A multiplicação dos pães em João 6: entre possibilidade e impossibilidade   
The multiplication of breads in John 6: between possibility and impossibility  

Gilvan Leite de Araújo*
*Pós-doutorado em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma (PUG). Coordenador do Programa de Estudos Pós-Graduados em Teologia da PUC-SP. Líder do Grupo de Pesquisa em Literatura Joanina - LIJO. Contato: glaraujo@pucsp.br

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Resumo:

A narrativa joanina da Multiplicação dos Pães acontece durante a celebração da Páscoa Judaica. Portanto, esta solenidade é referencial para a proposta do autor. Além disso, é posto destaque sobre as figuras de dois discípulos, André e Filipe, que interagem com Jesus durante a narrativa. Tendo em vista que a narrativa da Multiplicação dos Pães está presente nos quatro Evangelhos, aqui se deseja evidenciar a importância da Festa da Páscoa e Filipe e André. Por questões metodológicas será trabalhado apenas os primeiros quinze versículos do sexto capítulo, que compõe a primeira parte da narrativa joanina. 

Palavras chave: Multiplicação dos Pães; Páscoa Judaica; André; Filipe  

Abstract

The Johannine narrative of the Multiplication of the Loaves takes place during the celebration of the Jewish Passover. Therefore, this solemnity is a reference for the author’s proposal. In addition, emphasis is placed on the figures of two disciples, Andrew and Philip, who interact with Jesus during the narrative. Bearing in mind that the narrative of the Multiplication of the Loaves is present in the four Gospels, here we wish to highlight the importance of the Passover Feast and Philip and Andrew. For methodological reasons, only the first fifteen verses of the sixth chapter, which make up the first part of the Johannine narrative, will be worked on. 

Keywords: Multiplication of Bread; Jewish Passover; Andrew; Philip 

Introdução 

O Quarto Evangelho apresenta Jesus peregrinando três vezes para Jerusalém para a celebração da Páscoa. Este fato situa bem a cronologia de Jesus, que, tecnicamente, desenvolve sua atividade pública num período de três anos. As narrativas joaninas da Multiplicação dos Pães e da Caminhada sobre as Águas acontecem durante a segunda narrativa sobre a Páscoa Judaica (Jo 6). Segundo Moloney (2007, p. 169), o sexto capítulo do Evangelho de João é uma coerente narrativa cristã cuidadosamente articulada, que reflete sobre Jesus e sobre a Páscoa Judaica. 

Os quatro evangelhos apresentam a narrativa da multiplicação dos pães realizada por Jesus (Mt 14,13-21; 15,32-39; Mc 6,30-44; 8,1-10; Lc 9,10-17; Jo 6,1-71). Esta é uma das ações realizadas por ele que permaneceu impressa no coração das comunidades. 

Mateus e Marcos apresentam duas narrativas respectivamente sobre o mesmo tema, tendo como ponto de partida a ideia da “compaixão” (splagcni,zomai: Mt 14,14; 15,32; Mc 6,34; 8,2) de Jesus pela multidão que o segue, pois são vistas por ele como “ovelhas sem pastor” (Mc 6,34). Outra característica das narrativas é o pedido dos discípulos para despedir a multidão diante da falta de comida o que leva à multiplicação dos pães e peixes. Leva-se em conta, ainda, que as narrativas da Multiplicação do Pães presentes nos quatro Evangelhos ocorrem na região da Galileia. Contudo, os quatro Evangelhos não descrevem diretamente o local. As narrativas de Mateus e Marcos apenas indicam proximidades com o Mar da Galileia (Mt 14,13-21; 15,32-39; Mc 6,30-44; 8,1-10). Lucas descreve que o milagre ocorreu próximo de Betsaida (Lc 9,10-17). Por sua vez, o Quarto Evangelho situa o milagre próximo de Tiberíades (6,23) e a caminhada sobre as águas entre Tiberíades e Cafarnaum (6,24) no lago, designado pelo autor como Mar da Galileia e de Tiberíades (Jo 6,1). Estes são elementos importante para uma análise sociológica do tema da multiplicação dos pães e da caminhada sobre as águas na narrativa joanina (Araujo, 2021, p. 188-200).

Além disso, salta aos olhos de um leitor atento que, a narrativa da multipli-cação dos pães joanina ocorra durante a Festa da Páscoa. Por que o autor situa a narrativa joanina durante da Festa da Páscoa? Este é uma importante indagação para a compreensão da perspectiva teológica do autor que buscaremos analisar nesta pesquisa a partir da solenidade e das figuras de André e Filipe que intera-gem efetivamente na narrativa. 

