A Igreja na América Latina foi aquela que melhor recepcionou o Concílio Vaticano II. De um lado, a Conferência de Medellín, realizada na Colômbia, no ano de 1968, foi o evento do episcopado latino-americano que procurou adaptar as inspirações e orientações conciliares para a realidade do continente. De outro lado, em cada país, a maioria das igrejas locais renovaram a sua atuação pastoral para acolher de forma criativa as reformas propostas pelo Vaticano II.
A opção por uma eclesiologia do Povo de Deus, que enfatizava o protagonismo das leigas e dos leigos, e a abertura para as realidades terrestres, mostrando que a comunidade cristã é parte da história e que pode contribuir com as mudanças sociais, foram algumas das características do pensamento conciliar.
Essas duas características foram assumidas por Dom Paulo, membro da Ordem dos Franciscanos Menores, em seu ministério episcopal à frente da Arquidiocese de São Paulo no período de 1970 a 1998. Mais do que isso, Dom Paulo fez do seu ministério um serviço à cidade de São Paulo colocando a Igreja a serviço das periferias, valorizando a participação das leigas e leigos nas decisões pastorais e imprimindo à Igreja da cidade uma dinâmica de mudanças onde o povo era o centro das preocupações da instituição.
A atuação de Dom Paulo em seus 28 anos como arcebispo mudou completamente o rosto da Igreja na cidade de São Paulo e deu à Arquidiocese de São Paulo um protagonismo nunca visto. Duas foram as marcas mais profundas: o diálogo com a realidade da periferia, onde está o povo mais sofrido, levando a presença da Igreja para essas regiões, e o envolvimento das comunidades na definição das prioridades e a elaboração dos planos de pastorais com participação de todos os segmentos da Igreja. Essas marcas faziam parte de um grande esforço de renovação da arquidiocese de São Paulo à luz do Concílio.
Mas o seu compromisso de renovação foi muito além das preocupações propriamente pastorais. Ele assumiu, com todas as consequências, a dimensão profética de sua missão como batizado e como ministro da Igreja Católica na dinâmica do diálogo com o mundo.
Desde os primeiros dias de seu ministério na Arquidiocese, ele corajosamente enfrentou as atrocidades do regime militar denunciando corajosamente as prisões ilegais, a tortura e as mortes ocorridas nos porões do DOI-CODI. Indistintamente defendeu presos políticos e fez da Comissão de Justiça e Paz instrumento de defesa dos direitos humanos e da democracia.
Foi uma voz profética em defesa da justiça, dos direitos humanos e da liberdade num momento em muitas vozes da sociedade civil foram silenciadas pela repressão. Mais de uma vez foi reconhecido internacionalmente pela defesa dos direitos humanos. Dom Paulo deu voz àqueles e àquelas que não tinham voz, e deu voz à periferia da cidade e deu voz às leigas e leigos que atuavam nas várias comunidades da cidade de São Paulo.
Quem pôde conviver com Dom Paulo, sempre ouvia dele duas expressões que o caracterizaram: “de esperança em esperança” e “coragem”. Dom Paulo era, de fato, um profeta da esperança, sempre animando o povo em suas lutas por melhores condições de vida, sempre valorizando o trabalho de pessoas e organizações da sociedade civil contra as injustiças e, sobretudo, contra os horrores da ditadura militar.
Nos cem anos do nascimento de Dom Paulo, através deste Dossiê, queremos trazer à memória um bispo que colocou a sua vida a serviço do reino de Deus e a serviço da dignidade do povo. Um bispo que soube colocar em prática as grandes intuições do Concílio numa cidade desafiadora. Um bispo que, como tem insistido o Papa Francisco, colocou a periferia no centro de suas preocupações.
Prof. Dr. Donizete José Xavier
Prof. Dr. Wagner Lopes Sanchez
Coordenadores do Dossiê