Elizeu Conceição*
* Doutor em Teologia Pastoral pela Pontifícia Universidade Urbaniana (UPS-Roma). Contato: uezile2008@gmail.com
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Este artigo, fruto de pesquisa bibliográfica, garimpadas principalmente do Magistério do Papa Francisco, busca apresentar a reflexão teológica com uma lente ecológica a partir da juventude. Com um projeto do humano integral, busca-se superar o sistema de percepção viciado pelo olhar que tende a ver o real de modo superficial e utilitarista. Nesse sentido, o jovem nos ajuda a ver que a vida não é objeto de consumo, mas contém verdade e beleza própria que é necessário descobrir.
Palavras-chaves: Ecoteologia; Juventud;. Papa Francisco; Terra
This article, the result of bibliographical research, mainly mined from the Magisterium of Pope Francis, seeks to present theological reflection with an ecological lens from the youth. With a project of the integral human, we seek to overcome the perception system vitiated by the look that tends to see reality in a superficial and utilitarian way. In this sense, young people help us to see that life is not an object of consumption but contains its own truth and beauty that it is necessary to discover.
Keywords: Ecotheology; Youth; Pope Francis; Earth
No dia 16 de julho de 2020, a jovem sueca, de 17 anos, Greta Thunberg, fez um forte apelo aos líderes europeus pedindo ações emergenciais concretas contra a mudança climática. Em meio ao seu apelo, demonstrou que os líderes mundiais praticamente desistiram de proporcionar um futuro decente para as próximas gerações. Para além do discurso, essa jovem ativista, inspirou um grande movimento em que centenas de milhares de adolescentes e jovens saíram pelas ruas protestando contra as ações danosas ao meio ambiente.
O discurso, porém, sobre o cuidado com a natureza não é de forma alguma inédito. Entretanto, vem tomando formas e cores a partir das ações e discursos de outro líder mundial, o Papa Francisco. O Sumo Pontífice seguiu a linha de seus antecessores clamando pelo cuidado da casa comum, e trazendo para o seio da Igreja um discurso ainda mais direto e contundente. No entanto, nos questionamos pelos agentes principais das mudanças pedidas pelos cientistas, pelos líderes religiosos e políticos e nos deparamos com os jovens. É neles que conflui um grito por uma casa comum sadia. É deles também, que nasce uma abertura maior ao diálogo que pode orientar a uma resposta ao duplo clamor dos pobres e da terra, em relação aos quais os jovens demonstram particular sensibilidade. Baseando-se nos princípios da doutrina social, os padres sinodais presentes no Sínodo sobre os jovens afirmaram que “a dignidade da pessoa, o destino universal dos bens, a opção preferencial pelos pobres, o primado da solidariedade, a atenção à subsidiariedade, o cuidado da casa comum” (DF, n. 127) são elementos catalisadores de toda vocação no seio da Igreja.
Ao buscar uma expressão que abarque todas essas dimensões, ensejamos adentrar, então, ao paradigma da ecoteologia e, para isso, seguiremos a linha de pensamento de Leonardo Boff, iluminado pelo magistério do Papa Francisco. Acreditamos que a partir destas bases teóricas, poderemos contribuir com uma reflexão teológica relevante aos amantes da juventude e da ecologia. Temos consciência que em meio aos jovens, carregamos a missão de oferecer-lhes espaços significativos para que possam abordar opções, propostas, iniciativas, práticas e militâncias de modo que a caminhada da Pastoral Juvenil continue aferindo sentido à vida dos jovens e às suas causas.
A teologia nos ajuda a colocar questões de fé e de eclesiologia pertinentes ao ser humano, consequente e especificamente aos jovens. No entanto, a concretização de tais perguntas devem ser processual e estruturante, de modo que toque no que é essencial e não permaneça na superficialidade.
