O dar de si em Xavier Zubiri e sua dimensão teológica  
Oneself’s giving in Xavier Zubiri and its theologial dimension    

Valeriano dos Santos Costa*
Marcos Vieira das Neves** 
 
*Professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Teologia da PUC/SP. Contato: pvaleriano@uol.com.br 
**PUC/SP. Contato: 
pemarcosneves@gmail.com  

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Resumo:

Analisamos o conceito zubiriano “dar de sí” (dar de si) para mostrar que sua expressão verbal “dar”1 , unida ao de si, tem um peso hermenêutico de grande valor na filosofia de Xavier Zubiri. O objetivo não é esgotar todas as nuanças que o conceito tem na vastíssima gama de textos que compõem as obras do nosso filósofo basco, mas sim de sistematizar alguns matizes que nos ajudariam a compreender o que Zubiri entende por “dar de sí” e como ele aplica esse conceito na sua obra.  

Palavras chave: dar; dar de si; Zubiri; hermenêutica; realidade; Deus 

Abstract

We analyze the Zubirian concept “dar de sí” (oneself’s giving) to show that its verbal expression “giving” united to “oneself’s” has a hermeneutic weight of great value in Xavier Zubiri’s Philosophy. The goal is not to exhaust all the nuances that the concept has in the vast range of texts that comprehends the work of the Basque philosopher, but to systematize some nuances that would help us understanding what he means by “oneself’s giving” and how he applies this concept in his work. 

Keywords: giving, giving of oneself, Zubiri, hermeneutics, reality, God  

Introdução 

O conceito “dar de si”, para o filósofo basco contemporâneo Xavier Zubiri (1898-1983), situa-se no coração de sua filosofia, que constitui o mais radical e surpreendente realismo, cuja “ideia central é que ‘realidade’ significa o modo elementar em que as coisas são dadas ao homem, que desse mínimo arranca todo o colossal esforço conceitual ou racional a que somos impelidos pela própria realidade [...]” (PINTOR-RAMOS, 1996, p. 127)2 . Então enquanto realidade “as coisas se dão a conhecer. Não é uma simples visão que se tem, mas uma visão que se dá” (ZUBIRI, 2014, p. 325)3 . Nisso consiste o “dar de si” da realidade. 

Com o intento de analisar o conceito zubiriano “dar de si” 4 , fizemos uma pesquisa com a ajuda tecnológica da base de dados das obras de Zubiri, pela ferramenta de busca “Index zubirianus” contida nos “Catálogos telemáticos” de apoio à investigação no site “https://www.zubiri.net/” da Fundação Xavier Zubiri. Tal busca apresentou 174 registros estritos, isto é, rigorosamente coincidentes. Com isto queremos dizer que, com o fim de sistematização e corte hermenêutico, foi considerado terminologicamente somente “dar de sí” e não as variantes como “dando de sí”. É importante ainda ressaltar que esses registros correspondem ao número de páginas, e não ao número de vezes, em que o conceito aparece, visto que ele pode ocorrer até 7 vezes em uma mesma página, como é o caso da página 447 de Espacio, Tiempo, Materia (ZUBIRI, 2008a, p. 447). 

Vale ressaltar ainda que, verificado o campo de incidência do conceito, foi feita uma busca exaustiva nos 12 livros que apresentaram registros, para constatar como Zubiri lida com este conceito, isto é, se dá seu significado como suposto ou se se esmera por desenvolvê-lo, não o estando apenas utilizando para explicar outro conteúdo. E é somente nesses casos que nos detivemos para aproveitar melhor o espaço próprio de um artigo de revista. 

Porém, antes de avançar em nossa pesquisa, ressaltamos que se a realidade dá de si é porque nos permite livre acesso a ela, acesso que é de índole física, como afirma Oliva: 

O acesso à realidade não é primariamente lógico, mas físico. A via aberta por Zubiri através do seu acesso à realidade pela via da sensibilidade, se converte em instância crítica para toda a história da filosofia [...]. Em Zubiri encontramos que há algo prévio ao logos, à razão, ao juízo, ao conceito, à linguagem. É a força impressiva da realidade [...] (OLIVA, 2007, p. 562)5

Constatações prévias sobre o conceito dar de si 

Como constatação prévia, salientamos que se trata de um conceito bastante recorrente nos cursos livres de Zubiri em torno de 1967 a 1973, reaparecendo com um matiz um pouco diferente a partir de 1980, como é o caso em El Hombre y Dios (ZUBIRI, 2012b). 

Outra constatação é que na trilogia da Inteligência senciente, uma das obras de maior destaque, pois representa a maturidade da sistematização do pensamento zubiriano, o conceito não aparece nenhuma vez. Já em Acerca del Mundo é encontrado uma única vez: “A evolução é o que a matéria pode dar de si” (ZUBIRI, 2010a, p. 141)6 . E aparece também uma só vez em Sobre la Realidad, com grande pertinência para nossa pesquisa, pois fundamenta o caráter extático do dar de si das estruturas essenciais “[...] – é o que poderíamos chamar êxtase, estar fora de si” (ZUBIRI, 2001)7 . Em Acerca del mundo diz Zubiri: “estar fora de si é o que se chama êxtase” (ZUBIRI, 2010a, p. 235). Aí já podemos ver que o dar de si estruturalmente exige o sair de si, isto é, tem uma dimensão radicalmente extática. 

Já em Sobre la Esencia, Zubiri utiliza o conceito duas vezes, com relevância para a primeira vez, quando afirma que a coisa que está atualizada em suas notas, como coisa dotada de “riqueza” interna, possui como característica “dar de sí” (ZUBIRI, 2008b, p. 128). Normalmente entendemos as notas como qualidades ou “propriedades” das coisas (ZUBIRI, 2008b, p. 104). Porém, o conceito de nota em Zubiri é muito mais amplo. “[...] abarca tanto os momentos qualitativos distintos como as partes integrais ou outras” (ZUBIRI, 2008b, p. 457). Por exemplo, é parte integral do homem o psiquismo e a inteligência. Isto não é qualidade nem propriedade, mas estrutura humana. 

Em Estructura de la metafísica, “dar de sí” é utilizado 7 vezes em 3 páginas distintas. Na página 287, Zubiri afirma que a realidade tem um momento que efunde, o qual é um “dar de sí” sua própria realidade sem que sofra perda. “É o devir em outro e devier com outro. O devir em outro é o amor. E o devir com outro é a comunhão pessoal. O amor em comunhão pessoal é a forma suprema do dinamismo e do devir que nos é conhecido até agora” (ZUBIRI, 2016, p. 287)8 . O conceito de solidariedade para Fallas pode ser enquadrado naquilo que Zubiri chama de devir com o outro: 

Na solidariedade o homem se verte inteiramente ao outro pessoal. Estamos previamente instalados na situação metafísica de solidariedade, não epidermicamente. Não produzimos o outro, senão a proximidade. Daí que só dentro deste âmbito efusivo é que possa dar-se o outro enquanto outro (FALLAS, 2004a, p. 625)9.