A narrativa de Jo 6

No Quarto Evangelho as Festas e Solenidades de Israel servem de pano de fundo para a manifestação messiânica de Jesus Cristo. o autor do Evangelho toma como base a Torá de Ezequiel (40-48). Nesta narrativa é descrito o “Templo Futuro”, no qual será celebrado as principais solenidades de Israel, com exceção de Pentecostes (Shavuot), este, também, seria uma explicação para a sua ausência no Evangelho. Neste sentido, a narrativa da Multiplicação dos Pães em João, sendo ambientado no tema pascal judaico possui particular perspectiva messiânica. Jesus é descrito pelo autor, participando de três celebrações da Páscoa Judaica (Jo 2,13; 6,4 e 11,55). Na primeira (2,13) e na terceira narrativa (11,55) a celebração Páscoa é apresentada em termos de purificação (purificação do Templo e lava-pés) e na cidade de Jerusalém, enquanto, a segunda narrativa (6,4) situa Jesus na Galileia entre Tiberíades e Cafarnaum. 

Chama a atenção, na segunda narrativa, o fato de uma grande multidão faminta e não peregrinando para Jerusalém. Existia obrigatoriedade de todo “hebreu” subir a Jerusalém para as três grandes festas a fim de se apresentar diante de Deus (Páscoa, Pentecostes e Tendas: Ex 23,14.17; 34,23 Dt 16,16-17). Neste sentido, qual seria o motivo de uma grande multidão se encontrar na Galileia quando deveriam subir para Jerusalém a fim de celebrar a Páscoa? Leva-se em conta que as prescrições de Êxodo e Deuteronômio apresentam outra prerrogativa, ou seja, nenhum homem pode se comparecer diante de Deus de mãos vazias (cf. Ex 23,15.19; 34,26; Dt 16,16-17). Jesus, antes da segunda narrativa da Páscoa, está diante de uma multidão faminta e sem nada para oferecer à Deus. A narrativa deixa transparecer uma situação social de miséria no qual se encontra “uma grande multidão”. Tendo a terra sido dada, a fidelidade a Lei se torna garantia de fartura e segurança (cf. Dt 6) o que permitiria, durante as peregrinações à Jerusalém, todo hebreu levar os produtos da terra para depositar diante de Deus, como reconhecimento das graças obtidas (terra e frutos da terra). A narrativa da Multiplicação dos Pães, põe em evidência, que este conceito não está sendo praticado, mais exatamente, a Lei não está sendo cumprida, pois o povo de Deus passa fome e vive na miséria. Portanto, a narrativa descreve um escândalo que sobe aos céus. 

Características Exegéticas de Jo 6

A narrativa de Jo 6 é bem delimitada entre os capítulos 5 e 7. A fórmula de transição “meta, tau/ta” serve de delimitação entre os dois capítulos. Além disso, a mudança espacial através da indicação geográfica serve de passagem entre os capítulos 5 e 6; em Jo 5 (Jerusalém/Galileia), e entre os capítulos 6 e 7 (Galileia/ Jerusalém). O deslocamento espacial entre os capítulos 5 a 7 leva muitos estudiosos a considerarem o capítulo 6 como uma glosa ou texto deslocado, justamente por causar desta discrepância geográfica (Jerusalém-Galileia-Jerusalém). Em todo caso, os três capítulos situam Jesus em celebrações festivas de Israel. No capítulo 5 Jesus se encontra numa festa não especificada pelo autor. Muitos estudiosos tentam ineficazmente designá-la como uma festa de Shavuot, mas não existe nenhum fundamento para tal dentro da construção da narrativa e dentro da teologia joanina. No capítulo 6, Jesus se encontra na Galileia, as vésperas da festa da Páscoa e, no capítulo 7, Jesus retorna para Jerusalém a fim de participar da Festa das Tendas. 

Em relação ao capítulo 6, os quatro primeiros versículos fornecem o “pano de fundo” no qual se desenvolverá todo o capítulo, ou seja, a celebração da Páscoa Judaica (Araujo, 2017, p. 84-85), cujo elementos históricos são brevemente descritos (saída do Egito, travessia do mar e subida ao monte). 

A narrativa da Multiplicação dos Pães em João apresenta dois milagres respectivamente: a multiplicação dos pães (6,1-15) e Jesus caminha sobre as águas (6,16-21). Além disso, a narrativa abrange dois dias (6,1-21 = 1º dia e 6,22-71 = 2º dia). Os vv. 5-15 são situados durante o dia e os vv. 16-21, durante a noite. A narrativa do segundo dia (6,22-71) ocorre totalmente durante o dia (Kim, 2007, p. 310-311). 