Assim como a precisão e a clareza do discurso de Greta Thunberg na ONU provocou os líderes mundiais e tocou os jovens, que gostariam de dizer as mesmas palavras, deve-se buscar a clareza e a essencialidade do discurso para fortalecer um grande movimento juvenil defensor da vida na sua integralidade. Vale dar a devida saliência ao discurso desta jovem sueca para nos servir de um exemplo concreto:
Eu não deveria estar aqui. Eu deveria estar na minha escola, do outro lado do oceano. E vocês vêm até nós, jovens, para pedir esperança. Como vocês ousam? Vocês roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias. E ainda assim, eu tenho que dizer que sou uma das pessoas com mais sorte (nesta situação). As pessoas estão sofrendo e estão morrendo. Os nossos ecossistemas estão morrendo. Nós estamos vivenciando o começo de uma extinção em massa. E tudo o que vocês fazem é falar de dinheiro e de contos de fadas sobre um crescimento econômico eterno. Como vocês se atrevem? (GRETA, 2019).
Partimos do exemplo deste discurso carregado de indignação, de coragem, de verdades e de entusiasmo para superar aqui a questão teológica (que também é importante) sobre o futuro do cristianismo ou da Igreja, ou sobre qual é o destino de nossa nação, ou ainda, para onde vai a juventude. E adentrarmos em outra questão que parece mais urgente e essencial: que futuro terá o planeta terra e a humanidade que é sua expressão?
Sabemos que não é viável pensar no futuro do planeta sem revelar graves situações que “comprometem a integridade da terra” (LS, n. 8). Desta forma, seguiremos a metodologia do ver, julgar e agir, sem uma preocupação com essa organização lógica no texto, mas entrelaçadas.
Diante das críticas a um certo modelo desenvolvimentista, pode-se pensar que o Papa não vê com bons olhos as mudanças na humanidade e no planeta, mas esta seria uma visão equivocada. O próprio Sumo Pontífice afirma que “a mudança é algo desejável, mas torna-se preocupante quando se transforma em deterioração do mundo e da qualidade de vida de grande parte da humanidade”. (LS, n. 18).
Na primeira encíclica dedicada ao meio ambiente, a Laudato si, sobre o cuidado com a casa comum, Francisco fala da necessidade de ações concretas para deter a degradação ambiental e o aquecimento global. Ele se baseia e assume “os melhores frutos da pesquisa científica atualmente disponíveis” (LS, n. 15). Além de assumi-las, Francisco trata da necessidade de “deixar-se tocar por ela em profundidade e dar uma base concreta ao percurso ético e espiritual seguido.” (LS, n. 15). É baseado na ciência e na corresponsabilidade de todos, que se pode projetar um futuro saudável para as novas gerações. O Sumo Pontífice é consciente de que “os jovens exigem de nós uma mudança; interrogam-se como se pode pretender construir um futuro melhor, sem pensar na crise do meio ambiente e nos sofrimentos dos excluídos” (LS, n. 13). Sendo assim, revela-se diante de nós uma necessidade de esclarecimento semântico.
Vamos deixar claro, desde o início, que acreditamos na condição básica da semântica nesta reflexão, para não cair no sofisma elementar da ignoratio elenchi (na ignorância do que está em debate), mas ter sim uma declaratio terminorum (esclarecimento de termos). A partir da clareza de tais conceitos é possível identificar as ações humanas que comprometem a dignidade da terra, bem como, as ações que respeitam a dignidade da casa comum. Então, daremos este passo: “Ecoteologia”, o que é? “Juventude” o que é?
