Resenha

NOBRE, José Aguiar (org). Deus e o ser humano hoje: múltiplos olhares. São Paulo: Editora Pluralidades, 2022, 236p.

Elizeu da Conceição[1]

Emerson de Almeida Amaral[2]

Gilberto Dias Nunes[3]


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 Desde a antiguidade, a temática “Deus e o ser humano” fez parte dos debates filosóficos, teológicos e de outras áreas do saber. O tema continua atual e, com as novas investigações, revela seus múltiplos enfoques. A presente obra organizada pelo professor Dr. José Aguiar Nobre é fruto de pesquisas dos doutorandos do Programa de Pós-Graduação em Teologia da PUC-SP, na Disciplina Seminário de Pesquisas Avançadas. Já, na sua Apresentação, entendemos a ideia que fundamenta a coletânea em análise: proporcionar um amplo debate no espaço público sobre a temática aprofundada pelos doutorandos em seus diferentes enfoques. Pois, “em termos de Teologia cristã, existe uma reflexão ampla referente a Deus e ao ser humano, [apresentada] por diversos pensadores teólogos e teólogas” (NOBRE, 2022, p. 5). Partindo desse escopo, é possível percorrer os múltiplos olhares abordando o mesmo tema. Neste sentido, no prefácio, o doutorando Reginaldo Marcolino destaca a problemática a ser apresentada na coletânea:

como se posicionar diante do mundo? Como saber quem sou, sem me ver na relação com o mundo, com Deus, que é seu princípio, e como ser feliz no conjunto da humanidade? Em torno de questões várias que são frutos de pesquisas em Teologia, observaremos uma gama de ponderações que pretendem favorecer a relação entre Deus e o ser humano hoje (MARCOLINO, 2022, p. 7).

A partir desta problemática, com múltiplos olhares, os autores “trazem uma visão do Deus cristão em cuja fé revelada é de uma forma sempre mais assimilável e frutuosa” (MARCOLINO, 2020, p. 8) e, contribuem, assim, para a atual reflexão teológica. Mas, sabemos que, com o avanço da modernidade, há uma profunda mudança de paradigma – do teocentrismo ao antropocentrismo -, com uma nova compreensão do ser humano e de sua relação com Deus. Este, sendo o centro “tanto da criação como partícipe da graça, torna-se capaz de experimentar esta mesma criação e esta mesma graça. [...]. Por isso mesmo, o ser humano é o elemento comum e noção elementar na compreensão da antropologia teológica” (MARCOLINO, 2020, p. 9) e esta antropologia é indispensável para olhar “o ser humano a partir de Deus” (MARCOLINO, 2020, p. 10). Neste sentido, “ao perscrutar Deus e o ser humano hoje dentro dos ‘múltiplos olhares’, que a obra nos propõe, será necessário procurar ‘caminhos novos’ na construção de um novo humanismo, sem medo e com renovada esperança” (MARCOLINO, 2020, p. 11). Este prefácio demonstra que a obra vê a civilização do amor como uma construção necessária para “humanizar nossas relações” (MARCOLINO, 2020, p. 11), isso será possível somente através de uma educação integral. 

Uma das riquezas que encontramos nesta publicação é a diversidade de autores clássicos e modernos em diálogo sobre o tema central: Deus e o ser humano. Mas três em especial, perpassam todos os textos, trata-se do filósofo francês Paul Ricoeur, do teólogo Andrés Torres Queiruga e do Papa Francisco. A obra está metodologicamente estruturada com introdução, prefácio, considerações finais e treze capítulos, com enfoques diversos, o que possibilita trilhar pontos de vista tão diferentes. 

Entendendo que todo texto é polissêmico e que proporciona múltiplos olhares, destacaremos aqui, brevemente, em cada capítulo, alguns olhares como chave de leitura e motivação para o leitor visitar a obra e tirar suas próprias conclusões. 

