A fé de Jesus pré-Pascal: um caminho de salvação para o ser humano

The faith of Jesus pre-east: a path of salvation for human beings

Elias Fernandes Pinto
Mestrado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Contato: eliasfp@folha.com.br


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ResumoO tema da fé Jesus pré-pascal é relativamente recente na história da teologia. Ele está relacionado com as pesquisas sobre a ciência de Jesus, e na contemporaneidade, sobre a consciência de Jesus. Na Idade Média, se acentuou que Jesus, o Verbo Encarnado, possuía a visão beatífica. Nesse sentido, não lhe pode atribuir a fé. Nosso intuito será abordar o tema da fé de Jesus nas pesquisas contemporâneas. Iniciaremos com as principais posturas teológicas sobre o tema ao logo da história. Mostraremos Jesus como arraigado na tradição de fé de seu povo, sua experiência decisiva e unificadora de sua vida, Deus como Pai. Apresentaremos o poder da fé de Jesus na sua vida e missão. Finalizaremos com a afirmação da Carta aos Hebreus de Jesus como autor e consumador da fé e as implicações do tema para a espiritualidade cristã: o caminho de fé aberto e possibilitado por Jesus. Acreditamos que a abordagem nos possibilitará um conhecimento maior da humanidade de Jesus, o significado da encarnação, sem perder de vista a realidade divina de Jesus e com isso nos trará elementos importantes e decisivos de nossa configuração a Ele. 

Palavras-chave: Fé de Jesus Pré-Pascal; Consciência de Jesus; Fé-fidelidade de Deus

AbstractThe theme of the pre-Paschal Jesus faith is relatively recent in the history of theology. It is related to research on the science of Jesus, and contemporary research on the consciousness of Jesus. In the Middle Ages, it was emphasized that Jesus, the Incarnate Word, had the beatific vision. In this sense, you cannot attribute faith to him. Our aim will be to address the theme of Jesus' faith in contemporary research. We will start with the main theological positions on the subject throughout history. We will show Jesus as rooted in the faith tradition of his people, their decisive and unifying experience of their life, God as Father. We will present the power of Jesus' faith in your life and mission. We will end with the affirmation of Jesus' Letter to the Hebrews as the author and finisher of the faith and the implications of the theme for Christian spirituality: the path of faith opened and made possible by Jesus. We believe that the approach will enable us to have a greater knowledge of the humanity of Jesus, the meaning of the Incarnation, without losing sight of the divine reality of Jesus, and with this it will bring us important and decisive elements of our configuration to Him.

Keywords: Pre-Paschal Faith of Jesus; Consciousness of Jesus; Faith-fidelity of God

Introdução

A presente pesquisa versa sobre a fé de Jesus pré-pascal. Uma nova abordagem da consciência de Jesus pré-pascal e dos dados que os evangelhos nos mostram sobre a vida e missão de Jesus, e à natureza da fé nos permite dizer o sentido de como Jesus viveu sua fé singular, como entrega confiada ao Pai. Nosso objetivo será evidenciar esta fé única de Jesus que abre um caminho de salvação para nós ao nos incorporar a Ele. Logo, o tema terá importância soteriológica. 

Iniciaremos mostrando as principais posições sobre o conhecimento e a fé de Jesus pré-pascal. De modo especial, ressaltaremos que a posição clássica da teologia escolástica consistia em dizer que Jesus não teve fé, pois Ele tinha a visão beatífica. Mostraremos a mudança de perspectiva ao abordarmos as pesquisas recentes sobre a consciência de Jesus e sobre a fé na teologia bíblica a qual não consiste não em um crer que, mas um crer em, de modo pessoal. Uma fé entendida como confiança total em Deus que é misericórdia e fidelidade a seu projeto de salvação. 

Mostraremos Jesus arraigado na tradição de fé de seu povo e unificado em torno de uma experiência fundamental: Deus é Pai e se importa com o ser humano, sobretudo os mais pobres e fragilizados. Mostramos o poder da fé na atuação, pregação e vida de Jesus a partir de uma perspectiva bíblica, isto é, alguns elementos que os Evangelhos nos apresentam. Refletiremos sobre a afirmação da carta aos Hebreus de Jesus como autor e consumador da fé e, com isso, o caminho de fé aberto e possibilidade por Jesus para cada ser humano visando uma abordagem ligada à espiritualidade cristã. Com isso, acreditamos vincular o mistério de Jesus Cristo à experiência de fé do ser humano fundada no mistério de Deus.

Usaremos o método de pesquisa bibliográfica. No desenvolver da pesquisa veremos que a fé de Jesus é superior não só quantitativamente à nossa, mas, sobretudo, qualitativamente. Entretanto, Ele aceitou viver sobre o regime da fé. Nossa perspectiva será mantermos fiéis ao concílio de Calcedônia, que afirma que Jesus é consubstancial a nós, segundo a humanidade. Queremos entender esta importante afirmação de modo crível ao ser humano dos tempos atuais. 

1. A fé de Jesus pré-pascal: um caminho de salvação para o ser humano

A fé pessoal de Jesus pré-pascal pode constituir um ponto de partida acertado para a reflexão cristológica por duas razões: primeiro, porque contribui por conectar o mistério de Cristo com o dinamismo da fé como experiência religiosa comum à humanidade fundada no mistério de Deus abrindo, assim, ao diálogo com as religiões. Segundo, por aprofundar o mistério da encarnação (GESTEIRA, 2003, p. 93).

A questão a ser estudada é: Jesus teve fé? Se pode falar de Jesus como modelo de homem de fé? Para Gesteira (2003, p. 93), a resposta a esta questão é positiva, embora esta deverá ser matizada, dada a singularidade que caracteriza Jesus, em virtude do mistério da encarnação e da sua íntima relação com o Pai.