Ao falarmos de ecoteologia, colocamos um eco na teologia, ou seja, é o pensar teológico a partir da ecologia. E falar de ecologia é recordar que não se tem uma única compreensão, mas pode-se falar em três ecologias: a ambiental, a social e a mental. Para Leonardo Boff, “a ecologia ambiental se ocupa com o meio ambiente e as relações que as várias sociedades históricas entretêm com ele, ora benevolentes, ora agressivas, ora integrando o ser humano na natureza, ora distanciando-o” (BOFF, 2004, p. 147). Muitas vezes pensava-se na ecologia apenas como preservação de algumas espécies de animais em extinção ou da preservação das florestas. No entanto, ao longo do tempo e das experiências catastróficas, a consciência humana foi entendendo que não eram apenas algumas espécies que estavam em extinção, mas “a própria terra como um todo está doente e deve ser tratada e curada” (BOFF, L. 2004, p. 148). Por isso, a dimensão ambiental deste tema não é redutiva a lugares ou situações particulares, mas é um discurso global que toca questões fundamentais para a continuidade da vida. A dimensão ambiental se completa com a dimensão seguinte, a ecologia social.
Olhando para algumas experiências e reflexões passadas, percebemos que é a partir da ecologia que nasce uma crítica social mais acentuada, principalmente ao arrogante antropocentrismo. Sendo assim, a ecologia social é formada e se ocupa, sobretudo com as relações sociais como partes integrantes às relações ecológicas, ou seja, o ser humano “é parte do todo natural e a relação para com a natureza passa pela relação social de exploração, de colaboração ou de respeito e veneração, de modo que a justiça social (...) implica certa realização da justiça ecológica” (BOFF, 2004, p. 147). Neste sentido, o ser humano, que se julga senhor da vida e da morte dos demais seres, é instigado à comunhão com eles. Para tanto, entramos na terceira dimensão da ecologia, a mental.
A ecologia mental, revela que o ser humano não é apenas um ser na terra, mas é um ser da terra. Portanto, a dimensão mental mostra que
a natureza não é exterior ao ser humano, mas interior, na mente, sob forma de energias psíquicas, símbolos, arquétipos e padrões de comportamentos que concretizam atitudes de agressão ou de respeito e acolhida da natureza. (BOFF, 2004, p. 147).
Esta dimensão é necessária, caso contrário, a violência com os demais seres continuarão crescendo. O Papa Francisco já revelou que “a violência, que está no coração humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos” (LS, n. 2).
Das ecologias citadas, nasce um conceito que abrange ainda outras categorias, a Ecologia integral. Essa expressão é cunhada por Papa Francisco e abarca a ecologia ambiental, econômica e social (cf. LS, nn.138-142), ecologia cultural (cf. LS, nn. 143-146), ecologia da vida cotidiana (cf. LS, n. 147-155), a opção preferencial pelos pobres (LS, nn. 156-158) e o compromisso com as futuras gerações (LS, n. 159-162).
A diversidade da expressão nos abre um leque de possibilidades reflexivas e, ao mesmo tempo, alarga o nosso horizonte de cuidado com a ecologia. Por isso, falar de ecoteologia é falar de “uma corrente teórica e prática, conceitual e espiritual que busca relacionar a experiência religiosa com o cuidado com nossa casa comum, o planeta Terra. Faz a ponte da teologia com a ecologia, e vice-versa” (MURAD, 2016, p. 11). Mais do que uma teoria, a realidade atual demonstra um uníssono grito dos pobres e da Terra. É por isso que fazer teologia, é fazer ecoteologia. Entendemos que “nós e todos os seres do universo, sendo criados pelo mesmo Pai, estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal, uma comunhão sublime que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde” (LS, n. 89). Isso nos leva a ampliar a visão da realidade atual e celebrarmos a maravilha da vida, já que “o mundo é algo mais do que um problema a resolver; é um mistério gozoso que contemplamos na alegria e no louvor” (LS, n. 12).
Esta visão do Sumo Pontífice nos faz perceber que a Terra é uma pluridiversidade da qual emana uma espiritualidade que nos coloca em comunhão com o Criador. Uma das falas de um participante do Sínodo sobre a Amazônia frisava que a terra é mais falada do que conhecida, mais discutida do que vivida, mais mito do que realidade. É necessário buscar ainda o significado da água, das florestas, bem como das culturas, da diversidade e estabelecermos com todos os seres vivos uma relação amorosa e afetiva.
