O silenciamento das mulheres como entrave ao discipulado de Iguais
The silencing of women as an obstacle to the discipleship of Equals

Edelcio Ottaviani
Doutor em Filosofia pela Universidade Católica de Lovaina/Bélgica. Professor do Departamento de Pós-Graduação da PUCSP. Contato: eottaviani@pucsp.br

Ivenise Santinon
Doutora em Ciências da Religião pela UMESP. Professora da Faculdade de Teologia da PUC-Campinas. Contato: ivenise@puc-campinas.edu.br

Lucy Mariotti
Mestra em Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Contato: lucymariotti@gmail.com.


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Resumo: Este artigo procura traçar uma breve genealogia do silenciamento das mulheres na estrutura eclesial. Parte da análise de um retábulo, pintado entre os séculos XII e XIII, e mostra os discursos e as práticas de silenciamento no interior da Igreja, nos oito séculos anteriores e nos oito séculos posteriores à pintura. O silenciamento se apresenta como um elemento decorrente do patriarcalismo enraizado na estrutura eclesial e desvela uma relação de poder que exclui as mulheres dos organismos de decisão. Dividido em três tópicos, precedidos por um preâmbulo que analisa os argumentos do retábulo e o lugar destinado à mulher que fala na igreja, o artigo apresenta o silenciamento como um entrave ao discipulado de iguais. Composto a seis mãos, ele entrelaça os objetos de pesquisa do trio de autores envolvidos em sua redação: a análise iconográfica dos três primeiros séculos da era cristã, com ênfase nas transposições artísticas do poder pastoral; o movimento beguinal − tido por movimento de contraconduta, segundo Michel Foucault, e profético, segundo José Comblin, como resistência ao poder clerical; a perspectiva da teologia feminista, sobre os entraves ao discipulado de iguais. 

Palavras-Chave: clericalismo, patriarcalismo, resistência, participação feminina, organismos de decisão

Abstract: This article seeks to trace a brief genealogy of the silencing of women in the ecclesial structure. It starts from the analysis of an altarpiece, painted in the century between the twelfth and thirteenth centuries, and shows the discourses and silencing practices in the Interior of the Church, in the eight centuries before and in the eight centuries after the painting. The silencing is presented as an element resulting from the patriarchy rooted in the ecclesial structure and reveals a power relationship that excludes women from decision-making bodies. Divided into three topics, preceded by a preamble that analyses the arguments of the altarpiece and the place destined for the woman who speaks in the church, the article presents silencing as an obstacle to the discipleship of equals. Composed of six hands, it intertwines the research objects of the trio of authors involved in its writing: the iconographic analysis of the first three centuries of the Christian era, with emphasis on the artistic transpositions of pastoral power; the beguinal movement − seen as a counter-conduct movement, according to Michel Foucault, and prophetic, according to José Comblin, as resistance to clerical power; the perspective of feminist theology, on the obstacles to discipleship of equals.

Keywords: clericalism, patriarchy, resistance, female participation, decision-making bodies

Introdução

Este artigo trata de um tema importante no interior da Igreja: o discipulado de iguais, inaugurado por Jesus, mitigado por meio do silenciamento das mulheres ao longo da história da Igreja e reavivado pela tradição Pós-Concílio Vaticano II, particularmente pela Constituição Dogmática Lumen Gentium (LG). Esse documento conciliar resgata a noção de Igreja como “Povo de Deus” e, por meio do “sacerdócio comum dos fiéis recebido no batismo”, recoloca na cena eclesial as implicações do protagonismo das mulheres, tanto quanto dos homens, em anunciar e instaurar em todas as gentes o reino de Cristo e de Deus (cf. LG, n. 5).    

No entanto, ainda que a Lumen Gentium recupere a noção “Povo de Deus” e, consequentemente, a importância de todos os batizados (homens e mulheres) no processo de santificação e salvação da humanidade (cf. LG, n. 9), sua redação não consegue vencer o problema da linguagem sexista que, de certa forma, obnubila o protagonismo das mulheres. No parágrafo 9, os padres conciliares dizem: “Aprouve, no entanto, a Deus santificar e salvar os homens, não individualmente, excluindo toda a relação entre os mesmos, mas formando com eles um povo, que o conhecesse de verdade e o servisse em santidade” (LG, n. 9 – grifo nosso). Se a Lumen Gentium, ao resgatar a tradição bíblica, teve a grandeza de recuperar a noção de Igreja como “Povo de Deus”, para além de uma ideia centrada na hierarquia eclesiástica, a mentalidade patriarcal se faz presente ao longo de todo texto, pois nele a presença das mulheres, ao falar de “Povo de Deus”, é pressuposta, mas não explicitada. Se o ministério de Jesus instituiu um discipulado de iguais, com vistas a impulsionar o desenvolvimento do reinado de Deus até sua plenitude no fim dos séculos (cf. LG, n. 9), nos quase dois mil anos que o separam do Concílio Vaticano II e mesmo depois, o que se viu foi um constante eclipsar do papel das mulheres nesse processo, não por vontade delas, mas pelo silenciamento que lhes foi imposto pela estrutura clerical, a começar pelo silenciamento decorrente da estrutura gramatical. É esse o mote de nosso texto.

Sem incorrer em anacronismos, transportando um problema que atinge as mulheres do mundo atual para a realidade das mulheres de outros tempos, queremos mostrar que o discipulado de iguais − inaugurado por Jesus no processo de inserção na dinâmica do Reino, à qual são convidadas gentes de todos os povos (Mc 1, 14) − encontrou resistência ao longo da história e foi vencido paulatinamente pelas estruturas patriarcais, presentes tanto nas sociedades helênico-romanas e medievais quanto nas sociedades atuais. Por meio deste texto, queremos mostrar, sobretudo, que o silenciamento imposto às mulheres funciona como uma espécie de “dispositivo”[1] a impedir uma relação mais paritária entre homens e mulheres no interior da Igreja, ao afastar estas últimas das posições de destaque e dos organismos de decisão. Tal procedimento, contrariamente ao posicionamento de Jesus, que lhes deu voz e vez ao torná-las protagonistas de suas parábolas e do anúncio da ressurreição, tem se mostrado aquém do espaço conquistado pelas mulheres nos últimos cinquenta anos e um problema urgente a ser enfrentado. Como nos diz José Comblin (2012), posto que elas foram sempre as protagonistas da educação religiosa das novas gerações, se elas vierem a se afastar da Igreja, ao perceberem que sua presença na estrutura eclesial é reservada a um segundo escalão, os bancos de nossas assembleias dominicais estarão cada vez mais vazios, colocando em risco o projeto de evangelização no mundo atual. Foi o que começou a ser feito depois da promulgação da Encíclica Humanae Vitae, ao lhes apresentar uma interdição ao uso das pílulas anticoncepcionais. Segundo Comblin, tal encíclica caiu como uma bomba no processo de emancipação feminina. No entanto, as mulheres, não só não se aplicaram a proibição papal como aprenderam a desobediência: já que a Igreja não as ouvia, elas começaram a deixar as igrejas. 

