Alteridade e fraternidade: uma leitura da Encíclica Fratelli tutti à luz do conceito de alteridade de lévinas e suas ressonâncias.
Alterity and fraternity: a reading of the Fratelli tutti encyclical in light of Lévinas' concept of alterity and its ressonances.

Donizete José Xavier
Doutor em Teologia Fundamental pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Diretor-adjunto da Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor permanente do Programa de Estudos de Pós-Graduação em Teologia da PUC-SP. Líder do Grupo de Pesquisa ‘A Questão de Deus’. Contato: 
jxavier@pucsp.br

Tiago Cosmo da Silva Dias
Mestrando em Teologia no Programa de Estudos de Pós-Graduação em Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Contato: pe.tiagocosmo@gmail.



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RESUMO: 

Este artigo tem a finalidade de refletir a Carta Encíclica Fratelli tutti, do Papa Francisco, partindo do seu apelo de se defender a fraternidade universal como elemento de um mundo melhor, mais justo e pacífico.  Sob essa perspectiva, o título Fratelli tutti – “Todos irmãos” –, evoca uma reflexão profunda sobre a existência humana e, ao mesmo tempo, interpela à redescoberta do sentimento de pertença à mesma fraternidade. É nessa lógica que emana o grande apelo do bispo de Roma ao respeito, abertura e ao reconhecimento do outro como viabilidade da proposta fraternal. Francisco sonha e deseja uma nova “arte do encontro”, na qual seja possível pensar no outro “como rosto”, reconhecendo sua dignidade, sua liberdade e direitos fundamentais. Nesse escopo, justifica-se o desenvolvimento deste artigo a partir de um excurso pela noção de fraternidade, analisada sob as lentes do princípio de alteridade do pensamento de Levinas. Desse modo, este artigo se propõe a ler a Fratelli tutti, tendo como chave hermenêutica a via de Levinas, que desemboca em Francisco como sonho de uma nova humanidade ancorada na responsabilidade ética da fraternidade.   

Palavras-Chave: Fraternidade; Alteridade; Encontro

ABSTRACT: 

This article is intended to reflect Pope Francis' Encyclical Letter Fratelli tutti, based on his call to defend universal brotherhood as an element of a better, more just and peaceful world. From this perspective, the title Fratelli tutti – “All Brothers” – evokes a deep reflection on human existence and, at the same time, calls for the rediscovery of the feeling of belonging to the same fraternity. It is in this logic that the Bishop of Rome's great appeal to respect, openness and recognition of the other as a viability of the fraternal proposal emanates. Francisco dreams of and desires a new “art of encounter”, in which it is possible to think of the other “as a face”, recognizing their dignity, freedom and fundamental rights. In this scope, the development of this article is justified from an excursus to the notion of fraternity analyzed under the lens of the alterity principle of Levinas' thought. Thus, this article proposes to read Fratelli tutti, having as hermeneutical key the path of Levinas, which leads to Francisco as a dream of a new humanity anchored in the ethical responsibility of fraternity.

Keywords: Fraternity; Alterity; Meeting


Introdução 

No dia 3 de outubro de 2020, diante da tumba de São Francisco de Assis, o papa Francisco assinou a sua terceira encíclica, denominada Fratelli tutti. Em um gesto profundamente simbólico, o Francisco de Roma evocava Francisco de Assis como paradigma do irmão universal que a todos acolheu, fazendo emergir o sonho de uma fraternidade universal pensada e querida por Deus. Para Bergoglio, a fraternidade universal “é o sonho de Deus desde antes da criação do mundo (Ef 1,3-14)” (FRANCISCO, 2019). Esta é a emergência seminal de Francisco: que cada pessoa, em seu contexto geográfico e cultural, sonhe o sonho de Deus. Esse sonho, como um saber sapiencial, tende a colher apelos mais genuínos da vida; pauta de uma atitude ético-teológica que se funda no princípio da hospitalidade universal entre todas as criaturas humanas em vista da reorganização comunitária das políticas socias e dos direitos humanos. 

É nessa forma original do pensamento de Bergoglio e nesse jeito poético e profético de dizer as coisas que se descortina uma profunda teologia do humano. Em seus conceitos, encontram-se uma epistemologia clara e homogênea e, ao mesmo tempo, revolucionária e transformadora. Em seu olhar, no embate em torno da perspectiva da compreensão do ser humano, sem um projeto universal para todos que permita resgatar as raízes antropológicas da própria existência, o ser humano constituirá, de fato, uma grande ameaça à vida (FT 15, 31). De fato, no pensamento de Francisco a razão teológica postula aquela compreensão original do ser humano que, em termos antropológicos, afirma-o como um ser de relação. 