1.1 Principais posturas sobre conhecimento e a fé de Jesus pré-pascal ao longo da história

Em relação ao conhecimento de Deus por parte de Jesus, enquanto verbo encarnado, podemos apontar algumas posturas ao longo da história. No período Patrístico se aceitou que a inteligência humana de Jesus estivesse submetida a ignorância comum conforme a consubstancialidade de sua natureza à nossa. Neste período surgiram duas correntes de pensamento: do lado de Antioquia insiste sobre o caráter histórico e limitado da ciência de Cristo, admite-se nele uma verdadeira ignorância. Do lado de Alexandria, marcada pela leitura joanina do Verbo Encarnado, procura-se minimizar essa ignorância (SESBOÜÉ, 1997, p. 163). 

A partir do primeiro grupo, os que reconhecem a ignorância em Cristo, surgiram os chamados de Agnoetas, os quais negam o conhecimento futuro de Jesus. Se fundamentavam nas passagens bíblicas que afirmam que Jesus desconhece o dia do juízo final (Mt 13,32), e que Ele não sabia qual túmulo e onde se tinha colocado o corpo de Lázaro (Jo 11,34). Possivelmente os Agnoetas entendiam a fórmula, “se fez carne” (Jo 1,14), na perspectiva da mentalidade grega, isto é, em contraposição à alma e às potencias (GESTEIRA, 2003, p. 94). Os Agnoetas foram condenados por Gregório Magno no ano 600 (DH 474-476). Estas decisões do Magistério impedem-nos de reconhecer em Jesus uma ignorância privativa, isto é, que o teria impedido exercer entre nós sua missão de revelador do Pai e da salvação que vem dele. Tal ignorância deve ser distinguida de uma simples falta de conhecimento. A crise Agnótica parece ter apressado a evolução na teologia para a afirmação cada vez mais uma clara e plena ciência de Jesus (SESBOÜÉ, 1997, p. 167).

Os concílios cristológicos não abordaram formalmente a questão da consciência e da fé de Jesus, mas colocaram em seu discernimento dogmático da identidade e da constituição de Cristo, certos critérios em que a analogia da fé permite atuar. A afirmação da união hipostática permite dizer que a consciência deve ser atribuída à pessoa. “É preciso dizer que o Verbo encarnado é uma só pessoa e hipóstase, é também um só sujeito consciente de si, um só eu” (SESBOÜÉ, 1997, p. 164, itálico do autor).

A única consciência de Jesus é então a de sua pessoa divina, encarnada e humanizada. Não podemos conceber a humanidade do Cristo como um sujeito pensante à parte. O eu de Jesus é o eu do Filho tornado homem, reconhecendo em Deus seu Abba (SESBOÜÉ, 1997, p. 164, itálico do autor).

A teologia escolástica chegou a reconhecer até seis ciências de Jesus Cristo. Mas, São Tomás sustentou apenas três: a visão beatífica, a ciência infusa e a ciência adquirida. No curso de sua reflexão, São Tomás deu cada vez mais peso a ciência adquirida (SESBOÜÉ, 1998, p. 168). São Tomás chega a atribuir a Jesus todas a virtudes, pois Ele atua e a ensina (At 1,1) e, não poderia ensinar algo que ele não houvesse vivido (TOMÁS, Sth III, q.7, a.2c).

No entanto, o próprio São Tomás e a teologia escolástica posterior resistiram a admitir explicitamente a virtude da fé em Jesus. Em primeiro lugar em razão da ausência, mais aparente que real, de textos bíblicos que falem da fé de Jesus. Segundo, por razões teológicas: se Jesus enquanto ser humano possui a visão de Deus, fica excluída nele a fé, pois esta implica uma percepção indireta e obscura baseada na audição da Palavra e não na visão. Neste sentido, ver e crer se excluem mutuamente (GESTEIRA, 2003, p. 95). Na linguagem de São Tomás, o objeto da fé é a realidade divina não contemplada (TOMÁS, Sth III, q.7, a. 2c).

Esta interpretação chega à teologia dos tempos modernos com um certo mal-estar. Tal imagem de Jesus não parece vinculada ao Jesus dos Evangelhos e dá a impressão de que confunde os dois estados de Jesus: o do servidor no decorrer de seu ministério pré-pascal e o Senhor glorificado por sua ressureição. Em tal perspectiva, a história pessoal de Jesus perde sus consistência. Ele não é mais um ser humano que pode arriscar, dispor de sua vida, segundo um projeto, encarando as incertezas e desconhecimento do futuro. Ele seria apenas um ator, representando uma peça da qual já se sabe o fim. Os estados de vida, ou fases da vida de Jesus não são respeitados. “Um princípio abstrato de perfeição pôs à mostra a própria realidade da encarnação. [...] [um certo monofisismo incipiente] dá a impressão de que Jesus é um Deus passeando sobre a terra e não um verdadeiro homem” (SESBOÜÉ, 1997, p. 168).

Nos tempos modernos, a atenção é passada progressivamente da ciência à consciência de Jesus. Karl Rahner propôs a possibilidade da cristologia existencial como complemento da cristologia ôntica (RAHNER, 1967, p. 191). Rahner tinha o objetivo de conciliar os resultados da dogmática com o que os Evangelhos nos falam da ação e da mensagem de Jesus.  A nova perspectiva pode ser elaborada assim: Como Jesus, no curso de sua vida humana pré-pascal, tomou consciência de ser Filho de Deus? [...] Como a união hipostática tornou-se um acontecimento vivido na consciência de Jesus no curso de sua existência terrestre? (SESBOÜÉ, 1997, p. 187). 