Na contramão do dispositivo de silenciamento, imposto às mulheres ao longo da história da Igreja, um breve olhar sobre a situação das mulheres na sociedade atual nos mostra que elas ocupam com competência postos cada vez mais importantes nos organismos políticos, econômicos e, também, acadêmicos. Há décadas elas recusaram restringir sua presença e sua voz ao ambiente doméstico. Sem descurar de sua tarefa no interior da família, saíram em busca de uma autonomia econômica, pressuposto de outros objetivos a serem posteriormente conquistados. Sua luta pelo direito a voto, ingresso nas universidades, à utilização de métodos contraceptivos para não se verem condicionadas ao ofício de procriar e cuidar da prole, fez delas agentes sociais capazes de ocupar postos de comando. Certo, ainda há muito por fazer. No Brasil, muito embora elas somem 52% da população, sua presença no Congresso Nacional está reduzida a 15% das cadeiras ocupadas. De 513 cadeiras na Câmara, somente 77 são destinadas a elas. No Senado, 12 delas foram conquistadas por mulheres, entre as 81 disponíveis. 

No entanto, ainda que, no Congresso Nacional, a presença feminina seja pequena, se olharmos para as estruturas eclesiásticas, veremos que ela é mínima senão nula nos postos eclesiásticos de comando ou de decisão. Nos seminários, a presença das mulheres, salvo exceções, está reduzida à cozinha ou aos serviços de limpeza e arrumação. Poucas são aquelas que têm um posto cativo nas estruturas formativas. Um olhar de relance sobre as universidades, faculdades ou institutos voltados para a formação religiosa e sacerdotal, mostra que o número de mulheres que lecionam ou ocupam cargos de direção é ainda menor do que no Congresso Nacional. Nas Cúrias diocesanas, contam-se nos dedos as presenças femininas nos organismos ou postos de decisão. Ora, diante de uma sociedade cada vez mais aberta aos direitos das mulheres e uma Igreja resistente ao seu protagonismo no interior das estruturas eclesiásticas, como falar de “discipulado de iguais”?   Este artigo procura trazer à luz, principalmente aos olhos dos leigos e leigas, os fundamentos cristológicos desse discipulado, mas também os entraves colocados a ele ao longo da história da Igreja. Entrar em contato com esses dados nos parece fundamental para que o combate ao patriarcalismo e a luta pelo “discipulado de iguais” seja um tema constante de reflexão e um fundamento para uma prática pastoral efetivamente libertadora que emana das bem-aventuranças proclamadas por Jesus: “Felizes os que tem fome e sede de justiça, porque serão saciados (Cf. Mt 5, 6). E fazer justiça à condição da mulher no seio da Igreja é da ordem do dia.   

A reflexão sobre os entraves ao discipulado de iguais tem início por um preâmbulo, em que se analisa um retábulo pintado entre os séculos XII e XIII, em forma de fechadura, e no qual se nota a imagem do inferno. Nele, um pequeno espaço, à direita e abaixo, é reservado a mostrar os condenados, dentre os quais a “mulher que fala na Igreja”. Como então falar de “discipulado de iguais” se é feito um inferno na vida daquelas que ousam romper um silêncio imposto e pleitear uma efetiva participação nos organismos de decisão?

O primeiro tópico se volta então para a forma como Jesus se relaciona com as mulheres, colando em relevo a relação paritária que ele estabelece entre discípulos e discípulas. Em seguida, de forma breve, analisa os pronunciamentos dos primeiros padres e sua influência no modo como as autoridades eclesiásticas passaram a tratar as mulheres ao longo da história da Igreja, relegando a um segundo plano as lições deixadas por Jesus. Por fim, menciona algumas das grandes figuras femininas que foram apagadas ou silenciadas pelas gerações posteriores. 

O segundo tópico, aprofunda o contexto histórico em que foi pintado o retábulo, mostrando que o modo de pensar dos padres da Igreja se manteve intacto por quase oitocentos anos, situando-se aquém da transformação do estatuto da mulher proposto por Jesus, no seio de uma sociedade patriarcal. De forma resumida, ele mostra os elementos que permitem o renascimento das cidades na sociedade feudal e a emergência de um movimento feminino, voltado para as fontes escriturísticas, os valores evangélicos e a prática caritativa junto aos mais pobres daquelas organizações comunais. Crítico em relação ao poder pastoral dos clérigos, imiscuídos em interesses mundanos e enriquecimento ilícito, esse movimento acabou perseguido e condenado no Concílio de Vienne/França, em 1312 (DENZIGER – HÜNERMANN, 2007, pp. 308-309), muito embora ele tenha gozado por séculos da proteção de muitos prelados, que viam no movimento beguinal um testemunho profético de retorno ao anúncio e à prática da mensagem evangélica.  Fonte de experiências místicas, os beguinatos forneceram testemunhos e escritos edificantes da alma enebriada pela união com o amor divino, revelado na pessoa Jesus de Nazaré, o Filho encarnado de Deus, e testemunhado junto aos que se encontravam marginalizados.

O terceiro e último tópico − posicionando-se oitocentos anos depois do período medieval em que foi pintado o retábulo − procura mostrar que “o discipulado de iguais” continua a ser o objetivo maior da luta travada pelas mulheres no interior das estruturas eclesiais. Partindo de uma perspectiva feminina e feminista, aponta meios, estratégias e recursos para superar o patriarcalismo clerical e recuperar as atitudes de Jesus em relação às mulheres, como inspiração de um discipulado que se quer missionário e anunciador de uma boa notícia aos homens e às mulheres atuais.

Preâmbulo

A pintura aqui analisada se apresenta como um prelúdio de um drama encenado desde os primórdios da Igreja até os dias atuais. Ela se encontra na Pinacoteca dos Museus Vaticanos, em Roma.  É uma têmpera sobre tábua na qual se vê ilustrado o juízo final, assinada por Nicolaus e Johannes, ilustres pintores desconhecidos, realizada entre o século XII e XIII. O cerne deste nosso texto está baseado nessa pintura, na qual se vê registrado o silenciamento imposto às mulheres por quase oitocentos anos, fruto de mentalidade patriarcal e clerical que não foi superada pela Igreja, apesar dos esforços daquele que lhe serve de inspiração. Tal mentalidade acabou por perpassar toda a história da Igreja, à revelia do que fez Jesus, acompanhado sempre de mulheres, com as quais ele mantinha diálogo, amizade e respeito. 