É essa afirmação antropológica que conduz, em particular, a leitura da Fratelli tutti quando o assunto é o resgate do humano que habita em todos e todas. A encíclica se apresenta como um terreno próprio para perscrutar o artesanato da existência humana à luz de uma sensibilidade capital, específica da fé cristã. É dessa razão teológica que emerge a consciência do amor social enquanto responsabilidade política e, concomitantemente, o conceito de amizade social capaz de romper as barreiras das divisões e dos interesses mesquinhos, individuais e territoriais, gerando a concretização da fraternidade universal entre todos os humanos (FT 8). 

1. A viragem paradigmática proposta pela Fratelli tutti

Nos primeiros parágrafos da Fratelli tutti, na parte introdutória, o papa Francisco expõe suas reais motivações para escrever a encíclica. Em razão de sua aposta pessoal no humano, a verdadeira fraternidade entre todos é aquela sem fronteiras (FT 5). Seu sonho é de uma única humanidade caminhante da mesma carne humana, na qual todos são irmãos (FT 8). Sem dúvida, Francisco toca na mais fina e originante compreensão teológico-bíblica do humano, uma vez que traz à discussão a recolocação do problema do humano, no que diz respeito ao cuidado do outro e de toda a criação. Não é simplesmente como um jogo semântico de linguagem, mas contrapõe a ideia de irmão à ideia de poder: se não há um projeto para todos, a vida fica diante do poder desenfreado que seduz o ser humano. 

Nesse sentido, para Francisco, somente o anseio mundial de fraternidade poderá salvar o mundo, já que ninguém se salva sozinho. Por isso, ele mostra que seu sonho de uma fraternidade universal é compartilhado com o Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb, com quem se encontrara em Abu Dhabi. Muitos dos temas abordados na encíclica remetem ao diálogo entre os dois líderes religiosos. Nessa atitude de uma religião sem fronteiras, Francisco testemunha que o papel de toda e qualquer religião é resgatar o humano que coabita no humano: “Deus criou todos os seres humanos iguais nos direitos, nos deveres e na dignidade e os chamou a conviver entre si como irmãos” (FT 5).

O documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum, datado em 4 de fevereiro de 2019, em Abu Dhabi, expressa o grande apelo e a inquietação dos dois líderes religiosos, tornando-se referência mesmo para além das relações entre cristãos e muçulmanos. Descobrir-se como irmãos tem em si uma dimensão teleológica, uma vez que, conscientes que são feitos da mesma carne, a promoção da justiça e da paz passa a ser um dever de todos em vista da fraternidade universal. 

Para a Declaração, somente “a fé leva o crente a ver no outro um irmão a ser apoiado e amado” (FRANCISCO, AL-TAYYEB, 2019). É a fé que por si exige a esperança e a certeza de que o ser humano se responsabilize por um mundo melhor, mais justo e fraterno. Como diz enfaticamente Francisco: “não há alternativa: ou construímos juntos o futuro ou não haverá futuro” (FRANCISCO, 2019). 

Para isso, os dois líderes religiosos apontam que é necessário cultivar a cultura do diálogo, da tolerância, da convivência e da paz. Nessa perspectiva, declara "que as religiões não incitam jamais à guerra e não solicitam sentimentos de ódio, hostilidade, extremismo, nem convidam à violência ou ao derramamento de sangue” (FRANCISCO, 2019). Nesse sentido, os líderes pedem participação equânime de todos “que parem de usar o nome de Deus para justificar atos de assassinato, de exílio, de terrorismo e de opressão” (FRANCISCO, 2019). 

Assim, a tarefa de todas as religiões é o de resgatar o princípio de bondade e de humanidade que está semeado em cada pessoa humana. Nesse sentido, não é sem consistência que o apelo de Francisco e do Imã Ahmad Al-Tayyeb é que “as religiões, em particular, não podem renunciar à tarefa urgente de construir pontes entre os povos e culturas” (FRANCISCO, 2019). Por outro lado, para eles, “chegou o momento de as religiões trabalharem mais ativamente, com coragem e audácia, sem fingimentos, para ajudar a família humana a amadurecer a capacidade de reconciliação, a visão de esperança e os caminhos concretos para a paz” (FRANCISCO, 2019). 

2. Uma teologia da alteridade   

Quando se olha para a Teologia, afirma-se que seu objeto é sempre Deus, o que significa dizer que, quando se faz Teologia, há um primado ontológico, ou seja, pensa-se em Deus em sua iniciativa de se revelar e, concomitantemente, a prioridade epistemológica dessa Revelação, a sua acolhida da por parte do ser humano. O Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965) bem definiu essa relação Deus e o homem como condição estruturante da Revelação divina: “Aprouve a Deus, na sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e dar a conhecer o mistério de sua vontade, mediante o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, tem acesso no Espírito Santo ao Pai e tornam participantes da natureza divina” (DV 2). 

