Linhas sobre vida e morte sob a luz da fé católica
Some words about Life and Death through the light of Catholic Faith

André Geraldo Berezuk
Doutor em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Professor Associado da Universidade Federal da Grande Dourado Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Contato: andreberezuk@ufgd.edu.br


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Resumo: A questão limite sobre a existência da Vida e da morte não somente ocupa o imaginário de cada indivíduo ordinário assim como ocupa, de certa forma, todos os dias. Trata-se de um normal, mas desafiante pensamento humano, muitas vezes chegando, a sua presença, ao limite da angústia para quem acredita que são questões relevantes. Deste modo, o objetivo deste texto é o de apresentar algumas reflexões sobre a Vida e a morte seguindo um escopo epistemologicamente católico, mas tentando também vias de interpretação através de vieses científicos, ora valorizando a Ciência, ora criticando-a. Esta tentativa interpretativa deste pequeno ensaio é, portanto, mais uma tentativa de se dar um passo em um espaço desafiador, buscando o fortalecimento de possíveis ideias e conceitos em um campo onde se prepondera a fé. No entanto, a busca Humana por respostas é um instrumento de fortalecimento da fé, com certeza.

Palavras-chave: Vida e morte; fé; Ciência; Igreja Católica

Abstract: The question limit about Life and death issue occupies the thoughts of each ordinary Human Being, and it is always present every day somehow. This is a normal but challenger Human thought and its presence becomes in anguish for those who believe in its relevance. Thus, this article has the main goal of show some reflexions about Life and death following a Catholic epistemological scope. Anyway, this work is also searching for scientifical interpretations indeed, sometimes valorising Science, sometimes arguing some scientific values. Thereby, the intention of this short text has to be one more try to give another step towards a tough space, seeking for the strength of possible ideas and concepts inside a field where faith reigns. Nevertheless, the Human search for answers is an instrument of faith consolidation undoubtfully.

Keywords: Life and death; Faith; Science; Catholic Church.

Introdução

É rara a pessoa que não possui medo da morte e que também não possua várias perguntas sobre a vida e a existência. É condição humana elementar o anseio pelas “questões-limite” da existência. Assim sendo, escrevem-se estas linhas para que este tema seja mais uma tentativa de se transcender, o destino final de todo o Ser Humano. Talvez seguindo a tentativa de Santo Agostinho em suas Confissões (SANTO AGOSTINHO, 1996), em se compreender sobre questões de fé através de uma embasada veia filosófica-racional, constituindo-se em um tatear para a busca de “lampejos” sobre a eternidade, sobre vida e sobre morte. O texto em questão é escrito para que, talvez, se possa ter uma remota chance de se embrenhar sobre a escuridão destas linhas em busca da luz, de mais uma “faísca” sobre a ideia de vida, e, consequentemente, sobre a morte. Também convêm informar, que se escreve estas linhas por uma percepção de carência de fé, pois se realmente a Fé estivesse presente em boa quantidade, não se teria razão para tal empenho. Assim sendo, tal intento busca a realização de uma introdutória e curta análise sobre a Vida e sobre a morte, mediante os valores da fé católica, e sobre a constatação da Vida como um estado mais raro do que antes o Ser Humano supunha, por uma questão de análise escalar e temporal que antes a Humanidade não possuía e que foi obtida mediante o próprio avanço científico e tecnológico (todavia, este avanço é delicadamente observado, com o intuito de se dar o devido valor, também, ao escopo teológico e ao escopo científico).

Em períodos classificados como “pós-modernos”, onde a concepção de pós-modernidade, muitas vezes, reside em uma visão de mundo desesperançada, entregue aos braços do fim e do acaso, tal qual viajássemos rumo à um buraco negro, se convêm, imperativamente, a proclamar, conclamar pela Vida, pela luz, pela esperança, pela renovação, e pela alegria. Em considerável nível da ousadia, convêm se lançar na busca pelo Absoluto, na busca por Deus, tantas e tantas vezes Ele ignorado, maltratado, difamado, como se Ele, Todo Poderoso, tivesse que nos dar justificativas. É redundante informar que Ele não precisa nos dar justificativas, e mesmo não precisando, por inúmeras e inúmeras vezes, Ele nos dá provas da presença da Vida e do Eterno (os milagres comprovados são prova disto). Entretanto, nós, Seres Humanos, agimos como se Deus nos devesse explicações, numa permanente e convulsiva inversão de valores. Esquecemos que somos criaturas e não criadores, e que, por si, esta condição de criatura constitui-se como uma das mais elevadas, criaturas de Deus (Jesus eleva ainda mais a condição humana, chamando-nos Filhos de Deus). Entretanto, o Ser Humano é de natureza intrinsecamente ambiciosa e gananciosa, querendo ocupar o lugar do Criador, apesar da privilegiada posição que ocupa, no panorama da Criação. 