Teologicamente, a narrativa da multiplicação dos pães em João, assume caráter messiânico, mais exatamente, dentro da perspectiva do messianismo samaritano. O universo samaritano também manteve viva a espera de um Messias. Mas a figura messiânica, ou seja, da grande salvação futura, foi para os samaritanos diferente da concepção de Jerusalém. Quem rompeu com o poder de Jerusalém, também rompeu com suas tradições messiânicas baseada na ideia do “ungido” (rei, sacerdote...). Sinal desta ruptura, é o fato de que os samaritanos não acolheram no cânon livros como os de Samuel e Reis, nos quais transparecia a promessa de um reino eterno de Davi; como não foi acolhido livros proféticos, pois estes eram diretamente ligados à casa reinante. Contudo, a ideia de profeta não desapareceu entre os samaritanos e se tornou fundamento do seu messianismo. Somente que os verdadeiros profetas, para eles, eram apenas dois: Moisés e o Messias futuro que seria como ele (Kim, 2007, p. 313): “Quando entrares na terra que Iahweh teu Deus te dará, não aprendas a imitar as abominações daquelas nações... Iahweh teu Deus suscitará um profeta como eu no meio de ti, dentre os teus irmãos, e vós o ouvireis” (Dt 18,9.15) 

Segundo Sacchi (2019, p. 158-160) instrumento de salvação futura não seria um “ungido”, mas um profeta como Moisés. Profeta era somente aquele que havia falado com Deus face-a-face (cf. Ex 33,11.20; Nm 12,6-8; Dt 34,10). A especulação samaritana sucessiva se procurará estabelecer a função da figura de Moisés na história da salvação, no qual Moisés se torna um mediador entre Deus e os homens com características supra-humanas. Textos samaritanos tardios, como o Memar Marqa, composto por volta dos séculos II a IV d.C. descrevem a fé na figura de um misterioso taheb (=aquele que restaura, converte), uma figura profética, mas também real e sacerdotal, muito próximo das descrições joaninas do relato da Samaritana (Jo 4,25). 

Enquanto o pensamento judaico, mesmo destacando o messianismo sacerdotal durante o período sadoquita, jamais renegou a perspectiva do messianismo real davídica. O pensamento samaritano permaneceu fiel à tradição que aguardava um único salvador, um só Messias de Israel, e este seria O Profeta. Nos tempos anteriores à chegada de Jesus, as esperanças messiânicas renasceram com toda força, assumindo formas diversas. Gerou-se expectativas do Ungido de Davi, ou de Aarão, ou de Israel, ou O Profeta e outras formas. Os autores neotestamentários buscaram aplicar à figura de Jesus estes atributos messiânicos, configurando-o num messianismo, que poderíamos chamar, “polivalente”. Tal contexto explica a reação dos presentes que reconhecem Jesus como “o profeta que devia vir ao mundo” (6,14). O autor expressa claramente esta perspectiva quando equipara Jesus à Moisés através dos primeiros versículos (6,1-4): 

Moisés                                  Jesus 
Travessia do Mar 
Grande multidão o segue 
Subida da Montanha 
Páscoa

Os quatro primeiros versículos apresentam uma síntese do contexto celebrativo da Páscoa, ou seja, a saída do Egito, a travessia do mar, chegada ao Sinai e subida da montanha. A libertação dos hebreus da terra do Egito surge quando Deus contempla a situação do seu povo: “Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor por causa dos seus opressores” (Ex 3,7). O versículo expressa uma situação de miséria social causada pela opressão, no qual Deus se posiciona a favor do oprimido vindo em seu socorro. 

Assim como Deus vê a miséria do seu povo e vem em seu socorro, Jesus, se posiciona do mesmo modo ao observar uma multidão faminta. Na perspectiva do Êxodo, a libertação pressupõe uma Aliança (Ex 19), no qual fica estabelecido uma pertença, assegurada juridicamente pela Lei (Ex 24). Neste contexto, o sair da terra da escravidão tem em vista subir para a terra de libertação: “Por isso desci a fim de libertá-lo da mão dos egípcios, e para fazê-lo subir daquela terra a uma terra boa e vasta, terra que mana leite e mel” (Ex 3,8). 

O escândalo apresentado pela narrativa de Jo 6 é exatamente o fato deste Povo Eleito estar numa situação de miséria e opressão, como se encontrava quando eram escravos no Egito: 

Não perverterás o direito do estrangeiro e do órfão nem tomarás como penhor a roupa da viúva. Recorda que foste escravo na terra do Egito, e que Iahweh teu Deus de lá te resgatou. É por isso que eu te ordeno agir deste modo. Quando estiveres ceifando a colheita em teu campo e esqueceres um feixe, não voltes para pegá-lo: ele é do estrangeiro, do órfão e da viúva, para que Iahweh teu Deus te abençoe em todo trabalho das tuas mãos. Quando sacudires os frutos da tua oliveira, não repasses os ramos: o resto será do estrangeiro, do órfão e da viúva. Quando vindimares a tua vinha, não voltes a rebuscá- -la: o resto será do estrangeiro, do órfão e da viúva. Recorda que foste escravo na terra do Egito. É por isso que eu te ordeno agir deste modo. (Dt 24,17-22) 

Quando Jesus encontra o seu povo em estado de miséria ele evidencia que o direito do pobre não está sendo observado. A Lei não está sendo praticada. A Terra Prometida está sendo transformada na Terra da Escravidão. 

