Boris A. Nef Ulloa
Doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG-IT). Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Contato: baulloa@pucsp.br
Adriano Lazarini Souza dos Santos
Mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Contato: adrianoadrn@gmail.com
Resumo: O artigo apresenta uma abordagem pragmalinguística de Lc 17,11-19. Esta metodologia exegético-hermenêutica sincrônica sublinha a perspectiva comunicativa gerada no encontro texto-leitor, à qual se coaduna a compreensão das Escrituras, evento literário, enquanto revelação de Deus expressa em palavra humana. Os campos semânticos destacam a força comunicativa do relato, mediante suas estratégias literárias e pragmáticas. Na primeira parte do artigo, identifica-se a relação da perícope com a macronarrativa do evangelho lucano. A perícope encontra-se na seção da grande viagem de Jesus a Jerusalém (9,51-19,27). Os milagres possuem, nesta seção, função parenética sobre o discipulado cristão e manifestam a missão salvífica de Jesus. Na segunda parte do artigo, sublinham-se os elementos que explicitam a coerência comunicativa do relato. A articulação textual revela que a purificação dos leprosos e o reconhecimento expresso pelo samaritano configuram-se como sinais da presença do Reino manifestos no ministério de Jesus. Finalmente, indica-se a focalização pragmática, que abre novos horizontes de sentido para o leitor: o desafio da inclusão do “diferente” na comunidade cristã, o louvor a Deus e o agradecimento pelo dom recebido, as dimensões imprescindíveis de compaixão e misericórdia frente aos sofredores, o caráter inclusivo da eleição de Israel e o universalismo da salvação.
Palavras-chave: Evangelho segundo Lucas; Pragmalinguística; Comunicação; Inclusão; Salvação
Abstract: The article presents a pragmalinguistic approach to Lk 17,11-19. This synchronic exegetical-hermeneutic methodology underlines the communicative perspective generated in the text-reader encounter, to which the understanding of the Scriptures, a literary event, as a revelation of God expressed in human words, is linked. The semantic fields highlight the communicative strength of the story, through its literary and pragmatic strategies. In the first part of the article, the relationship between the pericope and the macronarrative of the Lucan gospel is identified. The pericope is found in the section on Jesus' great journey to Jerusalem (9:51-19:27). Miracles have, in this section, a parenthetic function on Christian discipleship and manifest the salvific mission of Jesus. In the second part of the article, the elements that make explicit the communicative coherence of the report are highlighted. The textual articulation reveals that the purification of the lepers and the recognition expressed by the Samaritan are configured as signs of the presence of the Kingdom manifested in the ministry of Jesus. Finally, a pragmatic focus is indicated, which opens up new horizons of meaning for the reader: the challenge of including the “different” in the Christian community, praising God and giving thanks for the gift received, the essential dimensions of compassion and mercy in the face of to the sufferers, the inclusive character of Israel's election and the universalism of salvation.
Keywords: Gospel according to Luke; Pragmalinguistics; Communication; Inclusion; Salvation
A peculiaridade da Palavra bíblica constitui-se numa comunicação de Deus com o ser humano em linguagem humana, por meio de autores humanos e divinamente inspirados. “Muitas vezes e de modos diversos falou Deus, outrora, aos Pais pelos profetas; agora, nestes dias que são os últimos, falou-nos por meio do Filho” (Hb 1,1-2a).
O Concílio Vaticano II assinalou assertivamente na Constituição Dogmática Dei Verbum que “Deus na Sagrada Escritura falou por meio de homens e à maneira humana” (DV 12). Tal comunicação é sinal de sua condescendência para com a humanidade e pode ser equiparada por analogia ao mistério da Encarnação. “Com efeito, as palavras de Deus, expressas em línguas humanas, tornaram-se intimamente semelhantes à linguagem humana, como já o Verbo do Eterno Pai, tomando a fraqueza da carne humana, se tornou semelhante aos homens” (DV 13). Na esteira das orientações do Vaticano II e impulsionado por uma grande mudança de ponto focal na exegese bíblica que redescobriu a dimensão comunicativa essencial da Palavra de Deus, o olhar dos estudiosos voltou-se para a potencialidade comunicativa e performativa do texto bíblico.
Tal reviravolta se deu a partir da constatação da exaustão no uso e dos limites do método histórico-crítico, com sua pesquisa centrada na busca pela intenção do autor, transcurando o leitor como compartilhador e criador de sentido dentro do processo hermenêutico. O turning point realizado pela ciência da linguagem no século XX mudou “a perspectiva no processo comunicativo: de um paradigma estampado sobre a ‘semântica do texto’, passou-se ‘à pragmática da leitura’” (GRILLI in GRILLI, M.; GUIDI, M.; OBARA, E. 2020, p. 31).
A Pragmática é uma perspectiva e, enquanto tal, é um terreno multidisciplinar que estabelece possibilidades de cooperação com a linguística, sociologia, psicologia, narrativa, retórica, antropologia, entre outras. Enquanto perspectiva, é caracterizada por Grilli como “um guarda-chuva que cobre toda a área linguística” (GRILLI in GRILLI, M.; GUIDI, M.; OBARA, E., 2020, p. 35).
A abordagem Pragmático-Linguística vem com o intuito de responder aos apelos do Magistério da Igreja, enquanto tentativa de unir a reta compreensão da intenção do autor sagrado com a realidade de perene sentido e atualização na vida do leitor atual à luz da fé. Sobre este aspecto, a Constituição Dogmática Dei Verbum recomenda:
devem os exegetas católicos e demais teólogos investigar e explicar as divinas Letras, sob a vigilância do sagrado Magistério, de tal maneira que o maior número possível de ministros da palavra divina possa oferecer frutuosamente ao povo de Deus o alimento das Escrituras, para iluminar as inteligências, robustecer as vontades, inflamar os corações dos homens no amor de Deus (DV 23).
Quanto ao aspecto vivencial da Palavra, a Exortação Apostólica Pós-sinodal Verbum Domini destaca a relação entre Palavra de Deus e testemunho cristão. “Um implica e conduz ao outro. O testemunho cristão comunica a Palavra atestada nas Escrituras. Por sua vez, as Escrituras explicam o testemunho que os cristãos são chamados a dar com a própria vida” (VD 97). Esta dimensão testemunhal é essencialmente pragmática, ou seja, a Palavra instiga o leitor a descobrir novos modelos de ação por ela inspirados. A aplicação da análise pragmalinguística está articulada em: texto e contexto, autor e leitor, sintaxe, semântica e nós pragmáticos ou pautas de ação.
Um sistema pragmalinguístico pretende, portanto, descobrir o que é que um texto (sistema de signos linguísticos num contexto de signos paralinguísticos) (re) produzido por um emissor (produtor atual) pode e quer obter de alguns destinatários (ouvintes ou leitores) mais ou menos determinados” (SIMIAN-YOFRE, 2001, p. 190-191).
Tendo por base as categorias de análise acima explicitadas, aplicar-se-á a perspectiva pragmalinguística à perícope de Lc 17,11-19. Os procedimentos exegético e hermenêutico permitem adentrar no horizonte de significação possivelmente pretendido por Lucas e destacar algumas atualizações do significado perene do texto evangélico.