É desta forma que fazer teologia hoje, é preciso necessariamente fazer ecoteologia. Não se pode sonegar o que é de direito à ecologia, é dela que fizemos parte e não existe uma teologia fora dela. Da mesma forma, fazer ecoteologia, é reconhecer e comprometer as novas gerações no seu papel fundamental de comunhão com il creato.
A natureza está em constante renovação. Consequentemente a humanidade, sempre se renova. Quando nos questionamos pelo que é a juventude, aludimos, necessariamente às diversas palavras que a própria etimologia nos dá, apontando para a sua complexidade, tanto do vocábulo, quanto da sua realidade. Libânio nos ajuda a fundamentar
Quando falamos da infância, acentuamos a incapacidade de falar, de se expressar: in+fans de in+fari: não falar. Ou aludimos à pureza: in+nocens: sem mancha. Avançando, falamos de púbere. Aí aludimos à mudança corporal de a criança ver o corpo crescer e transformar-se, criando pelos. Púbere vem de púbis, pelo. Jovem já nos permite entender a idade de quem ajuda. Ajutans, ajutare (ajudar) deu jovem. E, finalmente, adolescente, que se origina de adolere, ad+alo do hiplhil hebraico, heelah: levou para cima, subiu, ofereceu sacrifício, holocausto, fazer que algo cresça, brote, se faça grande, engrosse, aumente, se fortifique. (LIBANIO, 2011, p. 5).
Isto posto, avançamos com o conceito, afirmando que o jovem é um ser na dialética da existência, ou seja, que a sua vida não se define como um simples existir, mas com um habitar o mundo que o permite dialogar com a própria existência. “A existência do homem não é um simples viver no mundo, um puro ‘estar’, mas sobretudo um ‘colocar-se’ no mundo e é por isso que um estável e exaustivo conceito do homem não é somente oportuno como necessário e fundante.” (CATERINI, p. 28). Igualmente, Cornelio Fabro afirma que “o homem, no entanto, é seguro de encontrar-se diante do ser em tudo enquanto se encontra no mundo. O homem por isso, não é somente um animal rationale, mas ‘um- -que-sabe-de-ser-no-mundo’.” (FABRO, p. 16). A consciência de ser no mundo ultrapassa o mero existir, pois abarca possibilidades simbólicas tanto de dar-se a conhecer como de acolher/projetar a própria existência.
A existência não é, portanto, um imprevisto. Desse conceito geral, chegamos ao conceito específico: O jovem não é um acidente, nem um ser que simplesmente está no mundo. Com seu ser, ele torna-se símbolo e realidade de toda existência. Saber ser na dialética da existência é libertar-se das amarras do ser tudo igual, do levar-se pela onda gigante do mercado que molda conforme interesses próprios. Saber ser, é entrar na lógica da dialética que implica a superação da finitude e a aspiração de um pensamento que transcenda à normalidade da vida. É entrar na relação contraditória entre a razão e seus objetos, ou ainda entre a experiência e as formas de representá-las.
O conceito juventude não nasceu por obra do acaso, mas foi produzido por um processo histórico. Na realidade brasileira, este conceito está atrelado à chegada dos portugueses para a colonização, pois eles trouxeram consigo um modelo de evangelização que contemplava também a escolarização católica, com características próprias do continente europeu. Nesse processo, os jesuítas tiveram um papel preponderante porque foram os primeiros a chegarem nestas terras e, junto com a evangelização (catolização), exerciam a função de educadores (escolarização).