Esquema geral da Narrativa: 

Habitualmente os estudiosos tendem a propor a seguinte divisão para a narrativa da multiplicação dos pães: 

vv. 1-15: Narrativa da Multiplicação dos Pães 
vv. 16-21: Jesus caminha sobre o mar 
vv. 22-66: discurso na Sinagoga de Cafarnaum 
vv. 67-71: Profissão de fé de Pedro 

Beutler apresenta interessante relação entre a narrativa joanina em paralelo com a narrativa marcana: 

Multiplicação dos pães   Mc 6,32-44 Jo 6,1-15
Caminhando sobre as águas  Mc 6,45-52  Jo 6,16-21
Encontro com a multidão  Mc 6,53-56  Jo 6,22-25(29) 
Pedido de sinal  Mc 8,11-13  Jo 6,30-31
Discurso do pão  Mc 8, 14-21  Jo 6,32-58
Identidade de Jesus e confissão de Pedro  Mc 8,27-30  Jo 6,60-66
Um dos discípulos é o satanás  Mc 8,31-33  Jo 6,67-71


A proposta de Beutler (2016, p. 162-163), no entanto, une as duas narrativas marcanas (Mc 6,30-44; 8,1-10). O autor afirma que em nenhum outro lugar do Quarto Evangelho existe aproximação tão clara dos Sinóticos, mesmo que a dependência do Evangelho de João a partir dos Sinóticos seja matéria de discussão entre os estudiosos. Prossegue Beutler (2016, p. 165), partindo de Philips, indicando que se deve observar a construção das cenas e não dos conceitos ou expressões temáticas. De fato, prossegue o autor, nas diversas cenas encontram- -se indícios de tempo e espaço, de personagens atuantes e de sequência de ações. 

Matteus e Barreto (1999, p. 293-294) concebem a narrativa a partir da crise do discipulado diante do tema do pão da vida, neste sentido, apresenta o seguinte esquema: 

a) Partilha dos pães (6,1-15) 
b) Crise dos discípulos (6,16-19) 
c) Solução e chegada à terra (6,20-21) 
a’) Discurso sobre o pão da vida (6,22-59) 
b’) Crise dos discípulos (6,60-66) 
c’) Resolução da crise (6,67-71) 

Estes autores descrevem uma estrutura de paralelismo, no qual o tema do pão (multiplicação e discurso sobre o pão da vida) gera crise entre os discípulos. Simoens (2016, p. 155) parte do critério eucarístico e, neste sentido, propõe o seguinte esquema: Evento dos pães (6,1-24a); discurso sobre o pão da vida (6,24b-59); a divisão entre os numerosos discípulos e os Doze (6,60-71). Segundo o autor, a eucaristia aparece como elemento central da narrativa. Por sua vez, Crossan (1983, p. 4) apresenta um paralelismo entre Jo 6,1-15 e 6,67,71, a respeito dos personagens principais: 

Os discípulos (6,1-15)  Os Doze (6,67-71) 
Os discípulos (6,3)  Os Doze (6,67) 
Filipe (6,5.7)  Simão Pedro (6,68) 
André (6,8)  Judas (6,71a) 
Os discípulos (6,12)  Os Doze (6,70.71b)

Para a compreensão da narrativa da Multiplicação dos Pães em João é importante evidenciar as figuras de Filipe e André que interagem com Jesus. O diálogo que se estabelece evidencia a consciência que estes personagens possuem sobre a pessoa de Jesus e sobre a missão que estão assumindo. 

d) Filipe 

No Novo Testamento são encontradas quatro pessoas como o nome de Filipe: 1) Filho de Herodes, O Grande (Flávio Josefo: Ant.Jud. 17,21) que herdará o território da Ituréia e da Traconítide, com o qual passa a ser designado “Território de Filipe” na condição de Tetrarca (Lc 3,1); 2) outro filho de Herodes, O Grande, com a primeira mulher chamada Mariana. (Flávio Josefo: Ant.Jud. 17,53). Este teria sido o esposo de Herodiades, mãe de Salomé (Mc 14,3; Mc 6,17; Lc 3,19); 3) Filipe, o Apóstolo; e, 4) um dos sete eleitos diáconos na comunidade de Jerusalém (At 6,5). Etimologicamente o nome Filipe significa “amigo do cavalo” (Haug, 2002, p. 298) com o sentido próprio de “amigo dos grande/ poderosos”. No Quarto Evangelho, Filipe, o apóstolo, é chamado após André e Pedro e é ele quem apresenta Natanael à Jesus (1,43-46). Leva-se em conta que André, Simão e Filipe são apresentados como originários de Betsaida (1,44.46; 12,21) cidade localizada às margens ocidental do Lago de Genesaré, possivelmente uma cidade de pescadores (Wheaton, 1997, p. 552). Filipe, assim como André, não desempenham papeis importantes nos Sinóticos, mas, no Quarto Evangelho são figuras de relevo. No Quarto Evangelho Filipe, após ser chamado por Jesus, inicia apresentando Natanael (um judeu: 1,43-48) e termina o seu papel no Evangelho apresentando os gregos à Jesus (12,21-23). Assim, ele possui uma polaridade entre o povo da Aliança e os pagãos. Além disso, será ele a pedir à Jesus, em favor dos discípulos, que seja mostrado o Pai (14,8-9) (Anderson, 2013, p. 168). Filipe é uma figura curiosa que transita entre compreensão e incompreensão: 

