Uma análise do conceito de Kenosis bíblico[1]

An analysis of the concept of biblical Kenosis

Fabiano Veliq

Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerias (PUCMG). Professor Adjunto do departamento de Filosofia e Teologia da PUC Minas. Contato: veliqs@gmail.com


Voltar ao Sumário


Resumo: O artigo tem como objetivo fazer uma análise do conceito de Kenosis bíblico e dada a centralidade de tal conceito para o cristianismo e toda a sua história dentro da teologia cristã, buscamos traçar de maneira panorâmica, a construção desse conceito no desenvolver do primeiro século do cristianismo a partir do texto bíblico.

Palavras-chave: Kenosis, Encarnação, Logos.

Abstract: The article aims to analyze the concept of Kenosis in a biblical context and given the centrality of such concept for Christianity and its entire history within Christian theology, we seek to trace in a panoramic way the construction of this concept in the development of the first century of Christianity from the biblical text. 

Keywords: Kenosis, Incarnation, Logos. 


O conceito grego de εκενωσε é central na construção do cristianismo. Tal palavra pode ser transliterada como (ekenose), que literalmente significaria “esvaziar”. O termo assumiu, desde o início do cristianismo, o nome de kenosis (verbo substantivado) e dentro da tradição cristã, tal termo é entendido por “esvaziamento” como forma de entender o processo de encarnação de Deus no homem Jesus. Podemos dizer, em certa medida, que tal conceito marca a diferenciação entre o judaísmo e o cristianismo, uma vez que o Cristo visto como esvaziamento de Deus é uma especificidade cristã. Dada a centralidade de tal conceito para o cristianismo e toda a sua história dentro da teologia cristã, cabe a nós traçar, ainda que de maneira bastante panorâmica, a construção desse conceito no desenvolver do cristianismo.[2]

Na história do cristianismo, várias leituras foram feitas sobre alguns textos-chaves, em especial, aos textos de Filipenses 2,5-11 e ao prólogo do evangelho de João (Jo 1,1 e 14). Estas leituras influenciaram diretamente na forma como a noção de encarnação foi entendida e, por isso, cabe a nós nos atermos um pouco nestas leituras para circunscrever melhor o nosso problema. O debate em torno da encarnação, em grande medida, se dará em como será entendido o conceito de kenosis e há, basicamente, duas grandes chaves de leitura na tradição cristã.

Há a leitura tradicional da noção de kenosis (sob forte influência helênica) entendida como Jesus tendo esvaziado de sua essência divina e assumido a forma humana e, por isso, nele haveria a presença das duas naturezas (humana e divina) em sua plenitude. Tal união hipostática é o que permitiria a Jesus realizar os milagres e se colocar como filho de Deus enviado ao mundo para salvar a humanidade do pecado e restaurar o homem junto ao Criador. O movimento kenótico, nessa leitura clássica, se dá com um “abrir mão” da essência divina para tornar-se homem. Essa leitura é confirmada pelos concílios ecumênicos da Igreja católica (Nicéia, 325; Constantinopla, 381; Éfeso, 431 e Calcedônia, 451), de forma que se torna, desde muito cedo, a leitura padrão para entender a noção de kenosis. No entanto, tal leitura, de forma helenizada, soaria bastante estranha para uma mentalidade judaica, pois coloca termos estranhos ao contexto judaico em que viveu Jesus. Em nenhum texto do Antigo Testamento aparece a noção de “essência”, ou algo que remeta à preexistência de Jesus antes da sua vida humana. A vinculação de Jesus a Deus como sendo uma união de essência não é algo que pertence ao contexto judaico no qual o texto foi escrito. Esse fato gera certo incômodo na teologia pós século XIX, em que a crítica literária passa a ser aplicada ao texto bíblico, ou seja, o texto bíblico não deve ser lido de maneira atemporal, mas assim como qualquer outro texto, logo o autor tem intenções e um contexto que o permite escrever determinadas coisas com um sentido específico tendo, diante de si, um público também específico.

Com o advento da crítica literária ao texto bíblico, inicia-se, no século XIX, a busca pelo chamado “Jesus histórico”, ou seja, a investigação sobre o judeu Ieshua, que teria vivido na Palestina no século I, e mais recentemente também se inicia a busca pelo “Paulo histórico”, que consiste em investigar quem é essa figura central no surgimento do cristianismo e o que estaria permeando o contexto paulino quando da escrita de suas cartas, ou seja, consistiria em resgatar a judeidade de Paulo. A questão a se pensar é: “será que seria possível para um judeu do século I pensar Deus de maneira trinitária?”. Dessa forma, começa-se a repensar os textos paulinos a partir do resgate da judeidade de Paulo.

