A seção livre traz uma profunda reflexão no labor teológico. O artigo “Igreja e humanismo integral: uma reflexão a partir da Caritas in Veritate” de Tiago de Fraga Gomes, postula investigar a ideia de um novo humanismo integral a partir da Encíclica Caritas in Veritate do Papa Bento XVI, na qual Jesus Cristo é a chave de leitura. Para o autor, o amor na verdade – caritas in veritate – é um desafio sempre atual para a Igreja, enquanto perita em humanidade, e para a teologia, enquanto intellectus fidei que reflete sobre o bem da pessoa humana em sua totalidade, à luz da fé e dos valores cristãos. Nesse sentido, é necessário refletir sobre a Igreja frente à tarefa de colocar-se a serviço de um humanismo que contemple a integralidade da vocação humana.
Joana dArc Araujo Silva, em “Educação religiosa: conhecer a historicidade para valorizar e construir caminhos mais inclusivos”, investiga o papel que a identidade dos indivíduos representa na construção e manutenção do fenômeno social do racismo com foco na importância do processo educacional na concretização deste diálogo. A autora considera ainda os ideais religiosos que direcionaram a educação durante séculos e, mesmo contemporaneamente, continuam a apresentar alguns efeitos.
Alonso Gonçalves, em “A política teológica dos evangélicos - uma análise de projetos políticos no contexto de polarização partidária”, trata de três obras que procuraram refletir o atual contexto político-social brasileiro. Os textos analisados são o fruto de uma percepção de que a polarização inviabiliza o debate razoável na esfera pública. O artigo propõe um exercício crítico dos projetos elencados, apontando algumas lacunas e possibilidades.
Anderson Nunes de Carvalho Vieira, em “Os sem religião no Brasil: Um estudo sobre o crescimento dos irreligiosos no país de 1940 a 2010 e possível cenário para 2050”, reflete que no Brasil, de acordo com o levantamento do Censo Demográfico realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de pessoas que estão se declarando sem religião tem aumentado substancialmente desde 1940. Os números saltaram de meros 0,2% para mais de 8% da população pesquisada em um período de 70 anos. O autor descreve a evolução deste crescimento e consequentemente o aumento da quantidade de pessoas que se declaram sem religião no Brasil, consequentemente, detecta que existe um crescimento significativo do grupo denominado “sem religião” no Brasil e que o crescimento tende a aumentar ainda mais até 2050.
Ney de Souza e Marcelo Lanfranchi desenvolvem o tema “O avanço do fundamentalismo católico nas redes sociais no Brasil”. Sustentam que a polarização política nos últimos anos, com ondas de populismo à direita e à esquerda e o consequente debate ideológico vem alcançando milhões de pessoas em redes sociais como YouTube, Facebook, Instagram e Twitter. O crescimento e grande alcance dessas redes sociais têm servido como uma ferramenta muito poderosa para grupos católicos conservadores como os Arautos do Evangelho, Centro Cultural Monfort, Instituto Plínio Corrêa de Oliveira e Centro Dom Bosco. Esses grupos têm em comum o discurso contra a Teologia da Libertação, o avanço do comunismo ou o que por eles é chamado de “ideologia de gênero”. Assumem também posições religiosas anteriores ao Concílio Vaticano II e são ferozes críticos do papado de Francisco.
Elaine Pinheiro Neves de Macedo, em “Sofrimento e cuidado: o olhar de João Paulo II para a pessoa idosa”, reflete que na história de cada pessoa, em cada etapa de sua vida, inevitavelmente o sofrimento atravessará o seu viver e percorrerá seus caminhos. O envelhecimento é marcado por uma série de transformações, especialmente frente a tantas situações estressoras internas e externas como, por exemplo, o declínio da saúde, o abandono, por vezes, pelos familiares e a inutilidade que lhe é posta pela sociedade. A autora propõe discorrer sobre o sofrimento da pessoa idosa à luz da passagem bíblica do Bom Samaritano e do ensino de João Paulo II, como paradigma do cuidado.