Pode-se dizer que na teologia de Rahner a consciência de si do Cristo é a consciência de que ele é o Filho de Deus. Esta consciência era expressa na tradição teológica como visão de Deus. acrescenta-se que este conhecimento era entendido de forma imediata com Deus, isto é, no caráter beatífico. A visão direta é um elemento íntimo da própria união hipostática (RAHER, apud SESBOÜÉ, 1997, p. 188). Mas, isso permanece na ordem metafísica. Como este fato ontológico se tornou um acontecimento positivo na existência histórica de Jesus? 

Rahner se coloca na pespectiva da experiência transcendental que está no coração de sua teologia[1]. Esta se desenvolve na presença do eu, que constitui a consciência, em dois polos: o do saber categorial ou temático que passa pela linguagem e permite a comunicação e a ação no mundo e o polo subjetivo, atematizado. Este polo subjetivo é onde nosso eu se afirma e que nos constitui como pessoa e sujeito (RAHER, apud SESBOÜÉ, 1997, p. 190).

O itinerário humano de Jesus inscreve-se na lei universal de itinerário humano que atualiza e tematiza reflexivamente no tempo e através de sua experiência aquilo que o invade no polo original de sua consciência. 

“O recém-nascido em seu berço tem apenas uma consciência muito fraca: ele não fala e ainda não é capaz de “tematizar” o que nele há. E, portanto, podemos dizer que essa criança já sabe que é um homem [ser humano] no pólo originário de sua consciência. Neste nível, vive, sente fortemente tudo o que a afeta e se lembra (SESBOÜÉ, 1997, p. 191).

Jesus tem sua originalidade fundamental. Ele foi consciente de sua identidade humana originária. Entretanto, no polo original de sua consciência não há apenas o fato de saber-se ser humano, mas o saber que é um homem concreto em relação única e filial com Deus, em um sentido mais originário do que sua filiação humana. “É então esta identidade divina, inscrita no coração de sua identidade de homem, que Jesus tematiza progressivamente no decurso de sua existência” (SESBOÜÉ, 1997, p. 192). Na teologia de Rahner, pode-se falar francamente de uma evolução intelectual e mesmo religiosa de Jesus. Esta evolução ao invés de negar a intimidade absoluta do Verbo interpreta-a e objetiva-a. 

1.2 Jesus: arraigado na tradição de fé de seu povo

Para abordar o tema da fé de Jesus, primeiramente, não se deve partir de uma definição prévia e especulativa de fé, como se Ele fosse um crente igual a nós, porém no mais alto grau. A fé de Jesus é superior à nossa fé no plano qualitativo, não só quantitativo. Mas Jesus pode ser entendido como o crente por antonomásia: princípio, protótipo único e motor de nossa fé enquanto cabeça de seu corpo eclesial (GESTEIRA, 2003, p. 98)[2]

Jesus nasceu num povo crente. Como os demais meninos de seu tempo em Nazaré aprendeu a crer no seio de sua família e nos encontros que celebravam na sinagoga. Mais tarde, conheceria em Jerusalém a alegria daquele povo que se sentia acompanhado ao longo da história por um Deus amigo que eles louvavam e cantavam nas grandes festas (PAGOLA 2012, p. 365)[3]

Observar Jesus no contexto do judaísmo de seu tempo continua sendo uma linha de pesquisa mais plausível. Em relação às práticas judaicas, Jesus foi “circuncidado, foi educado a recitar o Shema, a respeitar a Torá, a frequentar a sinagoga, a observar o sábado (DUNN, 2013, p. 77).

No Antigo Testamento a fé não aparece como uma construção teórica a partir de modelos ou formulações doutrinais abstratas, senão encarnada e personificada em determinadas figuras concretas, prototípicas, como Abraão (1Mac 2,52; 2 Mac 1,2; Ne 9,7-8; Também: Rom 4; Gal 3; Heb 11,17 20) ou Moisés, amigos de Deus e nos profetas (Ex 33,20; Num 12,7; Dt 18,18; 34,10). Por isso, no judaísmo, a fé brota sobretudo da vida e do caminhar de um povo, e nas suas figuras mais estreitas significativas, encorajado pelo Deus de Israel e revivido em favor de uma pausa de reflexão sobre a própria história pessoal e coletiva (GESTEIRA, 2003, p. 98).

A fé no Antigo Testamento remete sempre à relação pessoal do ser humano com YHWH que se comunica atuando. Crer em Deus e em sua Palavra se identificam. A fé acontece em um encontro pessoal e em relação dialogal que, a partir do amor-fidelidade infinito de Deus gera e desperta uma resposta humana semelhante de acolhida e escuta. Esta fé implica uma segurança e firmeza absolutas fundadas na verdade e fidelidade que Deus mesmo é e nos brinda. “Porque creio-confio em ti, acredito em ti; e não vice-versa (GESTEIRA, 2003, p. 99).

Assim, a fé do Judaísmo está sempre fundada na fidelidade inamovível de YHWH.  Esta não é apenas atributo de Deus, mas sua expressão suprema: Deus é rico em misericórdia e fidelidade (Ex 20, 5s; 34,6; Nm 14,18; Dt 5,9s; Sl 86,15) (GESTEIRA, 2003, p. 99). Para o Hebreu, a fé é obedecer e confiar, visto que Deus se revela na Lei e na promessa (Gn 12,1-3; 15,5-6; Ex 19,3-8). Deus desempenha sua fidelidade salvífica ao mesmo tempo que dá sua lei ao povo de Israel (LATOURELLE, 1981, P. 37).

Por outro lado, a fé-entrega a partir do amor de Deus e da aliança abre novos horizontes para Israel outorgando-lhe futuro e dando sustento ao existir humano como história ou como êxodo desde um amor que gera fé e esperança, pois se não tem fé não subsistirá, já que na confiança está a força do ser humano e de sua salvação (Is 7,9;30,15). Nesta mesma linha, Jesus se situa quando fala da fé-fidelidade como princípio de salvação: “tua fé te salvou”. (Mc 5,34; Lc 17,19) (GESTEIRA, 2003, p. 99).