Sabe-se hoje que as cartas de Paulo consideradas legítimas são as cartas de Romanos, Coríntios, Gálatas, Filipenses e Tessalonicenses. As outras cartas seriam atribuídas a Paulo, mas teriam sido escritas por discípulos de Paulo (consideradas pós-paulinas), como as cartas a Timóteo e a Tito, e outras cartas que não se sabem se seriam de Paulo ou usadas apenas como recurso de autoridade para divulgação; é o exemplo da carta de Efésios e Colossenses.

Ao se analisar os escritos de Paulo a partir da crítica literária adotada pela teologia do século XIX em diante, o contexto judaico de Paulo é o primeiro que aparece. A leitura dos textos de Filipenses e do prólogo de João à luz da crítica literária permite compreender — de maneira bastante diversa da leitura tradicional — a noção de kenosis enquanto esvaziamento. Outros textos que também são utilizados, segundo Ehrman (2014), são as chamadas “tradições pré-literárias”, que se tratariam de credos e hinos no Novo Testamento que pertenceriam a uma tradição judaica anterior aos textos escritos, transmitida oralmente entre o povo da época. Em grande medida, tais tradições pré-literárias seriam utilizadas em ritos tais como “batismos”, “cenários litúrgicos”, etc.

Alguns exegetas[3] pontuam características de tais tradições, como exemplo, estilizações em formas de poemas e uso de palavras que não pertencem à linguagem comum àquele contexto, evidenciando que aquele excerto foi enxertado no texto vindo de outra fonte. Como aponta Ehrman:

Ainda mais impressionante é que essas tradições pré-literárias com frequência expressam visões teológicas que diferem em maior ou menor grau daquelas encontradas no restante do texto do autor [...] O estilo, o vocabulário e as ideias são diferentes do que se encontra nas demais partes da obra dele. Além disso, em alguns casos, a unidade identificada por esses quesitos não se encaixa muito bem no contexto literário em que se encontra - parece que foi transplantada para o local. Muitas vezes se retiramos a unidade do contexto e lemos tal contexto sem ela, o trecho faz sentido e flui perfeitamente bem, como se não faltasse nada. (ERHMAN, 2014, p. 291)

Nas cartas de Paulo[4] existem várias tradições pré-literárias. Relevante para o nosso trabalho é o fato de que tais tradições incorporam visões cristológicas que não são exatamente de Paulo, porém mais antigas[5]. O cristianismo se funda na figura de Jesus que, como se sabe, foi mestre (rabi) em Israel e viveu no século I. Os seguidores de Jesus também eram judeus e Paulo, como apóstolo tardio, também era judeu. Assim, é importante pensarmos que o texto paulino necessita ser entendido dentro do contexto judaico para que compreendamos melhor a sua acepção.

Os seguidores de Jesus o consideravam o Messias, ou seja, o homem que viria a libertar Israel do domínio de outros povos e fundar o reino de Israel. Como nos mostra John Hick (2000), Jesus nunca teria afirmado que ele seria o Messias, ou mesmo “filho de Deus”, mas tal elaboração é feita posteriormente na história do cristianismo. O Messias era chamado “filho de Deus”, mas nunca em sentido ontológico. Swidler, citando Vermes, afirma que “filho de Deus poderia designar um bom judeu; um judeu carismático e santo, ou o Rei de Israel; ou ainda... ‘Filho de Deus’ era sempre entendido metaforicamente em círculos judaicos” (SWIDLER, 1993 p. 36,37).