Fonte: https://www.museivaticani.va/content/museivaticani/it/collezioni/musei/la-pinacoteca/sala-i---secolo-xii-xv/nicolo-e-giovanni--giudizio-finale.html#&gid=1&pid=1 

Essa pintura, um dos primeiros exemplos de arte românica que assume características da arte bizantina, se encontra na igreja de Torcello, próximo à Veneza. Ela testemunha a incidência dos textos bíblicos e da exegese patrística na Igreja medieval, ultrapassa os tempos e, na forma de “conselhos” e sentenças, registra certo desprezo pelas mulheres que atravessa os séculos e se encontra ainda hoje na estrutura eclesial. Ela chama nossa atenção não só pelo seu formato, que lembra uma fechadura, mas também pelo registro inferior, à direita, em que se vê a representação do inferno e uma inscrição com uma lista de condenados, dentre os quais a “mulher que falou na Igreja”. Tal como um bordado complicado, no qual se entrelaçam figuras e palavras de forma descontínua, a obra requer atenção para decifrar a mensagem escondida em suas imagens. 

O círculo utilizado é símbolo de perfeição, porque não possui início nem fim, e representa o universo inteiro, infinito, sem tempo e perfeito, enquanto criação divina. A forma em círculo, ainda que incompleto, indica a ideia principal da obra, ilustrada em seu interior. De cima para baixo, o primeiro registro traz, ao centro, o Cristo Pantocrátor, o Senhor da Criação, majestoso sentado sobre o arco íris, símbolo do cosmo. Ele segura a cruz gloriosa, caracterizada pelas pedras preciosas, e um globo, símbolo do universo com uma inscrição no seu interior: “Eu venci o mundo” (Jo 16, 33).  O Cristo está entre dois anjos e dois serafins com seis asas, como descreve o Livro do Profeta Ezequiel (Ez 10, 12) e sobre rodas de fogo (cf. Ez 1, 15-20; 10, 9-12).  No segundo registro, vê-se o Cristo orante, atrás de um altar, com os símbolos da Paixão, um livro (Cf. Ap 20,12-15) e um cálice. Dois anjos, com vestes de cor vermelha e dourada, o ladeiam e mostram dois pergaminhos: um, com a sentença prêmio: “Vinde, benditos de meu pai, tomai posse do Reino”, e outro, com a sentença de condenação: “afastai-vos de mim, malditos para o castigo eterno”, de acordo com o texto de Mt 25, 31-46. Cada anjo, com a outra mão, segura um globo, sendo um claro e outro escuro, provavelmente simbolizando o sol e a lua, isto é, o eclipse que aconteceu durante a Paixão de Cristo. Segue um tribunal celeste formado pelos doze apóstolos. Os mais próximos dos anjos são o apóstolo Pedro, à direita, e o apóstolo Paulo, à esquerda. A centralidade da obra é o Cristo, o que pode ser concluído pela repetição de sua imagem e do olhar para ele voltado, dos personagens nas faixas abaixo.

À direita estão as sete obras de misericórdia sintetizadas em três episódios: dar água aos sedentos, visitar os encarcerados, vestir os nus, simbolizando a caridade praticada durante a vida, por aqueles que viram no necessitado o próprio Cristo com os quais Ele se identifica (cf. Mt 25, 31-46). Na pintura, os que fazem a caridade são um leigo e um clérigo. Abaixo está a representação da ressurreição dos mortos: duas mulheres com uma criança – representação da alma – cavalgam um touro e um cavalo marinho, alegorias ou personificação da terra e do mar, respectivamente, que restituem os corpos dos mortos. À esquerda os peixes e serpentes, os animais ferozes e as aves de rapina devolvem os membros dos corpos que haviam devorado. À direita os anjos acordam os mortos das tumbas com o som de suas trombetas. Na inscrição dourada em fundo azul, que separa esse registro daquele que está abaixo, leem-se os nomes dos dois autores: Nicolaus e Johannes, dos quais se conhece apenas isso.  

Mais embaixo, fora dos muros da cidade, estão as patrocinadoras da pintura: duas monjas identificadas na parte inferior da moldura vermelha como a monja Benedetta e a abadessa Constância ("Domna Benedicta ancilla Dei" e "Costantia abbatissa"). Essas com as mãos cobertas por um tecido precioso – sinal de respeito em relação a uma divindade - oferecem o modelo de uma igreja e um objeto com o formato do ícone do juízo final. Localizado na parte direita do retângulo está o inferno (figura abaixo à direita): um lago de fogo dominado por uma grande serpente: os anjos conduzem os condenados com correntes, jogando-os ao fogo enquanto os retêm com suas espadas. Os pecadores são identificados pela escrita que revela a sua culpa: perjúrios, homicidas, mulher que falou na Igreja, meretrizes. (periuros, homicidas, mulier qui in ecclesia locuta est, meretrici).  

Certo, na obra que estamos comentando, o espaço da condenação é mínimo. No entanto, por meio dele, os autores e as mulheres que a patrocinaram se revelam herdeiros de uma mentalidade preconceituosa que, por incrível que pareça, ainda permanece entre nós. Tertuliano (†220) afirmava que “toda mulher sabe que porta em si a Eva aflita e penitente” (De cultu feminarum I,1,1). O contraponto à Eva tentadora é a Maria intercessora que, a partir do século XII, tem seu culto expandido. Um culto que nasceu a partir da piedade popular já no Egito copta, onde se invocava Maria desde o século III e de onde herdamos a invocação Sub tuum praesidium (Sob a vossa proteção...). Uma oração coletiva de quem busca socorro e proteção nas necessidades e perigos; de quem acredita que Maria apresenta ao seu Filho as súplicas de homens e mulheres que anseiam por viver na presença de Deus.

 Mas, Maria, mãe do Senhor e ao mesmo tempo mulher, representa toda a Igreja em prece. É o sentido da Orante na pintura do Juízo Final, tema recorrente na Idade Média. Inicialmente ele destacava o paraíso na maior parte da obra, realizada na parede interna para a qual todos olhavam ao sair da igreja. A imagem de Maria Orante, colocada bem próxima dos olhos dos fiéis era garantia de que Maria continuava a pedir ao Filho pelas necessidades humanas na vida e na hora da morte.

Ainda que Tertuliano tenha representado um papel importante na história da Igreja, por procurar defender as verdades da fé contra os questionamentos da cultura helenística, as conclusões que ele tirou em relação à mulher estavam marcadas pela mentalidade de seu tempo e destoavam profundamente do modo como Jesus tratava as mulheres.  Na comunidade fundada pelo Nazareno, estas ocuparam um espaço que era só seu. Os Evangelhos registram as palavras e os gestos do Mestre, que não só falou com as mulheres, mas as convidou a serem suas discípulas, dando-lhes voz e não impondo obstáculos ao seu protagonismo no anúncio do querigma. 

1. A voz das mulheres: de Jesus aos primeiros Padres da Igreja

Segundo o teólogo José Comblin, a base de todo discipulado cristão se encontra na contemplação e assimilação do modo de falar e de agir Jesus, pois comparando nosso modo de ser ao dEle, saberemos se somos ou não verdadeiros discípulos seus (cf. COMBLIN, 1974, p. 13). À luz desse pensamento, este tópico nos convida, primeiramente, a analisar o relacionamento de Jesus com as mulheres de seu tempo; em seguida, aborda os primeiros séculos do Cristianismo e nos coloca em contato com as principais interpretações bíblicas, os conselhos e exortações dirigidas às mulheres pelo primeiros santos e doutores da Igreja. Veremos como os escritos desses últimos, caracterizados por um esforço em atualizar a mensagem do Evangelho em sociedades marcadas pelo patriarcalismo, acabaram por se tornar a principal causa do silenciamento das mulheres na Igreja e de um tratamento desigual no exercício do discipulado, contrários à vivência e ao pensamento de Jesus.