De acordo com o Concílio, o Pai se revela por meio do seu Filho Jesus Cristo; logo, por ele, no Espírito Santo, chega-se ao Pai, ultimato da condição humana incorporada na vida íntima da Trindade. Em outras palavras, é somente por meio de Jesus que o homem participa da comunhão divina, o que significa dizer que, da Trindade, na qual tudo é relação de alteridade, o ser humano é convidado a participar. A mútua relação das Pessoas divinas é a condição última do ser humano, quando enfim será partícipe da vida da Trindade. A essa mútua relação das Pessoas divinas, em distinção, sem confusão e em comunhão, a teologia chama de pericórese

Em outras palavras, pode-se dizer que a pericórese divina é parâmetro para se construir a fraternidade entre os homens, porque significa, antes de tudo, que entre as pessoas divinas – Pai, Filho e Espírito Santo -, há uma circulação total da vida e uma coigualdade perfeita entre as Pessoas, sem qualquer anterioridade ou superioridade de uma à outra. Tudo nelas é comum e é comunicado entre si, menos aquilo que é impossível de comunicar: o que as distingui umas das outras (BOFF, 2014, p. 150).  

Este conhecimento, porém, de que Deus é comunhão, funda simultaneamente a comunhão também do gênero humano, como afirma Moltmann:

[...] o conhecimento tem o mesmo alcance que o amor, a simpatia e a participação. Em virtude do conhecimento teológico de Deus e de sua história, chegamos a uma descoberta nova do pensamento trinitário, conduzindo ao mesmo tempo a uma profunda transformação do conceito moderno da razão: do domínio para a comunhão; da conquista para a participação; do produzir para o perceber (2011, p. 24).

Assim, enquanto o homem não chega à pericórese divina na sua plenitude, a unidade própria da comunhão trinitária precisa acontecer no gênero humano, como indicou o Concílio:

Quando Jesus ora ao Pai para que “todos sejam um como nós somos um” (Jo 17,21s), numa perspectiva que a razão humana não pode alcançar, acena para uma certa semelhança entre a unidade das pessoas divinas e a união dos filhos de Deus na verdade e no amor. Esta semelhança explica por que o ser humano que, na terra, é a única criatura querida por Deus por si mesma, não se realiza plenamente senão no dom generoso de si mesmo aos outros (GS 24).

Essa realidade, porém, só se alcança se o homem se coloca na condição de respondente; de abertura ao Deus que é amor e que se revela. Note-se que o Concílio também parte da ideia de que o primado ontológico de Deus exige um receptáculo, visto que o que se revela só o faz se há a quem se revelar. Nesse sentido, o humano aparece exatamente como este receptáculo; como tabernáculo do que Deus é; como se, em cada homem e mulher, houvesse um “a mais”, que só se sacia se o ser humano se coloca na condição de respondente, o que, por sua vez, é condição para que a criatura chegue à estatura do próprio Deus. Nas palavras de Moltmann (2011, p. 20): “Quando o homem, pela fé, experimenta como Deus o experimentou e ainda o experimenta, então Deus para ele deixa de ser a causa abstrata do mundo ou a origem desconhecida do seu sentimento de total dependência, passando a ser o Deus vivo (sic)”.

Em síntese, Deus, que é relação, sai de si próprio, “entrando em compromisso com o mundo finito e com a liberdade da criatura feita à sua semelhança. O amor procura um parceiro, que corresponda livremente e retribua o amor de espontânea vontade. O amor humilha-se por respeito à liberdade do parceiro” (MOLTMANN, 2011, p. 43). Este amor, por sua vez, que é saída e movimento, dirige-se de alguém que pode recebê-lo.

Segundo Maria Freire, “o papa se coloca nessa via de pensamento, ao mesmo tempo acenando para a primazia do amor divino e o dom Altíssimo que é o Espírito Santo”. De fato, a Teologia de Francisco requer uma Igreja em saída, embora interpele a pensar a pessoa humana como “um ser em saída” (2021, p. 17) que, de certa forma, se articula na compreensão da Pericórese trinitária ad intra; em êxodo, ad extra. Se, em Deus, em sua natureza íntima, o Pai sai de si para buscar o Filho, permitindo que o Filho seja Filho, então ele é Pai doando-se. Ao mesmo tempo, o Filho sai de si para buscar o Pai, permitindo que o Pai seja Pai, então ele é Filho. Cada um o é à medida que permite que o outro seja, de tal forma que, nessa mútua doação de um ao outro, o Espírito se apresenta como a reciprocidade do amor entre o Pai e o Filho. Ambos comunicam o que tem de mais profundo em suas pessoas: seu Espírito.

3. O outro que interpela

Criado à imagem e semelhança de Deus, o humano é constituído como pessoa, o que significa dizer que é, essencialmente, um ser de abertura e, como tal, está em relação. Como escreve Rahner (1989, p. 46), “o homem não é a infinitude não-questionada, dada sem problematizações, da realidade. Ele é a pergunta que se levanta perante ele, vazia, mas de forma real e inevitável, e que ele nunca pode superar nem dar resposta adequadamente”. 