Mimados ou não, muitas vezes nós, portadores de uma infantilidade do mesmo tamanho do próprio ego, a concepção de Vida, de eternidade e de morte, continua, dia a dia, a se fixar no imaginário de cada Ser Humano. E talvez, apenas talvez, uma explicação diferente sobre a Existência e sobre a Eternidade não devesse ocorrer através da pergunta “o que há depois da morte”, mas sim “o que esta própria vida e seu significado revela sobre a continuidade da existência”. A vida é, ela existe neste momento, e se ela existe é porque existe a possibilidade de ela ressurgir e ressurgir rumo ao infinito, de formas tais que nós nem sequer imaginemos. A vida é, portanto, tempo presente, não se constitui como obra pretérita ou futura, assim como Deus, em Sua Imortalidade, está sempre no presente, sendo que para Ele não existe passado e tão pouco futuro. A vida simplesmente é, assim como Deus é (CARSON, 2012). A Vida, como criação de Deus, existe, e se ela existe é porque Ele existe.

1. A Vida, respeitando e valorizando a Vida

Não haveria lógica na Criação, e isto é ousadia e limitação humana de quem escreve, se a Vida existe para depois nunca mais. Isto seria racionalmente interpretado como obra de um Criador insensível e cruel, o que aqui se discorda. Discorda-se aqui, também, dos acasicionistas que defendem que tudo o que foi, e tudo o que é, se desenvolveu ou se desenvolve por obra do acaso. A Criação é infinitamente complexa, infinitamente escalar, infinitamente temporal, a ponto de romper as barreiras dos limites (dos parcos limites) do conhecimento humano, ousando seguir uma visão filosófica Chardiniana. Outro fato é a sistematicidade robusta e inegável dos fenômenos físicos que expurgariam qualquer possibilidade de reino do acaso e do estocástico, do denominado “caos” (apesar da não-linearidade ser uma realidade existente exatamente por causa da extrema complexidade sistêmica dos fenômenos físicos, estando esta não-linearidade imersa nos sistemas naturais). Convêm ressaltar uma forte percepção dos conceitos científicos de caos e de acaso, como conceitos que justificam a própria impossibilidade de explicação humana para os fenômenos demasiadamente complexos, quando analisados em escalas demasiadamente detalhadas espacialmente, ou em escalas temporais demasiadamente difíceis (ou muito longas ou infinitesimais). Desta forma, a vida possui uma organização física e metafísica, organização esta que se encontra além das concepções humanas e cujo Ser Humano não possui e não possuirá a última palavra para com o domínio do seu conhecimento. Convêm ressaltar, na leitura do Genesis, que claramente se apresenta que “os frutos da árvore da Vida” pertencem a Deus, quando Ele alerta Adão sobre esta árvore.

Existem obras científicas clássicas que se referem à questão da Vida, tentando explicar a Vida, de forma física e material. Charles Darwin é uma tradicional referência em sua The Origin of Species (DARWIN, 2017) ou mesmo trabalhos como What is Life? do Físico Ernst Schroedinger (SCHROEDINGER, 2012), ou os trabalhos sobre o conceito de Autopoiese de Maturama e Varela (FONSECA, 2008), ou os trabalhos como os do físico Fritjof Capra (CAPRA, 1996). Podem ser relembradas as clássicas descobertas do monge Gregor Mendel sobre o início dos conceitos de genética, no século XIX, ou, quase 100 anos depois, de Watson e de Crick, na década de 1950, referentes à descoberta do DNA e sua estruturação, dentre muitas outras referências de renomados autores aqui não citados. Todavia, a compreensão sobre a Vida e sobre a Eternidade não será satisfeita apenas seguindo uma epísteme científica, material, positivista, quantitativa, física. O status quo cientificista de visão de mundo e da Vida, no final, impossibilitaria maiores explicações sobre Vida e morte, pois negando (ou desvalorizando) o metafísico, o espiritual e o Divino, nega-se a possibilidade de ousadia do que transcenderia os fenômenos físicos. Não se trata, portanto, da negação do escopo físico e da Ciência, cujos avanços são inegavelmente importantes, mas trata-se de ousar encontrar outras formas de visão e de explicação da Existência.