Compreensão  Incompreensão 
Jesus, Messias predito por Moisés  Não é possível saciar a fome 
Apresenta os gregos  Mostrar o Pai 

Em todo caso, Filipe pode ser descrito como uma ponte que liga à pessoa de Jesus. Mas suas compreensões e incompreensões são típicas dos seguidores que desejam chegar ao conhecimento do mestre. Lógico que cada um tenta compreender Jesus a partir dos seus pressupostos e interesses. Na narrativa joanina da Multiplicação dos Pães (Jo 6), Filipe se apresenta de forma racional e realista. Curiosamente, a narrativa afirma que Jesus questiona Filipe para pô-lo à prova. Contudo, existe um impedimento formal para atender o pedido de Jesus para que seja comprado pão, ou seja, é necessário dinheiro suficiente para comprar em quantidade capaz de saciar a fome da multidão que se encontra diante deles. Portanto, na concepção de Filipe, não é possível fazer absolutamente nada sem dinheiro, a não ser despedir a multidão para que retornem às suas casas e comam. Tal racionalidade é a concepção típica daqueles que lideram, criando impossibilidades: não é possível resolver o problema da fome, da moradia, do desemprego... não é possível evangelizar sem recursos necessários... O financeiro se torna um referencial padrão, como única possibilidade para a as ações de governo ou de evangelização. Sua ausência se torna impedimento formal para qualquer ação possível. 

e) André 

No Quarto Evangelho, André aparece cinco vezes em quatro narrativas (1,35-42; 1,43-51; 6,1-14 e 12,20-26) (De Boer, 2013, p. 137). Ele é descrito como um dos doze, e irmão de Simão Pedro (1,40; 6,8) e como um dos discípulos de João Batista (1,35-40); é proveniente de Betsaida (1,44) e se torna um dos discípulos de Jesus (2,2; 6,3) e foi o primeiro discípulo chamado por Jesus (1,41) e o último a ser referenciado (12,22) no Quarto Evangelho. A etimologia do nome é um diminutivo derivado da palavra grega a;nqrwpoj com o significado de “masculino” ou “viril” com o sentido de “homem comum” (Haug, 2002, p. 43). Proveniente de Betsaida, tinha se transferido com seu irmão Pedro para Cafarnaum (Mt 4,18). O Quarto Evangelho apresenta André, junto com Filipe como uns dos primeiros evangelizadores (1,40.42; 12,20-22) (Nixon, 1997, p. 56). De fato, após esta experiência inicial, André irá conduzir Pedro para Jesus que o chama para o seguimento (Jo 1,40-42). A singularidade do Quarto Evangelho é que aquele que foi chamado por Jesus, habitualmente faz a experiência com o mestre e começa a anunciá-lo. Esta dinâmica é típica deste Evangelho. Nos Sinóticos, é sempre Jesus que chama e os Apóstolos, discípulos e discípulas passam a segui- -lo. Somente a partir do Atos dos Apóstolos, estes assumem o papel de anunciadores de Jesus. Portanto, no Quarto Evangelho se estabelece um “compromisso” entre o evangelizador e o evangelizado, constituindo uma dinâmica eclesial e missionária. Diferente das narrativas Sinóticas da Multiplicação dos Pães (Mt 14,13- 21; 15,32-39; Mc 6,32-44; 8,1-10; Lc 9,10b-17), somente na narrativa joanina André desempenha papel durante o evento, lógico que após Filipe. Lógico que os Evangelhos os descrevem sempre juntos. Diante da total impossibilidade apresentada por Filipe, André surge com uma possibilidade, mesmo que ínfima: um menininho, cinco pães e dois peixinhos. O próprio André sente que a proposta parece inadequada, mas, também, tem ciência que é a única que possui naquele momento. Curiosamente, Filipe age racionalmente, ou seja, não é possível fazer nada para matar a fome daquela multidão, enquanto André parece irracional e, ele mesmo, reconhece: “o que é isso para tanta gente?” (Jo 6,9), mas, para ele, é o que possuem, por meio do qual pode ser feito alguma coisa. 

f) Tema Eucarístico

Quanto ao tema eucarístico, narrativa da multiplicação dos Pães em João 6, não possui a estrutura formal da Instituição da Eucaristia, como aquela descrita por Paulo na primeira carta enviada à comunidade de Corinto: 

Na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse: Isto é o meu corpo, que é para vós; fazei isto em memória de mim. Do mesmo modo, após a ceia, também tomou o cálice, dizendo: Este cálice é a nova Aliança em meu sangue; todas as vezes que dele beberdes, fazei-o em memória de mim. (1Cor 11,23-25)