 É aqui que aparece algo de suma importância. E é justamente a partir daqui que em nosso texto começamos a ver o significado do conceito para nosso autor basco10

As cinco vezes em que surge na obra Estructura de la metafisica incidem na página 273. Para explicar o dinamismo de um sistema, Zubiri diz que o dinamismo vai mudando, porém mesmo que mude, o dinamismo não está em mudança. O dinamismo está em um momento distinto. Está na integração da mudança na própria realidade substantiva enquanto realidade. E essa integração, segundo Zubiri, é o que é expresso na língua espanhola dizendo “que es ‘dar de sí”. O dinamismo do sistema não consiste em mudar, mas sim em dar de si. É evidente que quando acontece uma mudança, acontece um dar de si modificante, porém o momento do dinamismo consiste na integração da mudança, em um dar de si. E é por isso que toda realidade é por si mesma – justamente por essa integração, esse dar de si (ZUBIRI, 2016, p. 272-273). 

Pois bem, até aqui já passamos pelas 12 obras que apresentam o conceito “dar de si”, pelas 5 em que ele apresenta menor incidência, lembrando que no total são 31 obras já publicadas de Zubiri. Sendo assim, a partir deste ponto não nos deteremos mais em cada incidência específica em que o conceito se apresenta nas 7 obras restantes. 

O que é dar de si? 

Dar de si é um conceito metafísico zubiriano de grande monta, que tentaremos elucidar neste artigo. Ser de grande monta significa produzir um impacto visível na elevação de uma cultura, que se consolida elevando-se a “conceitos metafísicos”. Períodos em que uma cultura não se eleva metafisicamente são como voos tão rasantes em que na prática cultural a sociedade alimenta-se do que constitui lugar tão comum que pode comprometer a verdade como busca essencial da vida e arrastar o homem para fora da realidade. A situação foi se agravando, ao ponto de Zubiri dizer: “Hoje estamos inegavelmente envolvidos no mundo inteiro, por uma grande onda de sofística. Como no tempo de Platão e de Aristóteles, também somos arrastados por uma grande onda de discurso e propaganda” (ZUBIRI, 1980, p. 15)11

Nesse sentido, toda cultura necessita elevar-se continuamente a conceitos metafísicos. Segundo Moreno, tal era o objetivo e foi o sucesso de Zubiri depois de uma lacuna considerável que a Espanha atravessou por mais de cinquenta anos (MORENO, 2004a, p. 53). Isso ocorreu porque diante de um racionalismo fracassado, o caráter da noologia zubiriana não repousa nem na lógica, nem na psicologia, nem na crítica do conhecimento ou epistemologia, mas na realidade como ultimidade. Isso explica a rejeição de Zubiri pelo criticismo moderno, porque este criticismo “considera o conhecimento como se fosse algo primário que repousa sobre si mesmo” (CONILL, 2004a, p. 124)12

Zubiri diz em Espacio, Tiempo, Materia que “todo real, como real, tem algo que com uma exatíssima expressão espanhola chamamos de dar de si” (ZUBIRI, 2008a, p. 446-447)13. Faz tal afirmação para analisar como se apresenta “de suyo”14 a realidade material. Podemos dizer que a realidade está aberta a diversas formas e modos possíveis. Isto é, não são iguais a realidade de uma coisa material, a realidade de uma pessoa, a realidade da sociedade, a realidade do que é moral, e assim por diante. Não são iguais a realidade da minha própria vida interior a de outras realidades. Ademais há na realidade humana uma abertura para o processo histórico, enquanto atualização de possibilidades, como diz Cuevas: “O caráter constitutivamente aberto da realidade humana é o que confere ao processo histórico uma abertura essencial como processo de atualização de possibilidades” (CUEVAS, 2007, p. 108)15. Foi a filosofia da história de Zubiri que permitiu a Ellacuria, um de seus discípulos mais envolvidos na causa latino- -americana, ver a história não só como atualização de possibilidades, mas também de apropriação dessas possibilidades (HERRERA, 2007, p. 263). “Isso é a responsabilidade: responder à realidade de uma situação apropriando-se de suas possibilidades” (ÁLVAREZ, 2007, p. 362)16. Dessa forma como diz Corominas, “é de prever que X. Zubiri contribuirá mais decisivamente, todavia com a filosofia moral do século XXI”17 (COROMINAS, 2011, p. 393). Porém, por mais diferentes estes modos de realidade, são sempre formalidade “de suyo”. P a r a explicar o dinamismo estrutural do real como real, Zubiri afirma que a estrutura da realidade material como realidade é um dar de si. Esse dar de si do real é justamente o que ele chama de dinamismo estrutural do real, ou simplesmente, dinamismo. “Dinamismo é o dar de si da estrutura”18 (ZUBIRI, 2008a, p. 447). Portanto, é aqui que reside o cerne da nossa questão. Dentre todas as incidências do conceito dar de si nas obras de Zubiri, neste ponto, o autor nos dá de “mãos beijadas”19 a pergunta à qual queremos responder. “O que é este dar de si?”. Zubiri faz uma análise das duas palavras que envolvem o conceito em questão: o “si” e o “dar”. Ambas apresentam um significado muito preciso (ZUBIRI, 2008a, p. 447). Disso agora trataremos. 

Começando pelo “si”, Zubiri afirma que o dar de si tem caráter de “em si”, ou seja, a realidade é em si mesma um sistema conformado de “notas-de”, e que não possui o sentido kantiano de coisa em si. Zubiri se enquadra na perspectiva da “[...] superação da tradição iluminista-ilustrada, que havia começado com Descartes e Kant” (NICOLÁS, 2004a, p. 129)20, para colocar-se na perspectiva da realidade como ultimidade. A realidade material em si pode tanto ser considerada a partir da unidade coerencial primária de suas notas ou desde estas notas essenciais mesmas enquanto notas. A questão é que estas notas são a estrutura do sistema e por esse motivo a unidade das notas não é adição nem síntese, mas unidade coerencial primária. Então essência para Zubiri não é o mesmo para a filosofia clássica (ZUBIRI, 2008a, p. 447). 

A unidade coerencial primária não é unidade de substâncias, mas de sistema. No caráter sistémico é que está a diferença entre algo substantivo e algo substancial. “Unidade primária e clausura total do sistema são os dois caracteres positivos e reais que formam uma substantividade, da qual é eo ipso constitucionalmente uma individualidade” (ZUBIRI. 2008b, p. 167)21. O substancial tem a ver mais com a essência da coisa, ao passo que o substantivo denota uma constituição suficiente de notas na coisa como um todo e com a sua individualidade, que não é singularidade numérica, mas uma realidade suficientemente autônoma. Esta unidade é o que significa o “de” da expressão “notas-de”. Desta forma, ser sistema consiste em ter o “de” como momento constitutivo de cada nota. Então cada nota é de todas as demais, e a sua unidade está “em” todas as outras notas, fazendo delas uma substantividade (ZUBIRI, 2008a, p. 447).   