Para com estas formas de explicação da existência, Haught (2013) ousa postular um conceito intitulado de “explicação escalonada”, pelo qual há a ânsia pela busca de outros caminhos para a compreensão da Vida e do “além-Vida”. Neste contexto, pesquisas do ramo da Teologia poderiam ser incluídas e o estudo teológico poderia ser melhor tratado e respeitado, sem a relativa segregação de um mundo “intelectualmente científico”. O mundo deste primeiro quarto do século XXI não só parece tender a ridicularizar o que não se enquadra no perfil positivista técnico-científico, como só consegue identificar e validar, como “avanço do saber”, aquilo que pode ser mensurado, categorizado, organizado, enquadrado, numa ainda aspiração de mundo dos 1800. Em outras palavras, a Ciência não parece considerar as questões-limite, como a existência da Vida, se esta existência não for colocada “sob debaixo de seus pés”. Assim sendo, a Ciência, torna-se instrumento global de poder de grupos específicos, tentando apequenar a Vida, relativizando a Vida, “empacotando” a Vida, desvalorizando a Vida, tentando “domesticar” a Vida, e, de forma direta, tentando apequenar, relativizar, “empacotar”, desvalorizar e oprimir a Deus (quando Deus ainda é considerado na discussão). Entretanto, tal como “crianças querendo entender o vasto universo”, assim é a Ciência em uma pretensão desmedida de se buscar o conhecimento do infinito apresentando, frequentemente, certa empáfia, diante de questões de ordem metafísica, espiritual e teológica. O avanço científico, por maior que seja a amplitude de seu poder de análise, sempre buscará lampejos de platônicas “verdades refletidas”, que serão muito úteis à material vida terrena, mas que serão apenas lampejos de “luz refletida” da real condição e grandeza da Vida.

Algumas religiões postulam sobre uma única vida terrena e a outra além-terrena. Outras religiões, por sua vez, postulam sobre várias vidas terrenas para depois a possiblidade de se alcançar a vida extraterrena, mas todas parecem enfatizar que não há apenas uma única vida. Esta condição de única vida, sem perspectivas de continuidade, parece ser uma condição da própria Ciência que não concebe uma eternidade, pois não consegue comprová-la. De fato, a Ciência, por não conseguir comprovar uma “além-Vida”, ousa criar a sua própria “eternidade terrena”, mediante um espetáculo tecnológico, o que se trata de um engodo. E qual seria, portanto, a dificuldade de conceber uma Ciência mais espiritualizada? No entanto, conceber uma Ciência mais espiritualizada necessitaria em se repensar, reconfigurar prenúncios básicos científicos, tais como os clássicos prenúncios de natureza positivista que colocam a experimentalização e a comprovação como condições compulsórias de desenvolvimento do saber. Necessitar-se-ia, portanto, de uma revolução dos valores científicos que pudessem “alargar” a concepção de mundo, aliviando uma atual influência de uma quase “ditadura científica” (o que não parece provável, em uma época que a própria Ciência é, para alguns grupos, religião).

Deste modo, em um exercício reflexivo, a pergunta “O que é a Vida?” poderia começar a ser trabalhada. Há, concomitantemente, outras perguntas clássicas, tais como: “O que é a existência?”, “O que é a consciência?”, perguntas estas que exigiriam muito mais do que a compreensão de um arcabouço epistemológico, metodológico e técnico. Exigir-se-á, portanto, acreditar que a Vida é porque foi concebida por um Ser Superior (com profundo respeito, intitulado como Deus). E, neste exercício de fé, aliado a uma ousadia racional, fazer rápidos raciocínios sobre a Vida, que se coloca neste curto texto (leitura esta de conteúdo quase subversivo, em um mundo valorizador de uma materialidade fria, rasa, mercadológica e, na verdade, sem maiores perspectivas). Se buscar a Vida e a Esperança é ser subversivo, então subversivo se converte em uma palavra benigna e positiva, pois o objetivo deste intento é a busca por um mais esperançoso ponto de vista sobre a existência do que o fim absoluto e irremediável que a pós-modernidade apresenta e parece não possuir condições de mudar.