1.1 Jesus e o reconhecimento da voz das mulheres

A sociedade no tempo de Jesus mantinha as mulheres silenciosas e quase invisíveis, subjugadas primeiramente ao pai, depois ao marido e, se viúva, aos filhos ou ao pai ou irmãos. Além disso, o marido tinha o direito de repudiar a esposa a qualquer momento (cf. Dt 24,1). Segundo PAGOLA (2019a, p. 256-259), o inconsciente coletivo alimentava uma visão negativa da mulher embasada pelo poema da criação segundo o qual a mulher foi criada para ser auxiliar do homem, mas que, por se deixar seduzir pela serpente, se transformou em causa da desobediência e da expulsão do paraíso (Gn 2,4-3,24). Esse relato revela que, para o povo judeu do Antigo Testamento, a mulher era vista como um perigo. Sensual, tentadora, desordenada e inútil, é alguém em quem não se pode confiar e, por isso, deve ser mantida sob controle. Sua função é ter filhos e servir ao marido ou a outro de quem seja propriedade. Deve também ser por eles protegida em razão de sua vulnerabilidade. Por isso, para o bem de todos, era “bom” que ela ficasse em casa cuidando de sua reputação para não envergonhar a família.

Jesus cresceu nesse ambiente. No entanto, os Evangelhos narram que ele andava sempre acompanhado por um grupo de mulheres. Seus nomes também ficaram registrados: Maria Madalena, Joana, mulher de Cuza, procurador de Herodes, Suzana além de várias outras (cf. Lc 8,1-3). Elas não o abandonaram nem mesmo no caminho do calvário (cf. Lc 23, 27-31) e na hora de sua morte (cf. Mc 15, 40-41). Por sua própria vontade, ele quis que as primeiras testemunhas de sua ressurreição fossem as mulheres. Em geral, aquelas que se aproximavam dele eram marginalizadas, doentes, viúvas, sozinhas, repudiadas, de má fama ou consideradas prostitutas. Somente Lucas fala que algumas mulheres o sustentavam economicamente (Lc 8,3). Vários pesquisadores (cf. PAGOLA, 2019 a nota 12, p. 260) são concordes que a afirmação pode ser uma antecipação do que ele escreveu nos Atos dos Apóstolos (17,4-12), a respeito da conversão de algumas mulheres da alta sociedade.

Mulheres que saiam de casa acompanhando homens eram consideradas “fáceis”, especialmente se não estivessem com seus esposos. Jesus não as despreza. Pelo contrário, ele as acolhe, segundo o relato do banquete na casa do fariseu (cf. Lc 7,36-50). Mulheres presentes em banquetes poderiam ser prostitutas dos bordéis de propriedade de cobradores de impostos, contratadas para jantares ou festas, daí se entende o porquê do nervosismo de Simão nesse texto de Lucas (cf. PAGOLA, 2019 a, p. 260-261). Mas Jesus não se importa com as suspeitas; não discrimina, não expulsa, nem condena a mulher que durante o banquete se aproximou dele, lavou e perfumou seus pés. Para ele, aquela refeição era uma amostra do banquete do Reino, onde os últimos serão os primeiros, o que podemos reescrever, sob a ótima feminina, as últimas serão as primeiras, tendo em conta as suas palavras: “As prostitutas vos precederão no Reino do Céu” (Mt 21,31).

Igualmente na contramão da cultura, Jesus exalta a dignidade da mulher, mas não pelo motivo de ser mãe. Mais do que a maternidade, a mulher, assim como o homem, a mulher é valorizada por sua capacidade de escutar a palavra de Deus, a mensagem do Reino. Nisso está a sua grandeza (Lc 11,27-28). Ela também pode fazer experiência de Deus, da mesma forma que o homem. As narrativas, tanto nos evangelhos sinóticos quanto em João, são uma amostra de que Jesus torna visível a vida das mulheres; de que ele consegue perceber suas angústias, ler seus silêncios. Ele lhes dá voz ao fazê-las protagonistas de muitas de suas parábolas. Deus é o Pastor que procura a ovelha perdida como a mulher que perdeu a sua moeda e que varre a casa até encontrá-la, e encontrando, se alegra: duas metáforas que mostra como é o amor de Deus. Utilizando os mesmos termos nas duas parábolas, Jesus inaugura uma nova linguagem e rompe com os esquemas e imagens de Deus enquanto figura masculina. Ele convida a falar aquela que era silenciada, vivendo escondida e subjugada. 

O Evangelho, escrito e anunciado como uma novidade, trouxe uma boa notícia para as mulheres, que puderam também ser discípulas seguidoras do mestre Jesus, com liberdade de falar e de serem ouvidas. Essa notícia impactante foi de encontro a uma mentalidade corrente na sociedade judaica e greco-romana, nas quais foram sendo formadas as primeiras comunidades cristãs. Nessas culturas, profundamente machistas, os pensadores cristãos, isto é, os Santos Padres, interpretaram os textos bíblicos e deixaram transparecer a mentalidade vigente em relação à mulher, contribuindo para justificar a sua submissão ao homem. 

No tópico seguinte, veremos agora como as primeiras interpretações do Evangelho, escritas pelos filósofos ou teólogos cristãos, mostram certa contradição entre o anúncio da pessoa e da mensagem de Jesus, que valorizava as mulheres, e a força da cultura que teimava em interditar a participação feminina, silenciando a voz da mulher dentro e fora de casa. 

1.2 Silenciamento das mulheres: de Tertuliano a Agostinho

A partir do século III, os Padres da Igreja, tanto no Oriente quanto no Ocidente, foram formulando reflexões ou releituras dos textos bíblicos, enraizadas nas culturas judaica, helenista e romana. Nelas, salvo diferenças de lugar e época, a mulher era considerada inferior ao homem por natureza e, consequentemente, estava confinada a espaços limitados de participação. Suas intervenções, seja em palavras seja em ações, dependiam da permissão dos homens. Pensadores como Platão e Aristóteles tiveram grande influência em relação ao estatuto da mulher na antiguidade - respingando até os nossos dias. Para eles, as mulheres eram inferiores aos homens em quase tudo.

