intelectual dos intérpretes seria de projeção, causando uma obnubilação nas questões políticas que o próprio Zubiri trabalhou. Nesse problema, Fowler (2002, p. 110) chega a examinar que
Zubiri não discute entidades políticas em sua filosofia, entidades como governos, reis, prefeitos, conselhos e parlamentos. Nem discute entidades que existem no contexto da sociedade civil, como corporações, fundações ou universidades. 16
Primeiramente, em uma rápida consideração desse trecho, Fowler liquida a existência de preocupações institucionais na marcha intelectiva zubiriana, o que abonaria a ausência da temática política em sua obra. É exatamente no contexto dessa perspectiva, que o testemunho de vários intelectuais de grande monta também recrudesce a ideia da filosofia zubiriana, definindo-a desatenta à política. Cabe ter presente a possível desatenção ou excessiva prudência de Zubiri à situação política espanhola e o quanto essa lacuna foi também teórica.
Estando facultada pelos limites impostos ao estudo político da teoria zubiriana, cabe aqui o seguinte questionamento: o que é a política? Schmitt (2019, p. 42) pondera que “Raramente se encontrará uma definição clara do político. O termo, na maior parte das vezes, só é usado negativamente, em contraposição a diferentes outros conceitos [...]”. Entre os clássicos, Aristóteles, segundo Kraut (2002, p. 3) afirmava que a “[...] política é a ciência que controla todas as outras disciplinas práticas, sua função apropriada é empreender uma investigação do bem humano e regular os assuntos humanos à luz do que ela descobre”.17 Os bens humanos como a verdade e a atualização da realidade estão inseridos nas várias instituições que compõem o Estado. Por sua vez, o Estado “[...] não é desinteressado em relação a nenhum âmbito de coisas e agarra potencialmente qualquer âmbito. Consequentemente, nele, tudo é político [...]”. (SCHMITT, 2019, p. 46, grifo do autor).
Nessa esteira, averiguamos no livro Escritos Menores que Zubiri se debruçou na política através de entidades políticas que existem na sociedade civil, tomando como modelo a instituição escolar. Dessa forma, contrariamos a sentença negativa supracitada de Fowler sobre a questão. Eleger a escola como uma entidade política comprova que “O mundo político é um pluriversum, não um universum”. (SCHMITT, 2019, p. 46). Assegurando que a política pertence à vários domínios dos quais a escola está incluída, Zubiri (2019, p. 274) entabula caracterizações da referida instituição: “[...] uma escola é um grupo de pessoas que colaboram em questões mais ou menos homogêneas, as da escola; ou, como se costuma dizer, ‘se trabalha em equipe’. E essa equipe é a escola”.18 O trabalho em equipe pressupõe relações e convivência naquilo que Zubiri nomeia como um conjunto de pessoas que colaboram, isto é, trabalham em temas que de certa forma são homogêneos.
A conectividade é um dos pressupostos da escola. No que tange a importância da conexão, Zubiri atenta para a determinação constituinte da realidade escolar, anterior a conexão, ou seja, “[...] a escola começa por ter sua verdadeira realidade quando os membros dela são co-operários da verdade que aquela escola busca, e cuja intelecção essa escola quer iluminar”.19 (ZUBIRI, 2019, p. 275).
A argumentação desse trecho reporta à pergunta de qual intelecção a escola quer iluminar? A escola começa a ser uma escola quando todos são operários da construção da realidade da escola, ou seja, quando todos caminham no mesmo sentido. Há a construção de uma ideia da qual aqueles envolvidos com a escola cooperam, de acordo com uma verdade buscada e que em seu prognóstico a iluminação tem um aspecto central. Nesse aparato conceitual, a luz atualiza a realidade. Zubiri se vale da luz para justificar a habilidade particular em atualizar o que existe. Nesse sentido, o que não está iluminado não se caracteriza como uma espécie de inércia, mas apenas não entra na apreensão da realidade, não tocando os sentidos e a inteligência.
