No dia 28 de outubro de 1958, o patriarca cardeal de Veneza, Angelo Giuseppe Roncalli foi eleito novo papa, assumindo o nome de João XXIII. Aos 77 anos, o novo bispo de Roma, era considerado um papa de transição. Programa de pontificado. Aqueles que o haviam considerado de transição certamente ficaram surpresos e decepcionados quando Roncalli, no dia 25 de janeiro de 1959, na sacristia da Basílica de São Paulo Fora dos Muros anunciou o seu programa de pontificado: um sínodo romano, um aggiornamento do Código de Direito Canônico e um Concílio Geral da Igreja. Neste momento teve início o que seria a convocação, preparação e os quatro períodos conciliares.
Sabedores da importância do Concílio Vaticano II (1962-1965), os autores (as) deste dossiê, evidenciam em suas diversas áreas de pesquisa, a importância da urgência da recepção conciliar. A recepção sob perspectiva teológica ultrapassa o conceito clássico que se refere a mera aceitação das Igrejas locais de decisões eclesiásticas particulares ou conciliares. No pensamento do teólogo português José Pinho, em sua obra A recepção como realidade eclesial e tarefa ecumênica, afirma que os processos de recepção se tornam expressão amadurecida de fé, e não simples atos de obediência. Por sua vez, o dominicano francês Yves Congar no texto A recepção como realidade eclesiológica, aponta a formação do cânon bíblico como uma das experiências básicas de recepção na vida da Igreja primitiva. Da multiplicidade dos testemunhos escritos primitivos, são recebidos como Escritura Sagrada aqueles, cujos conteúdos são reconhecidos como fiel anúncio apostólico. Um processo longo e complexo que se arrastou dos primeiros tempos da Igreja até o Concílio de Trento (1545-1563). Para Christoph Theobald, em seu escrito A recepção do Concílio Vaticano II, ninguém deve se surpreender que após o Concílio as instituições se tornem lugares de conflito onde se manifesta a extraordinária dificuldade de pôr em prática o que era afirmado pelo Concílio em termos de princípio. A recepção oficial do Concílio será substituída por uma recepção prática que parte das comunidades locais ou das tradições culturais das Igrejas particulares. E um dos grandes estudiosos deste tema da recepção Gilles Routhier, no texto La recepción d’um concilie, afirma que somente acontece a recepção quando as decisões são acolhidas e assimiladas na vida de determinada Igreja particular e assim sendo será expressão de fé apostólica.
A experiência da recepção vivida na diversidade das situações concretas ao longo da história precedeu a reflexão teológica acerca de tal fenômeno. Mesmo sem uma sistematização clara, atos de recepção, e consequentemente, de não recepção, são percebidos por todo o espectro temporal da história cristã. Determinações eclesiásticas, linhas de espiritualidade, liturgia, correntes teológicas, leis canônicas, dificilmente se encontrará um aspecto do cristianismo que não esteja sujeito a esta experiência de recepção. Se enquanto acontecimento, a recepção é uma constante na vida da Igreja, como reflexão sistemática, é um campo de pesquisa recente, impulsionada principalmente pelo Concílio Vaticano II. Congar, em 1972, no texto citado acima, desenvolve seu pensamento e com o seu trabalho canoniza a recepção enquanto categoria teológica. Para ele, recepção é o processo pelo qual um corpo eclesiástico faz verdadeiramente sua uma determinação que ele não deu a si próprio, reconhecendo na medida promulgada, uma regra que lhe convém a vida. O fenômeno da recepção de um concílio comporta certa complexidade, pois cada contexto sócio eclesial apresenta peculiaridades que o faz mais aberto ou não a determinadas novidades emanadas de tal evento.
A renovação conciliar é uma virada copernicana na eclesiologia. A centralidade do Vaticano II entra numa nova dimensão de sua existência: o espírito e a orientação da eclesiologia conciliar salientam que, ainda que a Igreja exista em si mesma, não existe para si mesma.
Como organizador deste Dossiê agradeço aos autores (as), pareceristas e toda a equipe técnica da Revista de Cultura Teológica que proporcionou a publicação destes textos, oriundos das pesquisas com rigor científico.
Autor |
Título do artigo |
Ney de Souza |
Lercaro e a Igreja dos pobres |
Olga Consuelo Vélez |
Vaticano II y la participación de las mujeres en la Iglesia con las nuevas normas |
María José Castillo Navasal |
El papel del laicado en Vaticano II y la realidad en Chile |
Edson Donizete Toneti |
Gaudium et Spes: uma construção em processo |
Vitor Galdino Feller |
A Mariologia Conciliar, chave para a tarefa teológica atual |
Francisco de Aquino Júnior |
MATER ET MAGISTRA Um guia de leitura |
Paulo Sérgio Lopes Gonçalves |
O espírito da Theologia mundi do Concílio Vaticano II e sua incidência na teologia latino-americana e caribenha |
Joana T. Puntel |
VatiVaticano II: uma nova perspectiva para a Comcomunicação |
Eduardo de La Serna |
La recepción del Concilio Vaticano II en América Latina La mirada de un biblista |
Ronaldo Zacharias |
A urgência de uma antropologia sexual personalista: a dificuldade de incorporação do princípio conciliar na antropologia sexual católica. |
Que São João XXIII e São Paulo VI, canonizados pelo Papa Francisco em 2014 e 2018 respectivamente, roguem sempre mais pela recepção local do Concílio Vaticano II, nesta terra latino-americana e caribenha.
Ney de Souza
PUC SP