No capítulo I, intitulado A criação é poética e ecoteológica: um breve exercício à luz dos textos de (Gn 1,1-2; Gn 2,4-6) (pp. 15-25), José Ancelmo Santos Dantas, argumenta que apesar do tempo os textos bíblicos “não perdem sua força semântica, tampouco seu caráter pedagógico” (DANTAS, 2022, p. 15). De acordo com o autor, analisando os textos bíblicos de forma mais ampla, é possível perceber que os relatos apontam para uma dimensão “poética e ecoteológica”, pois, a “criação é ecoteológica”. Nesta perspectiva, sente-se a necessidade do diálogo entre a teologia e as ciências naturais, considerando que o “tema da criação é, em geral, estudado no âmbito da teologia; já, o da ecologia prescinde das ciências naturais” (DANTAS, 2022, p. 20). O autor propõe uma “hermenêutica ecológica”, aplicada aos textos bíblicos, que implica em analisar “os textos em perspectiva ecológica, isto é, em sintonia com demandas e crises ambientais e com projeções de vida integral para as gerações presentes e futuras” (DANTAS, 2022, p. 22). Neste sentido, na encíclica Laudato si, “à luz das Sagradas Escrituras”, o Papa Francisco “julga a crise ecológica” e “propõe uma nova hermenêutica que interpreta a doutrina da criação sob a ótica do cuidado” (DANTAS, 2022, p. 22). Portanto, nesse capítulo, vemos que descobrir o sentido imediato dos textos bíblicos é tarefa urgente, pois abrem os olhos para a grandeza e beleza da nossa ‘casa comum’. 

  No capítulo II, intitulado A revelação plena em Jesus Cristo segundo Andrés Torres Queiruga (pp. 27-47), Fábio Luiz Ribeiro, ao afirmar que em Jesus de Nazaré acontece a revelação de Deus em forma plena, demonstra que Deus continua, no curso da história, se manifestando e fazendo sentir sua presença. Fundamentando-se em Queiruga, o autor afirma que Deus continua sendo mistério. A sua revelação plena em Jesus de Nazaré, traz toda a riqueza do humano. Nele, “nos deparamos diante de uma vivência humana na qual estão já sobrepostas todas as chaves, na qual o ser humano alcança sua realização última e definitiva” (RIBEIRO, 2022, p. 30). Vemos, neste capítulo, que “dentre os lugares teológicos da revelação de Deus [...], estão a Cruz e a Ressurreição de Jesus” (RIBEIRO, 2022, p. 33). Sua entrega na cruz, “revela o amor absoluto de Deus que em Jesus se torna visível à humanidade” (RIBEIRO, 2022, p. 35). Na ressurreição se fala de uma “vida doada por Deus ao ser humano que, em si, é imortal.” (RIBEIRO, 2022, p. 36). Dessa forma a plenitude da revelação, conclui o autor, deve alcançar todos os homens e mulheres. 

  No capítulo III, intitulado Deus e a humanidade: comunicação em construção (pp. 49-72), de Renê Augusto Vilela da Silva, trata-se de uma busca constante da humanidade na sua relação com Deus. O humano é “relação experiência-liberdade” e é na liberdade que faz o reconhecimento de Deus, pois se abre à recepção da novidade. Entende-se aqui, “um Deus que vem ao encontro da humanidade em diferentes realidades” (SILVA, 2022, p. 50). A experiência com o divino se torna um “convite de compromisso e fé”. Com o “olhar da fé” compreendemos a criação “como realidade que exige ação na práxis” (SILVA, 2022, p. 53). Pois, “Aquele que habita no interior de cada pessoa e que pode ser expresso por diferentes maneiras [...] se resume no amor-caridade” (SILVA, 2022, p. 55). Vemos que, também, na racionalidade se dá a comunicação com Deus nasce visando a salvação do ser humano integral. Entende-se assim, que “a relação de Deus para com a humanidade é centrada na linguagem do amor-criação, amor-entrega e amor-retorno”, sendo a caridade, “o elo de uma comunicação que está em perene estado de construção, pois é a humanidade imbuída daquilo que é divino agindo em favor do próximo/outro e o divino agindo em favor da humanidade” (SILVA, 2022, p. 70).