Outra questão também cara à judeidade de Jesus é o título de “Filho do homem”, cuja tradição remete ao livro de Daniel (Dn 7,13) no Antigo Testamento e nome pelo qual Jesus refere-se a si mesmo (Mc. 13,26 / Mc. 8,38/ Mt. 19,28 / Lc. 22,30 e várias outras passagens). Esse título, atribuído em Daniel para um ser poderoso que julgaria quatro grandes reinos anteriores estabelecendo um reino de paz, é um ponto central na mentalidade judaica do século I e como afirma Dunn, desde muito cedo esse título apareceu como problema ao se tratar de Jesus. Embora a judeidade de Jesus seja conhecida por todos durante a história do cristianismo, tal princípio fundamental foi escamoteado e em seu lugar, a matriz grega de pensamento foi rapidamente assimilada pelos padres da Igreja e os textos, reinterpretados à luz da filosofia grega patrística. O esforço que fazemos neste capítulo é evidenciar que tal leitura grega pode ser extremamente capciosa para entendermos o conceito de kenosis dentro do contexto bíblico

Como já concluímos, os seguidores de Jesus o consideravam o Messias com todas as implicações políticas advindas desse título, no entanto, algo que podemos ter certeza, a partir do contexto judaico, é que o Messias não era entendido no sentido ontológico, mas sim no sentido político, como libertador, como ungido (Christos) de Deus. Nesse sentido, o caráter ontológico atribuído à noção de “filho de Deus” como aquele que possui “a mesma essência de Deus” não é pertencente ao contexto judaico, mas sim à ontologização grega, e é exatamente esse processo que gera todo o debate cristológico dos padres apologistas dos primeiros séculos do cristianismo. Esse problema não é um problema para a matriz bíblica e podemos afirmar que não era um problema para Paulo quando da escrita de suas cartas.

2.1 O texto de Filipenses 2,5-11

A palavra εκενωσε aparece primeiramente no texto bíblico na carta paulina de Filipenses, (Fp 2,5-11)[6]. Ali, encontramos o seguinte trecho:

De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz. Por isso, também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome; Para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, E toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai. (FP. 2,5-11) (grifo nosso)[7] 

Este texto se torna, desde a sua entrada no cânone bíblico, seminal para a temática da encarnação[8]. No entanto, tal leitura é uma dentre as possíveis dessa passagem tão emblemática do texto bíblico.

A primeira coisa que devemos notar é que o poema descrito por Paulo é de uma tradição pré-paulina, uma fonte pré-literária como já aludimos. No entanto, fica claro que há uma passagem não direta da noção de “esvaziamento” (kenosis) e “encarnação” (tornar-se carne). O texto paulino acima não dá nenhuma pista de que a noção de esvaziamento coincida com a noção de encarnação. Esse fato, por si só, já evidencia que a noção de encarnação não é um “dado” no início do cristianismo.

O texto de Fp 2,5-11, a nosso ver, deve ser entendido primeiramente na forma como Paulo e seus seguidores teriam entendido os judeus do primeiro século, de forma que o significado de kenosis se verá distanciado da sua helenização posterior. Para realizarmos essa tarefa, é interessante ressaltar que o contexto em que Paulo escreve a carta para os filipenses era o de uma pequena comunidade composta de judeus e simpatizantes não judeus do ensinamento de Jesus, mas que se sentiam atraídos pela tradição judaica. Dessa forma, esses eram basicamente os dois grupos que constituíam a maioria dos membros das primeiras igrejas fora da Palestina fundadas por Paulo, incluindo a que Paulo fundou em Filipos. Nesse sentido, as palavras de Paulo devem ser entendidas como palavras de um judeu devoto para judeus devotos e gentios poderosos que eram instruídos quanto ao judaísmo. Esse fato é importante para pensarmos o texto de Filipenses, que é um dos principais utilizados pelo cristianismo para tratar da noção de encarnação.

Alguns estudos exegéticos[9] veem uma “cristologia adâmica” muito em voga na época em que Paulo escreve a carta aos filipenses. O “ser igual a Deus” significa o mesmo que Adão ser feito “à imagem de Deus” (Gn 1,26); o primeiro Adão deseja se apegar a esse nível de ser, isto é, “ser igual a Deus” (Gn 3,5) e, por isso, é expulso do Éden. Jesus, como segundo Adão (I Cor 15,45), escolheu seguir não o caminho de se apegar a “Ser igual a Deus”, mas esvaziar-se de si mesmo e assumir a “condição de servo”, isto é, a condição de Adão após a queda, completando a simetria do hino citado por Paulo. Ao final do hino, Deus (ho theos) o “exaltou” e não o restaurou ao lugar de onde teria vindo. Não há essa ideia de uma preexistência divina no hino de Filipenses. Jesus aqui é simplesmente um “segundo Adão” que escolhe não querer se manter na tentação de “ser igual a Deus”, e não a segunda pessoa de uma Trindade pré-existente. Tal visão enfatiza que Jesus seria plenamente humano como outros humanos e, nessa medida, ele é à imagem de Adão, que é à imagem de Deus. Todavia, Jesus, esse homem, reverte o pecado de Adão pela sua obediência e só então é exaltado a um nível divino[10]