A narrativa não apresenta elementos formais sobre a Instituição da Eucaristia, neste sentido, qual seria então a aproximação com o tema Eucarístico? Apesar de possuir algumas palavras próprias usadas na fórmula eucarística (e;laben ou=n tou.j a;rtouj [tomou os pães], euvcaristh,saj [deu graças] e die,dwken [distribuiu]) ela não se configura diretamente como uma narrativa de instituição. Contudo, a narrativa da João 6 fundamenta a teologia da transubstanciação, ou seja, a verdade de que após a consagração a matéria do pão e do vinho se tornam, de fato, corpo e sangue de Cristo. O uso dos verbos evsqi,w (=comer) e trw,gw (mastigar) fornecem os elementos básicos para tal fundamentação, ou seja, o uso apenas da palavra evsqi,w daria margem para uma compreensão simbólica. Para evitar tal compreensão simbólica o autor utiliza a palavra trw,gw cujo significado é mastigar propriamente dito. Isto elimina qualquer compreensão simbólica. Independente da questão exegética e dogmática nos embates católico-evangélico, a narrativa da Multiplicação dos Pães, expressa uma problemática social que fere as prerrogativas da Lei instituída no Sinai (Ex 24). De fato, evidencia a realidade de parte do Povo Eleito (porção que está na Galileia), que se tornara excluído, numa situação de extrema miséria. A população da Galileia era composta por uma complexa relação de etnias, configurando-a, pelos judeus de Judá, como uma população não somente heterodoxa, mas indesejável (cf. 7,41.49) apesar de muitos judeus migrarem para a Galileia em busca de trabalho, como é o caso de José, esposo de Maria. Herodes Antipas recebeu o território, Galileia e Pereia, como herança, após a morte do pai Herodes, O Grande, era dividida em duas partes pela chamada Decápole (Schürer, 1985, p. 423-424) governando-a de 04 a.C. a 39 d.C. A população da Galileia é descrita como vigorosos, corajosos e amantes da liberdade. Neste sentido, Herodes Antipas é descrito como um verdadeiro filho de Herodes, O Grande, porque era astuto, ambicioso e amante da grandeza, não por menos chamado de “raposa” por Jesus (Lc 13,32), possuindo as qualidades necessárias para manter a Galileia sob controle e protegendo as fronteiras (Schürer, 1985, p. 424), principalmente contra a ameaça nabateia. Leva-se em conta que, socialmente, a Galileia era um polo econômico ligado à pesca, à colheita e a pecuária. Tal relevo econômico tornava a Galileia um catalizador de pessoas de diversas culturas que para lá migravam em busca de trabalho, estabelecendo diversas classes sociais e uma cultura heterogenia (Araujo, 2021, p. 190). Portanto, ao lado de uma classe extremamente rica encontrava-se uma extensa população terrivelmente pobre, em estado de miséria, o que estabelecia uma crise social e conflitos sociais. É nesta realidade que acaba se inserindo a narrativa da Multiplicação dos Pães, com o pano de fundo da Páscoa Judaica em João. 

A Multiplicação dos Pães (Jo 6,5-15)

Após a breve descrição sobre a Páscoa Judaica (6,1-4), o autor descreve Jesus erguendo o seu olhar para observar “uma grande multidão” vinda até ele. Diante disto, ele dirige uma pergunta para Filipe: “onde compraremos pão para eles comerem” (v. 5), mas já sabendo o que iria fazer (v. 6). Leva-se em conta que o questionamento feito à Felipe parece deslocado, tendo em vista ser Judas Iscariotes o responsável pela “bolsa comum” e pelas compras necessárias para o grupo (cf. 12,6; 13,29). Em todo caso, a possibilidade de comer acaba ficando vinculado à posse de dinheiro, que define quem pode comer ou não. 

O pobre fica, neste caso, automaticamente sem direito à comida e, portanto, ao direito de sobrevivência. Já na narrativa da purificação do Templo (Jo 2,13-22) o acesso à graça de Deus estava vinculado à posse de dinheiro, também, neste caso, quem não possui dinheiro não tem direito de acesso a Deus. No conjunto, ou seja, nas narrativas da multiplicação dos pães e da purificação do Templo, o direito de sobrevivência e o direito da graça divina fica vinculado à posse de dinheiro, quem não possui recursos não tem direito à Deus e não tem direito ao pão. Tecnicamente, isto é um escândalo no que diz respeito à posse da Terra Prometida. Leva-se em conta que, a posse da Terra Prometida é de direito condicionado, ou seja, a estrita observância da Lei, como foi o caso do exílio da Babilônia, visto, pelo livro das Lamentações, como a não observância da Lei. 