Os textos da patrística que mencionam a mulher estão contidos num quadro de tensão entre a mentalidade vigente de um lado e, de outro, a novidade do Evangelho que reconhece a igual dignidade entre homem e mulher. O poema da criação (Gn 1-3) é um dos textos mais utilizados para reconhecer e ao mesmo tempo negar a condição da mulher como imagem e semelhança de Deus e Eva e Maria, colocadas em contraposição, serviram para justificar e manter as tensões e polarizações entre Evangelho e mentalidade patriarcal.  Ambrosiaster ou Pseudo-Ambrósio, influenciador da tradição sucessiva, justifica a subordinação feminina com base na negação da mulher como imagem de Deus. Ele argumentou que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança (Gn 1,26), mas Eva, sendo tirada da costela do homem, é imagem do homem e não de Deus. O homem teve prioridade na criação e por isso é superior por sua posição, senhor e dominador de tudo, “cabeça da mulher” (cf. 1Cor 11,7) que a ele deve se sujeitar (cf. MORETTI, 2013, p. 152). 

A inferioridade da mulher foi ainda legitimada, em chave androcêntrica, pelo pecado original. Tertuliano, africano convertido ao cristianismo antes de 197, dirigiu uma condenação a todas as mulheres porque, segundo ele, “cada mulher porta em si Eva [...] a sentença de condenação de Deus continua ainda em nossos dias sobre esse sexo [...] tu és a porta do diabo, tu quebraste o sigilo da árvore, tu por primeiro abandonaste a lei divina...” (De cultu feminarum 1,1).  Eva, portanto, representa a situação existencial de pecado e inferioridade, ao passo que Maria, puríssima, é sem pecado e uma meta a alcançar, com quem a mulher é chamada a identificar-se (cf. PASTORINO, 1985, p. 110).  Irineu de Lyon (†202) destaca que, enquanto Eva ouviu e seguiu a voz do tentador, Maria ouviu a Palavra do Senhor (cf. Lc 1,38); Eva - virgem - desobedeceu e causou a morte de toda a humanidade, enquanto a Virgem Maria, por sua obediência foi causa da salvação (cf. Demonstração da Pregação Apostólica I,33). 

Tertuliano foi uma das referências teóricas para São Jerônimo, São João Crisóstomo e Santo Agostinho.  Contemporâneo e sob o influxo de Tertuliano, o também cartaginês Cipriano (258) utiliza textos bíblicos para um discurso moral (cf. MORETTI, 2013, p. 142-144). Em sua obra, “As vestes das virgens”, faz uso de citações bíblicas, referentes às prostitutas, para falar sobre as imoralidades das mulheres. É contra as joias, a maquiagem e o tingimento dos cabelos em textos que mencionam os seguintes versículos: Ap 12; Ap 17,1-4; Is 3,16-24; 1Cor 5,7 e outros.  Além de Eva e Maria, os Padres recorreram a outras mulheres bíblicas para suas considerações.  Cirilo de Jerusalém (386) argumentava que a mulher pecadora se salva pela penitência e pelo jejum e apresenta Raab como exemplo de mulher que foi perdoada e salva por ter dito: “...o vosso Deus é Deus tanto em cima nos céus como embaixo na terra” (Js 2,11). Cirilo nota que vivendo desregradamente, ela não ousou dizer “nosso Deus”. Mas, se Deus salvou uma prostituta, todas as mulheres poderiam ter confiança. Deus salva homens e mulheres, mas - repete - pela penitência (cf. Segunda Catequese, 9), porque não existe diferença entre a alma do homem e da mulher. A única diferença que existe diz respeito aos membros do corpo (cf. Quarta catequese, 19). 

Santo Ambrósio (†397), herdeiro dessa tradição, menos misógino, reconhece o protagonismo feminino e “redime” Eva da culpa do pecado. Ao comentar o Evangelho de Lucas, o bispo de Milão diz que a mulher foi a “instigadora da culpa” e o homem, o executor; mas, assim como ela foi a primeira a pecar, foi a primeira a ver a ressurreição, a primeira a remediar aquela situação de transgressão. Aquela que derramou a culpa, também derramou a graça; a dor da queda foi compensada pela alegria do anúncio (cf. Ambrósio, Da exposição sobre o evangelho de Lucas X,156). 

Os escritos dos Padres mostram um cristianismo incorporado, de um lado, ao sistema patriarcal vigente na cultura dominante e de outro, influenciado pelas cartas de Paulo e Pedro – se bem que estes também estão permeados por componentes culturais sejam helenísticos, romanos ou judeus. Por exemplo, São Pedro pede às mulheres submissão, obediência, vida casta, silenciosa e reservada (cf. I Pd 3,1-8), não obstante pede também que os homens valorizem e respeitem as mulheres. Paulo diz que não é permitido às mulheres falarem na assembleia (cf. I Tm 2,11), embora também tenha recomendado aos homens amarem as mulheres como Cristo ama a Igreja e a ela entrega a vida. Ancorados nesses e em outros textos, os Padres determinam às mulheres os protocolos em relação à submissão, ao silêncio e ao corpo. 

Em síntese, desta amostra de textos patrísticos, pudemos entender que ao utilizar os textos bíblicos, os escritores enfatizavam a inferioridade da mulher, entendida como auxiliar do homem, porque alguém que foi criada a partir dele. Somando ao Gênesis as cartas do Novo Testamento, vemos reforçado o que já era convencional naquelas culturas. Porém, os autores patrísticos tomam o cuidado de preservar a reputação das mulheres cristãs, de defendê-las contra a excessiva dominação dos homens. Não temos como saber o que elas sentiam, se reagiam ou se alguma vez se rebelaram. A imposição de uma vida escondida, doméstica e silenciosa não nos permite ouvir suas vozes. Algumas permaneceram silenciosamente na história – como Marcella e Paola – por causa de Jerônimo e apesar dele - que não pôde suplantar o patriarcalismo, não obstante ter valorizado as mulheres com as quais fez traduções e comentários bíblicos, contradizendo a cultura e a mentalidade da época.  Os textos patrísticos procuram plasmar a realidade à luz das Escrituras, mas também a realidade, a convivência e amizade com a mulheres deixou seus sinais nos seus escritos. Os Padres da Igreja tiveram dificuldade em encontrar formas novas e até revolucionárias para fazer da Igreja um lugar de iguais, mas deixaram brechas em seus escritos, muito embora pareçam contraditórios para quem os relê após séculos de distância. A Igreja, que se reunia e junto celebrava, descortinava a igualdade, mas não conseguiu superar a mentalidade machista consolidada. 

2. O silenciamento das mulheres religiosas na Idade Média, no exercício do discipulado de iguais

No tópico anterior, vimos que o silenciamento imposto às mulheres passou a ser uma prática corrente e objeto de exortação de padres e doutores na primeira fase da Igreja, também chamada de Patrística. Vimos também que esse silenciamento ou apagamento da figura feminina destoa fortemente da maneira como Jesus se relaciona com as mulheres. Não obstante os exemplos fornecidos por ele, os autores da pintura analisada não hesitaram em colocar a mulher que fala na Igreja no inferno, com o assentimento da monja Benedetta e da abadessa Constância, ambas coniventes com essa determinação, demonstrando que o patriarcalismo se encontra enraizado na cabeça de muitas mulheres, dentro e fora da estrutura eclesial.