O termo “juventude” pode ser definido em três distintas categorias: como uma fase da vida que é transitória, ou como categoria social, ou como moratória. Transitória porque é o período da passagem da adolescência para a idade adulta, ou seja, a juventude é vista dentro de um ciclo de vida marcado pela condição de sua idade, isso envolve também a dimensão biológica. (BOURDIEU, 1983) A segunda conceituação de juventude é a de categoria social, a qual é constituída a partir de um determinado contexto histórico e social com suas demandas e necessidades específicas. Essa construção social e discursiva da juventude desenvolveu um complexo de forças que inclui a experiência da escolarização, mas que, de forma alguma, está limitada a ela, visto que há outros determinantes, como os meios de comunicação de massa, a música (especialmente o rock) a cultura da droga. (GREEN – BIGUM, 1998, p. 2010). No entanto, é necessário salientar que não é fácil dar uma definição de juventude que possa abarcar toda realidade brasileira, sendo esta definição sempre um conceito relativo. Outra questão bastante difusa nesta conceituação é a terceira categoria: a juventude como moratória. Margulis e Urresti chamam a atenção para este conceito, tendo em vista que assim como não se pode considerar apenas os critérios biológicos de idade para definir juventude, não se pode também levar em conta apenas os critérios sociais. Baseados nesse fundamento, estes autores apresentam a definição de moratória vital, na qual
o jovem pode ser pensado como um período de vida em que possuem um excedente temporal, um crédito ou um “plus”, como se fosse algo que foi economizado, algo que se tem a mais e se pode dispor e que os não jovens teriam mais reduzido, se vai gastando, vai terminando antes, irreversivelmente por mais esforço que se faça para evitá-lo. Dessa forma, tenderá mais provavelmente a ser jovem todo aquele que possui este capital temporário como condição geral. (MARGULIS; URRESTI, 1996, p. 4-5).
Nessa definição, de moratória vital, estão presentes as diferenças sociais, culturais, de classe e de gênero. Para Margulis e Urresti esta definição complementa e supera a definição de moratória social, como defendem alguns autores, pois a moratória social definiria uma certa noção de juventude que se expressaria por certos aspectos estéticos e configuraria um certo privilégio de determinadas classes sociais mais abastadas. Em contrapartida, a moratória vital definiria uma noção fática de ser jovem comum a todas as classes sociais, marcada pela energia do corpo, pela vitalidade de vida, pela distância da morte etc.
Geralmente o termo juventude parece claro à primeira vista. É possível identificar se uma pessoa é jovem ou não por diversos elementos superficiais. No entanto, não é fácil formular uma conceituação precisa, “quando se busca precisar um pouco mais o próprio termo, as dificuldades aparecem, e todo o seu aspecto impreciso e escorregadio toma relevo [...] Há muitos ângulos pelos quais se pode abordar o tema” (ABRAMO; BRANCO, 2005, p. 37).
Se partirmos da terceira categoria de compreensão de juventude, tomando o complemento de moratória social e vital, poderemos fundamentar a ideia de que em nossa realidade brasileira não existe apenas uma juventude, mas “juventudes”. Essa expressão no plural expressa a realidade da juventude contemporânea, designa as diversas juventudes que coexistem na sociedade brasileira. Não obstante a isso, pode-se reconhecer “a existência de jovens não juvenis – como é o exemplo, o caso de muitos jovens dos setores populares que não gozam de moratória social e não portam os sinais que caracterizam hegemonicamente a juventude.” (MARGULIS – URRESTI, 2006, p. 6), ou ainda “existe uma pluralidade de mundos juvenis, a ponto de se tender, nalguns países, a usar o termo ‘juventude’ no plural” (ChV, n. 68).
Por questões pastorais, psicológicas e inclusive de políticas públicas, se estabelece uma idade como ponto de referência para esta fase da vida. A Organização Internacional da Juventude compreende o jovem na faixa entre 15 e 24 anos. No Brasil, a lei Federal 11129, de 30 de junho de 2005, que criou o Conselho Nacional da Juventude – ProJovem – determinou a faixa considerando jovem a pessoa entre 15 e 29 anos. Essa mesma idade foi adotada no Sínodo dos Bispos que tratou sobre a juventude.