A referência da luz constitui uma unidade sutil já que o filósofo espanhol não utiliza a palavra ‘luz’ no plural. Para ele A luz é uma luz única, por exemplo, a luz do dia que, quando acesa, atualiza as coisas”.20 (ZUBIRI, 2014, p. 427, grifo do autor). Zubiri (2014, p. 412) didaticamente explana a ação da luz recorrendo aos gregos:
A luz torna a cor atual. Para os gregos, as cores existem até na escuridão; a luz apenas as torna ‘atuais’. Mas, além disso, a luz é uma (ἕν) luz na qual os corpos estão todos reunidos na unidade de um panorama. A luz a banha e tudo envolve. [...] Um grego diria que a luz não se vê (no mesmo sentido em que se veem as cores), não se vê, mas faz ver. 21 (ZUBIRI, 2014, p. 412, grifo do autor).
Que a partir dessa proposição – da qual Zubiri vinculou intelecção e iluminação – que atentamos para a única tarefa que possa determinar os limites de tal associação, isto é, perguntar sobre os motivos da verdade que os membros da escola buscam nessa luminosidade. Na assertiva da exposição da luz pelos membros da escola, o brilho atinge a todos, embora Zubiri não mencione aqui os estudantes ou alunos. Contudo, o filósofo espanhol deixa pistas sobre a constituição escolar, além daqueles que trabalham nela: “A forma de iluminar operativamente a entrada da realidade é justamente o que constitui uma escola, não simplesmente uma equipe de trabalhadores”.22 (ZUBIRI, 2019, p. 275). Dissuadir a fatuidade desse ponto compete a análise do que seria a entrada da realidade via iluminação e sua constituição enquanto escola. Operativamente iluminar a realidade remete à atualização da mente e suas conexões com todas as coisas, incluindo as pessoas. Isto é, “Dizemos que realmente há luz quando as coisas são visíveis. [...] a atualização da mente por si mesma, é um co-resultado da atualização das coisas”.23 (ZUBIRI, 2014, p. 413). Explicita-se, então, que a atualização da mente é resultado conjunto da atualização das coisas, onde cada uma reluz e é espelho da outra. Como antes ponderado, a luz significa uma coisa só, mas que todas as mentes participam. Nesse interim, Zubiri (2010, p. 23, grifo do autor) recorda o bispo de Hipona: “Santo Agostinho introduziu a expressão de que a mente humana é luz participada; mas ainda assim, é luz. Nele reaparece a palavra participação [...]”.24
No que segue, a pergunta que caberia responder repousa na escola enquanto parâmetro da luz que a ilumina? A resposta seria um rotundo não. No caso da escola, ela não representa uma instituição a parte da realidade, uma realidade paralela ou realidade separada de outras. Zubiri (2019, p. 275) ajusta a questão, apontando que existe uma “[...] dimensão, a mais profunda e radical de uma escola: precisamente o modo para entrar nessa luz. E o que exatamente entra nessa luz? É, justamente, a realidade”.25 (ZUBIRI, 2019, p. 275).
Que haja realidade na escola não significa que a escola seja a realidade. A consideração atenta da realidade teoricamente protagonizada por Zubiri revela que “[...] o mundo, o universo, pelo menos o universo físico, está constituído antes de mais nada e sobretudo por um sistema de conexões”.26 (ZUBIRI, 1989, p. 51). Há aqui a ênfase da conexão como elemento da dinâmica escolar, isto é, um sistema que associa as pessoas que animam essa instituição e que também se conecta à outras. Em tal contexto reflexivo, onde a relação origina muitas coisas, Zubiri, no livro Escritos Universitarios, Volumen III, alude novamente à escola em seu desenvolvimento humana, ou seja, de conectividade entre aqueles que a constituem. “É um despertar para a ‘escola’ da verdade, mas com o rosto voltado para o mundo [...]”.27 (ZUBIRI, 2012, p.75). É esse caráter de verdade que viabiliza a dimensão escolar como um corpo voltado para o mundo. Na obra Estructura dinámica de la realidad, Zubiri (1989, p. 259, grifo do autor) reflete e define corpo social: “É um corpo social [...] o sistema de possibilidades sociais. Naturalmente, o caráter do corpo, da corporeidade, em conexão com os outros [...] é uma corporeidade fundada justamente no caráter social”.28
Como garantido agora, o sistema de possibilidades assenta na conexão do corpo social, representado por muitas instituições, figurando entre elas a escola enquanto corpo constituído pela verdade. Zubiri sublinha a total originalidade do agrupamento dos indivíduos na escola, situando a realidade anterior a qualquer formação grupal.