Portanto, pode-se dizer que Jesus manteve a essência mais pura do judaísmo: a fé não como mero conhecimento objetivo do Mistério, mas como relação pessoal singularíssima desde uma fidelidade-confiança e obediência a YHWH, definido como misericórdia e fidelidade. Jesus, longe de desvirtualizar a fé judia, Ele a levou à máxima radicalidade no que tinha de mais profundo e singular: o creio em ti. Uma fé de caráter pessoal, pois crer significa confiar em alguém (GESTEIRA, 2003, p. 100).

Percebe-se que a experiência central que Jesus capta na fé de seu povo é que Deus é o amigo de Israel. As tradições históricas judaicas faziam celebrar os gestos de Deus a favor de seu povo, de modo fundamental, a experiência fundante, a Libertação da Escravidão no Egito. No entanto, não é uma fé ingênua: Deus é transcendente. A ação de Deus é como vento, os efeitos são sentidos, não vistos. É como ação da palavra (PAGOLA, 2012, p. 365-366)[4]. Acrescenta-se a isso que Jesus não foi um homem disperso, atraído por diferentes interesses, mas uma pessoa profundamente unificada em torno de uma experiência de nuclear: Deus, Pai de todos (PAGOLA, 2012, p. 363).

Gesteira (2003, p. 101-102), a partir da teologia de H. Urs von Balthasar[5], aporta dois aspectos importantes para se compreender a fé-fidelidade de Jesus:  o primeiro remete à abundância de promessa divina de salvação e a fidelidade radical de YWHW expressa na aliança como iniciativa do próprio YWHW. Esta é expressão de comunhão que remete ao ser de Deus como fidelidade plena e permanece até a nova e eterna aliança-fidelidade (Is 54,8; Jr 31,3; Os 11,1-9), a qual desperta em Israel uma resposta crente que em Jesus alcança a plenitude de aliança-fidelidade feita carne. O segundo, remete à teologia Javista, centrada na salvação de Deus, como prefiguração da pessoa e atuação de Jesus. De fato, o Nazareno tem por nome Yeho-shuah que significa Deus salva. Nele a salvação de Deus se faz presente de forma nova e pessoal. 

1.3 Uma experiência decisiva: Deus é Pai

Jesus foi, no princípio, uma pequena criança que não falava, pois, sua consciência estava condicionada pelo modo próprio de um recém-nascido. Esta consciência foi se desenvolvimento quando Jesus crescia em sabedoria, idade, e graça diante de Deus e da humanidade (Lc 2,52). Pelo mesmo modo, a experiência da filiação divina de Jesus, sempre presente no polo subjetivo, tematizava-se e refletia-se passando da obscuridade original à uma luz mais intensa. Neste sentido, a educação de Jesus no seio da tradição judaica como vimos na secção anterior foi fundamental (SESBOÜÉ, 1997, p. 194-195). 

É impossível separar a tematização da consciência filial de Jesus de sua relação original com o Pai: estes dois lados de sua consciência são apenas um (SESBOÜÉ, 1997, p. 195). A primeira palavra que Lucas coloca nos lábios de Jesus, e a única palavra que se refere à sua infância, é um atestado da sua relação filial: na cena do templo, Jesus dialoga com os doutores da Lei e enche de estupefação seus ouvintes. Quando sua mãe o interroga, ele responde, exprimindo uma relação preferencial que o liga com o seu Pai, além de toda afeição humana: “não sabíeis que devo estar na casa de meu Pai (Lc 2,49)?  No entanto, não é possível dizer com exatidão quando Jesus começou a ter consciência de sua relação privilegiada com o Pai, sua filiação divina:

Os Evangelhos não citam palavra alguma de Jesus sobre o modo pelo qual ele concebia a origem da consciência de sua filiação. Do ponto de vista puramente histórico, só podemos – e isto certamente é muito – dar razão a G. Dalman, quando assegura que Mt 11,27[6] e outras passagens fazem supor que Jesus não teria conhecido um começo dessa consciência (SESBOÜÉ, 1997, p. 196).

No entanto, as fontes cristãs coincidem em afirmar que Jesus iniciou sua atividade profética e missionária a partir de uma intensa experiência de Deus. Na ocasião do Batismo no Jordão, Jesus experimenta algum tipo de vivência que transforma radicalmente sua vida. Após esta experiência ele não volta ao seu trabalho como artesão, mas, movido por um impulso interior irrefreável começa a anunciar a irrupção do Reino de Deus nos caminhos da Galileia (PAGOLA, 2012, p. 370). 

No evangelho mais antigo encontramos o seguinte testemunho: “Logo ao sair da água, viu os céus se rasgarem e o Espírito, como pomba, descer sobre ele.’ E dos céus veio uma voz: ‘Tu és o meu Filho amado; em ti, eu me agrado” (Mc 1,10-11)[7]. O relato está trabalhado pela comunidade cristã, com traços claramente míticos, mas não há razão para negar a historicidade da experiência vivida por Jesus[8]. Ao sair da água, Jesus, o buscador de Deus, vive uma dupla experiência: vai descobrir-se a si mesmo com Filho muito querido: Deus é seu Pai; ao mesmo tempo, vai sentir-se cheio do Espírito. Estes dois aspectos da experiência de Jesus vão marcar toda a sua vida. 

