Apresentação 

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Celebrando o centenário de nascimento de Dom Paulo Evaristo Arns e a sua importância para a Igreja brasileira e latino-americana, a Revista de Cultura Teológica organizou esta edição especial em sua homenagem. Dossiê intitulado “Mística, profecia e pastoreio de D. Paulo Evaristo Arns em São Paulo” tem o objetivo de explicitar tanto quanto possível os principais aspectos de sua trajetória eclesial e o impacto de sua ação pastoral, em consonância com o Concílio Ecumênico Vaticano II e a Conferência de Medellín, cujas marcas são percebidas sobretudo na cidade de São Paulo.

O Dossiê compõe-se de seis artigos que, a partir de diferentes enfoques, mapeiam e sistematizam aspectos da atuação do Cardeal da esperança. Os autores propõem sob a ótica do tripé: mística, profecia e pastoreio, uma prática memorial que, muito mais do que mera recordação, é um exercício vivo da memória em que a história dilata a sua fenda. 

Agenor Brighenti, com o artigo “Quem dizem que foi o cardeal do povo”, recolhe depoimentos de pessoas que com ele conviveram, expressados por ocasião de sua morte. Caracteriza “quem dizem que foi o Cardeal do povo” em cinco aspectos: a) depoimentos relativos à sua pessoa e personalidade, como filho de colonos alemães, religioso franciscano e professor de teologia; b) depoimentos que revelam alguns traços de seu perfil de pastor, enquanto presbítero, depois bispo auxiliar e arcebispo; c) as notas dominantes de seu pastoreio profético à frente da Arquidiocese de São Paulo; d) Dom Paulo como apóstolo dos direitos humanos no seio de uma sociedade, sob o jugo da ditadura militar que assolou o país por 30 anos; e) breves registros de depoimentos de pessoas dizendo o que aprenderam de Dom Paulo, depois de terem com ele convivido. 

João Décio Passos, em “Renovação conciliar e identidade episcopal: o perfil original de Paulo Evaristo Arns”, apresenta ao leitor que o Vaticano II abriu uma temporada de renovação que exigiu reconstruções dos perfis e funções dos diversos sujeitos eclesiais. A identidade episcopal foi reconstruída no interior das construções implicadas do aggiornamento conciliar. Como negociação entre modelos instituídos do passado e novas orientações do presente, foi uma identidade nova assumida pelos que aderiam de modo radical à eclesiologia conciliar. Na medida em que a recepção do Concilio avançava, novos modos de viver e exercer o ministério episcopal podiam ser visibilizados na América Latina. O arcebispo de São Paulo, Paulo Evaristo Arns, notabilizou-se como uma das figuras emblemáticas dessa renovação. 

Alzirinha Souza, em seu artigo “A profecia na Contemporaneidade à luz da referência de Dom Paulo, Profeta Arns”, defende que, sob o impulso do Concílio Vaticano II, o profetismo “renasceu” na América Latina. A tomada de consciência da realidade latino-americana aliada ao nascimento de uma teologia autóctone, que viria a ser a teologia da libertação, impulsiona novas formas de fazer e viver o cristianismo no continente. Entre tantos nomes que entraram nessa nova dinâmica pastoral e teológica, certamente encontra-se D. Paulo Evaristo, Cardeal Arns, e sua característica inegavelmente profética traduzida em sua defesa ampla da dignidade humana. Contudo, atualmente tem-se a impressão de que a profecia desapareceu na América Latina. Por essa razão, mais que falar de D. Paulo, porém mantendo-o como paradigma de profeta, o objetivo do artigo é retomar os elementos essenciais e re-situar os principais elementos da Profecia cristã alinhados ao momento atual. Inicia-se pela reflexão filosófica para, posteriormente, apresentar as razões teológicas do profetismo. Seguramente a pessoa e a vida de D. Paulo serão identificadas nessa reflexão. 

Maria Cecília Domezi, em “Dom Paulo Evaristo Arns e a operação periferia”, desenvolve a ideia que, na década de 1970, sensível aos graves problemas da imensa periferia da cidade de São Paulo e num corajoso enfrentamento da ditadura militar, Dom Paulo Evaristo Arns lançou e animou uma ousada campanha que se chamou Operação Periferia. Consistia numa concreta e solidária troca de recursos, materiais e humanos, entre centro e periferia, com superação do assistencialismo e parceria com os movimentos sociais. Mas essa campanha acabou sendo canal aberto para uma profunda reforma da Igreja Local. Através das CEBs, da formação e multiplicação de lideranças leigas e de uma efetiva colegialidade eclesial desde a base, forjou-se um modo de pastoral urbana capaz de responder aos desafios de cada particularidade dessa megalópole dos contrastes. 