A formação da escola não é um agrupamento, mas o caráter de novidade de alguns [...] diante dos ‘outros’. Que então se formem grupos é algo consecutivo à escolarização, mas não constitutiva dela. Há uma escola porque há uma verdade que se separa do que não é verdadeiro, e não o contrário. A verdade nunca é uma conquista da escola mas, pelo contrário, a escola é uma criação devido à verdade.29 (ZUBIRI, 2012, p. 74-75, grifo do autor).
A escola busca a verdade, mas não se trata de conquista acadêmica porque ela motivou a instituição escolar, cuja existência é contínua a verdade enquanto princípio que a possibilita. Zubiri (apud COROMINAS, 2000, p. 112) deslinda a questão no panorama educativo: “Como todo raciocínio válido parte de uma percepção exata, a educação deve ser fundamentalmente perceptiva, empírica. Só mais tarde a inteligência virá demonstrar verdades”.30 Zubiri assevera que a inteligência testemunha verdades, cuja certificação fundamenta-se em atualizá-las.
A atualização busca seu princípio no mundo e essa realidade muda constantemente, o que aufere um fundamento dinâmico, obliterando qualquer ideia de um caráter estático que alicerce a realidade. O que isso precisamente, em termos zubirianos, quer dizer? O que está em questão é a admissibilidade da dinâmica da realidade. Segundo Gracia (2008, p. 77), isso significa que, no pensamento zubiriano, “[...] a realidade é e consiste em pura atualidade, e que o conceito de atualidade acaba tomando a dianteira ao de realidade. Se assim for, resultaria que o fundamento é pura atualidade ou consiste em pura atualidade”. 31
Dinamicamente tensionadas, as instituições lutam para sobreviver, revelando aspectos políticos que apreendem a realidade constantemente por meio de conexões garantidoras de convívio e suas sucessivas atualizações, sejam elas eclesiais ou acadêmicas. Em termos metodológicos, o que isso significaria no proceder da filosofia política zubiriana? Aos olhos de Zubiri, a realidade fundamenta o seu pensamento e a dinâmica das instituições poderia ser tomada como um fato curioso à luz desse eixo basilar
A ‘curiosidade’, a partir da perspectiva teórica de Zubiri sistematiza-se como segue: “Radicar o ser na realidade e não a realidade no ser é um dos propósitos fundamentais da filosofia zubiriana”.32 (ELLACURÍA, 2001, p. 409). Esse tipo de distinção, que não se origina mediante a simples centralidade do ser, mas por meio do ser na realidade mesma, toma lugar em um breve apanhado da escola na realidade: a escola, como todas as outras instituições, está na realidade e a partir disso, Fowler (2002, p. 110) compreende que “Para Zubiri, a questão pode ser esclarecida reconhecendo que a realidade no sentido primário ou fundamental é uma formalidade, não uma zona de coisas”.33
Como sabemos, um dos focos da atenção zubiriana está na apreensão da realidade e sua atualização. Os indivíduos que compõem as instituições em suas oscilantes e ininterruptas conexões estão dentro disso. Metodologicamente, no sistema zubiriano, “[..] podemos notar que as entidades jurídicas e políticas não significam coisas, como mesas, [...] mas algo mais abstrato, definido por relações”.34 (FOWLER, 2002, p. 121). Se a realidade não é uma zona de coisas como mesas ou cadeiras, mas uma formalidade que fundamenta relações das quais a política é definida, como poderíamos explicar isso? Na argumentação em apreender a realidade e as conexões resultantes “[...] as coisas estão presentes não sendo independentes umas das outras, uma vez que elas não se dão isoladamente”. (GARCÍA NUÑO, 2020, p. 104). Esse trecho traz à baila aquela que é a principal características das instituições, ou seja, a ininterrupta interconexão delas. Zubiri (apud GARCÍA NUÑO, 2020, p. 104) afirma que “[...] as dependências podem ser mais diversas, mas todas as coisas dependem umas das outras. Dependem entre si e expressamos esse caráter de dependência dizendo que ‘estão em conexão’”.