2. Conjecturas sobre a vida e a possibilidade de vida 

O próprio planeta Terra, possuidor da vida em abundância, em inúmeras escalas espaciais e em grande parte de seus 4,5 bilhões de anos, é uma exceção na longa vastidão do espaço sideral. Esta condição de ser um verdadeiro “outline”, no contexto do infinito universo, demorou em ser percebida pela Humanidade, justamente pela histórica incapacidade de visualização escalar que não permitia à Humanidade de 500 anos atrás observar, de modo adequado, a vastidão e, consequentemente, a “aridez” do universo. Assim sendo, é compreensível a condição de um passado na qual a concepção da Vida era a de uma Vida que estava presente em todos os lugares e abundante, constituindo-se como a visão clássica de Vida das populações indígenas e dos antigos impérios. As populações conceituavam a Vida pelo empirismo e pelos fenômenos naturais que interpretavam. Entretanto, com a consolidação da Ciência e das técnicas vinculadas à Ciência (ou seja, com o desenvolvimento tecno-lógico), a observação e o estudo dos planetas, dos cometas, do Sol, das outras estrelas, das luas, e posteriormente das galáxias, das nebulosas, dos aglomerados de galáxias, etc., enfatizaram dois pontos de vista, aparentemente antagônicos, paradoxais: 

1) a extrema dificuldade de se encontrar Vida em outros lugares que não a Terra, e a dificuldade ainda maior de se encontrar o que se conceituaria como “Vida inteligente”; 

2) a maior probabilidade de se encontrar Vida em outros lugares do universo, devido à inegável probabilidade matemática de encontrá-la, por causa da vastidão do próprio universo.  

Assim sendo, não se está afirmando que há Vida fora da Terra, mesmo que, ainda hoje, não há provas realmente concretas de vida externa ao planeta; mas, sim, que existe a probabilidade elevada de se encontrar Vida, enfatizando-se o significado da palavra probabilidade (que remete a um estado matemático/probabilístico sobre a questão).

Deste modo, a concepção de que a Vida é, no universo, um puro estado de exceção, fortalece, de forma formidável, a concepção da Vida como sendo inserida, colocada, programada, planejada, por um Ser Superior, por Deus. Para se compreender quão rara é a condição do planeta Terra, faz-se mister uma rápida e introdutória explicação de ordem espacial escalar e, outra explicação de viés probabilístico. Analisando-se a questão de ordem escalar, o universo visível possui cerca de 15 bilhões de anos-luz, ainda em expansão. Neste espaço, existem cerca de bilhões de galáxias, e cada galáxia possui bilhões a trilhões de estrelas, e cada estrela tem possibilidade de possuir dezenas de planetas. Cada planeta pode possuir, por sua vez, inúmeras luas. Deste modo, se a probabilidade, ainda assim, é remota de se achar Vida como conhecemos, então a Vida é, sem dúvida, um estado de exceção. Essa seria a explicação de ordem escalar. 

A explicação de ordem probabilística é de que, para se ter Vida, é necessária uma conjunção de fatores inter-relacionados que possibilitam a ocorrência de Vida. O planeta Terra, por exemplo, tem vários fatores que possibilitam a Vida em seu estado abundante e, por muitos milênios, constante: 1) o planeta encontra-se em uma distância ideal de sua estrela, o Sol; 2) o Sol é uma estrela de grandeza adequada, para não se dizer quase exata, para a ocorrência da Vida; 3) o planeta Terra possui uma configuração rochosa que permite a condição da Vida; 4) o mesmo planeta é dotado de elementos raríssimos no universo, tal qual o oxigênio e a água (que necessitaram de milhões de anos para atingir uma porcentagem adequada para a ocorrência de Vida em abundância); 5) a Terra é protegida pela Lua, por um cinturão de asteroides entre Júpiter e Saturno, e pela Nuvem de Oort (mais distante), que a protege de impactos de meteoros maiores (não descartando, por sua vez, a ocorrência de um choque com um meteoro, tal como ocorreu no Cenozóico); 6) a Terra encontra-se envolvida por uma atmosfera totalmente favorável à ocorrência de Vida (condição favorável que necessitou de milhões de anos para ser alcançada); 7) a Terra, em sua atmosfera, possui cinturões de proteção essenciais à perpetuação da Vida, tal como a camada de ozônio, ou a sua ionosfera, dentre outras condições.