A resposta de Jesus à essa comunicação divina é com uma única palavra: Abbá. “Esta palavra diz tudo: sua confiança total em Deus e sua disponibilidade incondicional” (PAGOLA, 2012, p. 372). A vida inteira Jesus transpira esta confiança, abandonando-se a Deus:

[Jesus] Tudo faz animado por esta atitude genuína, pura, espontânea, de confiança em seu Pai. Busca sua vontade sem receios, nem cálculos, nem estratégias. Não se apoia na religião do templo nem na doutrina dos escribas; sua força e sua segurança não provêm das Escrituras e tradições de Israel. Nascem do Pai. Sua confiança faz dele um ser livre de costumes, tradições ou modelos rígidos; sua fidelidade ao Pai o faz agir de maneira criativa, inovadora e audaz. Sua fé é absoluta. Por isso aflige-o tanto a ‘pequena fé’ de seus seguidores e alegra-o a grande confiança de uma mulher pagã (PAGOLA, 2012, p. 372).

Para González Faus, a unidade batismo-tentações é chave de leitura da de Jesus. As tentações de Jesus não estão no campo moral, mas são messiânicas. Isto permite afirmar que entre a filiação divina de Jesus e sua tentação se dá uma relação proporcional à que existiu na eleição de Israel. Jesus é o verdadeiro povo de Deus e, portanto, realiza o plano salvador. Realiza a promessa do coração novo e a lei de Deus inscrita nele (GONZÁLEZ FAUS, 2016, p. 213-214). As três tentações, da religião, da prova e do poder, falam mais sobre a relação Deus-homem, tal como revela Jesus (GONZÁLEZ FAUS, 2016, p. 215-2016). Elas põem à prova a atitude última diante de Deus: como Jesus viverá sua tarefa? Buscando seu próprio interesse? Dominando os outros ou pondo-se a seu serviço? Buscando sua própria glória ou a vontade de Deus? (PAGOLA, 2012, P. 373).

Jesus vive a partir da experiência de um Deus Pai. Seu Pai cuida das criaturas mais frágeis, faz o sol nascer sobre bons e maus, dá-se a conhecer aos pequeninos, defende os pobres, cura os enfermos, procura os perdidos. Isto não é absolutamente original. Nas Escrituras de Israel se fala de Deus como Pai em sentido metafórico para expressar sua autoridade, que exige respeito, amor e convida à confiança (PAGOLA, 2012, p. 380-381).

O dirigir-se a Deus como Abbá remete a um poder sobrenatural do Espírito (GI 4,6; Rm 8,15). O conceito pode implicar uma proximidade carismática. Como se relata de Jesus que ele próprio se dirigiu a Deus em oração como “Abbá" (Mc 14,36), não se pode excluir a possibilidade de essa forma de tratamento remeter a ele: tal forma é concebível no judaísmo e entre carismáticos e é notada no cristianismo primitivo como um fenômeno extraordinário. Em contrapartida, são errôneos os comentários de que aqui se adotou uma linguagem deliberadamente infantil (como ‘papá’) ou de que se trata de um fenômeno absolutamente singular (THEISSEN e MERZ, 2015, p. 554).

Por fim, a confiança de Jesus no Pai é raiz de toda sua pretensão de dizer quem é Deus e quem é o ser humano, do anúncio do Reino. No entanto, nos lábios de Jesus, Abbá não implica necessariamente uma nova concepção de Deus, mas implica uma concepção de si, por referência a Deus: a filiação (GONZÁLEZ FAUS, 2016, p. 141-146).

1.4 O poder da fé na vida e atuação de Jesus[9]

Um dado importante do Novo Testamento é que Jesus insiste em seu poder de curar baseando-se na força da oração que brota de sua fé pessoal. Neste sentido, destaca-se a afirmação de Jesus: “tudo é possível para aquele que crê” (Mc 9, 23)[10]. A frase aparece no relato que narra a cura de um epiléptico (Mc 9, 14-29)[11]. A declaração não tem a ver com a fé do pai do enfermo que o leva até Jesus, mas se refere a fé do próprio Jesus como se deduz do diálogo posterior com os discípulos, conforme narra Mateus. Os discípulos perguntam a Jesus: 

“Porque nós não conseguimos expulsar os demônios? Ele respondeu: “Por causa da fraqueza de vossa fé! Em verdade vos digo: se tiverdes fé do tamanho de um grão de mostarda, direis a esta montanha: Vai daqui para lá, e ela irá. Nada vos será impossível”. (Mt 17, 19-20).    

Assim, Mateus converte o tema central do relato na oposição entre a falta de fé dos discípulos e a fé-oração do próprio Jesus que remete à consciência que ele tem, desde sua singular fé-confiança em Deus, que lhe são possíveis coisas que sem essa fé seriam irrealizáveis. A resposta do pai do epiléptico: “Eu creio, mas vem em socorro à minha falta de fé” (Mc 9, 24), reconhece em Jesus uma fé original, própria e pessoal a qual pode, ao mesmo tempo, curar o jovem e fortalecer a fé vacilante do pai do enfermo. Finalmente, o conjunto vem respaldado com a afirmação de Jesus que só com a oração pode ser expulso o mal espírito (Mc 9,29). Logo, implica uma fé ativa desde à sua fidelidade-confiança no Pai (GESTEIRA, 2003, p. 103-104). 

Outro aspecto importante em relação à força da oração confiada de Jesus aparece no contexto de sua entrada em Jerusalém no Domingo de Ramos. Diante da figueira seca, Jesus exorta os discípulos a terem fé (Mc 11,20-24). No texto paralelo de Mateus, Jesus exorta os discípulos a ter uma fé semelhante à sua (Mt 21,18-22). Finalmente, em Lucas há a mesma exortação aos discípulos a terem fé: “Os apóstolos disseram ao Senhor: ‘Aumenta a nossa fé!’ O Senhor respondeu: ‘Se tivésseis fé do tamanho de um grão de mostarda, diríeis a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te como no mar’, e ela vos obedeceria” (Lc 17,5-6). Estes textos mostram a fé de Jesus como motor principal de sua vida e atuação salvífica (GESTEIRA, 2003, p. 105).