Possível compreensão para a pergunta de Jesus ser dirigida à Filipe e não a Judas Iscariotes talvez esteja no próprio significado do nome de Filipe, como visto acima, o nome significa “amigos dos grandes”. Portanto, Filipe pensa como os grandes que encontram a possibilidade de solução dos problemas através da posse monetária e do poder. Neste sentido, ficaria claro a resposta de Filipe: “duzentos denários de pão não seriam suficientes para que cada um recebesse uma migalha” (6,7). Filipe, na realidade, expressa que saciar a fome da “grande multidão” só é possível através de “muito dinheiro”, não tendo isto, não é possível saciar a fome do povo. Como consequência deste pensamento, o pobre não tem direito à comida e, portanto, à vida, ou seja, deve morrer. Tal máxima é visível naqueles que possuem o uso do poder público, não é possível resolver o problema da fome, não é possível resolver o problema da moradia, da saúde... O fator monetário, no caso sua ausência, se torna impedimento sentença para o destino da população pobre por parte daqueles que dominam. 

O livro do Apocalipse descreve o poder do dinheiro e sua ausência nestes termos: Os mercadores da terra também choram e se enlutam por sua causa, porque ninguém mais compra suas mercadorias: carregamentos de ouro e de prata, pedras preciosas e pérolas, linho e púrpura, seda e escarlate, todo tipo de madeira perfumada, de objetos de marfim, de madeira preciosa, de bronze, de ferro, de mármore, canela e amomo, perfumes, mirra e incenso; vinho e óleo, flor de farinha e trigo, bois e ovelhas, cavalos e carros, escravos e vidas humanas... (Ap 18,11-13) 

Tudo dentro de uma sociedade se torna mercadoria de compra e venda, até a pessoa humana se torna uma mercadoria negociável, nada é poupado. Tal sistema estabelece que o não possuir dinheiro é uma sentença condenatória à exclusão social, o qual relega a pessoa humana a condições sub-humanas de existência. 

No livro do Apocalipse de João tal realidade é mantida por um poder diabólico descrito como a Besta da Mar (Ap 13,1-10). Tal pode maligno sobre a esfera social é legitimada por outro poder maligno que atua na esfera da religião, simbolizado pela Besta da Terra (Ap 13,11-18), ou seja, quando a religião é usada para legitimar o status quo daqueles que exercem o poder sobre os povos: “Jesus, chamando-os, disse: Sabeis que os governadores das nações as dominam e os grandes as tiranizam” (Mt 20,25). 

A pergunta de Jesus a Filipe traz consigo esta realidade. Existe uma “grande multidão” faminta porque à ela foi negada o direito de ser pessoa humana e, no contexto da Lei de Israel, esta não está sendo cumprida (cf. Dt 6,20-25). 

A questão sofre uma guinada a partir da ótica de André, quando apresenta uma ínfima possibilidade, ou seja, um “menininho” (paida,rion) com dois “peixinhos” (du,o ovya,rion) e “cinco pães de cevada” (pe,nte a;rtouj kriqi,nouj :6,9). André, como o seu próprio nome sugere, pensa como o povo. Ele percebe no impossível (dois peixinhos, cinco pães) uma possibilidade, mesmo sublinhando ser insuficiente para alimentar uma “grande multidão” de aproximadamente cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças. 

Quanto aos peixinhos (ovya,rion), Simoens sugere que possa indicar a sigla ichthus, utilizada no cristianismo primitivo com o significado de Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador (Simoens, 2016, p. 158). Contudo, na narrativa é indicado ovya,rion e não ivcqu,j, que é exatamente a palavra utilizada para formar a expressão acima e só aparece na narrativa da pesca milagrosa no último capítulo do Evangelho (21,6.8). 

A narrativa continua com a ordem de Jesus de acomodar a multidão, pois havia muita relva (v. 10). A atitude de Jesus evoca a imagem do Bom Pastor presente no Salmo 23: “Iahweh é meu pastor, nada me falta. Em verdes pastagens me faz repousar” (23[22],1-2). O salmista narra que o Senhor Deus é um pastor que conduz o seu rebanho para boas pastagens enquanto prepara uma mesa (cf. 23[22],5). Jesus, ao comandar que acomode a multidão numa relva enquanto “prepara” o alimento, está diretamente evocando o Salmo, que ficará claro no capítulo dez de João, quando afirma ser, ele mesmo, o Bom Pastor (10,1-21). Neste momento o evangelista identifica o número de homens que compõem a “grande multidão”, ou seja, cinco mil homens (v. 10). Curiosamente, a quantidade relatada pelo evangelista era o número de soldados que formavam uma Legião Romana à época de Jesus Cristo, ou seja, dez coortes com quinhentos homens cada uma, formando uma Legião. A mesma quantidade aparece nas narrativas da multiplicação dos pães nos Sinóticos (Mt 14,21; Mc 6,44; Lc 9,14). Hipoteticamente a menção específica à quantidade de homens estaria em paralelo a ideia de formação de uma Legião Romana? Leva-se em conta que os Evangelhos de Mateus e Marcos narram duas narrativas de multiplicação de pães realizadas por Jesus. Contudo, na primeira multiplicação cada evangelista descreve a quantidade de cinco mil homens (Mt 14,13-21; Mc 6,30-44), enquanto na segunda multiplicação os evangelistas descrevem a presença de quatro mil homens (Mt 15,32-39; Mc 8,1-10). Deve-se sublinhar que Cafarnaum era lugar de permanência de Legiões Romanas, que estavam à serviço de Roma e recebiam cuidados desta (Araujo, 2021, p. 195). 