Sendo anterior às notas, a unidade coerencial é a prioridade da unidade essencial em relação à diversidade de suas notas estruturais. Esta prioridade é de ordem “formal” fundante. É aquilo pelo que existe uma essência, e, portanto, é aquilo pelo que existe uma substantividade formalmente “una” (ZUBIRI, 2008a, p. 447-448). Podemos nos perguntar então, o que “faz” esta unidade anterior às notas? Isso é o que buscaremos responder agora. 

A unidade, por sua vez, não está simplesmente presente nas notas. A unidade não é uma simples presença, mas é um “fazer”. A unidade é o “fazer” próprio da unidade, é o “fazer” sistema. Zubiri diz que “o fazer é um ‘determinar’ em cada nota, a unidade exigencial segundo o qual cada nota é ‘nota-de’” (ZUBIRI, 2008a, p. 448)22. Por isso, a essência constitutiva de algo é a realidade de sua intrínseca unidade necessária primária, é o “tem sido” (essenciado) de seu próprio ser (essência). Esse “tem sido” consiste em estar determinado em e pela unidade primaria (ZUBIRI, 2008a, p. 448-449). 

Compreendendo que o “de” não é unidade de substância, mas de sistema, ou seja, momento constitutivo de cada nota, podemos afirmar que as notas fazem a estrutura da unidade construtora do sistema. Considerada por si mesma, cada nota determina o sistema. Entretanto, em que consiste essa determinação? A determinação é o modo de pertença que consiste em “fazer” da realidade algo constituído fisicamente pela nota. Não consiste em que a nota seja algo meramente “possuído” pelo sistema, ou simplesmente pertencente a ele. Para exemplificar, Zubiri fala da cor verde. A cor verde não é só a cor verde que certo vegetal “tem”, mas também “é” uma nota que “faz” verde o vegetal (ZUBIRI, 2008a, p. 449). 

Cada nota não está simplesmente somada às demais. Cada uma qualifica as demais “fazendo” o sistema. É neste “fazer” em que consiste a determinação. Esta não é simples qualificação somatória, mas sim um fazer constituinte. Não são notas simplesmente somadas, mas cada uma é nota das demais. As notas qualificam o sistema quando se “co-determinam” entre si. O real é sistema no qual as notas são formal e constitutivamente co-determinantes entre si de um modo direto – sua co-determinação sistemática é constitutiva e não consecutiva. As notas “fazem’ a estrutura da unidade que compõe o sistema (ZUBIRI, 2008a, p. 449-450). 

É necessário ver o fazer como um determinar e o determinar como um fazer, pois é um mesmo momento tomado de pontos de vista diferentes. Deve-se tomar estes momentos unitariamente porque é justamente a coisa real. Daí vem a substantividade que é o resultado de um fazer determinante. Logo, “de suyo” é ser de “suyo” um perfeito de si mesmo. A substantividade é o “tem sido” de si mesma. E o “si mesmo” da substantividade constituído pelo determinar, fazer e proceder (ZUBIRI, 2008a, p. 450-453). 

Repetindo o exposto, para que a ideia fique bem registrada, o fazer não é um processo, mas sim um proceder. Proceder é um caráter estrutural real formal e físico. E é físico porque todo o real tem fisicamente o caráter de um proceder. Este fazer que é proceder, é unidade “procededora” de notas procedentes. Por isso todo o real é “real substantivo”; é também uma própria realização, não importando a sua origem causal. “Nisto consiste o ‘si mesmo’ da substantividade. Em definitivo: determinar, fazer proceder: eis aí os três passos para conceituar o ‘si mesmo’” (ZUBIRI, 2008a, p. 453)23. Daí esta formulação ser importante, justamente porque é o cerne do conceito do dar de si em Zubiri. Trataremos disso agora. 

Assim Zubiri afirma, “este autoproceder em toda sua plenitude é justo o que chamamos ‘dar de si’”24 (ZUBIRI, 2008a, p. 453). Zubiri indica ainda que o conceito dar de si poderia levar-nos ao erro de pensar que o real material começa por ser o que “é” em si mesmo, e então se expande em um dar de si, como se o dar fosse consecutivo ao si mesmo. O dar de si não é uma expansão da realidade, mas a própria realidade enquanto realidade. Justamente porque “o dar é um momento constitutivo e formal do real em sua própria realidade”25 (ZUBIRI, 2008a, p. 453-454). Ou seja, o real o é dando de si. Deste modo, ser “de suyo” é estar de “suyo” dando de si. A realidade material, justamente por ser real, está dando de si – o real está realizando-se. Não é algo processual, mas sim “procedencial”. É exatamente nesse caráter “procedencial” em que consiste o dar de si. 

Por isso a estrutura é uma configuração dinâmica da realidade. Este dinamismo é o proceder. Porém, para Zubiri, proceder tem uma dupla dimensão. Por um lado, designa o “processo” propriamente dito, isto é, o “ato” processual, que estabelece um “devir” em ação e, por outro, designa simplesmente uma índole procedente, como no caso das notas: “Têm somente o caráter de pura procedência. São procedência sem processo” (ZUBIRI, 2008a, p. 451-452)26. Esse tipo de procedência é mais radical que a procedência de um ato processual. É como a magnitude quântica das partículas elementares antes de sofrerem um giro de rotação. Tal magnitude só aparece no giro de rotação, mas ela está lá nas partículas como uma índole procedente. Portanto o dinamismo não está no movimento de rotação, mas ele é a estrutura mesma das partículas elementares. “É uma espécie de rotação sem rotação...” (ZUBIRI, 2008a, p. 452)27. Este tipo de pensamento faz parte do realismo zubiriano, que busca o mais radical na realidade. E de modo recíproco, a estrutura enquanto dinâmica é um determinante estrutural. “Portanto não há nenhuma dualidade entre ser realidade e dar de si. Toda realidade é estrutural e formalmente um dar de si estrutural”28 (ZUBIRI, 2008a, p. 454). A realidade material não é algo que simplesmente está aí, mas é algo que está procedendo, e por isso a realidade material tomada como realidade, vista em si mesma, é um dar de si.  

Entramos no cerne da investigação acerca do conceito dar de si em Zubiri e identificamos que todo o real é algo em si “e” é algo que dá de si. A unidade deste si e deste dar é justamente o “de suyo”. 