Para situar Lc 17,11-19 na lógica interna do evangelho e compreender a sua intenção teológica, faz-se necessário assinalar alguns critérios objetivos. Monasterio e Carmona (2000, p. 279-282) propõem os seguintes: estilo, resumos redacionais, geografia, protagonistas, temas, sumários e estrutura.
O estilo delimita na obra lucana três grandes partes, a saber: prólogo literário (1,1-4), infância (1,5-2,52) e o restante da obra. Os sumários, que exercem a função de delimitação dos blocos narrativos, são largamente utilizados por Lucas. Na seção 1,5-2,52, há o sumário 2,51-52. Em 3,1-4,13 temos os sumários 3,18 e 4,13. Já em 4,14-9,50 ao tratar da atividade de Jesus na Galileia, começa com um sumário em 4,14. Na segunda grande parte, 9,51 serve como sumário até 19,28. No último bloco maior (19,29-24,53), que trata do ministério de Jesus em Jerusalém, 19,47-48 e 21,37-38, possuem função similar.
Na grande seção da viagem, as alusões à meta do caminho de Jesus (9, 35.37; 10,38; 13,22; 14,25; 17,11; 18,31; 19,28) delimitam sete seções: “1) 9,51-56 serve de introdução; cinco com conteúdo variado; 2) 9,57-10,37; 3) 10,38-13,21; 4) 13,22-14,24; 5) 14,25-17,10; 6) 17,11-18,30; 7) 18,31-19,28, que serve de conclusão” (MONASTERIO; CARMONA, 2000, p. 282). Segundo Marguerat (2015, p. 114), esta seção “põe em cena Jesus como pregador de conversão e de salvação”. A narrativa da viagem (9,51-19,27) é considerada a grande pérola da originalidade lucana. Para realizar tal empreendimento, Lucas utilizou “várias fontes, quer o material que se encontra em Mc 8,27-10,1-52, quer o da fonte Q, embora imprima seu estilo e sua perspectiva teológica sobre a totalidade dos documentos dos quais se serve” (CASALEGNO, 2003, p. 131). Segundo Kümmel, em comunhão com outros autores, Lucas teria preenchido o vácuo presente em Mc 10,1-11,1 com sua composição própria (1982, p. 163).
Do ponto de vista literário, a viagem, enquanto construção teológica, tem como meta o cumprimento da analêmpsis (9,51), ou seja, a assunção de Jesus mediante a morte e ressurreição que acontecerão em Jerusalém. “Lucas quer provavelmente indicar que a viagem de Jesus, embora terminando em Jerusalém, continua idealmente até a assunção de Cristo no céu à direita de Deus, meta que ele alcança passando pelo evento da morte e ressurreição” (CASALEGNO, 2003, p. 133).
Situados no itinerário para a cruz e a glória de Jesus, os milagres contidos nesta seção, em especial 17,11-19, aparentam ter função parenética. “O evangelista quer indicar aos cristãos quais são as linhas básicas da genuína existência segundo o evangelho, dando-lhes ensinamentos e orientações concretas” (CASALEGNO, 2003, p. 135-136). Lucas compõe sua parênese servindo-se de uma série de ensinamentos morais, qualificados no subtítulo da exposição de Marguerat como “ética forte” (2015, p. 131).
Ainda em referência à organização interna da seção onde 17,11-19 está situado, Casalegno denomina a subseção com o título “a espera escatológica”. Entendida neste contexto, a “perícope da cura dos dez leprosos celebra a salvação de Deus, distinguindo entre cura material e salvação espiritual” (CASALEGNO, 2003, p. 141), aponta para a função de Cristo dentro do plano de salvação.
Em relação à geografia lucana, um último elemento da narrativa ainda causa perplexidade: porque Jesus passa pela Samaria para ir a Jerusalém se o caminho habitual era viajar pelo vale do Jordão? Mazzarolo e Konings respondem que tal desvio da rota costumeira por parte de Jesus faz parte de sua pedagogia da inclusão e da sua evangelização includente (MAZZAROLO; KONINGS, 2016, p. 73). A presença de figuras como o bom samaritano (10,29-37) e o ex-leproso samaritano agradecido (17,15) hipoteticamente visariam também retirar a impressão negativa causada pelo não acolhimento dos discípulos enviados por Jesus em Lc 9,53 (QUINTEIRO; PERONDI in ROSSI; SILVA, 2017, p. 104).
Seguindo o padrão de metodologia exegética tradicional, a delimitação é o primeiro passo da análise exegética. “Delimitar um texto, portanto, significa estabelecer os limites para cima e para baixo, onde ele começa e onde ele termina” (SILVA, 2009, p. 68).
Quanto à 17,11-19 é possível identificar alguns elementos de delimitação. Contudo, no início da perícope não existe um indicador temporal explícito. Há apenas uma referência remota e imprecisa “certo sábado” (14,1). Um elemento mais claro que marca o início de uma nova perícope é a retomada do tema da viagem para Jerusalém enquanto sinalizador do itinerário de Jesus para o seu destino final - “e aconteceu que estando a caminho de Jerusalém...” (v. 11). Esta menção, enquanto indicador espacial, serve para movimentar o relato em relação com a unidade anterior sobre o serviço (vv. 7-10). Esta fórmula possui também a função de introduzir um novo discurso. No que se refere aos personagens, são mencionados: Jesus (v. 11), os dez leprosos (v. 12) e um dentre eles (v. 15).
O término da perícope, por sua vez, é sinalizado pelos seguintes elementos. Em primeiro lugar, é perceptível a variação de personagens, passando de Jesus e os leprosos (vv. 11-19) para Jesus e os fariseus (v. 20). Além disso, é preciso assinalar a ruptura do diálogo entre Jesus e o purificado samaritano. Consequentemente, há a mudança temática a partir do v. 20, trata-se da interrogação feita a Jesus pelos fariseus sobre a chegada do Reino.
Quanto à colocação da perícope nesta seção do evangelho, Rossé (2001, p. 657) ressalta as dificuldades para situar o relato numa estrutura precisa. Por um lado, a perícope guarda conexão com o tema precedente a respeito da fé (17,6). Do outro, percebe-se que 17,11 interrompe uma seção que retrata vários ensinamentos de Jesus.
Apresenta-se, a seguir, uma breve análise do tecido e da estrutura literária de 17,11-19. Sabe-se, contudo, que a análise literária não se limita ao aspecto formal do texto. Para isso, identifica-se a coesão e unidade, por meio do sistema de relações internas presentes no texto e busca-se explicitar sua força comunicativa. Vale lembrar que as principais categorias para uma narrativa de milagre são: sujeitos e ações, pares de opostos e o foco da atenção (SILVA, 2009, p. 95).