Segundo Simoens (2016, p. 158), a quantidade de cinco mil homens, de fato, evoca a ideia de uma Legião Romana, mas o evangelista estaria querendo indicar o princípio de organização das tropas. Neste sentido não seria uma massa desordenada de pessoas, mas, num princípio eclesial, um povo organizado. 

Conclusão  

A compreensão eucarística do Quarto Evangelho passa necessariamente pelas narrativas da Multiplicação dos Pães (Jo 6), do Lava-Pés (Jo 13) e da Pesca Milagrosa (Jo 21), independente da questão se tais narrativas estarem deslocadas ou serem glosas posteriores. 

A narrativa do Lava-Pés, que está inserido no bloco do testamento de Jesus (Jo 13-17) acontece durante uma ceia de despedida, que antecede a celebração da Páscoa, pois Jesus, no Quarto Evangelho, morre na cruz no momento no qual se sacrificavam os cordeiros para Páscoa, afirmando o anúncio de João Batista que apresentara Jesus como o Cordeiro Imolado (1,20). 

Enquanto na narrativa da Multiplicação dos Pães, Jesus fornece as bases teológicas para o conceito da transubstanciação, no grande discurso, enquanto descreve a realidade de miséria de “uma grande multidão” no meio de importantes cidades, no Lava-Pés ela descreve a prática da vida eucarística, ou seja, o sacramento da eucaristia pressupõe o princípio da diaconia, tendo como ápice o conceito da vida doada em favor do outro. Assim, a eucaristia não torna quem recebe superior aos demais, mas servidor por excelência. Isto requer radical conversão. Tal perspectiva é uma guinada na compreensão do que seja ser cristão, o que implica numa atuação social diferenciada. De fato, a maioria dos mártires não eram sacrificados simplesmente por crerem em Jesus, mas pelo fato de que o crê implicava numa conduta social diferenciada de um sistema marcado por formas de corrupções, ou seja, a ética social cristã estabelecia crise social resultando em perseguições. 

Para Filipe existe a impossibilidade, para André alguma possibilidade. O desafio missionário da Igreja esbarra nas realidades humanas marcadas pela fome, pela injustiça, pela violência e tantos outros males. O anúncio da Boa Nova exige um posicionar diante dos desafios que se apresentam diante do evangelizador. A opção pelo Cristo implicará na perseguição e numa atitude efetiva. Mesmo nas práticas evangelizadoras atuais muita coisa deixa de ser feito “por falta disto ou daquilo”, ou seja, sem um papel, um giz, um computador, surgem a desculpas da impossibilidade para catequizar, para rezar, para instruir. 

Sociologicamente, Cafarnaum e Tiberíades descrevem a realidade de cidades importantes e ricas, com toda a infraestrutura que cidades cosmopolitas exigem, mas o “outro lado da moeda” apresenta uma massa de gente excluída em situação agonizante de miséria. A Multiplicação dos Pães, operada por Jesus, denuncia tal realidade de abandono social e propõem novo caminho, abre nova possibilidade não encontrada na rica Galileia por aqueles que para lá migraram (judeus e gentios) em busca de uma vida melhor. Tiberíades e Cafarnaum marcam a realidade de tanta fartura e tanta miséria. 

A posse da Terra Prometida passou por um processo de conversão, o mesmo se dá com a narrativa de João 6, no qual Jesus exigirá radical mudança, distinguindo entre aqueles que assumirão o ideal eucarístico (“Senhor a quem iremos? Tens palavras de vida eterna”: 6,68) e aqueles que preferem “as cebolas do Egito” (“esta palavra é dura!... a partir daí muitos voltaram atrás...”: 6,60.66). Características do Quarto Evangelho é que grandes e pequenos, pobres e ricos se aproximam de Jesus. Contudo, somente os pequenos o assumem verdadeiramente, pois muitos poderosos “creram nele, mas... não o confessavam... pois amaram mais a glória dos homens do que a de Deus” (12,42-43). 

No Quarto Evangelho viver a Eucaristia implica necessariamente em realizar coisas maiores do que o Mestre: “quem crê em mim fará as obras que faço e fará até maiores do que elas” (14,12). Esta máxima de Jesus é descrita através do uso de palavras sinonímicas. No caso, Jesus multiplicou “peixinhos” enquanto os discípulos pescaram 153 grandes peixes. Quem abraçar a Palavra e nela crê deverá realizar coisas maiores do que o mestre, mesmo que tiver apenas cinco pães e dois peixinhos. 

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