Agora já podemos compreender mais claramente que o dinamismo não é mudança, mas algo estrutural. Justamente porque é o momento da realidade enquanto procedida que é dinamismo. Zubiri adiciona a ideia de que o dinamismo também não é uma atividade, porque existe muitos modos de dar de si, e a atividade é só um deles. Mas então no que consiste precisamente a estrutura dinâmica da realidade? Consiste em que cada coisa real é uma configuração estrutural própria no cosmos. E essa configuração estrutural é configuração dinâmica. Zubiri usa um jogo de palavras para explicar melhor: dinâmica, porém configuração; configuração, porém dinâmica. Do mesmo modo, vemos que dinamismo é formalmente, não troca/mudança, mas dar de si, um proceder sem processo (ZUBIRI, 2008a, p. 455-456). 

Concluímos assim, que o em si enquanto procedência é princípio de determinação estruturante, o real é princípio de determinação estruturante, justamente por dar de si. E para maior clareza, trazemos o pensamento de Sáez Cruz a respeito da definição de princípio em Zubiri: “Princípio não é mero começo, nem é, contra a opinião autorizada de Aristóteles, só aquilo (hóthen) ‘desde o qual’ algo vem [...], senão ‘aquilo que desde si mesmo e por si mesmo se realiza no fundado’” (SÁEZ CRUZ, 1995, p. 43)29. Portanto, o real como princípio de determinação estruturante se realiza em si e por si mesmo no fundado. Porém a questão do fundado nos remete a outra questão importante sem a qual não haveria algo fundado: o fundamento. Quem se esmerou no problema do fundamento em Zubiri foi Diego Gracia:

A temática do fundamento na fenomenologia procede de Heidegger. Ele pensou sempre que o ser não é ente e que tratar de conceituá-lo com as categorias próprias dos entes é confundir o ‘ontológico’ com o meramente ‘ôntico’, o grande mal da metafísica ao longo dos séculos. (GRACIA, 2008, p. 43)30  

Confundir o ontológico com o ôntico cria obstáculos para se compreender a realidade enquanto realidade. É importante a definição acima, porque como estamos vendo ao longo deste artigo, um princípio de determinação estruturante é algo que está na estrutura mesma da realidade, seja enquanto princípio ou enquanto determinante. Não é mera consequência do real. A consequência supõe temporalidade, isto é, um depois, ou seja, primeiro se é real e depois tem ação própria (ZUBIRI, 2008a, p. 426): o pensamento de Zubiri é como um som que fustiga a mesma tecla, a fim de nos tirar de um moralismo paralisante que dominou o pensamento ocidental e levou-o a sentir-se protagonista da história e distante da realidade. 

E terminamos a visão apresentada do esquema proposto por Zubiri para responder à pergunta “o que é este dar de si?” proposto na obra Espacio, Tiempo, Materia (ZUBIRI, 2008a, p. 446-456). Observemos agora como o conceito dar de si é explicado ou aplicado por Zubiri nas demais obras, que ainda não analisamos. 

Obra com maior incidência do conceito dar de si 

Na obra Estructura Dinámica de la Realidad, na página 61, Zubiri lança uma definição sobre o dar de si, justamente, para explicar o dinamismo estrutural da realidade. No terceiro passo proposto por ele para essa explicação, de modo bem claro e conciso, expõe o conceito de “de suyo” (ZUBIRI, 2006b, p. 56-67). E para isso diz que as coisas, precisamente porque são “de suyo”, possuem um momento ativo que consiste em dar de si. Sendo o dar de si a expressão própria das coisas reais. A abordagem do conceito aqui é semelhante ao que vimos em Espacio, Tiempo, Materia. O dinamismo é o real em sua constituição do dar de si (ZUBIRI, 2006b, p. 61). 

A conceito dar de si incide em 64 páginas na obra Estructura Dinámica de la Realidad, e em algumas dessas páginas se apresenta diversas vezes. É a obra que possui maior número de páginas com presença do “dar de si”. Porém, o que chamou mais atenção, foi que Zubiri nesta obra, emprega o dar de si para falar sobre a questão do tempo. Logo, em vez de nos atermos às explicações dadas por Zubiri, o que já fizemos com a obra Espacio, Tiempo, Materia, observemos um pouco como ele aplica o conceito para falar dessa questão do tempo. Claro que consideramos fundamental ver como Zubiri desenvolve o tema do dar de si aqui, precisamente porque é a obra em que ele trata da estrutura dinâmica da realidade de forma mais abrangente. Porém, como já nos atemos a uma explicação mais detalhada disso anteriormente, passaremos agora a algumas aplicações que nos parecem ser importantes. 

O dar de si e o problema do tempo 

Na terceira parte da obra, ao tratar da realidade do dinamismo, o capítulo XI apresenta o dinamismo como forma de estar no mundo. Logo, dividindo o tema em seis pontos, Zubiri discorre, mais precisamente a partir do terceiro ponto, sobre a essência, os modos, e a unidade do tempo, assim como também como se está no tempo. E aí vemos claramente a aplicação do conceito dar de si, na sua forma de compreender o dinamismo da realidade, na questão do tempo. Para nosso filósofo basco, é no dinamismo do dar de si, onde justamente se inscreve o problema do tempo. O dinamismo é um dar de si que requer tempo. O dar de si do dinamismo como caráter de realidade ativa por si mesma é justamente o fenômeno fundamental em que se deve fundamentar a reflexão, se se quer que exista o tempo (ZUBIRI, 2006b, p. 293). 

O tempo como um momento estrutural disso que chamamos dar de si é um momento que pertence a uma realidade em sua respectividade com as outras. Isso porque, segundo Ferraz, “as estruturas das coisas qualificam o tempo” (FERRAZ, 2004a, p. 184). Zubiri deixa claro que a realidade é espaçosa e é tempórea, porém não está “no” espaço, nem está “no” tempo como em lugares onde se podem colocar as coisas. Para ele o tempo é uma temporalidade com uma respectividade. É o tempo de umas coisas respeito a outras. E por ser uma respectividade, como respectividade do real tanto que real é precisamente o que ele chama mundo. O tempo afeta constitutivamente o dar de si em seu momento de respectividade, ou seja, ao dar de si no mundo e dentro do mundo as coisas, em quanto que estão no mundo. E aí chegamos à constatação de que o dar de si e o fluir não são o mesmo (ZUBIRI, 2006b, p. 293). 

Zubiri é categórico ao dizer que o tempo não é formalmente um dar de si e tampouco é simplesmente fluir. Tanto o fluir como o dar de si é um momento estrutural do dinamismo do real enquanto real, más em si mesmo não é o tempo. Com o exemplo de um rio Zubiri aclara o conceito. “Do mesmo modo como o fluir de um rio forma parte da realidade intrínseca da corrente d’água, porém não é o rio. Isto não é o tempo, propriamente. O tempo não está em dar de si e nem em fluir.” (ZUBIRI, 2006b, p. 294)31. No fluir e no dar de si está o tempo sim, porém, o tempo não consiste em fluir e em dar de si. O tempo está fluindo, o tempo está dando de si. Aqui é a chave em que está o tempo. O tempo não é fluir, mas estar fluindo, não é dar de si, mas estar dando de si (ZUBIRI, 2006b, p. 294). 