Ontologicamente constituído como um ser de abertura, o ser humano está em constante relação com Deus, com o universo, com o mundo e, sobretudo, com o outro, donde emana o conceito da alteridade. Com ecos e articulações igualmente nas reflexões do papa Francisco, a questão da alteridade é compreendida como um “caminho exodal”, no qual a pessoa humana se experimenta como saída de si para encontrar o irmão. Sem citar o filósofo Lévinas (1905-1995) em seus escritos, observa-se que, no pensamento de Francisco, categorias e conceitos levinianos estão muito presentes, permitindo assim uma interpretação dos seus enunciados à luz dos sentidos que o filósofo lituano confere à ética da alteridade. Esta perspectiva pode subsidiar as referências da Fratelli tutti, embasando-se numa argumentação filosófica e teológica de esperança de uma fraternidade universal.

Para o papa Francisco, é justamente dessa consciência ética que surge o sentimento de fraternidade e amor universal. Como afirma Boff, é preciso “buscar o mais humano nos humanos, pois só aí se encontra uma base sólida, sustentável e personalizável” (2021). Por outro lado, pensar um “eu em saída”, ou ainda, “a saída de si para o irmão” como um acontecimento exodal, metáfora ao êxodo bíblico, é um modelo paradigmático para caracterizar a dimensão ética do humano: saída de si para o outro como perspectiva do humano. Ainda de acordo com o bispo de Roma, essa “experiência exodal” exprime a absoluta prioridade do humano e, concomitantemente, desvela o caminho do seu crescimento espiritual e sua resposta à doação absolutamente gratuita de Deus. Em suas palavras:

[...] A Palavra de Deus ensina que, no irmão, está o prolongamento permanente da Encarnação para cada um de nós: ‘todas as vezes que fizeste isso a um destes mais pequenos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes’ (Mt 25,40). O que fizermos aos outros tem uma dimensão transcendente: ‘a mesma medida que usardes para os outros servirá para vós’ (Mt 7,2); e corresponde à misericórdia divina para conosco: ‘Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso’ (Lc 6,36-38). Nestes textos, exprime-se a absoluta prioridade da ‘saída de si próprio para o irmão’, como um dos dois mandamentos principais que fundamentam toda a norma moral e como o sinal mais claro para discernir sobre o caminho de crescimento espiritual em resposta à doação absolutamente gratuita de Deus (EG 179).

Esta questão, de saída de si para buscar o outro, Levinas, em termos filosóficos, sintetiza com a ideia do rosto, a partir do que classificou como eu abraâmico o que sai de si para pôr-se a caminho da terra prometida, que é o outro. O rosto do outro clama por justiça e revela o humanismo do outro. Para Francisco, somente nesse movimento de saída de si para buscar o outro será possível vencer o “generalizado individualismo que divide os seres humanos e põe-nos uns contra os outros visando o bem-estar” (EG 99). Ir ao encontro do outro é, efetivamente, ir ao “encontro com o rosto” que pede aceitação, compreensão, solidariedade, responsabilidade. Nesse percurso de saída de si, o importante é “correr o risco do encontro com o rosto do outro” (EG 88), para se deixar interpelar pela sua presença e juntos construir o sonho de justiça e a paz que parece uma utopia de outros tempos (FT 190). Nas palavras de Lévinas: 

Quando se vê um nariz, os olhos, uma testa, um queixo e se podem descrever, é que nos voltamos para outrem como para um objeto. A melhor maneira de encontrar outrem é nem sequer atentar na cor dos olhos! Quando se observa a cor dos olhos, não se está em relação social com outrem. A relação com o rosto pode, sem dúvida, ser dominada pela percepção, mas o que é especificamente rosto é o que não se reduz a ele (1982, p. 76).

É partindo deste pressuposto que o filósofo lituano dirá que, antes de mais nada, a relação com o rosto é ética.

[...] O rosto é o que não se pode matar ou, pelo menos, aquilo cujo sentido consiste em dizer: “tu não matarás”. O homicídio, é verdade, é um facto (sic) banal: pode matar-se outrem; a exigência ética não é uma necessidade ontológica. A proibição de matar não torna impossível o homicídio, mesmo se a autoridade da proibição se mantém na má consciência do mal feito – malignidade do mal. [...] O “Tu não matarás” é a primeira palavra do rosto. Ora, é uma ordem. Há no aparecer do rosto um mandamento, como se algum senhor me falasse. Apesar de tudo, ao mesmo tempo o rosto de outrem está nu; é o pobre por quem possuo tudo e a quem tudo devo. E eu, que sou eu, mas enquanto “primeira pessoa”, sou aquele que encontra processos para responder ao apelo (LEVINAS, 1982, pp. 78-80).