Baseando-se na instituição escolar enquanto entidade política da sociedade civil, Zubiri demonstra que os pressupostos dinâmicos da política conferem atualização e novidade da realidade. A conexão institucional é consecutiva a atualização da realidade e sua importância radica em publicar verdade. “A ‘escola’ e a sua ‘formação’ não são um problema sociológico, mas sim filosófico. Isto é, algo que pertence à essência do despertar para a verdade”.35(ZUBIRI, 2012, p.73). Se a verdade não consiste em conquista política, a publicação da verdade o é através das entidades políticas que são constitutivas dela e que Zubiri exemplifica através da escola. “É sobretudo a consequência inexorável de que a verdade, pela sua própria índole e essência, é pública”.36 (ZUBIRI, 2012, p.73, grifo do autor). Dado esse desfecho, os cursos ministrados por Zubiri durante o regime franquista constituem-se em um verdadeiro ato político no compartilhamento social da verdade. Igualmente, Zubiri testemunha a presença de preocupações políticas ao teoricamente se ocupar com a instituição escolar.
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[1] “[...] por encima de las disputas políticas. Y, por supuesto, por encima de la mediocridad ambiental”.
[2] “Él no intervino nunca con carácter político, y menos con una denominación política”.
[3] “Nunca le oí ningún comentario que pudiese interpretarse en clave política, en favor o en contra de la situación”.
[4] “[…] Zubiri no ejercitó ciertas dimensiones de la praxis, porque nunca actuó directamente en política, y menos se consideró un político”.
[5] “Él realizaba su trabajo y estudiaba; era una auténtica vocación intelectual, vivía metido en los libros... Y si alguien le iba a ver, él hablaba. No era un hombre de acción, que yo sepa, ni tampoco de acción política intelectual...”.
[6] “Siempre hablábamos de temas filosóficos. [...] Con él yo nunca hablaba de política, hablábamos de Plotino o de Filón…”.
[7] “[...] en el sector mismo de las masas, esto es, entre quienes sufren el peso de la miseria y de la injusticia estructural […]”.
[8] “[…] ha habido también un alto grado de aprendizaje, que lo ha llevado a un gran realismo político”.
[9] “Ellacuría, que era su confidente personal, era el segundo patriarca del Seminario, y […] también tenía su mundo propio: la teología y la filosofía de la liberación. Pero no logró nunca que Zubiri entrara en la discusión socio-política […]. Es muy probable que, cuando charlaban en la intimidad, Ellacuría le presionara fuertemente en este sentido”.
[10] “Recordemos que cerca de cuarenta años de su plenitud intelectual los tuvo que vivir bajo la férula del nacional catolicismo franquista al que jamás aduló, ni ante el que nunca claudicó, pero cuyas consecuencias padeció a la hora solitaria del pensar y, más aun, a la hora de publicar”.
[11] “Aunque Zubiri no manifestaba sus opiniones políticas, creo que había en su fondo una actitud ética. Algo que le importaba muchísimo era la libertad de pensamiento. Para Zubiri, la dignidad de la persona estaba por encima de cualquier consideración política. La libertad de poder acceder a cualquier texto, la libertad de expresarse, la libertad del individuo. […] Él hablaba de sociedad, de ética, y muchas veces se quejaba de la falta de ética de aquellos gobernantes”.
[12] “No hay, desde luego, un lugar neutro adonde el filósofo pueda exiliarse de la política, el lenguaje o la historia. Toda existencia humana rezuma siempre […] la lluvia que cae sobre el tejado”.
[13] De acordo com a página oficial da Fundación Xavier Zubiri, a consulta ao Index zubirianus aponta a presença de noventa e nove ocorrências da palavra política na obra completa até agora publicada. Para mais pesquisas em âmbito lexicográfico consulte o seguinte link: https://www. zubiri.net/indexzubirianus.html.
[14] “Zubiri no habla expresamente de los asuntos ciudadanos o políticos, pero como en el caso de los sofistas griegos analizados por él en los años cuarenta, sabe de la importancia de esos asuntos […].