Este estar do tempo para nosso filósofo basco é uma atualidade. Uma atualidade do real. É um estar em respectividade de umas coisas em relação a outras. É uma atualidade das coisas no mundo. A atualidade do real no mundo, por sua vez, é justamente o que Zubiri chama de ser. O ser, para ele, não é a realidade, mas sim a atualidade do real na respectividade, no mundo. Na medida em que a realidade é atual na respectividade, e formalmente na respectividade, se tem o ser. O ser tem um certo caráter ativo no sentido de que o ser é uma espécie de reatualização ou de reafirmação da realidade de uma coisa em respectividade que constitui o mundo enquanto tal. O dinamismo do dar de si, o do fluir (como atual no mundo enquanto tal), isso é o ‘ser’ do dar de si. Aqui reside o tempo. É um estar dando de si, é a atualidade que tem o real no mundo, e por conseguinte o ser (ZUBIRI, 2006b, p. 295). 

O tempo é a atualidade de todas as coisas, de seu dar de si no mundo. É algo que concerne ao ser. É um modo de ser. O tempo transcende o espaço (não porque ele o absorva, como dizia Kant) porque é uma pura atualização enquanto atualidade do dar de si no mundo. O estar efetivamente dando de si e em fluência. Deste modo, concluímos que o ser não se funda no tempo (Heidegger), mas sim que o tempo se funda no ser, porque é precisamente um modo se ser (ZUBIRI, 2006b, p. 295-296). Portanto, “o tempo é pura e simplesmente a forma mundanal do dinamismo como um dar de sí” (ZUBIRI, 2006b, p. 309) 32

O dar de si em um sistema e a gênese 

Na obra Escritos Menores (1953-1983), a expressão dar de si aparece em cinco páginas distintas, com destaque para uma definição bem concisa que Zubiri dá ao tratar da “espaçosidade”, afirmando que toda realidade é ativa por si mesma, por consistir formalmente em ser um dar de si. “O dar-de-si é algo que compete formalmente à realidade e é algo distinto de toda atividade casual” (ZUBIRI, 2006a, 136)33. E com destaque, também, quando trata do espaço como movimento no sistema transcendental do real, onde diz que “toda realidade, enquanto realidade, é “de suyo” um dar de si, em e por si mesmo. Em virtude disso, toda realidade está “de suyo” dinamicamente aberta a outros modos de realidade enquanto realidade” (ZUBIRI, 2006a, p. 142)34

Zubiri sintetiza bem a questão de que toda realidade é “de suyo” dinamicamente respectiva e, por assim dizer, a realidade é sistema transcendental. Ele apresenta sua compreensão sobre os três caracteres transcendentais deste sistema transcendental, que 

[...] é um sistema ‘aberto’, pois por seu intrínseco e transcendental dar-de-si pode abrir espaço não só a outras realidades, senão a outros modos de realidade. É uma abertura dinâmica, pois as coisas mesmas estão em unidade evolutiva, que em função transcendental faz do sistema um sistema dinâmico. É uma dinâmica sistemática, pois cada forma de realidade está fundada em outras formas, que se conservam nas seguintes. A ordem transcendental é um sistema dinamicamente aberto de modos de realidade (ZUBIRI, 2006a, p. 143)35

Passemos agora para a obra Sobre el Hombre, que tem 11 páginas que apresentam o conceito, chegando repetir-se 13 vezes em uma mesma página. Indo ao cerne da questão, Zubiri explica, no capítulo VIII que a capacidade do dar de si está sempre qualificada e determinada na ordem da composição de outras realidades (substantivas ou não). Dar de si é sempre dar de si propriedades “novas” o substantividades “novas” (ZUBIRI, 1986, p. 448). Nesse sentido, o dar de si é potencialidade. Assim, “as potencialidades são as distintas capacidades de ‘dar de si’ algo novo” (ZUBIRI, 1986, p. 449)36

Observamos aqui que, para Zubiri, potencialidade são capacidades que saem das estruturas mesmas, e não que seja uma força que leva a atuar em outra. Potencialidade é dar de si mesmo, e dar de si é sair de si. Além do que o dar de si é dar de si para (em relação) a si mesmo. Dar de si é realizar-se. É algo que está na ordem que se vai desempenhar como, também na ordem das próprias estruturas que se realizam dando de si. Para Zubiri, potencialidade não é mera potência ativa, mas concerne à ordem constitutiva. Então potencialidade é a capacidade estrutural de dar de si (ZUBIRI, 1986, p. 449-450). 

Zubiri discorre sobre três tipos de potencialidades: a de transformação, a de sistematização e a de elevação. Vejamos brevemente seus conceitos na linha da gênese humana. Ele começa afirmando que a matéria tem intrinsicamente um sistema de capacidades de dar de si. O que justamente ele chama de potencialidade. Como a matéria dá de si ao homem, a humanização é uma das potencialidades da matéria. E como diz Niňo, “o homem essência aberta ou animal de realidade é pessoa, mas o é dinamicamente. Vale dizer, projetando livre e criadoramente seus modos de ser e de viver” (NIÑO, 2004a, p. 644). Todo dar de si constitui uma inovação e as potencialidades de dar de si podem ser de diferentes tipos. A matéria, ao dar de si, não constitui uma simples repetição ou reiteração das propriedades que já tinha, mas sim ao dar de si, graças às potencialidades que intrinsicamente e formalmente possui pelo mero fato de ser o que é, o dado no dar de si é uma novidade, e, por conseguinte dar de si é uma inovação. E Zubiri ainda diz que segundo seja esta inovação assim será também o tipo de potencialidade que a constitui (ZUBIRI, 1986, p 474-475). No caso de muitos processos de produção e aniquilação de partículas elementares, há um dar de si, uma potencialidade de transformação de umas propriedades em outras. 

No entanto, existe outro dar de si que é o dar de si por sistematização, em que as propriedades novas são propriedades sistemáticas. Zubiri afirma que este é o caso da vida. Dando de si por sistematização, a matéria se faz vivente. E continua dizendo que “esta vida por sua vez pode ter distintos tipos: pode ser a sistematização em forma de matéria viva, a sistematização constitutiva da célula, e a sensibilização das estruturas celulares”37 (ZUBIRI, 1986, p. 475), o que pode ser tanto no aspecto da evolução ou da gênese. 