De certa forma, é como se o outro constrangesse a outrem, no bom sentido, já que este impõe, pelo simples fato de ser e existir, uma responsabilidade que é recíproca. No entanto, o sentir-se responsável deve levar, acima de tudo, a uma ação concreta, já que, como prossegue Lévinas (1982, p. 83), “no acesso ao rosto, há certamente também um acesso à ideia de Deus”. 

Nesse sentido, o encontro é um desejo inerente à condição humana, que se desponta como espaço da alteridade, cuja própria manifestação do outro solicita acolhida. De fato, observando como o papa Francisco cunha a ideia de encontro, fala-se em uma verdadeira cultura do encontro e, concomitantemente, de uma teologia do próximo. A cultura do encontro em Francisco aponta para a necessidade de se pensar o outro “como rosto”, reconhecendo sua dignidade e necessidades. Para Francisco, é preciso, 

[...] trabalhar pela ‘cultura do encontro’ de modo simples, como fez Jesus: não só vendo mas olhando, não apenas ouvindo mas escutando, não só cruzando-se com as pessoas mas detendo-se com elas, não só dizendo ‘que pena, pobrezinhos’, mas deixando-se arrebatar pela compaixão; ‘e depois aproximar-se tocar e dizer: ‘Não chores’ e dar pelo menos uma gota de vida (FRANCISCO, 2016).   

O outro, portanto, interpela, em primeiro lugar, pela própria dimensão da corporeidade, que o faz existir no mundo. De fato, tal qual pede o bispo de Roma, todos os sentidos precisam estar presentes quando se trata de se unir ao outro: é preciso olhar, ouvir, tocar, ficar mais perto sempre, não só para dar, mas também e igualmente para receber o que o outro tem a oferecer, o que tende, por sua vez, a favorecer aquele diálogo participativo no qual devem se construir e se solidificar a sociedade e a Igreja. Mais do que isso, como afirma Forte (1998, p. 73), é o próprio “esplendor da Trindade que se reflete na criatura exatamente em seu ser temporal, em seu permanente e sempre novo estar entre uma proveniência e um advir como evento sempre novo de tudo o que existe”.

Na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, o Papa Francisco afirma:

Para partilhar a vida com a gente e dar-nos generosamente, precisamos reconhecer também que cada pessoa é digna de nossa dedicação. E não pelo seu aspecto físico, suas capacidades, sua linguagem, sua mentalidade ou pelas satisfações que nos pode dar, mas (I) porque é obra de Deus, criatura sua. (II) Ele criou-a à sua imagem, e reflete algo de sua glória. (III) Cada ser humano é objeto da ternura infinita do Senhor, e Ele mesmo habita na sua vida. (IV) Na cruz, Jesus deu o seu sangue precioso por essa pessoa. Independentemente da aparência, cada um é imensamente sagrado e merece o nosso afeto e a nossa dedicação. Por isso, se consigo ajudar uma só pessoa a viver melhor, isso já justifica o dom da minha vida (EG 274, grifos nossos).

O papa é incisivo ao dizer que Deus salva, embora coloque a condicional se. Como recorda o celebre anacoluto de Santo Agostinho “O Deus que te criou sem ti, não te salvará sem ti”. Essa teologia é pressuposta pelo Concílio Vaticano II, quando, na Constituição Dogmática sobre a Igreja, afirma que Deus “quis santificar e salvar os homens não como simples pessoas, independentemente dos laços sociais que os unem, mas constituiu um povo para reconhecê-lo na verdade e servi-lo na santidade” (LG 9). Para Francisco, a Palavra de Deus convida-nos também a reconhecer que somos povo: ‘Vós que outrora éreis um povo, agora sois povo de Deus’” (EG 268). Pertencemo-nos a um povo, o povo de Deus, o que permite e autoriza falar em “fraternidade universal” (LS 228), responsabilidade pela “casa comum” (LS 12), solidariedade intergeneracional” (LS 159). Não se pode perder a consciência de que se é povo de Deus, principalmente diante desse mundo massificado, como diz Bergoglio, que privilegia os interesses individuais e debilita a dimensão comunitária da existência.

Se há povo de Deus, aqui se entende a atualidade da premissa atribuída a Cipriano: extra ecclesia nulla sallus – fora da Igreja não há salvação: Igreja entendida como Povo de Deus. Aliás, o próprio Concílio Vaticano II afirma claramente que “a obra de Jesus Cristo veio completar e coroar o aspecto comunitário da salvação” (GS 32). O que está subentendido nessa afirmação eclesiológica é que fora da comunhão não há salvação, uma vez que a salvação é comunitária. Só se é salvo em e como comunidade; e, como uma prece, dirá o papa Francisco em seu sonho de uma fraternidade universal: “Oxalá não seja inútil tanto sofrimento, mas que tenhamos dado um salto para uma nova forma de viver e descubramos, enfim, que precisamos e somos devedores uns dos outros, para que a humanidade renasça com todos os rostos, todas as mãos e todas as vozes, livre das fronteiras que criamos” (FT 35).