Em outras palavras, a Vida é um estado de exceção em termos de universo, e o planeta Terra se constituiria como uma obra-prima da ocorrência da Vida, criada mediante inúmeros elementos de proteção que dão a ela uma configuração notavelmente complexa e notavelmente detalhada. Somos, portanto, inimaginavelmente privilegiados, condição esta que já experienciamos. O grau de acabamento tão elevado do planeta Terra, em uma imensidão tão medonhamente vasta, árida e hostil, leva à suposição racional de que fomos escolhidos. E, deste modo, apesar de toda esta explicação envolver uma atmosfera materialista, a suposição metafísica é facilmente relacionável, pois se existe esta Vida e ela foi tão meticulosamente e, porque não, tão carinhosamente feita, porque ela seria única e finita? Não seriam, por si, todas estas evidências, manifestações claras e diretas do Criador? Não seria esta manifestação uma tão estupenda obra de amor? Como supor que todo este panorama seria manifestação do aleatório? Qual arcabouço aleatório conseguiria reunir tantas e tantas faces de complexidade, sistemicidade, conjuntatividade? A irredutibilidade científica em reconhecer o Criador é uma essência de sua criação (CHARDIN, 2008), mas, neste texto, reitera-se a visão de que se configura como impossível não aceitar a presença Dele no âmago da criação da Vida.

Assim sendo, o estado da raridade da Vida é uma amostra direta da intencionalidade do Criador em mostrar o Seu amor sem limites às suas criaturas, sendo este amor a própria força motriz desenvolvedora de Seu projeto. Todo o Bem, todo o Mal, todas as disputas de poder, todas as rivalidades, todas as cismas, poderiam ser resumidas pela questão do amar e do sentir-se amado por Ele, já que Ele é a versão personificada do Amor? Nesta condição do Amor, necessária à Vida, sendo Ele o próprio Amor e própria condição da Vida, Deus oferece ainda uma outra condição ao Ser Humano: o Livre-Arbítrio. Este Livre-Arbítrio constitui-se, por sua vez, como uma das provas mais intensas do amor de Deus, e também uma das mais complexas e de difícil entendimento humano. Dando-nos a liberdade, condição de infinito amor que os próprios anjos se impressionaram, o Criador nos mostra também que, para se conhecer as nuances da Vida, também cada Ser Humano deve conhecer o sofrimento, a dor, a angústia, o cansaço, o autoconhecimento da autolimitação, a necessidade do trabalho pessoal, do desenvolvimento e da superação. Não obstante, faz surgir, a cada pessoa, o desafio da salvação, desafio cuja resposta final será proveniente do amor Dele. Contudo, a permissão Divina da liberdade é ainda maior do que todas estas condições, pois retira do Ser Humano, a condição de elemento, de objeto e o coloca na condição de protagonista da Vida e da História. 

3. O Divino e a Vida, como obra de amor

Objeto de reflexão deste curto texto, convêm a realização de outra pergunta: a quem é destinado o privilégio da vida vindoura? Em princípio, e seguindo o contexto judaico-cristão, que este texto está embasado, a vida vindoura seria destinada ao Ser Humano. Entretanto, é por demais delicada a visão da salvação como privilégio único e exclusivo. Aqui novamente se esbarra no terreno explosivo da heresia, e, com o autor permitindo abusar novamente da perigosa ousadia, relata ao leitor que Deus, que é o Amor personificado, jamais Se deixaria tocar pela incompletude da segregação, da exclusão, da classificação. Deus irradia amor para todas as criaturas, e, desta forma, o miraculoso privilégio da imortalidade e da salvação possui nuances e aspectos que desconhecemos. Mesmo se considerarmos apenas os Seres Humanos como os escolhidos à salvação, os Neandertais, porventura, estariam excluídos? E com relação aos Homens de Java e aos Australopithecus, que sorte tiveram? São questões-limite.

Também parece ser racional (e, mesmo assim, discorrendo este parágrafo no âmago da humanidade falha e tacanha do autor), supor que a condenação se daria para aquele ser que, tendo consciência e liberdade de escolher, tenha escolhido pelo mal no escopo final de sua existência. Triste fim para quem optou por este caminho, e talvez melhor fosse se não tivesse tido a oportunidade de escolha; mas esse parece ser o preço, elevado preço daqueles que tiveram a Graça de possuir a liberdade da escolha, o Livre-arbítrio. Todavia, Deus, que é Amor e Sabedoria plena, tem a última palavra (não cabendo a alguém a posição de ser juiz e de julgar). Cabe à Santíssima Trindade o papel de julgar, salvar e condenar, e, somente à Ela, o poder da concessão da autoridade de julgar.