O dar de si em reflexões filosóficas sobre temas de teologia 

Como nosso objeto formal é a Teologia, vejamos alguns usos do conceito dar de si em reflexões filosóficas sobre temas de teologia. “Para os estudiosos do pensamento de Xavier Zubiri é uma tese pacificamente adquirida constatar que entre suas preocupações e ocupações filosóficas se encontram a questões de Deus, religião e teologia” (ORTEGA, 2004a, p. 717). Em El Problema Teologal del Hombre: Dios, Religión, Cristianismo, o conceito dar de si aparece em 28 páginas. Logo na primeira página em que aparece, quando Zubiri explica que Deus é uma realidade que fundamenta as três dimensões do poder do real como algo “último, possibilitante e impelente”, está dizendo que “‘dar de si” é um momento formal da realidade enquanto real” (ZUBIRI, 2015, p. 113)38. Zubiri usa o conceito diversas vezes no decorrer da obra, inclusive para tratar da vida trinitária. Para ele Deus é um dar de si absoluto, e dá de si, cada pessoa da trindade, cada “suidad” dá de si à outra, ao mesmo tempo em que as três pessoas dão de si uma essência única (ZUBIRI, 2015, p. 429). 

É importante dar uma atenção especial a esta obra, também, a questão da criação. Porque para Zubiri a criação tem sido justamente um dar de si a própria vida trinitária de Deus (ZUBIRI, 2015, p. 531). Aqui entra mais um matiz no conceito de dar de si. É um dos que mais chama a atenção em todas as suas aplicações e definições. É senão outro que a categoria de “dom”. A criação para Zubiri é um dar de si, porém um dar de si como “donación” de Deus (ZUBIRI, 2015, p. 496). 

[...] Naturalmente, até aqui a criação tem sido justamente um dar de si a própria vida trinitária de Deus. {É doação liberal como formação dessa vida. É deificar.} O dom pode ser ainda muito maior. Pode ser um dom da realidade mesma de Deus. {É doação não de sua vida, mas de ‘si’ mesmo. Já não é deificação más Deus mesmo.} Neste caso, o término deste dom seria uma identidade entre as procissões trinitárias e a procissão iniciante. Esta identidade é justamente a pessoa de Cristo. {Cristo é ‘a’ imagem de Deus por ser sua ‘Sabedoria” encarnada.} (ZUBIRI, 2015, p. 531)39

Segundo Zubiri “este dar de si real formalmente consiste em ‘deiformar’ aquilo que cria e aquilo no que se vai realizar. Por isso, por cima e por baixo da história está precisamente a deiformação pessoal de cada um dos homens”40 (ZUBIRI, 2015, p. 783). Este dar de si por parte de Deus é dom da realidade mesma, própria, de Deus. 

Na obra Reflexiones Filosóficas Sobre Algunos Problemas de Teología, por sua vez, temos 24 páginas que trazem o conceito. O destaque se dá para os usos empregados na seção quinta, especialmente no que toca à questão da revelação. Zubiri, ao falar da revelação como tradição que progride, afirma que o progresso consiste em que a Verdade real do Pai, que subsistentemente é Cristo, dá de si tudo aquilo que tem revelado. O progresso é, portanto, um dar de si o que é verdade real. É um progresso no qual não existe um incremento. Incremento seria um tipo de injeção de fora. Mas se trata de algo intrínseco do dar de si mesmo. A revelação, portanto, dá de si tudo o que há nela como Verdade real do Pai. Este dar de si é uma operação própria de Cristo, presente no corpo místico, que é a Igreja. (ZUBIRI, 2019, p. 311-314). 

Podemos dizer que o progresso é um dar de si que não acontece sozinho em cada indivíduo isolado, mas sim cada um dos indivíduos e afetado pela pressão do que acontece em cada um dos demais, porque ninguém atua como nota isolada, com como nota dos demais. Bem por isso, podemos afirmar que o dar de si é um acontecer no corpo social da Igreja (ZUBIRI, 2019, p. 415). A realidade divina, já doada e intimamente possuída na simples atualização da revelação inicial, se converte em determinação de mais possibilidade de maior doação. Ou seja, se converta em uma autopossibilidade de dar-se mais e melhor a si mesma. Por isso é um dar que é de si. É um dar no qual o inicialmente dado ‘é’ e continua ‘estando’ nela como suposto desta autodoação ulterior (ZUBIRI, 2019, p. 414). 

Verifiquemos agora a obra El Hombre y Dios. Deixamos esta obra por último, justamente por ser a obra em que Zubiri trabalhava quando faleceu em 1983, e que, por conseguinte traz o seu pensamento mais maduro sobre o dar de si. Poderíamos ter começado por esta obra, mas optamos por seguir o caminho do autor. 

Ao investigar características da realidade de Deus, Zubiri afirma, o que já vimos anteriormente em outras obras, que toda realidade é ativa não só em si mesma, mas também, por si mesma. Sendo que essa atividade não é nem ação nem operação, mas sim dar de si. “Toda realidade é real sendo a plenitude daquilo que é; e esta plenitude é o momento do ‘dar de si’” (ZUBIRI, 2012b, p. 186) 41. A atividade compreendida como um dar de si é um momento formal da realidade enquanto real. Ou seja, o dar de si, atividade, não é consecutivo à realidade, senão que é um momento constitutivo dela. E aqui, Deus que é realidade absolutamente absoluta, que é atividade absoluta, é um dar de si absoluto (ZUBIRI, 2012b, p. 186). 

Para Zubiri, Deus é pura e simplesmente auto-possessão em “suidad”. Por isso afirma que o dar de si de Deus “por ser absolutamente absoluto é absolutamente ‘suyo’. Resulta que esse dar de si não pode ser transitivo, nem no sentido de fazer-se outro, nem no sentido de fazer-se a si mesmo” (ZUBIRI, 2012b, p. 186)42. É um dar-se de sí mesmo o que já é como “suyo”. E essa afirmação é muito importante, justamente porque ela fundamenta que esta autopossessão em “suidad” absoluta é Vida absoluta. Isso fundamenta que a vida divina não é um devir, senão que o único que nessa vida ‘acontece’ é a plena atualidade da realidade absolutamente absoluta para si mesma (ZUBIRI, 2012b, p. 186). Isso porque, como diz Millás, “Deus é a realidade suprema, fundamente de todo o real” (MILLÁS, 2004b, p. 136)43

Em relação às coisas reais, Deus é a realidade fundante. Ou seja, Deus é fundante de toda a realidade. Porém, Deus não está fundamentando as coisas como uma espécie de espírito subjacente a ela. Deus está fundamentando as coisas como um absoluto dar de si. E aqui é muito importante o emprego que Zubiri dá ao termo. ‘Fundamentar é dar de si’. Assim, que Deus seja fundamental ou fundante significa que dá de si realidade. Deus dá de si a realidade das coisas. E a índole desta fundamentalidade possui três características: a fundamentalidade é presença de Deus nas coisas; Deus é transcendente nas coisas reais em quanto reais, pois toda realidade é, enquanto realidade, constitutivamente respectiva e por isso a presença formal e transcendente de Deus nas coisas é uma presença no mundo inteiro enquanto tal; esta presença de Deus nas coisas não é só formal e intrínseca, mas também constituinte, porque a realidade de Deus é um dar de si dando realidade às coisas, constituindo-as como reais (ZUBIRI, 2012b, p. 190-194). 