Outra forma de olhar para tal texto de Filipenses é enfatizado por Garret (2008). Para a autora, o texto de Filipenses pode ser entendido no mesmo contexto do texto de Gálatas 4,14 em que Paulo escreve:

“E não rejeitastes, nem desprezastes isso que era uma tentação na minha carne, antes me recebestes como um anjo de Deus, como Jesus Cristo mesmo” (Gálatas 4:14). O motivo para se interpretar dessa forma, segundo Garret (2008), é que a construção “mas como [...] como” utilizada por Paulo nunca é usada de maneira a contrastar duas coisas, mas sim no sentido de reforçar uma ideia, afirmar que ambas são iguais. Para defender essa ideia, Garret aponta outro texto em que essa estrutura aparece e o sentido delas é inequívoco[11]. Para Garret (2008), Paulo seria, portanto, um anjo; ela chega a afirmar que Jesus seria o anjo principal de Deus (GARRET, 2008 p. 11). Essa mesma posição é defendida por Ehrman (2014). 

Nesse sentido, fica claro que para Garret, Ehrman e outros, a kenosis é um esvaziamento de divindade, não da divindade trinitária, mas sim uma divindade menor, um anjo esvaziando dos seus atributos para redimir o mundo[12]. Tal afirmação de Ehrman se baseia no fato de que, no Antigo Testamento, a figura do anjo seria, ela mesma, uma representação de Deus. A Bíblia hebraica afirma que o Anjo do Senhor teria aparecido a Agar (Gn 16:7-12), Abraão, (Gn 22:11-12) Moisés (Ex 3:2-3) e em outras situações também, e nesses textos, há uma associação direta entre o Anjo do Senhor e o próprio Deus de Israel. No desenvolvimento do cristianismo, a doutrina da exaltação vai sendo substituída pela ideia de Jesus como um ser celestial que funcionaria como um mediador entre Deus e os homens[13]

Tal visão é corroborada pela própria ideia de que para os gregos, judeus antigos, o divino não era apenas de um grau, mas haveria diversos graus do divino. Um ser divino não necessariamente seria o Deus dos deuses, dessa forma. O poema de Filipenses permite que Jesus possa ser entendido como um ser divino preexistente, mas que apenas é exaltado como Deus depois da sua obediência e da sua morte. Aqui, haveria uma espécie de transição entre o uma cristologia da exaltação e uma cristologia da encarnação, que, no texto de João, se torna a tônica.

Como podemos notar, há diversas formas de traduzir e interpretar o texto de Filipenses e esse tema é alvo de debate entre teólogos e exegetas. O desenvolvimento do cristianismo irá optar pela leitura encarnacional do texto e não pela leitura que vê Jesus como um ser angélico ou como representando a figura de Adão. Acreditamos que muito dessa leitura encarnacional do texto se deve ao desenvolvimento posterior do cristianismo, evidenciado, principalmente, a partir do prólogo do evangelho de João.

2.2 - Uma questão cronológica

Há uma questão cronológica que precisa ser ressaltada: as cartas de Paulo são os primeiros textos cristãos a serem escritos, e por isso a tradição pré-literária é um fato importante para nos atentarmos. O que pode ser facilmente percebido é que a questão que se coloca nos primeiros textos sobre a figura de Jesus é sua ressurreição. Essa é a grande questão paulina em seus textos. Para Paulo, Jesus teria se tornado Deus quando ressuscita, ou seja, até a sua morte, Jesus seria um homem que facilmente poderia ser encarado como um profeta judeu, mas a partir da ressurreição, Deus o exalta e lhe concede o status de “Filho de Deus”. Tal entendimento paulino pode ser visto no discurso de Paulo descrito em Atos 13:32-33, em que se lê: “Nós lhes anunciamos as boas novas: o que Deus prometeu a nossos antepassados ele cumpriu para nós, seus filhos, ressuscitando Jesus, como está escrito no Salmo segundo: ‘Tu és meu filho; eu hoje te gerei.”