Nessa perspectiva, a Igreja é, antes de tudo, um mistério que mergulha as raízes na Trindade, mas tem a sua concretização histórica num povo peregrino e evangelizador, que sempre transcende toda a necessária expressão institucional. Sendo assim, diante das ressonâncias contemporâneas da mentalidade humana que se pauta muito mais pela atitude de egoísmo e fechamento, Francisco exorta: 

Neste tempo, em que as redes e demais instrumentos da comunicação humana alcançaram progressos inauditos, sentimos o desafio de descobrir e transmitir a “mística” de viver juntos, misturar-nos, encontrar-nos, dar o braço, apoiar-nos, participar desta maré um pouco caótica que pode transformar-se numa verdadeira experiência de fraternidade, numa caravana solidária, numa peregrina solidária. [...] Como seria bom, salutar, libertador, esperançoso se pudéssemos trilhar este caminho. Sair de si mesmo para se unir aos outros faz bem. Fechar-se em si mesmo é provar o veneno amargo da imanência, e a humanidade perderá com cada opção egoísta que fizermos (EG 98).

Hoje, portanto, há muito mais possibilidades de construir a grande fraternidade sonhada por Deus, cuja responsabilidade, porém, está dada a cada um no dinâmico processo da existência que permite assumir uma compreensão antropológica aberta para novas possibilidades. 

4. A emergência da solidariedade

“Para renovar o mundo, é preciso que os próprios homens mudem de caminho. Enquanto cada qual não for verdadeiramente o irmão de seu próximo, não haverá fraternidade” (DOSTOIEVSKY, 1970, p. 315). É nesta mesma linha que Lévinas (1982, p. 90) afirma que o ser humano deve ser responsável pelo outro sem esperar a reciprocidade, ainda que isso lhe custe a vida: 

[...] desde que o outro me olha, sou por ele responsável, sem mesmo ter que assumir responsabilidades a seu respeito; a sua responsabilidade incumbe-me. É uma responsabilidade que vai além do que faço. Habitualmente, somos responsáveis por aquilo que pessoalmente fazemos. Digo, em Autrement qu’être, que a responsabilidade é inicialmente um por outrem (sic). Isto quer dizer que sou responsável pela sua própria responsabilidade (LÉVINAS, 1982, p. 88).

O Concílio, insistindo no respeito para com o ser humano, na mesma linha diz que “cada um deve considerar o próximo, sem exceção, um outro ele mesmo, cuidando de sua vida e dos meios indispensáveis para que viva dignamente, para não fazer como aquele rico do Evangelho, que não se incomodava com o pobre Lázaro” (GS 27).

Aliás, no cristianismo, o dado da solidariedade é fundamental: note-se que, por exemplo, em Adão todos pecaram, assim como em Abraão todos os homens foram salvos. No AT, Deus chamou “seu povo” (Ex 3,7-12) e, com ele, fez a aliança do Sinai. Na continuidade do desígnio salvífico de Deus, em Jesus todos os homens e mulheres foram salvos, de todos os tempos e lugares. Na reverberação desse pensar, encontra-se no papa Francisco a ideia do universale concretum, uma vez que, para ele, essa ideia é um pensar sensível no qual o fator espaço-temporal, imaginativo, é ineliminável, como afirma Borghesi (2011, p. 211-212). Para Bergoglio, pensar o universale concretum pressupõe pensar uma teologia do tangível, na qual a presença de Deus, que se autocomunica, toca a contingência da história, assumindo-a como sua, participando solidariamente dessa história que é do humano e, concomitantemente, de Deus. 

Nessa perspectiva, de uma história verdadeiramente assumida por Deus, pode-se dizer que se está diante de um terreno propício para perscrutar o artesanato da existência humana:

[...] é necessário postular um princípio que é indispensável para construir a amizade social: a unidade é superior ao conflito. A solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo e desafiador, torna-se assim um estilo de construção na história, um âmbito vital em que os conflitos, as tensões e os opostos podem alcançar uma unidade multifacetada que gera nova vida. [...] Este critério evangélico recorda-nos que Cristo tudo unificou em Si: céu e terra, Deus e homem, tempo e eternidade, carne e espírito, pessoa e sociedade (EG 228).