Outros textos apresentam a fé de Jesus desde o paralelismo com a fé que move montanha: (Mt 17,20; 21,20; Mc 11,23; Lc 17,6). De modo especial, no episódio da tempestade acalmada (Mt 8, 23-27), diante do medo discípulos, Jesus diz: “porque tendes medo, fracos na fé?” (Mc 8,26). E Jesus, desde a sua fé-confiança acalma a tempestade. Interessante também a passagem que Jesus anda sobre o mar, depois de estar em oração (Mt 14, 22-33). Pedro, diante do convite de Jesus para também andar sobre o mar, tenta com uma fé dubitativa imitar a fé de Jesus como confiança radical em Deus, mas afunda e diz: “Senhor, salva-me” (Mc 14, 30). E Jesus o segura pela mão e diz: “Homem fraco na fé, porque duvidaste” (Mc 14, 31)? “Em última instância, se Jesus quer suscitar fé e confiança em Deus é poque ele mesmo está animado por esta mesmas disposições a respeito a Deus” (GESTEIRA, 2003, p. 106).

Finalmente, destacamos as três orações de Jesus no Getsêmani (Mt 26, 36-46), no momento de grande conflito em relação à sua missão, às vésperas da cruz, Jesus demonstra confiança no Pai, mesmo diante do sofrimento e da incerteza: a) “Meu Pai, se é possível, que passe de mim este cálice: contudo, não seja como eu quero, mas como tu queres” (Mt 26, 39). b) “Meu Pai, se não é possível que esta taça passe sem que eu a beba, seja feita a tua vontade (Mt 26, 42). c) Na terceira vez, Jesus ora com as mesmas palavras (Mt 26, 44).   

1.5 A Carta aos Hebreus: Jesus, autor e consumador da fé

A Carta aos Hebreus apresenta Jesus como autor e consumador da fé: “Corramos com perseverança na competição que nos é proposta, com olhos fixos em Jesus, que vai à frente da nossa fé e a leva à perfeição (Hb 12, 1-2). Sem dúvida é a afirmação mais contundente e abrangente sobre a fé de Jesus no Novo Testamento. Ainda, Hebreus apresenta Jesus como o Sacerdote misericordioso e fiel (Hb 2,17).

Após comparar Jesus com os anjos (Hb 1,4-14), Hebreus destaca sua humanidade: expressão de sofrimento, tentação, obediência em relação com sua função mediadora como Filho e Sumo Sacerdote. A função sacerdotal de Jesus é apresentada em comparação a Moisés, descrito como servo fiel com uma singularidade: Jesus é apresentado como Filho fiel (Hb 3, 2.6). Esta referência à fé de Jesus deve ser interpretada desde o contexto da fé-fidelidade de Deus às suas promessas (Hb 10,23; 11,11). Jesus é mediador fiel e fidedigno que nos abre o acesso à salvação, assumindo Ele mesmo a perfeita resposta humana a Deus e, sendo Ele mesmo, o fundamento inicial de nossa fé (GESTEIRA, 2003, p. 131).

A partir do que Deus nos outorgou em Jesus, se pede a nós, crentes, nossa própria resposta, desde a confiança firme na promessa de Deus (Hb 10, 35ss). A fé é apresentada relacionada com a esperança até culminar na afirmação de Jesus como autor e consumador de nossa fé (Hb 12,2). Jesus é o precursor porque sendo crente por antonomásia é o primeiro a alcançar a meta celeste da fé; em seu caminho, Ele nos incorpora, permitindo-nos seguir seus passos. Assim, Ele é o precursor enquanto com sua própria fé é a fonte da fé de outros. Portanto, Hebreus destaca não só a função exemplar da fé e da vida de Jesus, mas Ele mesmo como como precursor (Hb 6,20), isto é, a segura âncora de nossa fé pela qual estamos conectados a Ele, que penetrou no santuário celestial (Hb 6,19-20).

Em suma, para o autor de Hebreus, Jesus, como sumo sacerdote, através de sua morte e entrada no céu se situa numa relação única e irrepetível com fé: como sua fonte primeira e sua perfeição última, escatológica (GESTEIRA, 2003, p. 131-133).

1.6 O caminho inaugurado e possibilitado por Jesus: a fé em Deus

O aporte da abordagem sobre a fé de Jesus é respeitar a humanidade concreta de Jesus, respeitando plenamente o concílio de calcedônia, que diz: “consubstancial a nós segundo a humanidade, semelhante em tudo a nós, menos no pecado [cf. Hb 4,15]” (DH 301), de modo crível na contemporaneidade. Sem dúvidas, a fé de Jesus foi diferente da nossa, entretanto, ele aceitou viver sob o regime da fé (SESBOÜÉ, 1997, p. 201). 

Segundo Hb 12,2, Jesus inaugura e possibilidade para nós um caminho de fé. Ele viveu em um itinerário humano progressivo. Depois da ressurreição este itinerário é plenamente constituído. Há uma profunda identidade de Jesus como o Cristo, Senhor e Filho de Deus. O próprio Jesus viveu a fé em relação ao seu Pai. Todo o seu itinerário presta testemunho de sua confiança imperturbável no Pai e na missão que recebera dele (SESBOÜÉ, 1997, p. 200).  