Embasados nessas indicações, vale ressaltar, como moratória social e vital, o valor transformador da juventude, pois ela é símbolo de uma força geradora de mudança por enfrentar dilemas sociais estando ligada a uma dimensão significativa e contraditória do processo de construção de sua identidade. O jovem entra em contato com a base material estabelecida socialmente, com suas próprias características e valores e, assim, ocorrem conflitos, o confronto cultural e ideológico com a sociedade já estabelecida, que não aceita muito o risco de perder a condição de poder. No entanto, o enfrentamento é fundamental para a transformação social.
Como salientamos, o jovem não é apenas um dado estatístico e nem somente uma construção ou um valor simbólico. Não é definido também, apenas pela idade, mas é, acima de tudo uma “pessoa” que carrega uma vitalidade própria, um capital energético que pode mudar com fatores sociais ou culturais, mas que identifica em determinado período da vida a força de possibilidades e a capacidade produtiva como não se vê em nenhuma outra fase. Essa etapa da vida é balizada por uma determinada idade, segundo o que já tratamos. Para aprofundarmos o tema proposto “ecoteologia e juventude”, corroboramos com a ideia de que a juventude é uma geração aberta à novidade e, ao mesmo tempo, é fascinante pelo “tremendo paradoxo da vulnerabilidade e da potencialidade” (LIBANIO, 2011, p. 7). São sinal de renovação e de comunhão com o diferente de si mesmo.
Imbuídos pela realidade desastrosa da nossa relação com a natureza, mas também pela esperança de que é possível reverter essa situação, a juventude se torna um dos pilares fundamentais de tal mudança. Ousamos afirmar que são os jovens, os que resgatarão as bases do cristianismo, que no processo histórico foi conduzido a um distanciamento hermenêutico da sua real expressão no âmbito da criação.
O cristianismo em suas fontes originais não é de maneira alguma antiecológico, mas a ‘história de efeitos’ de sua tradição ocidental pode ter servido de justificativa para o uso indiscriminado e predatório da natureza. Por isso, é necessário assumir o desafio de repensar a doutrina cristã da criação num contexto ecológico, decodificando criticamente certas interpretações e dando um sentido aos textos bíblicos que seja significativo para a compreensão dos desafios atuais do respeito à natureza. (JUNGES, 2001, p. 17).
O resgate dos relatos de criação presentes na tradição judeu-cristã e, também, nas culturas milenares que preservam, até hoje, o seu envolvimento com a natureza se mostra como chave hermenêutica para termos este real encontro com a proposta de Deus presente em Gêneses 9, 13-16:
Porei meu arco na nuvem e ele se tornará um sinal da aliança entre mim e a terra. Quando eu reunir as nuvens sobre a terra e o arco aparecer na nuvem, eu me lembrarei da aliança que há entre mim e vós e todos os seres vivos: toda a carne e as águas não mais se tornarão um dilúvio para destruir toda carne. Quando o arco estiver na nuvem, eu o verei e me lembrarei da aliança eterna que há entre Deus e os seres vivos com toda carne que existe sobre a terra (Gn 9, 13-16).
Há a necessidade de se inaugurar uma nova aliança com a Terra, e isso é um verdadeiro desafio ecumênico. Ao comentar o texto citado, Leonardo Boff utiliza a imagem do “arco-íris”. Destaca que os seres humanos devem sentir-se filhos e filhas do arco-íris. Pois, o referido texto, trata da aliança estabelecida por Deus com Noé, após o dilúvio, convidando a todos para que vivenciem relações marcadas pela “benevolência”, pela “compaixão”, pela “solidariedade cósmica” e também por uma profunda veneração ao “mistério” que cada ser possui e revela”. Só assim será possível falarmos da harmonia, da libertação integral “na grande e generosa Mãe Terra” (BOFF, 2004, p. 159).
Em síntese, paradoxalmente, é imprescindível ver o ser humano fora desta constante busca pelo sagrado. No entanto, é necessário que o mesmo se liberte das pseudo-espiritualidades, das ilusões e fascínios do consumo e do lucro que trazem uma aparente realização. Para tanto, o ser humano hodierno precisa estabelecer uma ruptura considerável e ser protagonista de um novo paradigma através de uma “nova linguagem”, um “novo imaginário”, uma “nova política”, uma “nova pedagogia”, uma “nova ética”, uma “nova descoberta do sagrado” e um “novo processo de individuação (espiritualidade)” (BOFF, 2004, p. 160).