A solidariedade, de acordo com Francisco, supõe ainda muito mais do que simples atos esporádicos de generosidade; supõe, antes, a criação de uma nova mentalidade que pense em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns (EG 188). Logo, esta mesma solidariedade, mais do que um valor abstrato ou puramente uma constatação teológica, motiva a viver o essencial do cristianismo: colocar-se a serviço. É o que, nas palavras de Levinas, compreender-se-ia na relação inter-humana, uma vez que diante do outro a interpelação que é feita coloca no horizonte da diaconia, antes de todo o diálogo. Para o filósofo:

Dizer: eis-me aqui. Fazer alguma coisa por outrem. Dar. Ser espírito humano é isso. A encarnação da subjetividade humana garante a sua espiritualidade. [...] Dia-conia antes de todo o diálogo: analiso a relação inter-humana como se, na proximidade com outrem – para além da imagem que faço de outro homem, - o seu rosto, o expressivo no outro (e todo corpo humano é, neste sentido, mais ou menos, rosto), fosse aquilo que me manda servi-lo. Emprego esta fórmula extrema. O rosto pede-me e ordena-me (LÉVINAS, 1982, p. 89). 

É este tipo de questionamento que conduz, em particular, à possibilidade de uma leitura teológica de Francisco que, no limítrofe com o pensar filosófico de Lévinas, insinua de forma tangível que não há como descolar do teológico o interrogar filosófico. E desse pilar matricial discorre afirmar que o sonho de Deus é: “que todos os seres humanos constituam uma única família e se relacionem uns com os outros como irmãos” (GS 24), como compreendeu o Concílio Vaticano II. 

Todavia, nesse arcabouço de olhares que se encontram, o tema da solidariedade também desperta a atenção àquela opção preferencial pelos pobres, porque “cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumentos de Deus a serviço da libertação e promoção dos pobres, para que possam integrar-se plenamente na sociedade; isto supõe estar docilmente atentos, para ouvir o clamor do pobre e socorrê-lo” (EG 187). Quando se acolhe a vida como um dom, mantém-se aberta a esperança e a certeza de que a bondade, a gratuidade, a generosidade e a responsabilidade ética fecundam o significado dos encontros inter-humanos. 

Logo, respeitando a independência e a cultura de cada nação, o papa Francisco diz que é preciso se recordar que o planeta é de e para toda a humanidade, e que o simples fato de ter nascido num lugar com menores recursos ou menor desenvolvimento não justifica que algumas pessoas vivam menos dignamente. É preciso, sim, que se cresça numa solidariedade que permita aos povos tornarem-se artífices de seu destino, tal qual cada homem é convidado a se desenvolver (EG 189).

5. A vivência do amor

Apesar do desgaste do termo, não há dúvidas de que a solidariedade e o reconhecimento do outro só pode vir a partir do que é essencial ao cristão: o amor, partindo justamente do único mandamento deixado por Jesus: “Amai-vos como eu vos amei” (Jo 17,21). 

[...] no meio da densa selva de preceitos e prescrições, Jesus abre uma brecha que permite vislumbrar dois rostos: o do Pai e o do irmão. Não nos dá mais duas fórmulas ou dois preceitos; entrega-nos dois rostos, ou melhor, um só: o de Deus, que se reflete em muitos, porque em cada irmão, especialmente no mais pequeno, frágil, inerme e necessitado, está presente a própria imagem de Deus (GeE 61).

O como deste mandamento de Jesus – Amai-vos como eu vos amei - carrega consigo dois sentidos: do grego kathós, traz os aspectos da semelhança e da origem, ou seja, uma coisa é dizer uma parede é branca como a outra (semelhança); outra, que a criança tem os olhos verdes como os da mãe (origem). Mas o fato é que “Deus outra coisa não é senão amor” (MOLTMANN, 2011, p. 46).

No entanto, “feitos para o amor, existe em cada um de nós uma espécie de lei de êxtase: sair de si mesmo para encontrar nos outros um acréscimo de ser” (FT 88). De fato, a relação de alguém com o outro não pode ignorar que esse alguém não vive única e exclusivamente para este outro, e nem que este outro vive apenas para se relacionar com este alguém. Na verdade, a relação de ambos, se sadia e autêntica, abre-os a outros, que os faz crescer e enriquecer (FT 89). Como já escrevera Bento XVI, “o amor é ‘divino’, porque vem de Deus e nos une a Deus, e através desse processo unificador, transforma-nos em um nós, que supera as nossas divisões e nos faz ser um só, até que, no fim, Deus seja ‘tudo em todos’ (1Cor 15,28)” (DCE 18). 

Desse modo: 

[...] Se na minha vida falta, totalmente, o contato com Deus, posso ver no outro, sempre e apenas, o outro e não consigo reconhecer nele a imagem divina. Mas, se na minha vida negligencio completamente a atenção ao outro, importando-me apenas com ser ‘piedoso’ e cumprir os meus ‘deveres religiosos’, então definha também a relação com Deus. Nesse caso, trata-se de uma relação ‘correta’, mas sem amor. Só a minha disponibilidade para ir ao encontro do próximo e demonstrar-lhe amor é que me torna sensível também diante de Deus. Só o serviço ao próximo é que abre os meus olhos para aquilo que Deus faz por mim e para o modo como ele me ama (DCE 18).