  No capítulo IV, intitulado Limites, desafios e possibilidades do bem comum em tempos de (pós)-pandemia: interpelações à teologia e à eclesiologia (pp. 73 -87), Reuberson Ferreira, recorre à tragédia teutônica, escrita em dois atos, por Goethe (1749– 1832) para apresentar um dilema, da falta de sentido prático na produção de algumas ciências para realidade. O autor diz que “qualquer ciência deve antes de mais, dotar a realidade de sentido, sob o risco de ser preterida” (FERREIRA, 2022, p. 74). Neste sentido, no Cristianismo, deve-se buscar respostas para o tempo de pandemia a partir de novos enfoques teológicos, como a “Teologia Feminista, Teologia da Libertação, Teologia do Sofrimento. [...] a finalidade última é dar um sentido, à luz da Revelação do Deus [...] em Jesus Cristo, para uma realidade concreta” (FERREIRA, 2022, p. 76). Falando que a atual pandemia revela outras pandemias, o autor cita o Papa Francisco, que “antecipando e constatando aquilo que a pandemia provou, ao falar da crise ambiental, argumentava que não havia várias crises, mas uma única e complexa crise socioambiental” (FERREIRA, 2022, p. 78). Por isso, o papel da teologia neste tempo pandêmico parece ser o de “contraditar a ideia de ‘onipotência’ humana” (FERREIRA, 2022, p. 79). Pois, com toda a tecnologia se vê uma técnica humana geradora de prepotência, pois dá a sensação de poder fazer tudo.  O autor cita ainda outro desafio da teologia, que é o de entender e apresentar a ação de Deus no mundo. Um dos exemplos usados neste capítulo se refere à questão litúrgica: Se por um lado, “o zelo rigorista para que as pessoas comungassem, levou a muitas ações como ‘Drivetrhu’; ‘Delivery’ ou ‘Eucharistic March’ a bordo de carros abertos ou de helicópteros” (FERREIRA, 2022, p. 82), por outro lado, resgatou a ideia de “Igreja doméstica ou familiar”, que “tem seus fundamentos na Sagrada Escritura, nas primeiras comunidades cristãs as chamadas domus eclesiae” (FERREIRA, 2022, p. 84). Com isso, neste capítulo, o autor chama a atenção para viver a experiência da fé na concretude de uma Igreja-doméstica e, ao mesmo tempo,  uma Igreja-institucional. 

No capítulo V, intitulado Monsieur Ricoeur, Rabi Jesus de Nazaré e o teólogo Queiruga: desviar pela arte de questionar para buscar sentido a partir de um céu de estrelas (pp. 89-106), Frei Paulo Antônio Alves, utilizando-se de metáfora, “mostrar a importância do ato de fazer perguntas como um dos elementos centrais na vida de três [...] grandes artistas da arte de questionar: Jesus de Nazaré, Paul Ricoeur e Andrés Torres Queiruga” (ALVES, 2022, p. 89). Vemos, no texto que existe uma arte de perguntar, o próprio Jesus esteve e está no meio do povo perguntando e ensinando, ou melhor, “Jesus ensina perguntando e ensina a perguntar”. Assim, na perspectiva bíblica, no texto de Jo 1,18, “podemos ver a presença de perguntas como algo próprio do ser humano e que tem sua origem no próprio Deus, sendo o rabi Jesus de Nazaré (...) o rosto que interroga, responde, interpreta e revela o Pai” (ALVES, 2022, p. 101). Os três autores estudados neste capítulo levam à conclusão de que a formulação de perguntas leva à uma qualidade de vida e a uma humanidade mais profunda, pois perscruta o que há de mais íntimo no mistério da vida.

  No capítulo VI, intitulado O Deus de Jesus como afirmação plena do humano: uma releitura da obra de Andrés Torres Queiruga no pontificado do Papa Francisco (pp. 107-120), Reginaldo Marcolino, estabelece um diálogo entre a teologia de Queiruga e a eclesiologia do Papa Francisco. Na teologia de Queiruga se encontra “o Deus de Jesus (como) o lugar de encontro como afirmação do humano”, (MARCOLINO, 2022, p. 107). Na eclesiologia de Francisco se vê a necessidade de ter uma fé que se expresse no amor, assim, o Papa propõe uma “Igreja em saída”, “acidentada, ferida” (MARCOLINO, 2022, p. 111), que vai ao encontro do outro. Neste capítulo, o autor  apresenta uma pergunta fundamental: “qual o papel de Deus e do ser humano diante do mal?” (MARCOLINO, 2022, p. 113), para ele, a resposta encontra-se no amor. Pois, a “grande tarefa do cristianismo é ser sinal do amor como expressão da humanização de Deus que transforma a vida humana” (MARCOLINO, 2022, p. 115). 