Sendo a porção da terra que “num momento avançado de sua evolução, começou a sentir, a pensar, a amar, a cuidar e a venerar” (BOFF, 2016, p. 47), o ser humano é parte integrante da terra e não pode viver sem ela.
Nesse sentido, a ecoteologia se casa com o entusiasmo juvenil, já que é o entusiasmo (em-theós-mos: Possuir um deus dentro) dá às pessoas a possibilidade do encontro com a exuberância e a grandiosidade da vida. Não é suficiente um contato superficial com a vida, é necessário um mergulho total no seu mistério, principalmente no mistério da criação. O jovem se entusiasma e entra na vida a medida que experimenta o trabalho comunitário, a criatividade, o gozo, a dança, a paixão etc. Assim sendo, é possível afirmar que ser entusiasmado é ser habitado por Deus e só é possível uma nova humanidade onde o entusiasmo tenha a sua justa proeminência.
O entusiasmo dos ecologistas ganha força quando ancorados por valores que garantem a vida. E para que estes valores sejam assegurados se faz necessária a abertura para dialogar com a diversidade e se permitir a transformação em favor da novidade regeneradora. Embora seja possível vislumbrar toda uma diversidade de crenças, credos e doutrinas, o essencial no horizonte teológico é justamente a interpelação quanto ao nível de compromisso com a vida, não só dos seres humanos, mas também de todo o complexo vivente.
Na exortação Apostólica Querida Amazônia se destaca alguns sonhos expressos pelo Papa Francisco. No sonho social ele fala da necessidade de conceber a Amazônia como um local de diálogo social. Um diálogo que integre as diferentes expressões nativas formando comunhão e luta conjunta. A beleza neste sonho é a inversão de valores, pois o Papa afirma que os “demais” “somos chamados a participar como ‘convidados’” (QA, n. 26) a sentarmos à mesa do diálogo. O protagonismo não é de quem vem de fora, mas é daqueles que vivem a concretude da vida.
Chama-nos a atenção ao que chamamos de educar(-se) ao diálogo, ou seja, não é apenas uma educação aos outros como transmissão de conhecimento, mas somos instigados a superarmos a pretensão de já sabermos dialogar. Pois, se queremos dialogar, devemos começar pelos últimos. Estes não são apenas um interlocutor que é preciso convencer, nem mais um que está sentado a uma mesa de iguais. Mas são os principais interlocutores, dos quais primeiro devemos aprender, a quem temos de escutar por um dever de justiça e a quem devemos pedir autorização para poder apresentar as nossas propostas. A sua palavra, as suas esperanças, os seus receios deveriam ser a voz mais forte em qualquer mesa de diálogo sobre a Amazónia. E a grande questão é: Como imaginam eles o «bem viver» para si e seus descendentes? (QA, n. 26).
Desta esfera de diálogo nasce a consciência ética de irmandade. Somente a partir desta consciência ética, é que se construirá uma ecoteologia integradora. A nova humanidade, pensada pelo Papa Francisco deve ser fundamentada na integração entre os povos e dos povos com todos os seres da natureza. Pensar a nova humanidade é pensar nessa dimensão relacional, na qual, alguns traços se tornam reveladores de um diálogo existencial. Um diálogo, que em si, pressupõe o Outro. É a este princípio que os jovens precisam ser sensibilizados. Pois, mais do que conversar, é necessário dialogar com o outro. Ao mesmo tempo é a este princípio que as novas gerações nos provocam a nos sensibilizarmos também. Se torna, assim, um caminho educativo de mão dupla, os educadores precisam ser também educados.