Francisco Benedito Leite, em “Figura e carnavalização na proclamação do evangelho. A concepção mítica de tempo e espaço no Evangelho conforme Marcos”, propõe, em primeiro lugar, que a Filosofia das formas simbólicas de Cassirer seja tomada como teoria que oferece plausibilidade ao Discurso Religioso. Em seguida, propõe que os conceitos: “figura”, de Auerbach; e “carnavalização”, de Bakhtin, sejam tomados como conceitos úteis para análise do Evangelho conforme Marcos (4.35-41). A descrição dos referidos conceitos e a análise do texto escolhido expõem o modo como se concebem as categorias tempo e espaço no Discurso Religioso, a qual é aparentada ao mito.
Giovanni Felipe Catenaci, em “A Sacralização da língua em Giorgio Agamben!” situa o conceito de infância para fundamentar a teoria da linguagem em Giorgio Agamben, trazendo à baila as noções de experiência e Voz. A saber, é com elas que o autor situa sua teoria crítica acerca da biopolítica: a dinâmica de sacralização da linguagem realizada através do juramento e a conseguinte sacralização da vida.
Romeu Leite Izidório, em “«Irmãos» nas Bíblias Hebraica e Septuaginta: Um estudo polissêmico?” aprofunda a ideia de que a bíblia hebraica apresenta uma grande polissemia quando se trata de palavras que recebem maior destaque. Este é o caso do vocábulo «irmão», que aparece em primeiro lugar na sua acepção de «filho do mesmo pai e/ou da mesma mãe», também pode conter as realidades dos que «são parentes próximos, companheiros, amigos, da mesma raça ou nação e até como sinal de respeito e cordialidade devida àqueles a quem é devido respeito». Quanto à palavra «irmã», ainda que tenha um espectro mais reduzido, também vai além da conotação estrita. A bíblia grega, chamada dos LXX, mostra a diversidade de compreensão ao tentar elucidar alguns textos onde «irmão» poderia ser mal-entendido. Em todo caso, «irmão» tem a ver com «fraternidade, irmandade», seja através de laços sanguíneos ou não. O que se percebe claramente é, em nenhum dos textos estudados, o vocábulo «irmão», na bíblia hebraica, tem uma acepção que não seja clara, ou seja, ele não foi utilizado por falta de outro mais apropriado, e sim porque seu espectro linguístico comporta aquelas acepções.
Leonardo Agostini Fernandes e Luiz Henrique, em “Uma breve análise exegética de Nm 10,29-32”, aprofunda que o Livro de Números parece não receber a mesma atenção que os demais livros da Torá. Existem bons comentários, mas poucos artigos. Nesse sentido, um estudo sobre Nm 10,29-32 pode trazer alguma contribuição, em particular sobre o tema da súplica com promessa de recompensa que não é estranho ao livro. No texto em foco, encontra-se o diálogo entre Moisés e Hobab, na iminência da partida do Sinai rumo a Canaã. Moisés pede que Hobab sirva de guia na travessia pelo deserto. O vínculo, a denominação do sogro de Moisés e a utilidade a ele atribuída são questões relevantes e trabalhadas na análise, indagando ainda sobre a presença divina como guia pelo deserto através da Arca da Aliança e da Nuvem. Se YHWH já é o guia, por que a súplica para que um membro do clã de Raguel dos madianitas lhes direcione pelas rotas do deserto?
Por fim, esta edição apresenta duas resenhas que contribuem para a temática do Dossiê apresentado. Rodolfo Gasparini Morbiolo e Ney de Souza recenseiam TORRALBA, Francesc. Diccionario Bergoglio: las palabras clave de un pontificado; e Luis Gabriel Provinciatto, a obra A “cura” da casa comum: ano especial da Laudato Si’ e os desafios do Sínodo para a Amazônia.
Esperamos que o Dossiê e os artigos apresentados não sejam apenas parte de um debate teológico, mas sobretudo um aprofundamento discernitivo que o Papa Francisco tem nos convidado a refletir e colocar em prática sobre um humanismo integral.
Prof. Dr. Pe. Donizete José Xavier
Pela Equipe Editorial