Quanto à estrutura literária, 17,11-19, segundo Garland (2011, p. 688), está articulado em forma de paralelismo constituído por cinco atos:
vv. 11- 14 (parte 1) |
vv. 15-19 (parte 2) |
A – Dez vão até Jesus |
A’ – Um volta a Jesus |
B – Dez tomam distância |
B’ – Um aos pés de Jesus |
C – Dez imploram por misericórdia |
C’ – Um agradece a Deus por ter recebido a misericórdia |
D – Jesus envia os dez |
D’ – Jesus envia um |
E – Dez são purificados |
E’ – Um é salvo |
Em relação aos sujeitos e suas ações, destaca-se o protagonismo de Jesus, que caminha em direção a Jerusalém, partindo da Galileia, passando pela Samaria, entra em certo povoado (v. 11a.b.c; v. 12). Então, despontam na cena, dez homens leprosos, que à distância, clamam a Jesus por misericórdia/piedade (v. 12b.c + v. 13a.b.c). Jesus, vendo-os, ordena-lhes que se apresentem aos sacerdotes (v. 14a.b.c.d). Evidencia-se, a seguir, a atitude obediente daqueles homens frente à palavra de Jesus, por meio da qual se prepara a purificação deles durante o percurso (v. 14e.f.g).
Sublinha-se, na sequência, a ação de um dos purificados, que mais adiante terá sua nacionalidade revelada: “era um samaritano” (v. 16c). Este homem retorna glorificando a Deus (v. 15c.d), prostra-se aos seus pés de Jesus, lhe agradece (v. 16a.b) e reconhece nEle a fonte de sua cura (v. 15a.b). A narrativa chega a seu clímax com a reação de Jesus, expressa por três perguntas (v. 17a/b/c/d; v. 18a/b/c/d). As quais descrevem a sua admiração e espanto diante do retorno de somente um deles que glorifica a Deus. Lucas encerra a perícope com a sentença final de Jesus que sublinha a fé daquele estrangeiro (samaritano) e revela a salvação que lhe é oferecida (v. 19a.b.c.d).
O foco da atenção dentro da perícope é direcionado da seguinte maneira: 1) Inicialmente, há um movimento geográfico do geral para o particular, menciona-se o caminho para Jerusalém, passando pela Samaria rumo à Judeia e, situando o lugar da narrativa para certo povoado; 2) Acontece, em seguida, o encontro de Jesus com os dez leprosos, os quais elevam-lhe o seu clamor; 3) Adiante, há o movimento de afastamento dos dez leprosos, a partir da ordem dada por Jesus para se apresentarem aos sacerdotes. Este é um movimento da presença, uma vez que os homens saem da presença de Jesus e tencionam ir à presença dos sacerdotes que, segundo os preceitos judaicos, são os responsáveis por declarar a purificação (Lv 14,1-9); 4) No caminho ocorre a cura e a narrativa focaliza o movimento do retorno a Jesus. Somente um dentre os dez homens volta à presença de Jesus, louvando e agradecendo a Deus; 5) Na parte final, há um movimento de Jesus em direção ao estrangeiro, que se encontra aos seus pés, diante do qual apresenta seus questionamentos acerca dos nove ausentes e declara de forma imperativa a salvação por causa da fé manifestada.
Dentro da abordagem pragmalinguística, a análise da coerência comunicativa é de fundamental importância para a adequada percepção do horizonte de significação pertinente ao texto. “A coerência comunicativa visa mostrar o desenvolvimento semântico da série de enunciados contidos em determinado texto ou, ainda melhor, o processo dos motivos que constituem o tema” (GRILLI in GRILLI, M.; GUIDI, M.; OBARA, E. 2020, p. 183).
Quanto à forma literária, o texto está articulado em duas cenas narrativas: 1) Jesus e os dez leprosos, o grito por misericórdia e a cura (17,11-14); 2) O samaritano curado retorna a Jesus glorificando a Deus (17,15-19). Dillmann e Mora Paz (2006, p. 396), por sua vez, articulam o texto: a) Notícia sobre a viagem a Jerusalém (v. 11); b) A narrativa do milagre até sua constatação (vv. 12-14); c) O final do milagre e as observações de Jesus (vv. 15-19). Por sua vez, Bovon (2016, p. 185) propõe o quadro abaixo para evidenciar a estrutura textual.
Marco do episódio |
v. 11 |
Sumário e localização |
Primeira Parte: |
v. 12-13 |
Os dez leprosos pedem ajuda |
|
v. 14 a |
Resposta de Jesus |
|
v. 14 b |
Cura dos dez leprosos no caminho |
Segunda Parte: |
v. 15-16 |
Reação de um deles somente |
|
v.17-18 |
Tríplice pergunta retórica de Jesus |
|
v. 19 |
Ordem final de Jesus |
Em continuidade com a dinâmica do deslocamento de Jesus pelo caminho, Lucas sublinha sua itinerância rumo a Jerusalém (v. 11b). Na perícope, menciona-se que Jesus passava entre a Samaria e Galileia (v. 11c). Bovon postula uma dupla função deste versículo, “pelo infinitivo ἐν τῷ πορεύεσθαι, ‘enquanto caminhava’, e o imperfeito διήρχετο, ‘ia ao largo de’, atua como um sumário e, igualmente a 8,1 ou 13,22, assinala uma pausa no relato da viagem. Porém, o καὶ ἐγένετο inicial, ‘e aconteceu’, prepara o leitor para descobrir um novo episódio” (2016, p. 184).
Eis que Lucas apresenta os interlocutores de Jesus: dez homens leprosos (v. 12). “Um grupo de homens é encontrado junto, provavelmente para mútuos cuidados e encorajamento” (STEIN, 1992, p. 433). Sobre o número dos leprosos, Bovon postula que dez poderia ser uma maneira popular de narrar a fim de expressar que eram numerosos. Essa possibilidade, contudo, não deve levar à interpretação alegórica. Bovon destaca, ainda, a utilização do vocabulário de encontro apanto em relação à aproximação dos leprosos a Jesus. De fato, no cristianismo primitivo, o substantivo apántesis se tornou termo técnico para designar o encontro com o Cristo na parusia (BOVON, 2016, p. 190).
Note-se que Lucas sublinha a distância observada pelos leprosos diante de Jesus. Esta atitude abre dois aspectos importantes na perícope: 1) a obediência aos preceitos da Torá (Lv 13,46); 2) a necessidade de levantar a voz para serem ouvidos por Jesus “ἦραν φωνὴν λέγοντες” (v. 13).
Segundo Wolter (2016, p. 296), “o episódio é aberto com uma exposição que deixa os leitores na expectativa de que Jesus curaria os dez leprosos segundo o mesmo padrão de Lc 5,12-14”, ou seja, tocando-os. Contudo, os leprosos observam a distância e com essa atitude expressam obediência à prescrição de Lv 13,46, diferente do leproso de 5,12-13 que, entra na cidade, vai ao encontro de Jesus e cai a seus pés “ἐπὶ πρόσωπον παρὰ τοὺς πόδας αὐτου” (v. 16).
Como bem observa Bovon (2016, p. 190), o vocativo utilizado pelos leprosos é muito especial na teologia lucana: ἐπιστάτα (mestre). Exceto Lc 17,13, somente os discípulos empregam esta forma de se dirigir a Jesus. Para as demais pessoas, o epíteto mais empregado é διδάσκαλος (didáscalos) (STEIN, 1992, p. 433).