João Hansen e Antônio Sagrado Bogaz, em “Jamais outra vez, revisitando a obra Brasil nunca mais, uma ode a Dom Paulo, cardeal dos maltratados”, aprofunda que, no final do itinerário das lutas para vencer as investidas do poder ditatorial que se instalara no país, como de resto em vários outros países da América Latina, um grupo de líderes religiosos e humanitários, que se dedicara à resistência contra os torturadores do sistema ditatorial e à proteção às vítimas do golpe de estado, maquiado por seus agentes como revolução, escreve uma obra de impressionante valor. A obra Brasil, nunca mais foi um marco neste período dramático de nossa história. Este artigo, Jamais outra vez, recupera o objetivo, conteúdo, autores e protagonistas destes acontecimentos, para que não fiquem impunes seus algozes e a memória de suas vítimas seja perpétua. A referência eleita para homenagear é a figura de Dom Paulo, Cardeal Arns, que figura como modelo para nossos pastores e nossa Igreja. 

Ceci Maria Costa Baptista Mariani e Breno Martins Campos em “Pássaros engaiolados e anjos assassinados: a dimensão profética da arte de Zuzu Angel e a luta de D. Paulo Evaristo Arns pelos direitos humanos (Brasil: nunca mais)” defende que, para Wassily Kandinsky (1866-1944), o artista verdadeiro é alguém que põe a vida em movimento, abre caminhos bloqueados, vê e faz ver o que ainda será. Assume a ideia de que a arte possui uma perspectiva profética, sendo assim, aborda a dimensão profética da obra artística da estilista brasileira Zuzu Angel (1921-1976). Tendo perdido seu filho Stuart Edgar Angel Jones (1946- 1971), torturado e assassinado por agentes do regime ditatorial brasileiro, transforma sua arte em grito de protesto e realiza aquele que pode ser considerado o primeiro desfile de moda político da história. As roupas com estampas e bordados de pássaros engaiolados e anjos colocados na mira de tanques e canhões, para além do aspecto político em si, eram expressões de uma energia espiritual, que pode ser interpretada em correlação com a espiritualidade da libertação, encarnada na América Latina no âmbito das igrejas cristãs a partir da década de 1960. Em plena ditadura civil-militar no Brasil, os caminhos de Zuzu Angel se entrecruzaram com a vida e a obra de D. Paulo Evaristo, Cardeal Arns (1921- 2016) – profeta da esperança e da resistência. O testemunho de ambos é um grito que ecoa na história: “Brasil, nunca mais”. 

O Dossiê apresenta-nos dois ricos depoimentos de quem conviveu com D. Paulo Evaristo Arns em seu pastoreio. D. Angélico Bernardino Sândalo e Frei Betto nos brindam com seus testemunhos de quem compartilhou uma trajetória de “mística, profecia e pastoreio”, de “Esperança em Esperança”. 

A seção livre apresenta, de Luis Carlos Mariano da Rosa, o artigo, “Da justificação e a fé como evento escatológico enquanto obediência e decisão fundada no ato da graça de Deus segundo a Teologia do apóstolo Paulo em Rudolf Bultmann”. O autor afirma que se a fé é uma concessão de Deus em um movimento que encerra a ideia de predestinação, tal caraterização não implica, contudo, uma operação que dispense o ser humano da responsabilidade do ato de decisão, mas consiste no fato de que a referida possibilidade mantém dependência absoluta da graça de Deus e, dessa forma, constitui um evento no qual a decisão não pode emergir senão como dádiva de Deus. 

Por fim, Luís Felipe Carneiro Marques lança um olhar sobre a questão ministerial a partir do Concílio Vaticano II e aponta a necessidade de uma séria renovação em seu artigo “A forma ministerial “quase” repensada pelo Vaticano II”. Uma crise eclesiologica e ministerial inevitável demonstra que é necessário rever a teologia fundamental do ministério ordenado: “Essa revisão deve ser parte essencial de uma reforma da Igreja, pois um novo paradigma precisa de reflexões fundamentais”. 

Prof. Dr. Donizete José Xavier 
Prof. Dr. Wagner Lopes Sanchez 
Coordenadores do Dossiê