A fé no Novo Testamento não é, desde o início um crer que, mas um crer em. Crer em Jesus é ter confiança total em sua pessoa a ponto de colocar sob ele o sentido da existência e dele esperar a salvação. Este itinerário cristão é a configuração à Cristo. A marca fundamental da espiritualidade cristã. O cristão precisa se inserir na fé-fidelidade de Jesus conformando sua vida à mensagem e ensinamentos de Jesus. O próprio Jesus nos mostrou em sua humanidade plena que viver no regime da fé é possível e Ele mesmo nos possibilita a comunhão com Ele, a comunhão com o Pai, no Espírito. 

A humanidade de Jesus, conforme a Carta aos Hebreus, abre para nós um caminho novo e vivo. “Sendo assim, irmãos, temos toda a liberdade de entrar no Santuário[12], pelo sangue de Jesus. Nele temos um caminho novo e vivo, que ele mesmo inaugurou através do véu, quer dizer: através da sua humanidade” (Hb 10, 19-20 itálico nosso). 

A carta aos Gálatas afirma que somos justificados não pelas obras da Lei, mas pela fé em Jesus Cristo (Gl 2, 16). Se entende a salvação cristã como incorporação a Cristo. O próprio Paulo afirma: “De fato, pela Lei morri para a Lei, a fim de viver para Deus. Fui crucificado com Cristo. Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim. Minha vida presente na carne, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim (Gl 2,19-21 itálico nosso). Para Paulo, a promessa de salvação nos foi outorgada pela fé Jesus Cristo: “[...] a Escritura encerrou tudo debaixo do pecado, a fim de que a promessa, pela fé em Jesus Cristo, fosse concedida aos que crêem” (Gl 3,22 itálico nosso).

A fé que justifica, humaniza e salva pode ser descrita como uma abertura vital crente ou como justa atitude crente. Uma atitude equivalente a olhar a vida desde a postura que diz: posso deixar-me ser amado ou como uma postura de gratuidade receptiva. Esta atitude significa crer no Amor como fonte de tudo. Atitude tão humana e ao mesmo tempo tão humanamente impossível que nós cristãos acreditamos que só Jesus a realizou em plenitude, sendo Ele, por isso, autor e consumador da fé (Hb 12,2) e plenamente obediente[13] (Hb 5,7) (GONZÁLEZ FAUS, 1991, p. 511-513).

O conteúdo da fé em Deus é determinado historicamente. O judeu-cristão sabe que Deus é o “Deus da vida”. Yahvé, o Abbá de Jesus, ama a vida de Israel, a de Jesus e a nossa. Isto é o que há que crer: Deus sempre quer a vida, nunca a morte. Se São João sustenta que “Deus é amor”, a fé consiste em crer que Deus nos ama” (COSTADOAT, 2009, p. 112). Isso é decisivo na espiritualidade cristã. Acreditar no amor como fonte de tudo e começar a viver do amor nas relações fundamentais do ser humano, sobretudo, com os irmãos necessitados. 

Conclusão

A pesquisa sobre o tema da fé de Jesus mostrou elementos importantes para a vida fé cristã e para a espiritualidade. Ficou evidente que a fé-fidelidade, pistes, de Jesus tem seu fundamento na fé-fidelidade de Deus. A fidelidade da aliança divina expressada na fé de Abraão, Moisés e outros personagens do Antigo Testamento se revela plenamente e se encarna na fé-fidelidade de Jesus (GESTEIRA, 2003, p. 124-125). Por isso, apresentamos Jesus dentro da tradição de fé de seu povo, mas com uma singularidade: a sua experiência única de Filho amado de Deus. A vida e a missão de Jesus estão unificadas em torno desta experiência: Deus é seu Pai e se importa com o ser humano. Nesta experiência, destaca-se que Jesus se entende como movido pelo Espírito de Deus. 

Ao descrevemos sobre o poder da fé na vida e missão de Jesus ficou claro que ele agiu a partir de sua confiança no Pai. Portanto, a fé de Jesus está relacionada com o Pai como confiança e entrega total a Ele e à sua missão a partir de sua experiência com o Pai. Destarte, Jesus acreditou, se entregou ao Pai e ao Reinado do Pai, o qual é o coração da sua pregação e missão. Isso historiciza o tema da fé de Jesus e nos possibilita compreendê-la de um modo muito concreto. 

Por isso, finalizamos com a Carta aos Hebreus, mostrando Jesus como autor e consumador da fé o qual abriu para nós um caminho novo e vivo. Este caminho consiste em crer na fidelidade salvífica do amor de Deus. Em suma, significa crer no Amor (1Jo 4,8) e viver do amor.  Logo, o itinerário da espiritualidade cristã consiste na configuração a Cristo assumindo os seus valores e seus ensinamentos. Este caminho é possibilitado pelo próprio Jesus que com o Pai nos envia o Espírito para convertemos a Ele a partir de nossa interioridade mais profunda. Neste sentido, o tema da fé de Jesus tem importância soteriológica, pois abre e possibilita para nós um caminho de salvação, de comunhão com Deus. 

Referências

BALTHASAR, Hans Urs von. Fides Christi. In: BALTHASAR, Hans Urs von. Ensayos teologicos: Sponsa Verbi. Madrid: Gadarrama, 1964. 609 p. (Teologia y Siglo XX; 6). p. 57-96.

COSTADOAT, Jorge. La fe “de” Jesús, fundamento de la fe “en” Cristo. In: COSTADOAT, Jorge. Trazos de Cristo en América Latina: ensayos teológicos. Santiago del Chile: Universidad Alberto Hurtado, 2009. p. 111-154 (Teología de los tiempos).

DUNN, James D. G. Jesus em nova perspectiva: o que os estudos sobre o Jesus histórico deixaram para trás. São Paulo: Paulus, 2013. 152 p.

GESTEIRA, Manuel. La fe-fidelilidad de Jesús, clave central de la Cristología. In: URÍBARRI, Gabino. Fundamentos de teología sistemática. Madrid: Universidad Pontificia Comillas, 2003. 281 p.