O que chama a atenção nessa pintura, além obviamente dos aspectos artísticos, é a reverberação, oitocentos anos depois, de ideias e concepções a respeito da condição feminina pertencentes a autores que viveram nos quatro primeiros séculos de nossa era. Nesse sentido, nos oito séculos que separam os Padres da Igreja dos pintores Nicolaus e Johannes, não teria havido nenhuma evolução? O exemplo de Jesus na relação de gênero teria sido definitivamente esquecido? A notar pela pintura seríamos levados a uma trágica constatação: ‘Não, não houve nenhuma evolução, como parece não ter havido nos oito séculos seguintes, a notar o papel secundário das mulheres na estrutura eclesial, mesmo após o aggiornamento proposto pelo Papa João XXIII, ao convocar o Concílio Ecumênico Vaticano II’ em 25 de janeiro de 1961. Se nos últimos sessenta anos as mulheres passaram a ocupar na sociedade um número cada vez maior e mais variado de postos de trabalho e um lugar de destaque nos organismos de decisão, o mesmo não acontece na Igreja Católica e em boa parte das Igrejas cristãs.             

No entanto, essa pintura pode nos revelar outra situação, não obstante sua forma em fechadura, que parece encerrar a mulher num espaço secundário e determinar um discipulado assimétrico no lugar de um discipulado de iguais. Partindo então do pressuposto de que toda fechadura pode cerrar ou abrir uma porta, inserimos uma chave de leitura que nos permitirá entrever uma emergente emancipação das mulheres do ponto de vista social e religioso em pleno século XII, causa de admiração e entusiasmo por parte de uns, mas de intensa maledicência por parte de outros, de modo que as mulheres que ousaram falar na Igreja fossem tanto exaltadas pelo povo, e por um grupo significativo de religiosos, quanto condenadas ao inferno pelas autoridades eclesiásticas. Trata-se do movimento das beguinas, que teve sua aparição no final do século XII e se difundiu vertiginosamente no século XIII, séculos em que provavelmente foi pintado o retábulo que coloca as mulheres que falam na Igreja no inferno.

O movimento feminino, chamado beguinato, emancipado da tutela clerical e do sistema patriarcal, introduziu na Idade Média Baixa um estatuto novo para as mulheres, mais livre e mais evangélico, e se tornou uma voz profética num dos períodos mais machistas de nossa história: época dos cruzados, em suas batalhas contínuas, matando e morrendo em nome de Cristo. Como movimento eminentemente urbano, ele oferece à condição feminina uma emancipação da tutela masculina impensada na época e uma inspiração para se pensar um estatuto diferenciado da mulher na estrutura da Igreja atual, rumo ao discipulado de iguais. Pela apresentação do movimento beguinal no contexto da Idade Média Baixa, acreditamos oferecer, por meio dessa experiência “arcaica”[2], os meios para compreender e combater os dispositivos de poder que insistem em não efetivar uma relação mais simétrica entre homens e mulheres na estrutura eclesial. Desse movimento, ainda que brevemente, destacaremos os escritos místicos de Marguerite Porete que representa uma nova forma de falar de Deus e de se relacionar com ele, acompanhada de um profundo senso de caridade. Não obstante sua vida apostólica, marcada por uma linguagem original e um amor sem medidas a Deus e ao próximo, os escritos de Porete serviram tanto de pretexto para um reincidente silenciamento das mulheres na Igreja quanto de freio ao discipulado de iguais.   

2.1 A gênese do movimento Beguinal

Ao analisarmos a condição das mulheres na primeira metade do século XI, veremos que pouca coisa mudara nos sete séculos que as separam dos Padres da Igreja. O lugar que lhes é imposto, na sociedade e na estrutura familiar, pouco difere daquele que lhes fora atribuído por Ambrósio, Agostinho, Tertuliano e Orígenes, mencionado no primeiro tópico. Como diz Jacques Le Goff, numa sociedade militar e viril, de subsistência sempre ameaçada, nem mesmo a fecundidade se apresenta como uma benção (1983, p. 42). 

 No entanto, da segunda metade do século XI em diante, a condição da mulher começou a mudar. O comércio instaurado nos burgos, juntamente com um visível progresso econômico, possibilitou que houvesse mais informação e uma visão mais ampla do mundo. Esta visão apresentou-se como um contraponto à tendência anterior, que reafirmava um único ponto de vista: o do modelo patriarcal próprio à cultura romana. Além de outros fatores que veremos a seguir, uma compreensão mais aberta em relação às mulheres se deveu à influência dos bárbaros que introduziram, em certas regiões do mundo medieval, a paridade entre os gêneros na vida social, pois nas sociedades célticas, ao contrário das sociedades greco-romanas, as mulheres estavam em pé de igualdade com os homens. Nelas, a mulher gozava de maior liberdade e de considerável independência em relação ao homem. Como diz José Rivair Macedo (1990), nas sociedades célticas havia uma equidade jurídica entre os sexos. O homem era chefe da família, não do casal (apud MACHADO DE OLIVEIRA, 2017, p. 28). 

Assim, se as novidades trazidas pelos comerciantes deram a conhecer outras visões de mundo, elas contribuíram também para aguçar a vontade de conhecer tanto em homens quanto em mulheres. A presença feminina nos movimentos heréticos medievais – tais como o catarismo[3] e o movimento beguinal, é sinal de sua insatisfação com o lugar que lhes é oferecido na sociedade medieval. O catarismo, apesar das muitas posições heterodoxas em relação ao credo católico, trouxe novas ideias a respeito do papel da mulher, haja vista que às “puras” (cátaras) era concedido um papel de líder espiritual e de ministra do único sacramento, o Consolamentum, que tinha por objetivo lavar todo pecado anterior e introduzir o fiel no estado de perfeição. No que diz respeito à Igreja, há de se notar que esses movimentos suscitaram, por parte dos movimentos espirituais, uma verdadeira volta à chamada vita apostólica, como resposta à descrença causada pelo mau exemplo do clero. 

As heresias, portanto, não passaram, nesse contexto, de forma suprema dos movimentos revolucionários e foram adotadas, mais ou menos conscientemente, por categorias sociais descontentes com sua sorte.  Segundo Le Goff, fizeram parte desses movimentos de contestação herética os nobres (contrários às restrições de consanguinidade impostas pela Igreja), os burgueses (por causa das acusações de usura nos tratos comerciais) e, por fim, os artesãos dos burgos: montanheses e pastores do campo. No entanto, as duas primeiras classes abandonaram suas causas e deixaram somente para os últimos o protagonismo solitário das revoltas. Em torno das ideias propriamente religiosas, os inquisidores esvaziaram esses movimentos “de todo o seu conteúdo social” (LE GOFF, 1983, p. 75) e se voltaram para aquilo que, no olhar do filósofo Michel Foucault (2008, pp. 217-244), se configurou em movimentos de “contraconduta”, em oposição ao poder pastoral exercido pelos padres: um poder totalizante (sobre a condução de todo o rebanho) e, ao mesmo tempo, individualizante (por meio do exame de consciência na direção espiritual e na confissão). 