A súplica dos leprosos, pelo que o fluxo da narrativa supõe, vai além de meras esmolas. Seu pedido relembra os lamentos individuais presentes nos Salmos. “Eu dizia: Iahweh, tem piedade de mim! Cura-me, porque pequei contra ti!” (Sl 41,5). “Tem piedade de mim, Ó Deus, por teu amor!” (Sl 51,3). Os leprosos deixam de lado o alerta de impureza que deveriam dar aos passantes. Direcionado a Jesus, ele se torna um pedido de ajuda (ASCOUGH, 2008, p. 88). Levantar a voz, no sentido de ‘falar alto’ é encontrado somente em Lucas no Novo Testamento (veja além At 2,14; 14,11; 22,22) (WOLTER, 2016, p. 296). Nolland (2000, p. 846), entretanto, postula que este levantar a voz é uma típica expressão lucana que se remete mais à necessidade de ser ouvido ou de querer enfatizar algo, mais do que a uma atitude oracional. Destaca-se ainda a observação feita por Fausti (2021, p. 704-705): “é a primeira vez que Jesus é chamado pelo nome [...] Além dos leprosos, só o cego (18,38) e o malfeitor na cruz (23,42) pronunciam o Nome”.
Jesus vê, ouve, sente a necessidade daqueles homens (v. 14). Constata-se uma vez mais a presença da perspicácia teológica de Lucas. “O olhar de Jesus, como o de Deus, caracteriza-se pela compaixão” (BOVON, 2016, p. 191). Santos (2018, p. 225) destaca que “este é o sentido de alguém que não vira a cara, de alguém que está atento e que acolhe os pedidos que lhe são dirigidos. Jesus vê, não passa adiante e, sobretudo, não é indiferente”.
Ao contrário do que se poderia esperar, Jesus não os toca, não faz uma oração de cura, não executa um ritual próprio, apenas ordena que os dez se apresentem aos sacerdotes. Segundo Lucas, durante o ministério de Jesus na Galileia, a força de sua palavra produz grandes efeitos (5,25; 6,10; 7,14-15; 8,54-55). Essa atitude de Jesus, encontra-se em continuidade com o ministério profético de Eliseu, no episódio da cura de Naamã: “Este mandou um mensageiro dizer-lhe: ‘Vai lavar-te sete vezes no Jordão e tua carne te será restituída e ficará limpa’” (2Rs 5,10).
Os sacerdotes eram os responsáveis por fazer a averiguação da purificação da lepra. Sobre esta apresentação aos sacerdotes, Ascough faz uma asserção curiosa. “Na condição de leprosos, fazer isso só iria encolerizar os sacerdotes, que correriam o risco de contaminação” (ASCOUGH, 2008, p. 89). Rossé (2001, p. 661), por sua vez, caracteriza a notícia da purificação/cura como sóbria, por meio da qual o evangelista busca despertar nos leitores a obediência à palavra de Jesus. Sobre a expressão “ficaram purificados” (v. 14), com a qual comunica-se o efeito da ordem de Jesus, Wolter (2016, p. 297) identifica um “passivo divino”. Trata-se de uma construção verbal que manifesta a crença no absoluto poder de Deus que, mesmo em aparente inatividade, está sempre agindo e controlando os acontecimentos com sua providência. Em Lucas, destaca-se de forma notória o passivo divino sob a forma da palavra de Jesus. Tais narrativas geralmente são encaixadas dentro de relatos de cura à distância, contudo nesta perícope o que se evidencia são “os efeitos benéficos do Reino de Deus transmitidos pela palavra de Jesus” (GARCÍA, 2012, p. 182).
Na segunda parte da narrativa (vv. 15-19), um dos homens, que na sequência é identificado como samaritano, vendo-se curado, volta a Jesus. A partir dessa nova realidade, o agraciado entrevê em Jesus um novo horizonte: a salvação. Karris (in BROWN; FITZMYER; MURPHY, 2015, p. 285) caracteriza este ‘ver’ do ex-leproso (v. 15) como uma verdadeira conversão. Note-se que "ver" desempenha um papel fundamental na perícope. Após o grito dirigido a Jesus, ele ‘vê’ os leprosos (v. 14) e desencadeia um processo que culmina com a revelação de sua misericórdia; por sua vez, o leproso ‘vê’ que foi curado e reconhece que lhe foi manifestada misericórdia (CULPEPPER 1995, p. 326 apud PARSONS, M., 2015, p. 318 epub).
Durante o seu retorno a Jesus, aquele homem reage glorificando a Deus em alta voz. Esta atitude é a favorita de Lucas, quando se trata sublinhar a inserção dos personagens no plano divino de salvação (2,20; 5,25; 7,16; 13,13; 18,43;23,47; At 4,21; 21,20). O verbo ὑποστρέφω (retornar/voltar), segundo Bovon, indica uma realidade espiritual: “O leproso interioriza sua cura, intensifica sua confiança inicial, aprofunda a sua fé e culmina em sua conversão” (2016, p. 193). Mediante a decisão de retornar a Jesus por parte do ex-leproso, a teologia lucana “envolve uma identificação pública com o que Deus está fazendo agora em Jesus” (NOLLAND, 2000, p. 847). Ressalta, ainda, a preferência lucana em finalizar um relato de milagre com o louvor a Deus (2,20; 5,25-26; 7,16; 13,13; 18,43; 23,47). Cabe destacar que as atitudes do ex-leproso descritas pelos verbos glorificar, agradecer, prostrar-se aos pés (vv. 15-16), segundo Bovon (2016, p. 193), poderiam corroborar a hipótese de que, na figura deste homem, Lucas teria inserido características subliminares do querigma cristão, com especial destaque para εὐχαριστῶν, que recorda a Eucaristia, a ação de graças ao Filho.
Eis que o outro protagonista é apresentado (v. 16). Lucas insere um argumento novo que serve como uma granada explosiva: aquele homem era um samaritano (GREEN, 1997, p. 619). “Isto devia ser muito chocante, pois, para os judeus, samaritano ou pagão era a mesma coisa” (MESTERS; OROFINO, 2019, p. 74). Justamente o samaritano, desprezado pelos judeus, é quem retorna a Jesus. Pode-se destacar ainda “aquele que regressou para agradecer a Jesus, representava não apenas os ‘pecadores’ (porque leproso) como também os ‘pagãos’ (porque samaritano)” (SANTOS, 2018, p. 435). É pertinente a observação de que a presença dos samaritanos, na obra lucana, faz parte de sua estratégia comunicativa que realça a restauração da unidade do antigo Israel, como primeiro passo para se chegar à universalidade da Nova Aliança (At 15,14-17). Em 9,51-56, os samaritanos não acolhem Jesus e seus discípulos, uma vez que dão mostras de ir a Jerusalém. Lucas utiliza os samaritanos como paradigma da resposta positiva à vontade de Deus (10,29-37; 17,11-19). Em Atos dos Apóstolos, a Samaria é enunciada pelo Ressuscitado como uma etapa do testemunho apostólico (1,8). O missionário Filipe anuncia, opera milagres e os samaritanos o ouvem e recebem o batismo (8,4-25). Pedro e João também evangelizaram em povoados dos samaritanos (At 8,25). Na sequência narrativa, afirma-se a paz e o crescimento da Igreja, inclusive na Samaria (9,31). Por sua vez, Paulo e Barnabé, saindo de Antioquia da Síria, rumo à Jerusalém, passando pela Fenícia e Samaria, testemunham a conversão dos gentios, a qual desperta grande alegria (15,3).