  No VII capítulo, intitulado Povo e família: protagonistas do anúncio do evangelho na visão de Francisco e Karl Rahner (pp. 121-141), Rodrigo Antonio da Silva entende que as intuições de Francisco “se cruzam com a linha teológica de seu colega jesuíta Karl Rahner” (DA SILVA, 2022, p. 121). Os dois teólogos “não se contentam com o cristianismo de manutenção, reservado em si mesmo e autorreferencial” (DA SILVA, 2022, p. 122). O autor recorda que o Concílio Vaticano II, “resgata a noção de Povo de Deus, onde a totalidade dos fiéis, desde os bispos até o recém-batizados, possui a mesma dignidade de filhos de Deus” (DA SILVA, 2022, p. 122). No texto se vê que “a Igreja tem na família um local de especial cuidado e zelo” (DA SILVA, 2022, p. 127). O Concílio Vaticano II, “destaca o valor da família enquanto uma célula fundamental da sociedade” (DA SILVA, 2022, p. 129). Assim, atualizando as decisões do Concilio, Francisco na Exortação Pós-Sinodal Amoris Laetitia, “indica o valor da família cristã enquanto transmissora de fé e valores aos filhos” (DA SILVA, 2022, p. 129). Nesta perspectiva, Rahner já entendia que o “matrimônio é um sinal” que “aponta para uma unidade profunda e amorosa entre duas pessoas” (DA SILVA, 2022, p. 132). Enfim, o protagonismo do povo de Deus e da família, como agentes anunciadores do Evangelho, “passa pelas características concordantes entre Rahner e Francisco: alegria no anúncio, aproximação com os excluídos, diálogo com os diferentes e incentivo para os companheiros de caminho” (DA SILVA, 2022, p. 138).

  No capítulo VIII, intitulado Quem é o meu próximo? Papa Francisco e Paul Ricoeur em diálogo (pp. 143-154), Felipe Cosme Damião Sobrinho, apresenta este diálogo visando a urgência de uma fraternidade universal. O autor, após apresentar em “linhas gerais considerações históricas sobre as relações entre catolicismo e as épocas moderna e contemporânea”, destaca aspectos do pontificado de Francisco “que confirmam que o diálogo é caminho irreversível para um novo mundo possível” (SOBRINHO, 2022, p. 146). Vemos, neste capítulo, que o Papa Francisco, em seu pontificado, incentiva a uma recepção do Concílio Vaticano II. Francisco, em seu magistério, propõe um caminho que “passa-se do conceito de colegialidade à urgência da sinodalidade” (SOBRINHO, 2022, p. 149). Enfim, para falar sobre o “próximo” e o sentido da caridade, o Papa Francisco faz referência ao trecho de O socius e o próximo, da obra História e Verdade de Paul Ricoeur (SOBRINHO, 2022, p. 150), para afirmar que a “caridade reúne as duas dimensões – a mítica e a institucional, pois implica um caminho eficaz de transformação da história que exige incorporar tudo: instituições, direito, técnica, experiência, contribuições profissionais, análise científica, procedimentos administrativos” (SOBRINHO, 2022, p. 150). Ao citar Ricoeur, Francisco revela a “importância do filósofo protestante para entender o mundo social e a chamada teologia da caridade” (SOBRINHO, 2022, p. 150). Quando o Papa Francisco cita o pensamento de Paul Ricoeur em seus escritos, se percebe que estabelece ali um diálogo acolhedor, demonstra também a importância deste pensador para os tempos atuais. 

  No capítulo IX, intitulado Teologia entre humanismos: o Papa Francisco e o significado de cada pessoa humana em qualquer circunstância (pp. 155-167), Rodolfo Gasparini Morbiolo, destaca que na teologia, a reflexão evolui “conforme a imagem de Deus” e “de acordo com a imagem de ser humano” (MORBIOLO, 2022, p. 155). Neste sentido, “a teologia cresce em meio a humanismos, isto é, em meio ao conceito que se tem de ser humano, elaborado cultural e historicamente” (MORBIOLO, 2022, p. 155). O autor propõe uma teologia “em diálogo com os desafios do tempo presente, capaz de escutar as interpelações da cultura humana [...]. Uma teologia [...] enraizada no espírito do Concílio Vaticano II, pastoralmente dedicada à humanidade” (MORBIOLO, 2022, p. 156). A “nova teologia”, consolidada no Concilio Vaticano II, tem matizes humanistas, “de grande abertura ao diálogo dentro da Igreja Católica, entre as Igrejas Cristãs, com todos os crentes, e mesmo com aqueles que, mesmo sem professar alguma fé, têm consciência do valor ético da convivência humana no mundo” (MORBIOLO, 2022, p. 157). O magistério de Francisco “converge para um humanismo cristão, cujas estruturas fundamentais remetem à novidade apresentada pelo espírito conciliar” (MORBIOLO, 2022, p. 160). Enfim, lemos, neste capítulo que a novidade advinda pelo Concílio Vaticano II e assumida por Francisco, é a consciência da humanização provinda da religião, isso permitirá a construção de novos atores sociais. 