No âmago de toda essa conjuntura, a figura feminina, a partir do século XII, foi adquirindo um estatuto mais positivo e, de certa forma, até idealizado. O amor cortês foi uma das expressões dessa idealização da mulher inalcançável. As histórias em torno do cavaleiro Lancelot, apaixonado pela rainha Guinevere, mulher do Rei Arthur (aquele da Távola Redonda), assim como a de Tristão, apaixonado pela princesa Isolda, prometida a seu tio, o Rei Marcos da Cornualha, são exemplos desse amor impossível, cantado inúmeras vezes em linguagem erótica, por trovadores e menestréis, de castelo em castelo, de burgo em burgo. Segundo Silvana Panciera (2009, p. 16), o amor cortês introduz um novo estilo não somente nas relações “profanas” - nas quais as mulheres deixam de ser vistas sob um único estatuto, o de objeto de prazer, e passam a ocupar outros papeis na sociedade -,  mas também nos afetos “religiosos”, nas relações com Deus”.  Bernardo se expressa numa linguagem erótica, a exemplo do Cântico dos Cânticos, para falar da alma (amado) em busca de Deus (amada) e Francisco, numa linguagem amorosa, para falar de seu casamento com a “Dama pobreza”. As beguinas, por sua vez, tomaram para si o estilo e as metáforas corteses para escrever, como a mística Marguerite Porete, a saga da alma em busca da Dama-Amor (Deus), e para nominar a responsável pelo beguinato de a “grande Dama”. Essa elevação do feminino, no âmbito social e religioso, foi transposta também para o culto à Virgem Maria e à Santa Maria Madalena. Segundo Jacques Le Goff, mais do que origem da mudança do estatuto da mulher na sociedade medieval, esse culto foi uma consequência do papel da mulher na Baixa Idade Média.

Os estudos que atualmente são feitos sobre os beguinatos mostram, em sua origem, a presença de mulheres cultas e ousadas, a meio caminho entre a vida religiosa e a vida laica[4], que traduziam a Bíblia em língua vernácula, liam-na e a comentavam entre aqueles que eram os preferidos de sua caridade: leprosos e doentes de peste negra, órfãos e viúvas de combatentes em guerras e cruzadas. Em O Povo de Deus (Cap. X), Vocação à Liberdade (Cap. VI) e O Espírito Santo e a Tradição de Jesus, José Comblin discorre sobre as coerções operadas pela hierarquia e as condenações do Papa Clemente V que, no Concílio de Vienne/França, ocorrido entre 16 de outubro de 1311 a 6 de maio de 1312, declarou as beguinas como hereges, por meio das bulas Cum de Quibusdam Mulieribus (1311) e Ad Nostrum Qui (1312). Tais condenações, no intuito de silenciá-las, acabaram por estigmatizá-las e por minimizar seu valor na história eclesiástica, embora não tivessem conseguido exterminá-las na Alta Renânia, por causa de seu caráter exemplar em contraste com o modo de vida lascivo de boa parte do clero. Foram séculos de resistência mediante uma campanha difamatória, por terem enfrentado o poder econômico dos burgueses e o poder clerical da casta sacerdotal.  

No curso Em Defesa da Sociedade (1975-1976), Michel Foucault procura mostrar como a história até a Idade Média esteve a serviço da legitimação do poder dos soberanos. Durante muito tempo, como dizia Petrarca (1304-1374), a história dos reinados foi sempre a história de Roma, dos vencedores (FOUCAULT, 2005, p. 86). Com a leitura em língua vernácula da Bíblia, as beguinas, assim como todos os que traduziam e comentavam as Escrituras em praça pública, apresentavam ao povo uma contra história, a história dos judeus, a história dos vencidos. Por meio dela, os pobres começaram a compreender que há muita sujeira e muita corrupção no exercício do poder e que este tipo de governo, como diziam os profetas, não está de acordo com a vontade de Deus. Como diz Foucault, “jamais se deve esquecer de que a Bíblia foi, a partir da segunda metade da Idade Média pelo menos, a grande forma na qual se articularam as objeções religiosas, morais, políticas, ao poder dos reis e ao despotismo da Igreja” (FOUCAULT, 2005, p. 83). 

3. Aspectos da situação e do silenciamento das mulheres nos tempos atuais

A atualização proposta pelo Concilio Vaticano II nos faz refletir sobre a possibilidade de uma conversão ministerial nas estruturas eclesiais, o que nos tem custado muito. A partir de um resgate antropológico, esse evento apontou a mesma dignidade de homens e mulheres e indica − na perspectiva eclesiológica de Igreja Povo de Deus, onde todos os batizados são chamados ao mesmo seguimento de Jesus − aspectos relevantes para se pensar a situação das mulheres nos tempos atuais. Na atualidade, ainda há mulheres silenciadas e desconsideradas nas estruturas eclesiais, mesmo que capacitadas e comprometidas. Mesmo com o apoio do Papa Francisco, há quem ainda desconsidere a sua presença legítima e relevante para a vida da Igreja. Há retrocessos em partes da Igreja, o que tem dificultado a emancipação eclesial feminina e um consequente discipulado de iguais, conforme fora analisado e sugerido, já no final do último século, pela teóloga SCHUSLER-FIORENZA (1995). Em meados do Século XX, com os documentos conciliares, e em pleno auge de grandes revoluções, a mulher começou a ganhar novos espaços de atuação e foi conquistando vários lugares de fala, o que trouxe uma animosidade entre a estrutura eclesiástica e as ciências, dentre as quais a própria teologia.

Com a abertura proposta pelo Concílio Vaticano II, novos ares trouxeram também um avanço para a vida das Igrejas particulares. Abriram-se oportunidades para uma ação pastoral mais atuante dos leigos. Mas, no que toca a ação das mulheres na estrutura eclesial, pouco espaço lhes foi oferecido nos organismos de decisão, deixando transparecer que na Igreja elas não são reconhecidas como iguais. É preciso ressaltar que o silenciamento das mulheres nos diversos organismos eclesiais acontece de forma velada, mesmo com toda a abertura proposta pelo Concílio Vaticano II. O silenciamento não se dá nos moldes das condenações que afetaram o movimento beguinal, impondo-lhes ostensivamente o silêncio, mas por meio de estruturas eclesiásticas fortemente masculinizadas, com a presença ostensiva dos homens. Como exemplo, podemos citar a ínfima presença das mulheres religiosas ou leigas nas faculdades de teologia e nos centros de formação voltados para o ministério sacerdotal. A falta da perspectiva feminina nesses organismos impede que se aborde as diferentes questões relacionadas à vida pastoral de uma forma mais equânime e de perspectiva mais abrangente. Tal ausência reforça o clericalismo e a tendência a relegar às mulheres postos de serviço, mas não de decisão.  O discipulado de iguais enfrenta dificuldades para se efetivar na práxis cristã, porque os futuros sacerdotes, os primeiros responsáveis pelas comunidades eclesiais, são formados segundo a ideia de que as coisas sempre foram assim e devem continuar assim. O clericalismo não só inibe uma presença mais efetiva do laicato na vida pastoral da Igreja, como se constitui num entrave ao discipulado de iguais, muito embora sejam as mulheres a maioria na Igreja, conforme aponta a Conferência de Aparecida (2007). 