[15] “Es impresionante como Zubiri, en la miles de páginas transcritas de sus clases, que recogen todas sus disgresiones y todos sus gestos, no hace nunca la más leve referencia política ni a favor ni en contra del régimen”.
[16] “Zubiri does not discuss political entities in his philosophy, entities such as governments, kings, mayors, councils, and parliaments. Nor does he discuss entities that exist within the context of civil society, such as corporations, foundations, or universities”.
[17] “[…] politics is the science that controls all other practical disciplines, its proper business is to undertake an investigation of the human good, and to regulate human affairs in the light of what it discovers”.
[18] “[...] una escuela es un conjunto de personas que colaboran en unos temas más o menos homogéneos, los propios de la escuela; o, como se dice vulgarmente, ‘se trabaja en equipo’. Y ese equipo es la escuela”.
[19] “Y la escuela empieza por tener su verdadera realidad cuando los miembros de ella son co-operarios de la verdad que esa escuela busca, y cuya intelección esa escuela quiere alumbrar”.
[20] “La luz es una luz única, por ejemplo, la luz del día que, al encenderse, actualiza las cosas”.
[21] “La luz hace actual el color. Para los griegos, los colores existen aun en la oscuridad; la luz sólo los hace ‘actuales’. Pero, además, la luz es una (ἕν) luz en que los cuerpos todos están reunidos en la unidad de un panorama. La luz lo baña y lo envuelve todo. […] Un griego diría que la luz no se ve (en el mismo sentido en que se ven los colores), no se ve pero hace ver”.
[22] “El modo de alumbrar operativamente la entrada de la realidad es justamente lo que constituye una escuela, no simplemente un equipo de trabajadores”.
[23] “Decimos que hay actualmente luz cuando son las cosas visibles. […] la actualización de la mente por sí misma, es co-resultado de la actualización de las cosas”.
[24] “San Agustín introdujo la expresión de que la mente humana es luz participada; pero aun así, es luz. Reaparece en él la palabra participación […]”.
[25] “[...] dimensión, la más honda y radical de una escuela: el modo precisamente de entrar en esa luz. ¿Y qué es precisamente lo que entra en esa luz? Es, justamente, la realidad”.
[26] “El mundo, el Universo, por lo menos el Universo físico, está constituido ante todo y sobre todo por un sistema de conexiones”.
[27] “Es un despertar a la ‘escuela’ de la verdad, pero con la cara vuelta hacia el mundo […]”.
[28] “Es cuerpo social [...] el sistema de posibilidades sociales. Naturalmente, el carácter de cuerpo, la corporeidad, en la conexión con los demás […] es una corporeidad fundada precisamente en el carácter social”.
[29] “La formación de la escuela no es una agrupación, sino el carácter de novedad de unos […] frente a los ‘otros’. Que entonces se forman grupos es algo consecutivo a la escolaridad, pero no constitutivo de ella. Hay escuela porque hay una verdad que se escinde de lo que no es verdad, y no al revés. La verdad no es jamás una conquista de la escuela sino, al revés, la escuela es una creación debida a la verdad”.
[30] “Puesto que todo razonamiento válido parte de una percepción exacta, la educación habrá de ser fundamentalmente perceptiva, empírica. Sólo después vendrá la inteligencia a demostrar verdades”.
[31] “[…] la realidad es y consiste en pura actualidad, y que el concepto de actualidad acaba tomando la delantera al de realidad. De ser esto así, resultaría que el fundamento es pura actualidad o consiste en pura actualidad”.
[32] “Radicar el ser en la realidad y no la realidad en el ser es uno de los propósitos fundamentales de la filosofía zubiriana”.
[33] “For Zubiri, the matter can be clarified by recognizing that reality in the primary or fundamental sense is a formality, not a zone of things”.
[34] “[..] we may note that political and legal entities are not meaning things, like tables, […] but something more abstract, defined by relationships”.
[35] “La ‘escuela’ y su ‘formación’ no son un problema sociológico, sino filosófico. Esto es, algo que pertenece a la esencia del despertar a la verdad”.
[36] “Es ante todo la consecuencia inexorable de que la verdad, por su misma índole y esencia, es pública”.