O evangelho lucano confirma, de forma decisiva, a compreensão teológica da eleição de Israel como inclusiva, com a qual se contesta a tradição defensora de sua exclusividade. Dentro dessa perspectiva, a presença positiva dos samaritanos “revela a preocupação lucana quanto à unidade do Antigo Israel, do Israel das origens, dos descendentes de Jacó, sobre os quais reinou Davi a partir de Jerusalém” (NEF ULLOA, 2012, p. 359). De fato, a missão salvadora do Messias compreende a reunificação das tribos de Israel e também a admissão dos estrangeiros à herança messiânica (2,30-32; At 15,16-18 [Am 9,11-12]). Na obra lucana, portanto, a expansão do anúncio da palavra e do testemunho missionário (apostólico) efetiva-se em três fases sucessivas: Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, até os confins da terra (At 1,8).
O relato lucano conclui-se com uma série de três perguntas retóricas: 1) Os dez não ficaram purificados? 2) Onde estão os outros nove? 3) Não houve, acaso, quem voltasse para dar glória a Deus senão este estrangeiro? (vv. 17-18) Segundo Bovon:
As perguntas retóricas atribuídas a Jesus são mais dogmáticas que psicológicas. Longe de se dirigirem ao samaritano para felicitá-lo, orientam-se a todos os ouvintes e leitores formulando um novo diagnóstico, não da lepra, mas sim o da fé que se extingue. As duas primeiras descrevem a mesma triste realidade: de dez beneficiários, nove se eclipsaram sem que brilhasse sua ação de graças (2016, p. 194).
Segundo Garland (2011, p. 690), o elogio de Jesus, presente no v. 18, possui paralelos no agir profético de Eliseu frente ao sírio Naamã (4,27) e à atitude de fé demonstrada pelo centurião (7,9). Há um evidente questionamento da fé dos judeus e um reconhecimento daquela dos estrangeiros. “Se pensarmos que os ‘nove’ que não vieram talvez fossem judeus, ou seja, da casa de Israel, revela que estes não conseguem ainda ver para além dos ‘sacerdotes’, para além da ‘Lei’, para além da cura física” (SANTOS, 2018, p. 228).
Ao perguntar à multidão, que presencia a ação de graças do samaritano, onde estão os outros nove leprosos curados, Jesus implicitamente levanta a questão de sua identidade ao seu próprio povo: apenas um samaritano, um homem considerado bastardo e cismático pelos israelitas da época, entendeu que já lhe era impossível separar louvor a Deus e ação de graças a Jesus. Para o tema em questão, a pergunta final de Jesus junta-se aos anúncios de rejeição mencionados acima: os de seu povo o reconhecerão? A resposta negativa será dada durante o relato da Paixão e morte de Jesus (ALETTI, 2019, p. 70).
Garland faz pertinente comentário focalizando a temática da nova comunidade inaugurada por Jesus, onde as distinções e conflitos são superados. “Neste incidente, os dez poderão ser restaurados em suas respectivas comunidades, mas somente um deles busca entrar na comunidade criada por Jesus onde as distinções étnicas entre judeus e samaritanos são obliteradas” (2011, p. 689).
Em base ao conceito de reconciliação interétnica, Etukumana postula que entre os supostos nove leprosos judeus e o samaritano não havia um relacionamento de superação dos conflitos. “Esse tipo de relacionamento com base em uma situação comum não é realmente uma reconciliação, como é evidente pelo grupo não permanecer unido (e agindo em uníssono) depois de terem sido curados” (ETUKUMANA, 2016, p. 205). Assim, eles estariam reunidos pela situação de miséria comum em razão da lepra e não unidos por um genuíno sentimento de fraternidade. Desfeita a miséria, os nove judeus teriam voltado ao status de superioridade em relação ao samaritano.
Nas palavras conclusivas (v. 19), direcionadas ao samaritano, sublinha-se a relação entre fé, cura e salvação. A fala de Jesus dirigida a vários interlocutores (7,50; 8,48; 17,19 e 18,42), sinaliza a insistência lucana nesta relação intrínseca. “A fé não é causa eficiente da salvação, mas é o instrumento para recebê-la” (MILLOS, 2017, p. 1821). O desenlace da narrativa mostra que os nove curados, subentendidos provavelmente como judeus, permaneceram no nível da cura física e na declaração de purificação que os conduziria novamente à reinserção social.
O samaritano, por sua vez, teria intuído a divindade de Jesus. Ele “alcançou uma visão de fé que penetrou além destas dimensões humanas. Entendeu que a sua cura era sinal de algo muito mais profundo” (COLAVECCHIO, 2013, p. 94). Neste encontro fecundo, ele contemplou a salvação, a qual não é mero conceito abstrato, fruto de elucubrações dogmáticas, mas um encontro, e mais que isso, é receber uma visita. “Jesus é a ‘visita’ de Deus que vem beneficiar seu povo (1,68)” (CASALEGNO, 2003, p. 279). Outras perícopes lucanas reforçam esta perspectiva (7,36-50; 19,1-10; 23,34). “Para Lucas [...] somente uma fé como aquela ilustrada [pelo samaritano] é pronta para a vinda do Filho do homem, que em Jerusalém deverá sofrer” (SCHWEIZER, 2000, p. 254).
Finalmente, Lc 11,17-19 faz conexão com a perícope precedente, que versa sobre o encontro de Jesus com os fariseus, no qual emerge o questionamento feito por eles a respeito da chegada do Reino de Deus. Johnson lembra que “em Lucas, o operar curas é um sinal real da presença do Reino” (2004, p. 233). Desta forma, a purificação dos leprosos bem como o reconhecimento expresso pelo samaritano configuram-se como sinais da presença do Reino manifestos no ministério de Jesus.
Neste ponto da análise é de grande valia destacar de maneira mais sistemática, a partir da teoria dos atos linguísticos, cujos grandes expoentes são Austin, Searle e Grice, as forças da estratégia comunicativa que podem ser intuídas no texto.
De Austin, pode-se aplicar ao texto bíblico o conceito de ato performativo. “Com um ato performativo, não nos limitamos a descrever algo que existe no mundo exterior, mas agimos sobre ele” (OBARA in GRILLI, M.; GUIDI, M.; OBARA, E. 2020, p. 97). Os textos bíblicos não pretendem somente transmitir informações, mas almejam ter um efeito transformador sobre seus leitores. Posteriormente, Austin desdobrou sua análise para a admissão em todo ato linguístico de três dimensões: locutória (dizer-gramática/léxico), ilocutória (ação do emissor) e perlocutória (efeitos produzidos). “Os textos bíblicos, por conseguinte, devem ser tratados como atos ilocutivos desde o ponto de vista da teoria do ato linguístico. Um ato ilocutivo aponta a intenção linguística de quem fala de exercer em quem escuta uma influência ao comunicar-se” (MORA PAZ; GRILLI; DILLMANN, 1999, p. 68).