A presença de Deus nas coisas é um constituinte dar de si. Deus está nas coisas ‘fazendo que sejam reais’, ou seja, fazendo que sejam “de suyo” e atuem desde o que “de suyo” são. Isto seria o que Zubiri chama de ‘fontanalidade” de realidade absolutamente absoluta. Levando-nos a constatar que a transcendência da realidade de Deus é uma transcendência fontanal (ZUBIRI, 2012b, p. 195). O que Deus dá de si é realidade. E aqui chegamos ao matiz que queríamos. Precisamente por ser realidade o que Deus dá de si, realidade é doação. Isso não é o mesmo que dizer doação livre ou gratuita. Doação é simplesmente o ‘substantivo’ do dar de si (ZUBIRI, 2012b, p. 209). 

E para terminar, vemos que o caráter de dom como matiz do dar de si, vem justamente do fato de que Deus dá de si da realidade mesma em que ele consiste, e que “precisamente por ser algo que dá de si a realidade enquanto realidade do que não é Deus, [...] é fundante de toda esta realidade” (ZUBIRI, 2012b, p. 529)44

Conclusão 

Depois de percorrer o caminho que Zubiri fez até chegar à maturidade filosófica, iniciamos esta conclusão com a frase final do penúltimo parágrafo do nosso texto: Doação é simplesmente o substantivo do dar de si. Fazendo o percurso zubiriano, vimos que dar de si é intrínseco à realidade, ou seja, é o seu de suyo mesmo. A realidade é realidade enquanto dá de si. Não é um ato consequente e nem uma opção liberal; é uma questão estrutural. Realidade e dar de si implicam- -se estruturalmente, assim como sentir e inteligir. Por isso dar de si não é um processo, mas uma procedência da realidade enquanto tal. Processo é algo que vai se dando criativa e operativamente; dar de si é o imperativo da realidade que cria processos. Não há realidade que não esteja dando de si. Ser realidade é dar de si, cuja expressão absoluta é Deus. 

Esta visão de realidade é muito importante para a própria vida e para a fé. E quando chegamos ao conceito de Deus como realidade fundamento último fundante de toda realidade, vemos brilhar nossa episteme teológica num horizonte iluminado e iluminador para o terceiro milênio da fé. Quando Zubiri diz que o devir em outro é o amor e o devir com outro é a comunhão pessoal, destacando ainda que o amor em comunhão pessoal é a forma suprema do dinamismo e do devir que nos é conhecido até agora, nos faz entender que a plenitude de Deus é o dar de si. É o amor em seu nível mais pleno. E é nesta dimensão que a Igreja como sacramento de Cristo tem de se constituir: dando de si. Não é questão de voluntarismo ou de liberalidade, nem mesmo de moralidade, mas de estrutura rigorosamente formal. Dar de si é a realidade enquanto de suyo. Ou nos detemos a aprofundar o conceito de Deus como Amor, isto é, a realidade que fundamenta toda realidade em que o dar de sí é o de suyo de nossa fé, ou não teremos voz para um logos teológico que possa falar ao homem de hoje. 

É dando de si que a pessoa adquire sua forma mais plena e se aproxima da divindade como estrutura formal de sua realidade. O que se contrapõe ao dar de si como realidade humana é o que chamamos de pecado. Mas isso é uma outra reflexão. 


Referências

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Notas

[1]  Segundo Ferreira, em seu Novo Dicionário da língua portuguesa, termo é filosoficamente a expressão verbal de um conceito. Então utilizaremos “termo”, quando nos referirmos ao verbo “dar” e seu “conceito”   

[2] Idea central es que “realidad” significa el modo elemental en que las cosas son dadas al hombre, que de ese mínimo arranca todo el colosal esfuerzo conceptual o racional, que somos impelidos a ello por la realidad misma [...]. (PINTOR-RAMOS, 1996, p. 127) 

[3] Se dan a conocer las cosas. No es una simple visión que se tiene, sino una visión que se da. (ZUBIRI, 2014, p. 325)  

[4] Utilizaremos nos próximos parágrafos o conceito “dar de sí” em itálico, mantendo-o em espanhol até que o desenvolvamos a partir da hermenêutica zubiriana, quando então ele aparecerá traduzido e sem aspas. Esta opção foi feita para destacá-lo nos seguintes parágrafos e situá-lo em algumas obras.    

[5] El acceso a la realidad no es primariamente lógico, sino físico. La vía abierta por Zubiri a través de su acceso a la realidad por la vía de la sensibilidad se convierte en instancia crítica para toda la historia de la filosofía [...]. En Zubiri encontramos que hay algo previo al logos, a la razón, al juicio, al concepto, al lenguaje. Es la fuerza impresiva de la realidad. [...] (OLIVA, 2007, p. 562)  

[6] La evolución es lo que la materia puede dar de sí. (ZUBIRI, 2010, p. 141)       

[7] [...] – es lo que podríamos llamar éxtasis, estar fuera de sí. (ZUBIRI, 2018b)  

[8] Es el devenir en otro y devenir con otro. Y devenir en otro es el amor. Devenir con otro es la comunión personal. El amor en comunión personal es la forma suprema del dinamismo y del devenir que nos es conocido hasta ahora. (ZUBIRI, 2016, p. 287)  

[9] En la solidaridad el hombre se vierte enteramente a lo otro personal. Estamos previamente instalados en la situación metafísica de solidaridad, no epidérmicamente. No producimos al otro, sino la projimidad. De ahí que sólo de este ámbito efusivo es que pueda darse el otro en tanto que otro. (FALLAS, 2004a, p. 625)   

[10] O verbete termo, p. 1667. Abordaremos ao conceito “dar de sí” no que ele significa para Zubiri, simplesmente por uma questão de fluência do texto, não a utilizaremos mais no original em itálico e entre aspas.  

[11] Hoy estamos innegablemente envueltos en todo el mundo por una grande oleada de sofistica. Como en tiempos de Platón y de Aristóteles, también hoy nos arrastran inundatoriamente el discurso y la propaganda. (ZUBIRI, 1980, p. 15)  

[12] [...] considera el conocimiento como si fuera algo primario que reposa sobre sí mismo (CONILL, 2004a, p. 124). 

[13] Todo real, como real, tiene algo que con una exactísima expresión española llamamos dar de sí. (ZUBIRI, 2008a, p. 446-447) 

[14] Optamos por manter a expressão “de suyo” no original justamente porque ela adquire um significado muito próprio e importante em Zubiri. Grosso modo, muito abreviadamente, com perda de significado, mas com a intenção de auxiliar na compreensão, poderíamos afirmar que “de suyo” equivaleria a “natural de próprio de, sem interferência alheia”.  