No capítulo X, intitulado Transcendentalidade, subjetividade e alteridade: uma reflexão a partir da Primeira Epístola de Pedro (pp. 169-188), Eduardo Rueda Neto mostra que há três níveis de reconhecimento na relação do ser humano com a realidade: a subjetividade, a alteridade e a decorrência natural dos anteriores que leva ao reconhecimento de que exista um outro transcendente. Com o objetivo de refletir biblicamente sobre tais níveis o autor analisa a Primeira Epístola de Pedro, “escrita para prover respostas, orientação e encorajamento aos cristãos perseguidos do primeiro século” (NETO, 2022, p. 170). De acordo com Neto, “a carta se destina à igreja dos tempos apostólicos, o ser humano arquetípico apresentado no texto é o cristão, cujo modelo supremo, [...] é a pessoa divino-humana de Jesus Cristo” (NETO, 2022, p. 170). Neste sentido, o ser humano, como criatura religiosa, na perspectiva da teologia cristã, “não pode possuir humanidade plena sem a relação com o outro transcendente” (NETO, 2022, p. 185). 

  No capítulo XI, intitulado Xavier Zubiri e a visão de Deus e o ser humano para hoje (pp. 189-206), Marcos Vieira das Neves “propõe-se uma leitura do tipo próprio de unidade entre Deus e o ser humano em Xavier Zubiri e algumas implicações nas ações litúrgicas, tendo como motivação a proposta de Andrés Queiruga de uma nova forma de conceber a visão de Deus nos tempos atuais” (NEVES, 2022, p. 189).  A partir desses autores, Neves apresenta uma “nova imagem de Deus em Queiruga; o tipo próprio de unidade entre Deus ‘e’ o ser humano em Xavier Zubiri; e, o acesso do ser humano a Deus na liturgia” (NEVES, 2022, p. 192). Assim, para “Zubiri a distinção entre Deus e o ser humano enquanto pessoa, é algo inteiramente distinto. Para ele é uma presença formal de Deus na pessoa como constituindo-a em doação de si próprio” (NEVES, 2022, p. 195). Já, “Queiruga sintetiza o pensamento de que para Deus, cada indivíduo é único, dotado de valor absoluto e irrepetível” NEVES, 2022, p. 203). Neves conclui que “Deus pode ser acessado na liturgia porque Deus é algo experienciado”. Neste sentido, “o acesso do ser humano a Deus na liturgia faz com que o ser humano o tenha como fundamento do seu ser” (NEVES, 2022, p. 205). 

  No capítulo XII, intitulado Os desafios da humanidade hodierna no campo do cuidado e a laudato si (pp. 207-215), José Aguiar Nobre propõe “reflexões sobre o sentido do ser humano na passagem pela terra e o seu legado para contribuir com uma existência possível, à luz das reflexões fomentadas na Laudato Si” (NOBRE, 2022, p. 207). Com o objetivo de “abrir horizontes” de reflexão e diálogo, o autor alerta para “o desafio de nos dedicarmos com urgência na contemporaneidade, a uma autêntica ecologia humana que se resuma especialmente numa mudança radical no estilo de viver” (NOBRE, 2022, pp. 208-209). De acordo com Nobre, “o desafio consiste em transformar a nossa realidade, levando em conta a doação originária das coisas por parte de Deus para que saibamos valorizá-las e cuidar da vida” (NOBRE, 2022, p. 209). Neste sentido, “as soluções diante da crise ecológica não podem vir de uma única maneira de interpretar e transformar a realidade. É necessário reconhecer e recorrer às diferentes riquezas culturais dos povos, da arte e à poesia, à vida interior e à espiritualidade” (NOBRE, 2022, pp. 213-214), para cuidar da criação, preservado nossa Casa Comum. Pois, as obras criadas “são uma das formas que temos para alcançar a Deus” (NOBRE, 2022, p. 2014). Nesta perspectiva, “a compreensão cristã da realidade, nos faz ver que o destino da humanidade inteira passa pelo mistério de Cristo”. É o Ressuscitado que “envolve misteriosamente” toda criatura “e guia para um destino de plenitude. Tudo está cheio de sua presença luminosa” (NOBRE, 2022, p. 215). 