Diante dessa realidade desequilibrada, a teologia pastoral tem buscado alguns novos objetivos “hermenêuticos”, necessários a uma conversão da eclesiologia tradicional. Nesta, a condição das mulheres aparece de forma desajustada, pois se constitui num empecilho ao discipulado de iguais e à criação de uma comunidade de filhos e filhas do mesmo Pai, criados à imagem e semelhança de Deus. Aqui apontamos alguns desses objetivos:

Dessa forma, nos moldes de Jesus de Nazaré, torna-se possível na atualidade serem efetivadas algumas redefinições, ou seja, ser e fazer conforme a sua prática descrita nos evangelhos. Nesse sentido, a partir da experiência de Deus em Jesus de Nazaré, propõe-se:

Nesse sentido, urge enxergar nas comunidades as injustiças geradas pelo silenciamento das mulheres, contrárias à prática de Jesus nos Evangelhos. É imprescindível promover o protagonismo das mulheres na Igreja onde elas ainda são tratadas de forma desigual em relação ao modo como são tratados os varões. Enquanto mulheres e homens não gozarem da mesma condição de pessoas batizadas no mesmo Espírito de Deus, não acontecerá a libertação anunciada por Jesus e descrita nos Evangelhos.

Conclusão

Por este escrito procuramos mostrar que o “discipulado de iguais”, inaugurado por Jesus, foi obliterado em nossas estruturas eclesiais e eclesiásticas por meio do “silenciamento”, enquanto dispositivo de governo e de poder. No terceiro tópico, ao sugerirmos alguns ajustes de conduta, não foi outra a nossa intenção do que buscar formas de superação de uma tendência que tem permanecido constante na História da Igreja por quase dois milênios, muito embora essa mesma história não tenha conseguido apagar a memória de Maria de Magdala, Marcella, Paola e Marguerite Porete, que ousaram comentar as Sagradas Escrituras. Quisemos, por meio deste texto mostrar o quanto a tendência ao silenciamento das mulheres tem sido reiterada e prejudicial a um anúncio eficaz das verdades evangélicas, pois priva a Igreja de um modo próprio, o feminino, de interpretar e anunciar o Evangelho. Marguerite e outras mulieres religiosae optaram por uma linguagem mais afetiva, próxima da sensibilidade popular, para traduzir as Sagradas Escrituras. Elas são algumas dentre uma miríade de mulheres que tiveram um papel fundamental no anúncio e no testemunho do Evangelho, muito embora o patriarcalismo e o clericalismo tenham tentado apagar sua memória ou diminuir a importância de suas atitudes e pensamentos no interior da Igreja. A contrapelo dessa tendência, em junho de 2016, o Papa Francisco elevou ao grau de festa a memória de Santa Maria Madalena e procurou fazer justiça ao fato de as mulheres serem, na maior parte das vezes, relegadas a um segundo plano na História da Igreja, abrindo espaço a elas não só na liturgia como nos postos de decisão. Mas, sabemos quanta resistência ele tem encontrado por querer dar azo a essa tendência no interior da Cúria Romana. 

Assim, o fato de querer mostrar o silenciamento como dispositivo de subjugação das mulheres na estrutura eclesial nos pareceu o passo primeiro e fundamental para uma real transformação de situações julgadas insuportáveis. Deixá-lo vir à tona e refletir sobre ele − à luz dos gestos e palavras de Jesus, ápice de toda Revelação, como diz a Constituição Conciliar Dei Verbum (n. 2) − é tornar possível ações que nos auxiliem a ultrapassar a assimetria existente entre o estatuto das mulheres e dos homens no interior de nossas comunidades eclesiais; é instaurar um espaço atrativo para mulheres que atuam positivamente nos mais diferentes setores da sociedade atual, mas que não se reconhecem em estruturas que teimam alocá-las em posições subalternas e que desvalorizam sua capacidade e suas habilidades intelectuais na gestão de pessoas e dos projetos pastorais.  É o que desejemos fazer até aqui. 

Referências

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Notas

[1]O filósofo italiano Giorgio Agamben (2009, pp. 25-51), no rastro de Michel Foucault, procura definir o que venha a ser um dispositivo. Ele o relaciona à tradição cristã, que desde Tertuliano, Hipólito e Irineu apresenta o projeto salvífico de Deus-Pai como uma oikonomia, “o modo em que administra a sua casa, a sua vida e o mundo que criou”. A economia da redenção e da salvação atribui ao Filho (Jesus) essa função. “Já a partir de Clemente de Alexandria esta se funde com a noção de providência, e passa a significar o governo salvífico do mundo e da história dos homens. Pois bem, qual é a tradução deste fundamental termo grego nos escritos dos padres latinos? Dispositio. O termo latino, dispositio, do qual deriva o nosso termo “dispositivo”, vem, portanto, para assumir em si toda a complexa esfera semântica da oikonomia teológica” (p. 37-38). Dispositivo é, portanto, “um conjunto de práxis, de saberes, de medidas, de instituições cujo objetivo é gerir, governar, controlar e orientar, num sentido que se supõe útil, os gestos e os pensamentos dos homens” (p. 39).  

[2]Vale lembrar que o filósofo Giorgio Agamben chama a nossa atenção para o termo “arcaico” que, ao invés de ser pensado como algo antigo e ultrapassado, traz em sua raiz o vocábulo grego arché (princípio). Segundo ele, visitar o arcaico é encontrar a inspiração para algo novo no presente, de vanguarda (avant-garde), assim como a moda revisita estilos passados para imprimir uma nova tendência no modo de se vestir. Não seria então o caso de revisitar o beguinato para que o nosso caráter adquira uma nova roupagem, a moldar uma nova forma de nos conduzir, rumo ao discipulado de iguais?

[3]Corrente de pensamento provinda da Igreja do Oriente e que tem como um dos princípios a ideia de que somente os puros alcançarão a salvação. Katarós, em grego (καϑαρός), quer dizer puro.

[4]Denominadas mulieres religiosaeI, as beguinas, solteiras ou viúvas, não faziam votos perpétuos, apenas votos temporários, renovados periodicamente. Moravam em pequenas casas individualmente, trabalhavam no artesanato, na tintura e tecitura de tecidos e outros ofícios ligados à agricultura (colheita de beterrabas, por exemplo). Na classe superior, embora tivessem condições de se devotar somente à leitura, às orações e à música, administraram as propriedades da família na ausência de seu pai, seus irmãos ou mesmo marido, em razão de viagens, peregrinações, cruzadas ou guerras particulares.