[15] El carácter constitutivamente abierto de la realidad humana es lo que confiere al proceso histórico una apertura esencial como proceso de actualización de posibilidades. (CUEVAS, 2007, p. 108) 

[16] Eso es la responsabilidad: responder a la realidad de una situación apropiando sus posibilidades (ÁLVAREZ, 2007, p. 362)   

[17] […] es de prever que X. Zubiri contribuirá más decisivamente, todavía a la filosofía moral del siglo XXI. (COROMINAS, 2011, p. 393) 

[18] Dinamismo es el dar de sí de la estructura. (ZUBIRI, 2008a, p. 447)  

[19] Utilizamos a expressão de mãos beijadas justamente porque ela denota uma entrega fácil, mas que normalmente é recebida com desconfiança. Isso, porque, por mais que Zubiri clareie a expressão dar de si, ao responder a tal questão analisando o “dar” e o “si”, faz-se necessário investigar diversas explicações e utilizações dadas por ele ao termo para compreendermos melhor outros matizes que o conceito possui.  

[20] [...] superación de la tradición iluminista-ilustrada, que había comenzado con Descartes y Kant. (NICOLÁS, 2004a, p. 129) 

[21] Unidad primaria y clausura total del sistema son los dos caracteres positivos y reales que forman una sustantividad, la cual és eo ipso constitucionalmente y por sí misma una individualidad. (ZUBIRI, 2008b, p. 167) 

[22] El hacer es un “determinar” en cada nota, la unidad exigencial según la cual cada nota es “nota-de” (ZUBIRI, 2008a, p. 448). 

[23] En esto consiste el ‘si mismo’ de la substantividad. En definitiva: determinar, hacer, proceder: he ahí los tres pasos conceptuales para conceptuar el “sí mesmo”. (ZUBIRI, 2008a, p. 453). 

[24] Este autoproceder en toda su plenitud es justo lo que llamamos “dar de sí”. (ZUBIRI, 2008a, p. 453) 

[25] El dar es un momento constitutivo formal de lo real en su propia realidad (ZUBIRI, 2008a, p. 453-454). 

[26] Tienen tan sólo el carácter de pura procedencia. Son procedencia sin proceso (ZUBIRI, 2008a, p. 451-452) 

[27] Una especie de rotación sin rotación... (ZUBIRI, 2008a, p. 454). 

[28] Por tanto, no hay ninguna dualidad entre ser realidad y dar de sí. Toda realidad es estructural y formalmente un dar de sí estructural (ZUBIRI, 2008a, p. 454).  

[29] Principio no es mero comienzo, ni es, contra la opinión autorizada de Aristóteles solo aquello (hóthen) “desde lo cual” algo viene [...], sino “aquello que desde sí mesmo y por si mesmo se realiza en el fundado”. (SAÉZ CRUZ, 1995, p. 43) 

[30] La tematización del fundamento en la fenomenología procede de Heidegger. Él pensó siempre que el ser no es ente, y que tratar de conceptuarlo con las categorías proprias de los entes es confundir lo “ontológico” con lo meramente “óntico”, el gran mal de la metafísica a lo largo de los os siglos. (GRACIA, 2008, p. 43) 

[31] Al modo como el fluir de un río forma parte de la realidad intrínseca de la corriente del agua, pero no es el río. Esto no es el tempo, propiamente hablando. El tiempo no está en dar de sí ni en fluir. (ZUBIRI, 2006b, 294) 

[32] El tempo es pura y simplemente la forma mundanal del dinamismo como un dar de sí. (ZUBIRI, 2006b, p. 309). 

[33] El dar-de-sí es algo que compete formalmente a la realidad y es algo distinto de toda actividad causal. (ZUBIRI, 2006a, 136) 

[34] Toda realidad, en cuanto realidad, es ‘de suyo’ un dar de si, en y por sí misma. Por eso, toda realidad está ‘de suyo’ dinámicamente abierta a otros modos de realidad en cuanto realidad. (ZUBIRI, 2006a, p. 142) 

[35] Es un sistema abierto, pues por su intrínseco y transcendental dar-de-sí puede dar paso no sólo a otras realidades, sino a otros modos de realidad. Es una apertura dinámica, pues las cosas mismas están en unidad evolutiva, que en función transcendental hacen del sistema un sistema dinámico. Es una dinámica sistemática, pues cada forma de realidad está fundada en otras formas, que se conservan en las siguientes. El orden transcendental es un sistema dinámicamente abierto de modos de realidad. (ZUBIRI, 2006a, p. 143) 

[36] Las potencialidades son las distintas capacidades de ‘dar de sí’ algo nuevo. (ZUBIRI, 2018a, p. 449) 

[37] Dando de sí por sistematización, la materia se hace viviente”. E continúa diciendo que “Esta vida a su vez puede tener distintos tipos: puede ser la sistematización en forma de materia viva, la sistematización constitutiva de la célula, y la sensibilización de las estructuras celulares (ZUBIRI, 2018a, p. 475). 

[38] ‘Dar de sí’ es un momento formal de la realidade en cuanto real (ZUBIRI, 2015, p.113). 

[39] Naturalmente, hasta aquí la creación ha sido justamente un dar de sí la propia vida trinitaria de Dios. {Es donación liberal como plasmación de esa vida. Es deificar.} El don puede ser todavía mucho mayor. Puede ser un don de la realidad misma de Dios. {Es donación no de su vida sino de ‘sí’ mismo. Ya no es deificación sino Dios mismo.} En este caso, el término de este don sería una identidad entre las procesiones trinitarias y la procesión iniciante. Esta identidad es justamente la persona de Cristo. {Cristo es ‘la’ imagen de Dios por ser su ‘Sabiduría’ encarnada.} (ZUBIRI, 2015, p. 531). 

[40] Este dar de sí real y formalmente consiste em ‘deiformar’ aquello que crea y aquello en lo que se va a realizar. Por eso, por encima y por bajo de la historia está precisamente la deiformación personal de cada uno de los hombres” (ZUBIRI, 2015, p. 783). 

[41] Toda realidad es real siendo la plenitud de aquello que es; y esta plenitud es el momento del ‘dar de sí’” (ZUBIRI, 2012b, p. 186). 

[42] Por ser absolutamente absoluta es absolutamente “suyo”, resulta que ese dar de sí no puede ser transitivo, ni en el sentido de hacerse otro, ni en el sentido de hacerse a sí mismo. (ZUBIRI, 2012b, p.186) 

[43] Dios es la realidad suprema, fundamente de todo lo real. (MILLÁS, 2004b, p. 136) 

[44] Precisamente por ser algo que da de sí la realidad en tanto que realidad de lo que no es Dios, [...] es fundante de toda esta realidad. (ZUBIRI, 2012b, p. 529)