Searle em sua pesquisa sobre os atos linguísticos seguiu um caminho ligeiramente diverso em relação a Austin. Identificou em todo ato linguístico “o conteúdo proposicional e a força ilocutória ou – simplesmente – por uma proposição dotada de certa força ilocutória determinada pelo contexto” (OBARA in GRILLI, M.; GUIDI, M.; OBARA, E. 2020, p.106-107). Tendo por base os três fatores colocados por Searle para uma classificação dos atos ilocutórios (objetivo ilocutório, direção de adaptação e estado psicológico expresso), apresenta-se o esboço de uma tentativa de análise da perícope de Lc 17,11-19.
ATOS ILOCUTÓRIOS |
Versículos |
Tipo |
Representativo |
11-12 |
|
Diretivo |
13 |
Direto |
Diretivo |
14a |
Direto |
Representativo |
14b-16 |
|
Expressivo |
17-18 |
Indireto |
Declarativo |
19 |
Direto |
Contemplado na seara linguística acima proposta, o texto lucano em estudo abre-se com um ato representativo constatado nos vv.11-12, quando o narrador reitera o tema da viagem de Jesus a Jerusalém, estabelece uma passagem entre Samaria e Galileia e prepara a cena do encontro com os leprosos. Por meio deste ato, “o falante aplica-se, em graus diversos, em afirmar a verdade de uma proposição, ou na realização de algo” (OBARA in GRILLI, M.; GUIDI, M.; OBARA, E., 2020, p.111). Aqui, Lucas limita-se a descrever a situação espaço-temporal e a apresentar os personagens da narrativa.
Em seguida, no v.13 há um ato diretivo, em forma de clamor, dos leprosos dirigindo-se a Jesus para que atue em seu favor. “Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!” Jesus responde à súplica destes homens com um ato igualmente diretivo, ordenando-lhes que se apresentassem aos sacerdotes.
Adiante, os vv. 14b-16 fazem uma transição de caráter representativo ao apresentarem a ação transformadora (cura) ocorrida nos leprosos durante o itinerário bem como o retorno de um deles a Jesus. Esta transição servirá como base para a cena final do texto.
Diante do retorno de somente um dos dez homens, Jesus prorrompe num ato expressivo indireto, mediante uma série de perguntas direcionadas aos leitores. “Os dez não ficaram purificados? Onde estão os outros nove? Não houve, acaso, quem voltasse para dar glória a Deus senão este estrangeiro?” (vv. 17-18). Mediante esses questionamentos revela-se a sinceridade do falante protagonista. “O falante exprime certa disposição psicológica relativamente a um estado de coisas exposto no conteúdo proposicional” (OBARA in GRILLI, M.; GUIDI, M.; OBARA, E., 2020, p. 113).
Na conclusão da perícope, Lucas utiliza um ato declarativo, expresso na ordem dada ao samaritano curado: “Levanta-te e vai; a tua fé te salvou” (v. 19). Com este recurso, “o falante altera o status de um objeto ou de uma situação pelo simples fato de proferir um enunciado” (OBARA in GRILLI, M.; GUIDI, M.; OBARA, E., 2020, p. 114). Neste caso, ao campo semântico da cura/purificação associa-se a perspectiva da salvação, que supera a sanidade física.
Tendo por base os estudos de Bremond a respeito dos moventes e das influências internas ao ato linguístico, pode-se analisar a perícope lucana segundo a tabela abaixo:
INFLUÊNCIAS |
MOVENTES |
Versículos |
Incitadora |
Sedutor |
13 |
Incitadora |
Pragmático |
14 |
Incitadora |
Obrigação |
17-18 |
Incitadora |
Pragmático |
19 |
No v. 13, quando os leprosos se dirigem a Jesus, constata-se uma influência incitadora com um movente sedutor, uma vez que estes homens desejam estimular seu interlocutor para que aja bondosamente em seu favor. Jesus responde com um movente pragmático, ao ordenar-lhes que se apresentassem aos sacerdotes. O motivo desta apresentação fica subentendido e refere-se à avaliação e declaração oficial da purificação.
Já nos vv. 17-18, quando Jesus questiona o não retorno dos outros nove homens, dentro de uma influência incitadora, aparece um movente de obrigação com um cunho ético, questionando o senso do dever em relação a Deus e a Jesus. No v.19, por fim, reaparece o movente de tipo pragmático ao modo de conselho mediante o qual Jesus despede o samaritano, declarando a sua salvação pela fé.
Outro elemento com grande força pragmática dentro da estratégia comunicativa é o gênero literário. A perícope de Lc 17,11-19 é comumente classificada pelos exegetas como uma narrativa de milagre e, mais especificamente, como uma cura realizada por Jesus. “Há um amplo consenso de que não há como negar a atividade milagrosa de Jesus provocando curas e exorcismos milagrosos espontâneos” (SCHNELLE, 2004, p. 101).
Na perspectiva neotestamentária, contemplado dentro da práxis de Jesus e seus discípulos, o milagre “revela uma particular presença e um poder de Deus, que maravilha e suscita admiração, que tem uma eficácia extraordinária, confirma as afirmações sobre o messianismo, que vem a ser superior às capacidades humanas” (MARCONCINI, 2001, p. 225). Enquadrado dentro da noção de salvação, o milagre aponta não só para a escatologia, mas também convoca à fé em Cristo e em sua importância soteriológica atual (KÜGLER in BERLEJUNG; FREVEL, 2011, p. 308).
Os milagres na perspectiva lucana revelam Jesus poderoso em palavras e obras. “A palavra, que é a mais impotente das forças humanas é, ao invés, potentíssima em Jesus” (MASINI, 1997, p. 101). Todos os milagres em Lucas são realizados por meio da palavra. A palavra de Jesus tem o mesmo poder transformador da palavra de Deus. Suas obras são a dynamis (poder) de Deus. “Em referência aos milagres, Lucas utiliza o termo grego exousía, que significa poder e autoridade” (MASINI, 1997, p. 103). O poder de Jesus se evidencia principalmente no ato de perdoar pecados e de realizar a salvação total do homem.
Aspecto a ser destacado é a dimensão de gratuidade do milagre. “Jesus realiza a salvação do homem como dom da iniciativa amorosa que o Pai realiza através de Cristo e em Cristo” (MASINI, 1997, p. 103). A colaboração humana no milagre se faz mediante a fé. “A fé [...] não se dirige ao fato extraordinário, mas a Deus que age no taumaturgo” (BERGER, 2003, p. 39). O milagre visa conduzir a pessoa para além da cura física desejada tornando-a apta a receber a salvação e a paz. Através do milagre, Jesus doa ressurreição e salvação. Entendido nesta perspectiva, o milagre é sempre e antes de tudo, dom de Deus (MASINI, 1997, p. 103-106).