De fato, a citação do livre-arbítrio não poderia deixar de ser explorada rapidamente, neste texto sobre Vida e morte. Sendo assim, é salutar (mas sempre complexo e delicado) recorrer à clássica narração metafórica sobre a explanação da Árvore da Vida. O Gênesis apresenta que, ao Ser Humano, foi tudo concedido, com exceção de uma ação: de que não comesse da Árvore da Vida, no centro do Jardim do Éden (Gn, 2, 15-17). Até este momento, Adão e Eva estavam vivendo em consonância perfeita com o Criador. Todavia, a Serpente, apresentada como o próprio mal, instigou Eva a comer a fruta e levá-la para Adão, que também a comeu (Gn, 3, 6). Após este ato de Adão e de Eva, apresentou-se a condição de rebeldia e desobediência da espécie humana, algo que até então não havia ocorrido no contexto humano segundo a narrativa bíblica, mas somente no contexto sobre-humano, já que a Serpente já se mostra como antagônica ao Criador (sem nunca esquecer, todavia, que a Serpente é criação do Criador e que ela escolheu desobedecê-lo). 

Ou seja, a história do Gênesis, referente à Árvore da Vida, apresenta nuances fundamentais sobre os elementos Vida, Morte e Livre-Arbítrio. A Vida plena e absoluta existe com a própria essência da Criação; a presença do Livre-Arbítrio entra em cena quando Adão e Eva escolhem comer da fruta proibida, escolhendo a desobediência, instigados pela Serpente. A própria Serpente, por sua vez, desobedece ao Criador por livre e espontânea vontade, estando, também, o Livre-Arbítrio presente neste comportamento. Depois da desobediência de Adão e Eva, instigados pela Serpente, Deus amaldiçoa a Serpente e muda a posição de Adão e Eva no contexto da criação, onde o pecado original (outro conceito denso) é instaurado e onde a presença da morte entra na história da Criação (Gn, 3, 17-19). Igualmente interessante é a materialização e inserção do Trabalho na vida humana, em princípio como forma de castigo a Adão e Eva pelo pecado cometido (contudo, vê-se que, com relação ao Trabalho, o mesmo passará a ser considerado, séculos mais tarde, como veículo de purificação espiritual e justificação evolutiva da espécie humana, mas isto é uma outra longa questão que não cabe ao texto). 

Não convêm também escrever sobre o que seria a essência e o significado do fruto da Árvore da Vida, pois, assim, se estaria imitando Adão e Eva no mesmo erro deles. Sendo assim, não se ousa tal intento. O que convêm ressaltar, nesta central estória bíblica, são os efeitos colaterais de tamanha desobediência: a entrada do pecado, a entrada da morte, a entrada do trabalho como via de penitência, e o rebaixamento da espécie humana. Todos estes efeitos foram desencadeados pela oportunidade do poder de escolha. Assim sendo, quando se indaga sobre a possibilidade de não existir o Livre-Arbítrio, como se poderia negá-lo?[1] Negá-lo seria negar a própria natureza humana, ilustrada pelo ato de desobediência. Em outras palavras, negar o Livre-Arbítrio seria negar o próprio pecado original, pois seria como afirmar que a raça humana não tem responsabilidade pela execução dos próprios atos. Negar o Lívre-Arbítrio seria negar a própria Vida e a própria História tal como a conhecemos. Negar o Livre-Arbítrio seria ridicularizar A Ação de Deus. Sendo assim, não haveria como negar o Lívre-Arbítrio. Tal estória é teologicamente tão densa e tão forte que, para a correção desta situação vexatória e aparentemente irreversível, o próprio Deus, apresentado na figura de Deus-Filho, Jesus Cristo, teve que oferecer a própria Vida para devolver, ao Ser Humano, a esperança de uma eternidade, uma possibilidade de retorno ao Paraíso perdido. O significado da desobediência humana foi e é tão grande que o próprio Deus teve de vir ao mundo, se humilhar tornando-se homem, morrer humilhantemente, para que se resgatasse a condição da Eternidade e da Ressureição. E resgatada esta condição divina, Deus se coloca como O único modo e caminho para se chegar ao paraíso, à paz absoluta, à Vida em seu estado pleno. “Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (João, 14, 6).