No entanto, o preceito ético-ecológico a ser refletido urgentemente está contido em 5 modelos da práxis humana, que são:
‘Age de tal maneira que tuas ações não sejam destrutivas da Casa Comum, a Terra, e de tudo o que nela vive e coexiste conosco’. Ou: ‘Age de tal maneira que tua ação seja benfazeja a todos os seres, especialmente aos vivos’. Ou: ‘Age de tal maneira que permita que todas as coisas possam continuar a ser, a se reproduzir e a continuar a evoluir conosco’. Ou então: “Usa e consome o que precisas com responsabilidade para que as coisas possam continuar a existir, atender às nossas necessidades e as das gerações futuras, de todos os demais seres vivos, que também, junto conosco, têm o direito de consumir e de viver’. Ou ainda: ‘cuida de tudo, porque o cuidado faz tudo durar muito mais tempo, protege e dá segurança’. Precisamos consumir para viver. Mas devemos consumir com responsabilidade e com solidariedade para com os outros, respeitando as coisas em sua alteridade e entrando em comunhão com elas, pois são nossos companheiros e companheiras na imensa aventura terrenal e cósmica. (BOFF, 2002, p. 97).
São preceitos fundamentais para integrar a nova geração de seres humanos com o que realmente eles são. Como a ação humana revela uma dimensão de seu ser, de sua identidade, com este preceito ético-ecológico se intensifica a ideia de que o ser humano precisa do mínimo para sobreviver e isso não tira a sua dignidade, pelo contrário, a complementa.
Educar(-se) aos preceitos ético-ecológico é entender as dimensões citadas como um reconhecimento do processo lento e processual de regeneração da natureza. Ela é capaz de nos fornecer o necessário para vivermos bem e em harmonia, sem a necessidade de negligenciar o direito ou o acesso ao mínimo necessário de tantos seres que estão sendo extintos pela ação maléfica humana. O chamado à vida digna e integral implica uma relação de cuidado com a vida do planeta e com a vida de todos os seres viventes. A resposta vocacional é uma resposta à Deus a qual passa pelo cuidado de todos os seres em que Ele se manifesta.
À guisa de conclusão, entendemos a necessidade de integrar o jovem a partir do seu capital temporário, da sua energia e do seu entusiasmo com a condição natural do humano, o ser fruto da terra. É assim que a ecoteologia e juventude se tornam chave imprescindível de reflexão nos tempos atuais.
Da questão primordial, que futuro terá o planeta terra e a humanidade que é sua expressão? Podemos lançar luzes a partir da relação essencial entre os objetos de nossa pesquisa, a ecoteologia e a juventude. E em vez de querermos dar previsões de futuro, procuramos lançar pistas reflexivas que fundamentam nossa opção de vida pelo modelo minimalista, ou mínimo para atingirmos o bem-viver em comunhão com todos os seres vivos.
Nessa perspectiva, vê-se então que o fundamental é buscar pela autenticidade e plenitude da vida, reconhecendo que isso é uma questão de habitar a condição de ser criatura, de ser terra e de estar em relação com o outro.
Na fase juvenil, a sensibilidade vocacional é expressa, principalmente, através da sede de relações. É uma revelação do que está impregnado no interior humano para a exterioridade. A relação com o outro, com a terra e consigo mesmo tem uma estrutura de transcendência, se transcendência significa relação com outro, saída do próprio mundo, relação de exterioridade. Sem a exterioridade da relação com o outro, não se pode falar de relação ou de diálogo existencial com o divino. É exatamente nos elementos que se tornam carne, ou seja, que se tornam sensíveis aos olhos e aos sentimentos, que o jovem tem a sensibilidade mais aguçada, ou a abertura mais evidente e é nesta brecha, da sua sensibilidade que podemos adentrar para falar de ecoteologia.
Do que fora exposto até então, concluímos que esta visão nos proporciona considerar uma ação eclesial com os jovens que seja educadora ao humanismo integral e integrador. Sendo que isso será possível através das três relações essenciais: com Deus (sendo filho), com o outro (sendo irmão) e com a terra (sendo co-responsável).
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