Dentro da análise pragmática, um elemento a ser mencionado é o princípio de cooperação comunicativa, haurido da pesquisa de Grice. Trata-se “do estudo seja do modo pelo qual as intenções de cada indivíduo entram em jogo na comunicação, seja do modo segundo o qual esta é determinada por convenções e práticas regulares” (OBARA in GRILLI, M.; GUIDI, M.; OBARA, E. 2020, p. 120). O intercâmbio comunicativo, no que se refere à Sagrada Escritura, acontece por meio do texto escrito. Com o estudo de Grice, pode-se tocar a questão do implícito na intenção comunicativa. “Com frequência, na conversação, pretende-se e comunica-se algo diferente em relação ao que realmente é dito” (OBARA in GRILLI, M.; GUIDI, M.; OBARA, E., 2020, p.122).
A partir deste princípio de cooperação e das implicações conversacionais, pode-se apresentar algumas análises feitas por autores. Mesters e Orofino (2019, p. 74) afirmam que nesta perícope está inserida uma exortação paradigmática de inclusão dentro da comunidade cristã. “Para Lucas, o lugar que Jesus dá aos samaritanos é o mesmo que as comunidades deviam reservar aos pagãos convertidos. Jesus apresenta um samaritano como modelo de gratidão (Lc 17,11-19) e de amor ao próximo (Lc 10,30-33)”. As comunidades cristãs são chamadas a acolher todos sem fazer distinções. Pikaza (1985, p. 104-105), por sua vez, vê neste texto uma reflexão sobre a vida do cristão como agradecimento ao dom de Deus.
A parábola nos fala de dez leprosos que foram curados; só um deles volta a Jesus Cristo, o seu Senhor, e dá graças. Certamente é difícil encontrar o valor daquilo que nos deram. É difícil, porém, necessário. Descobrir Jesus como dom de Deus; aceita-lo com alegre reverência e mostrar depois que somos, que sabemos ser agradecidos. Isto é que é decisivo. Toda a vida do cristão é puro agradecimento (resposta) ao dom que Deus nos ofereceu por seu Cristo.
Fabris e Maggioni (2006, p. 173) voltam seu olhar para a temática do direito adquirido e veem neste texto um sério questionamento à compreensão da eleição do povo de Israel numa perspectiva exclusiva. “Os judeus, que ambicionavam os gestos salvíficos como um direito exclusivo, ficaram alheios e refratários ao dom salvífico de Deus”.
García (2012, p. 420), por seu turno, analisa a perícope enquanto um relato com finalidade catequética. Lucas estaria mostrando à sua comunidade a atitude do cristão diante da parusia do Senhor. “Primeiro experimenta-la, logo louvar a Deus por ela e finalmente celebra-la em ação de graças em atitude respeitosa diante de quem faz Deus presente na comunidade, ou seja, o Ressuscitado”. Diante desta espera pela segunda vinda do Senhor, o cuidado para com os excluídos se torna atitude fundamental. Nolland (2000, p. 848) procura neste texto o nexo com a temática do discipulado que predomina em toda a última etapa da viagem de Jesus a Jerusalém.
“Esta última unidade da seção (17,11-19) fornece um equilíbrio para a imagem severa do discipulado que dominou as duas primeiras unidades. Agora a gratidão entra em cena e uma imagem da cura misericordiosa que Deus estende àqueles que clamam a Jesus por misericórdia”.
Green (1997, p. 626) aponta para a cristologia enquanto ponto de intertextualidade e vê na perícope uma fundamental referência à Jesus como sendo o novo Templo. “Aqui, a cristologia de Lucas atinge alturas impressionantes ao apresentar Jesus no papel do templo”. Jesus é o centro da emanação do poder de Deus. Ele é o centro deítico. Green (2013, p. 89) sublinha ainda o tema do universalismo da salvação como o eixo central de Lc 17,11-19. “Se Lucas apresenta o propósito de Deus como a extensão da salvação em toda a sua plenitude para todas as pessoas, o que dizer dos gentios? Lucas apoia seu Evangelho com referências à inclusão dos gentios no povo de Deus (2,30-32; 24,47; cf. At 1,8)”. Os pagãos, pela fé em Jesus Cristo, passam a fazer parte do povo escolhido por Deus para a salvação.
Dillmann (2006, p. 398) destaca duas pautas de ação para o leitor atual. Em primeiro lugar, os leitores são conduzidos à compreensão de que não são salvos por sua pertença judaica ou por sua cultura cristã, mas por sua resposta livre e consciente feita através da fé.
O segundo ponto motivado pela análise de Dillmann refere-se à mensagem universalista transmitida pela presença do personagem samaritano. Essa mensagem, contudo, serve também de advertência aos chamados a integrar o povo de Deus: os que estão agora fora, poderão estar dentro enquanto os que hoje estão dentro correm o risco de ficar fora. A pedra de toque consiste na atitude tomada em relação a Jesus e ao Reino de Deus.
Apenas uma exceção: um samaritano, um estrangeiro que vive marginalizado do povo eleito, quase um pagão. Este homem não se contenta com ter obtido a cura através da sua própria fé, mas faz com que uma tal cura atinja a sua plenitude voltando atrás para expressar a sua gratidão pelo dom recebido, reconhecendo em Jesus o verdadeiro Sacerdote que, depois de o ter erguido e salvado, pode fazê-lo caminhar acolhendo-o entre os seus discípulos (FRANCISCO, 2016, p. 1).
Segundo as pesquisas literárias das últimas décadas, um texto, tendo saído da pena do autor, percorre vias que lhe conferem múltiplas possibilidades hermenêuticas. Dentro dessa perspectiva, a participação do leitor é fundamental para a realização efetiva do evento comunicativo. Essa dinâmica aplicada à leitura e análise das Escrituras oferece a possibilidade para que a Palavra alcance seu objetivo enquanto realidade viva, movente, eficaz, capaz de gerar novas práticas e impulsionar novos comportamentos na vida cotidiana do leitor. A este respeito, belas e acertadas são as palavras de Mendonça.
a Bíblia é, em relação ao infinito, um observatório e um reservatório. A sua palavra aspira impacientemente à categoria de não palavra, ou não apenas palavra. Busca o vislumbre. Não quer ser porta, quer transportar. Quer o contínuo do sentido como disseminação acessível e sem fim. A Bíblia foi escrita com palavras que sonham (2015, p. 24).
Parafraseando o autor supracitado, pode-se dizer que a Sagrada Escritura não somente foi escrita com palavras que sonham, mas com palavras que fazem sonhar e contemplar horizontes inauditos.
O estudo presente considera, antes de tudo, Lc 17,11-19 como um evento comunicativo. Sua análise, apoiada nas pesquisas de diversos exegetas lucanos, provoca reflexões, desperta atitudes inerentes à Boa Nova de Jesus Cristo e expõe o desafio da inclusão do “diferente” na comunidade cristã.
O percurso realizado permite sublinhar alguns aspectos essenciais do discipulado cristão, segundo Lucas, como o louvor a Deus e o agradecimento pelo dom recebido, as dimensões imprescindíveis de compaixão e misericórdia para com os que sofrem, o caráter inclusivo da eleição de Israel e o universalismo da salvação.