A lógica, portanto, é bastante simples: Deus amou primeiro e continua sempre a ser o primeiro a amar; e, por isso, o homem pode responder com amor. Ele ama, faz ver e experimentar o amor, e é justamente dessa antecipação de Deus que, como resposta, desponta em cada ser humano o amor (DCE 17). É por isso que, no Evangelho, Jesus refere-se aos seus como amigos, e não como servos (Jo 15,15): “o amor autêntico, que ajuda a crescer, e as formas mais nobres de amizade habitam em corações que se deixam completar” (FT 89). Desse modo:

[...] Não é amor a si mesmo, é amor ao outro como outro, por ele mesmo e não por mim, como “respeito-de-justiça” a sua pessoa enquanto sagrada, santa. De modo que a autêntica relação entre as pessoas como pessoas é de amor, mas “amor-de-justiça” ou agápe. Não se trata de falar que é necessário amar; deve-se insistir que o amor cristão é um tipo muito exigente de amor: amor ao outro enquanto sua própria realização, embora disso eu mesmo não consiga nada. O outro como outro, mas como Cristo enfim, é o objeto do amor que pode existir que dê até minha vida por ele (DUSSEL, 1987, p. 20).

Será da vivência verdadeira deste ágape que nascerá a verdadeira comunidade cristã, pautada pela solidariedade e oriunda da própria essência de Deus, como se fosse um movimento circular que vem de Deus, que é relação-amor, e a ele retorna, na medida em que, quando se contempla o outro como amor, volta-se à essência de Deus, que está dentro de cada ser humano.

Considerações

Se Deus é relação, temos que pensá-lo como aquele que deixa espaço para que o outro seja: esse é o movimento próprio e trinitário de Deus que deixa lugar para o outro, na relação que o define. Nessa perspectiva, quando se trata de pensar o movimento ad intra em Deus, a teologia ressalta que cada uma das Pessoas divinas despoja-se por amor do que lhe é próprio, dando-se totalmente a outra para fazer-se uma com as outras, para viver a outra, para permitir que a outra se realize e, desse modo, colocar as condições para ser plenamente dela própria. Consequentemente, esse movimento ad intra de Deus possui em si um ritmo pericorético, de tal forma que é no seu reciproco expropriar-se por amor que se encontra o princípio de alteridade em Deus, enquanto que o Pai gera por amor o Filho, perdendo-se nele, vivendo nele; o Filho, como eco do Pai, volta por amor ao Pai, perdendo-se nele, vivendo nele. O Espírito Santo, o vínculo de unidade entre eles, é recíproco amor entre Pai e Filho, por isso, é Espírito.   

Dessa forma, de maneira análoga, pensa-se a essência do ser humano. Primeiramente, porque os homens experimentam a Deus como Amor, e o Amor é um ato livre de Deus em seu favor. O amor é imutável, pois é o próprio auto querer livre que tem em si mesmo esse fundamento inalterável; é absoluto, pois realiza em si todas as possibilidades; dilata a existência humana às suas mais eloquentes significações. O amor é dinâmico; é polis e social; abre à arte da imitação de Deus (Ef 5,5); e quando se trata da imitação de Deus, o análogo que é mais acessível é a ação humana, que constitui o elo intermediário entre metafísica e moral. É dessa relação que emerge a ética que se aplica à conduta da vida. 

Nessa perspectiva, fica claro que é próprio do amor lançar para fora e se comprometer com o outro. É esse tipo de questionamento que conduz, em particular, à leitura da Fratelli tutti, quando o papa Francisco compreende o amor como política. Sua exortação à caridade reverbera a necessária compreensão da caridade política, que é o amor social por excelência, se pensado sob o prisma do bem comum enquanto dimensão social que une todas as pessoas (FT 182). Para o papa Francisco, é possível humanizar a partir desse marco ético, desse amor eficaz. Em suas palavras: “o amor social é uma força capaz de suscitar novas vias para enfrentar os problemas do mundo de hoje e renovar profundamente, a partir do interior, as estruturas, organizações sociais, ordenamentos jurídicos” (FT 183). 

O reconhecimento do outro faz irmãos, cidadãos com direitos e deveres iguais, pois todos gozam da mesma justiça. Nesse sentido, o reconhecimento da fraternidade tem um forte valor político. A condição essencial para isso é viver a solidariedade pautada pelo amor. Só assim se construirá a grande fraternidade sonhada pelo papa Francisco que, desde 2013, insiste na importância de que o mundo se congregue e aprenda que a unidade é superior a todo conflito. De fato, como escreveu o próprio bispo de Roma, o amor coloca a todos em tensão para a comunhão universal, uma vez que ninguém amadurece nem alcança a plenitude isolando-se (FT 95). É este amor que está na base da amizade social; é ele a condição sine qua non para a chegada da sonhada fraternidade.           

REFERÊNCIAS

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