Deve-se constatar que o Ser Humano é um ser que, se por um lado, possui, muitas vezes, discordância em acreditar naquilo que ele não tem condições de compreender (tendendo assim para o terreno da negação explicita muitas vezes), por outro lado, possui medo do que não consegue compreender. O avanço científico, em inúmeros aspectos positivo para a vida humana, avançou, em grande parte, para se compreender massivamente o mundo físico. O que se critica, neste texto, é a relativa arrogância de se determinar como irreal, ou como irrelevante, aquilo que não se consegue provar. Entretanto, qual é a profundidade da compreensão e da consciência humana sobre a Criação? Somente porque não podemos ver o que há “atrás do muro” da morte, dever-se-ia declarar que o universo “além-vida”, além “desta” vida, seria irreal ou especulativo? Absolutamente não. 

Soa como aterrorizante a certeza futura e certa do não mais respirar, do mais não ver, do mais não sentir, tal como neste mundo conhecemos. Soa como aterrorizante o corpo humano, tão obsessivamente cuidado pela humanidade atual, seguindo o seu próximo passo como alimento de animais, vermes e plantas. Popularmente se pensa no fim material, e se renega a continuação espiritual, designada como exótica, por vezes ridicularizada, por outras atacada, negada.  Entretanto, tanto sobre o físico, como sobre o espiritual, temos de reconhecer que pouco sabemos, e reconhecer é gesto mais digno do que a negação arrogante. São Paulo, em suas epístolas, escreve sobre a Ressureição do “corpo glorioso” ou glorificado, como nova etapa da existência, parte bíblica de elevado nível intelectual e de rara beleza (Coríntios I, 15). Não se deve esquecer a parte mais decisiva e central, que é a Ressurreição. Ressurreição que não ocorre apenas em Cristo, mas também com o próprio Cristo ressuscitando a todos os seres humanos. A Fé deve guiar também os passos e as ideias, proporcionando a coragem das conjecturas sobre o mundo “além-Terra”, mesmo porque a negação é concretização da pequenez, da arrogância humana e do medo. No mais, a negação da eternidade é o aceite do mal, das ações hediondas, e da própria negação da justiça como aniquiladora do erro, do que é imoral, repugnante e indigno. Há necessidade da vitória da coragem sobre o medo, e sobre a pequenez arrogante do não conceber uma eternidade. No mais, convêm novamente ressaltar que, em um mundo extasiante como o qual nós concebemos (e que concebemos apenas em uma pequena, muito pequena parte), a morte não é fim, mas apenas passagem, porta, ponte, para um outro estágio, para “o encontro do rio com o mar”, como descreve poeticamente Teilhard de Chardin (CHARDIN In: HAUGHT, 2013).

CONCLUSÕES

Escrever estas linhas se trata de um exercício particularizado de busca pela fé, pois, inevitavelmente, nos faz voltar a ela. Faz voltar ao escopo do acreditar, da entrega, do aceite. Faz condições ao entendimento de que o menor vislumbre de algo novo, mesmo da menor ideia nova sobre a questão, se dá mediante a permissão Divina. Afinal, não deve ser esquecida a condição de que a fé surge, se fortalece e se consolida mediante a permissão do Espírito Santo (Catecismo da Igreja Católica, 2000, p. 50-51). O fortalecimento da fé, como tesouro concedido por Deus, é revelação divina para cada crente, para cada pessoa. Ou seja, quem tem fé, por menor que seja a fé em questão, a tem por que reconhece e aceita a mensagem direcional de um Deus que ama e quer ser encontrado; mas por aqueles que realmente O querem e O buscam tal como suas palavras O apresentam. Aqueles que O querem e O buscam, amam a Ele como a Própria Verdade. Assim sendo, escrever sobre a Vida e sobre a morte não é somente ato de ousadia, mas busca real pela saciação da “sede de Verdade”, sendo impossível qualquer discussão (mesmo por algum aspecto racional) e qualquer nova revelação senão pelo caminho da fé. 