  Por fim, no capítulo XIII, intitulado A morte: do absurdo à esperança na vida eterna (pp. 217-228), Dayvid da Silva encerra a coletânea, afirmando que a teologia como ciência, aborda a temática da morte numa “perspectiva da esperança”. O autor apresenta “uma reflexão a partir da fé cristã sobre o tema da morte e o modo como se pode superar o medo ou o absurdo dessa realidade” (SILVA, 2022, p. 2017). De acordo com o autor, “na tradição cristã, e mesmo na judaica, a ideia de morte sofreu mudanças ao longo do tempo, principalmente graças à influência grega, mais precisamente platônica. Para Platão, a morte seria a libertação da alma que se encontrava aprisionada em um corpo material” (SILVA, 2022, p. 222). A influência grega pode ser vista por exemplo, “no livro da Sabedoria, onde o autor, através de um cântico de esperança, deixa transparecer a continuação da vida, mesmo o justo morrendo” (SILVA, 2022, p. 222). Silva recorda que a “forma de se tratar a morte como separação entre o corpo (soma) e a alma (psiqué), no Antigo Testamento, pertence a um período tardio. A concepção semita do ser humano, que é unitária, integral, num primeiro momento, não entende que haja continuação de vida após a morte” (SILVA, 2022, p. 223). Assim, a “grande novidade, tanto para a visão dualista, quanto para a visão integralista do ser humano é a noção de ressurreição, que foi sendo amadurecida pelo povo judeu, [...] chegando até os discípulos do nazareno, o morto-ressuscitado” (SILVA, 2022, pp. 223-224). Foi na “ideia de ressurreição”, que “a tradição judaico-cristã, encontrou a base de sua esperança, fazendo com que a morte fosse vista [...] como meio pelo qual continuaremos existindo, agora não mais nessa realidade marcada por tantas cruzes” (SILVA, 2022, p. 226). 

  Nas considerações finais, José Aguiar Nobre retoma os capítulos do livro e destaca algumas conclusões que os autores chegaram em cada análise, fazendo, assim, uma conexão com a temática da coletânea. 

Conclusão

A metodologia adotada nesta obra é pedagogicamente interessante, pois, para abordar a relação entre Deus e o ser humano, inicia-se com um texto sobre a criação, como poética e ecoteológica, fundamentando-se na Teologia Bíblica (Gn 1,1-2; Gn 2,4-6) e conclui-se com o tema da morte, na perspectiva da esperança, proporcionado uma análise escatológica. A coletânea apresenta assim, um ciclo que perpassa a história da revelação de Deus, em sua plenitude em Jesus Cristo, o judeu de Nazaré, e sua relação de amor com o ser humano de todos os tempos e lugares. Entendemos que não é uma obra acabada, apresenta lacunas a serem superadas e poderíamos tecer críticas a cerca de algumas questões. Mas em nossa análise nos propusemos a dois objetivos desafiadores: destacar alguns conceitos fundamentais que perpassam e interligam toda a obra, como chave de leitura, para motivar o leitor a visitar o texto; afirmar que o texto, possibilita ao leitor, de modo muito livre e criativo, reescreve-lo ou reinterpreta-lo, conservando os conceitos fundamentais. É um texto acadêmico, com abertura à continuidade de pesquisa em diversos campos da teologia mas que confluem ao pensamento atual sobre Deus o ser humano hoje. 

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Notas 

[1] Doutor em Teologia Pastoral pela UPS-Roma. Mestre em teologia pela UPS-Roma, com especialização em Pastoral Juvenil (2017). Bacharel em Teologia pelo ITESP (2008). Bacharel em Filosofia pela PUC-Campinas (2003). Sacerdote e religioso Estigmatino. E-mail: uezile2008@gmail.com.

[2] Mestrando em teologia pela PUC-SP. Bacharel em Filosofia pela PUC-Campinas. Bacharel em Teologia pelo ITESP. Sacerdote da Arquidiocese de Campinas. E-mail: contato.premerson@gmail.com

[3] Doutorando em Ciência da Religião (PUC-SP), Mestre em Ciência da Religião (PUC-SP), com fomento da FUNDASP e CAPES. E-mail: pe.gilbertocss@gmail.com.