A estratégia comunicativa empregada pelo evangelista, à luz da perícope estudada, conduz o leitor a contemplar, para além do fato portentoso chamado milagre, a força performática da Palavra de Jesus enquanto dynamis de Deus que purifica, cura, liberta, humaniza e salva. Assim, o testemunho de Jesus sobre o Reino de Deus chama o leitor a uma resposta de fé, livre, consciente e decisiva.
ALETTI, J-N. El evangelio de Lucas y las Escrituras de Israel: la importancia de la tipología em Lucas. Navarra: EVD, 1999. (epub).
ASCOUGH, R. Milagres de Jesus. 2.ed. São Paulo: Editora Ave-Maria, 2008.
BENTO XVI. Exortação Apostólica pós-sinodal Verbum Domini. 2.ed. Brasília: Edições CNBB, 2011. (Documentos Pontifícios 6).
BERGER, K. Pode-se crer em milagres? São Paulo: Loyola, 2003.
BERLEJUNG, A.; FREVEL, C. Dicionário de termos teológicos fundamentais do Antigo e do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 2011.
BOVON, F. El Evangelio según San Lucas III: Lc 15,1-19,27. 2.ed. Salamanca: Ediciones Sígueme, 2016. (Biblioteca de Estudios Bíblicos 87).
CASALEGNO, A. Lucas: a caminho com Jesus missionário. São Paulo: Loyola, 2003.
COLAVECCHIO, R. Jesus e a comunidade do Reino no Evangelho de São Lucas. 2.ed. São Paulo: Loyola, 2013.
CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Dei Verbum (18/11/1965). In: COSTA, L. (org.). Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965). São Paulo: Paulus, 1997.
DILLMANN, R.; MORA PAZ, C. Comentario al Evangelio de Lucas: um comentario para la actividad pastoral. Navarra: EVD, 2006. (Evangelio y cultura 2).
ETUKUMANA, G. Reconciliation in the Gospel of Luke: a socio-historical study. 2016. Tese de Ph.D. Stellenbosch University, Stellenbosch (África do Sul), 2016. Disponível no site: < http://scholar.sun.ac.za/handle/10019.1/100023>. Acesso em 08/10/2022.
FABRIS, R.; MAGGIONI, B. Os Evangelhos (II). São Paulo: Loyola, 2006. (Bíblica Loyola, 2).
FAUSTI, S. Uma comunidade lê o evangelho de Lucas. 1.ed. Brasília: Edições CNBB, 2021. Coleção Leitura Pastoral da Bíblia.
FRANCISCO. Homilia no Jubileu Mariano (09/10/2016). Disponível no site: <https://www.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/2016/documents/papa-francesco_20161009_omelia-giubileo-mariano.html>. Acesso em 26/09/2022.
GARCÍA, S. Evangelio de Lucas. Biscaia: Desclée de Brouwer, 2012.
GARLAND, D. Zondervan exegetical commentary series on the New Testament: Luke. Michigan: Grand Rapids, 2011.
GREEN, J. The gospel of Luke. Grand Rapids: Eerdmans, 1997.
GREEN, J.. The theology of the Gospel of Luke. 16 ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2013.
GRILLI, M.; GUIDI, M.; OBARA, E. Comunicação e pragmática na exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2020. (Cultura bíblica).
JOHNSON, L. Il Vangelo di Luca. Torino: Editrice Elledici, 2004. (Sacra Pagina vol. 3).
KARRIS, R. J. O Evangelho Segundo Lucas. In: BROWN, R.; FITZMYER, J. A.; MURPHY, R. E. (Orgs.). Novo Comentário Bíblico São Jerônimo. Novo Testamento e Artigos Sistemáticos. São Paulo: Academia Cristã / Paulus, 2015.
KÜMMEL, W. Introdução ao Novo Testamento. 4.ed. São Paulo: Paulus, 1982.
MARCONCINI, B. Os evangelhos sinóticos. São Paulo: Paulinas, 2001.
MARGUERAT, D. O evangelho segundo Lucas. In: MARGUERAT, D (Org.). Novo Testamento: história, escritura e teologia. São Paulo: Loyola, 2015. p. 107-135.
MASINI, M. Luca: il Vangelo del discepolo. Brescia: Queriniana, 1997.
MAZZAROLO, I.; KONINGS, J. Lucas: o evangelho da graça e da misericórdia – comentário-paráfrase. São Paulo: Loyola, 2016.
MENDONÇA, J. A leitura infinita: a Bíblia e sua interpretação. 1.ed. São Paulo: Paulinas; Pernambuco: Universidade Católica de Pernambuco, 2015. (Coleção Travessias).
MESTERS, C.; OROFINO, F. Crescer em amizade: uma chave de leitura para o evangelho de Lucas. São Paulo: Paulus, 2019 (Coleção A Bíblia e o povo).
MILLOS, S. Lucas. Barcelona: Editorial Clie, 2017.
MONASTERIO, R. A.; CARMONA, A. R. Evangelhos sinóticos e Atos dos Apóstolos. São Paulo: Ave-Maria, 2000. (Introdução ao Estudo da Bíblia, 6).
MORA PAZ, C.; GRILLI, M; DILLMANN, R. Lectura pragmalinguística de la Biblia: teoría y aplicación. Navarra: EVD, 1999. (Coleção Evangelio y Cultura 1).
NEF ULLOA, B. A presença dos samaritanos na obra lucana. Disponível em:<http://www.lambda.maxwell.ele.puc-rio.br/21666/21666.PDF>. Acesso em 18/12/2022.
NOLLAND, J. Luke 1–9:20. Michigan: Zondervan, 2000. (World Biblical Commentary, 35b).
PARSONS, M. Luke. Michigan: Baker Academic, 2015. (epub).
PIKAZA, J. A teologia de Lucas. 2.ed. São Paulo: Paulinas, 1985.
ROSSÉ, G. Il Vangelo di Luca: commento esegetico e teologico. 3.ed. Roma: Città Nuova, 2001.
ROSSI, L.; SILVA, V. (orgs.) Milagres na Bíblia. São Paulo: Paulus, 2017.
SANTOS, N. A esperança que Jesus dá: uma reflexão sistemática sobre a esperança e o ‘seu’ tempo a partir da exegese dos encontros com Jesus narrados nos evangelhos. Tese de Doutorado. Coimbra: Simões e Linhares Ltda., 2018.
SCHNELLE, U. Introdução à exegese do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 2004. (Bíblica Loyola, 43).
SCHWEIZER, E. Il Vangelo secondo Luca. Brescia: Paideia Editrice, 2000.
SILVA, C. Metodologia de exegese bíblica. 3.ed. São Paulo: Paulinas, 2009.
SIMIAN-YOFRE, H. Metodología del Antiguo Testamento. Salamanca: Ediciones Sígueme, 2001.
STEIN, R. Luke. Nashville: B e H Publishing Group, 1992. (The New American Commentary, vol. 24).
WOLTER, M. The Gospel According to Luke: Volume II (Luke 9:51-24). Texas: Baylor University Press, 2016.