A Fé, portanto, é elemento dos mais fundamentais. Para muitos, a madura fé, em tese, nem aceitaria as explicações racionais, pois ela, em si, exigiria a entrega absoluta da confiança do crente. Seriam as “fés inabaláveis”, quase sobre-humanas, de grupos de pessoas na História; seria o significado do denominado “abandono e entrega em Deus”. Para a maioria, a Razão, a Filosofia, e, logicamente, a Teologia, são instrumentos para uma estruturação de fé, do acreditar, neste esforço do tateamento da eternidade (para a bem maior parcela dos mortais, com dúvidas e medos sobre a Vida e sobre o “Além-Vida”). No mais, para uma ampla parcela de “espectadores”, a fé não possuiria valor, já que, em seu “âmago existencial”, não comprovaria cientificamente a eternidade. Todavia, em períodos extremamente materialistas, conviria destacar que a Fé possuiria grande poder, tanto quanto a própria Ciência. Isto porque a Ciência comprova fenômenos limitados à circunscrição material, à circunscrição escalar e à circunscrição temporal, configurando-se o seu estado referencial e relativo, cujos estudos se fundamentam, muitas vezes, em contextos da Física Quântica. Deste modo, dependendo do contexto material, ou escalar, ou temporal, de um objeto estudado pela Ciência, ela pode não gerar resposta concisa, abalando a própria sensação da segurança científica. A Fé, por sua vez, pode gerar respostas tão sólidas quanto as mais tradicionais leis da Ciência, mediante o exercício gradativo do acreditar aliado à reflexão cuidadosa das tendências da Vida, do que é a Vida e da própria presença de Deus.

A Fé necessita de um coração humilde, com a palavra humildade acoplada ao sentido da obediência. Deste modo, é compreensiva a máxima de que “Deus se revela e revela seus mistérios aos humildes”, pois são estes que se encontram aptos a ouvi-lo. O Humilde é, portanto, a pessoa que, em tese, se encontra mais conectada com as questões limites da Vida e do “Além-Vida”, pois aceita, acredita na realidade da eternidade, possuindo este dom da Fé. Deste modo, foram pelos humildes que a maioria dos milagres ocorreu, pois, para ocorrer o milagre, tal como Jesus enfatizava, teria de se ter Fé e ser salvo por ela. Ser salvo pela Fé implica em aceitar e acreditar que o Poder Divino se manifeste, e, manifestando este Poder, possibilitando que Deus apresente, em mais um capítulo, em mais uma estrofe, a explicação da Vida e da Eternidade ao Ser Humano. Os milagres ocorreram, ocorrem, e são prova da Vida e do “Além-Vida”, sendo estes muitos ao longo dos séculos. As narrativas bíblicas apresentam os milagres em narrativas verdadeiras, narrativas do Novo Testamento e dos Evangelhos. Milagres são prova da presença do Criador e de seu plano, e esta é outra condição primordial para a compreensão da Vida e da morte, tal como aqui já exposto.

Assim sendo, mediante o desenvolvimento deste texto, convêm ressaltar que a hipótese da Criação, como obra do acaso, apenas representa a própria limitação humana para com a própria Criação e para com o Projeto Divino. Convenciona-se, muitas vezes, como acaso, aquilo que não se compreende e cuja mente não está ainda sujeita a acreditar. No mais, o acaso possui aura leviana e mesmo niilista. Possui espírito de rebeldia que parece desvalorizar a Vida e a Esperança. A negação entra em cena novamente, regida pela arrogância, mas também pelo medo.

Parafraseando Jesus Cristo, relembrado pelo Papa Francisco, em sua Urbi et Orbis, em uma praça de São Pedro vazia, decorrente da Celebração da Semana Santa de 2020, no meio da Pandemia de Coronavírus: “Por que tendes medo? Não tendes fé?”, é, acima de tudo, uma convocação para lutar contra o Medo. Contra o Medo do fim (que não existe), contra o Medo da dúvida, contra o Medo da Não-Esperança. O Além-Vida, portanto, é uma etapa da Existência gerada e possibilitada pelo Criador, para aqueles que aceitam a Sua existência e Sua mensagem. Trata-se de uma etapa atemporal, que não identifica o passado e nem o futuro, sendo eterno presente (para Deus, mil anos e um bilhão de anos não possuem diferença), e sendo também não-espacial (porque, para Ele, um bilhão de anos-luz de distância e um angstrom de distância também não possuiriam diferença), cada escala com a sua complexidade e estruturação. Neste limiar de uma nova concepção de mundo, nada distante de todos, ter fé é condição sine qua non para se seguir além, e ao infinito.

REFERÊNCIAS

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CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola, Edição Típica Vaticana, 2000. 934 p.

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RATZINGER, J.; D’ARCAIS, P. F. Deus existe? Planeta, 1. Ed., 2009. 126 p. 978-8576654681

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PLATÃO. O mito da caverna. LeBooks Editora: 2019. 56 p. 

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Notas

[1]Sobre as questões relacionadas ao livre arbítrio, convêm ler “Deus Existe?”, obra que apresenta uma discussão entre o papa Bento XVI e o filósofo Paulo Flores d’Arcais (RATZINGER & D’ARCAIS, 2009).