GONZÁLEZ FAUS, José Ignacio. La Humanidad Nueva: ensayo de Cristología. 10.ed. Maliaño: Sal Terrae, 2016. (Presencia Teológica 16).

GONZALEZ FAUS, José Ignacio. Proyecto de hermano: visión creyente del hombre. 2. ed. Santander: Sal Terrae, 1991. 751 p. (Presencia teológica; 40).

LATOURELLE, Rene. Teologia da revelação. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 1992. 592 p. (Teologia hoje; 18).

PAGOLA, José Antonio. Jesus: aproximação histórica. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 2012. 651 p.

RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé: introdução ao conceito de cristianismo. 4. ed. São Paulo: Paulus, 2008. 531 p. (Teologia sistemática).

SESBOÜÉ, Bernard. Pedagogia do Cristo: elementos de cristologia fundamental. São Paulo: Paulinas, 1997. 272 p.

THEISSEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico: um manual. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2015. 651 p. (Biblica Loyola; 33).

TOMÁS de Aquino, Santo. Suma teológica: parte III, questões 1-59: o mistério da encarnação. São Paulo: Loyola, 2002. 830 p.

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Notas

[1] RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé: introdução ao conceito de cristianismo. 4. ed. São Paulo: Paulus, 2008. 531 p. (Teologia sistemática), p. 33-36.

[2] Por outro lado, temos o exemplo de Bultmann que dissociou o Jesus terreno, de cuja fé em Deus e sua relação singular com ele, isto é, a fé de Jesus, do Cristo da fé que nos remete a uma fé nova, a fé em Jesus por parte dos discípulos. Esta última que aparece refletida no Novo Testamento. No entanto, uma contraposição radical não se sustenta e não é acertada (GESTEIRA, 2003, p. 98)

[3] O que Jesus interiorizou das diferentes espiritualidades de Israel? Não é possível saber quais textos bíblicos Jesus leu ou ouviu, nem qual salmo rezou com mais frequência. Mas, não é ilegítimo verificar um pano de fundo bíblico que se pode perceber por trás das principais linhas de força de sua mensagem ou de sua atuação, para captar melhor sua herança judaica e as ênfases que Jesus vive (HAIGHT apud PAGOLA 2012, p. 365).

[4] Pagola também trabalha os aspectos de que Jesus se nutre a experiência de Israel de Deus como salvador, aquele que procura o melhor para seus filhos e filhas. O acento de Jesus é na atuação de Deus no presente. Também a tradição profética está gravada no coração Jesus: os profetas são as sentinelas que alertam o povo de seus pecados, anunciam o juízo de Deus sobre Israel. Neste sentido, percebe-se Deus como aquele que combate as injustiças e é o defensor das vítimas. A tradição de sapiencial de Israel também está presente em Jesus, pois ele contempla o mundo como saído da sabedoria de Deus (PAGOLA, 2012, p. 364-370).

[5] BALTHASAR, Hans Urs von. Fides Christi. In: BALTHASAR, Hans Urs von. Ensayos teologicos: Sponsa Verbi. Madrid: Gadarrama, 1964. 609 p. (Teologia y Siglo XX; 6). p. 57-96.

[6] “Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11,27). Estas palavras não podem ser pronunciadas na consciência da preexistência 

[7] Paralelos: Marcos 1,10-11; Mateus 3,16-17; Lucas 3,21-22; João 1,32-34. Aparece também no Evangelho [apócrifo] dos Hebreus, em Justino e em Clemente de Alexandria (PAGOLA, 2012, p. 370).

[8] Sesboüé adverte que a perícope do batismo foi frequentemente compreendida pelo protestantismo liberal como o momento que Jesus aprende sua filiação. Levada à sério, essa exegese faz pensar numa filiação adotiva quando se assume que Jesus teria assumido um caráter exclusivo somente após o batismo, e que teria existido na consciência que Jesus tinha de si mesmo e de sua missão, a partir unicamente desse momento (SESBOÜÉ, 1997, p. 196).

[9] Nesta secção, vamos destacar apenas algumas perícopes que consideramos importantes em relação à nossa temática. No entanto, há várias outras que por razões metodológicas e pelo caráter suscinto deste artigo não será possível abordar. 

[10] Importante ressaltar que não há acesso Jesus que não seja histórico, e portanto, hermenêutico. Os textos que os Evangelhos nos apresentam não são neutros. Foram escritos pelos discípulos de Jesus com o objetivo de provocar a fé (COSTADOAT, 2009, p. 115)

[11] Em Mt 17, 14-21 o relato aparece mais condensado, com dados novos. Em Lc 9,37-42 aparece somente a reação das pessoas admiradas diante da obra realizada por Jesus (SESBOÜÉ, 1997, p. 196). 

[12] “Somente o sumo sacerdote, uma vez por ano, tinha acesso ao Santo dos Santos. De agora em diante, todos os que creêm têm acesso a Deus, por meio de Cristo (cf. 4,14-16; 7,19.25; 9,11; 10,9; Rm 5,2; Ef 1,4; 2,18; 3,12; Cl 1,22) (BÍBLIA de Jerusalém. Nova edição, revisada e ampliada. São Paulo: Paulus, 2010. p. 2096, nota “a” a Hb 10,19).

[13] Para González Faus, o que o Novo Testamento chama de obediência de Jesus é a entrega confiada que Ele faz ao Pai, mesmo diante do aparente abandono de Deus. Isso porque, na cruz Deus continua sendo chamado de Abbá, e o aparente não de Deus à causa de Jesus, como vimos no Capítulo 3 desta dissertação, deixa intacta a entrega confiada de Jesus nas mãos do Pai (GONZÁLEZ FAUS, 2016, p. 544).