Essa declaração paulina é uma das mais espantosas do novo testamento sobre a ressurreição. Paulo inicia seu discurso afirmando que Deus fez uma promessa ao povo judeu e essa promessa foi cumprida a seus descendentes pela ressurreição de Jesus. É neste contexto que Paulo cita Salmos 2:7: “Você é meu filho, eu hoje te gerei”, que originalmente é entendido como referência ao dia da coroação do rei judaico, quando ele é ungido para evidenciar que o rei de Israel está sob o especial favor de Deus. Nesse discurso, Paulo afirma que, na ressurreição de Jesus, ele se torna Filho de Deus, Deus o gera como filho, como novo Rei sobre todos e não mais apenas sobre os judeus. Nessa leitura paulina, Deus exaltou Jesus como seu Filho ao ressuscitá-lo[14].

Nessa forma de pensar a cristologia, Jesus começou como um ser humano como os outros e que apenas na ressurreição teria sido exaltado por Deus. Nesse tipo de cristologia não se fala absolutamente nada sobre nascimento virginal, anunciação, etc. Ele não teria sido Deus em vida, ele é um humano, e, no máximo, o messias político esperado por Israel. Aqui, Jesus não é visto como um ser divino “por natureza”, não preexistia à criação e não seria da mesma “essência” de Deus. Ele seria um humano que foi exaltado por Deus a um status divino como o mais alto grau de exaltação possível para o ser humano: Ele foi elevado à posição ao lado do Deus Todo-Poderoso, elevado a ser “O Filho de Deus” e não apenas mais “um filho de Deus”. A esta cristologia, dá-se o nome de Cristologia da exaltação.

Se notarmos com atenção o texto bíblico e a própria história do desenvolvimento do cristianismo no primeiro século, podemos traçar uma espécie de desenvolvimento cronológico da visão sobre Jesus ter se tornado Deus. Devemos ter cuidado, no entanto, para não pensarmos que tal desenvolvimento se deu de maneira linear. As ideias sobre Jesus com toda certeza eram diferentes nas diferentes comunidades cristãs dos primeiros séculos. Os evangelhos narram sobre a vida de Jesus a partir da comunidade as quais pertencem e isso interfere de forma crucial na elaboração sobre a divindade de Jesus.

Como o apóstolo Paulo não faz nenhuma citação sobre a vida de Jesus em nenhuma de suas cartas, e, ao mesmo tempo, a figura de Jesus ressurreto é central em toda a teologia paulina, vai se criando, com o passar do tempo, uma necessidade de se entender quem é essa figura chamada Jesus que Paulo afirma que Deus ressuscitou. Os evangelhos vêm cumprir essa lacuna deixada por Paulo e já no primeiro século, tal problema é enfrentado pelos evangelistas. Os evangelhos que foram considerados os mais coesos, mais bem formulados e que entraram no cânone bíblico são os evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João.

No evangelho de Marcos, o primeiro a ser escrito, por volta do ano 70 d.C, Jesus teria se tornado Deus não apenas na ressurreição[15], mas sim no seu batismo por João Batista descrito em Mc 1:9-11. Interessante ressaltar que, nesse batismo, se ouve uma voz do céu, novamente aparecendo a noção de “filiação”. “Tu és meu filho amado. Em ti me agrado” (Mc 1:11). No entanto, essa filiação não se daria na ressurreição, mas no batismo, ou seja, durante todo o seu ministério terreno, Jesus seria Deus e não apenas na ressurreição. Interessante notar que não há, em Marcos, nenhuma alusão ao nascimento virginal de Jesus, ou à preexistência dele. No evangelho de Mateus, escrito por volta do ano 80 d.C e destinado à uma comunidade judaica, Jesus não se torna Deus no batismo, mas sim no nascimento. É no texto de Mateus que se relata o nascimento de Jesus precedido por uma estrela que brilha sobre o estábulo em que Maria e José se encontram para indicar que ali é nascido um novo rei. Basta lembrarmos que, na tradição bíblica, os reis de Israel são representados por uma estrela, e o autor do evangelho de Mateus ressalta que tal estrela é a marca de que Jesus não era apenas mais um menino que nasce em Belém, mas sim o novo rei que vem sobre o povo.[16]

No evangelho de Lucas, escrito por volta do ano 85 d.C, Jesus teria se tornado Deus na concepção de Maria. Em Lucas 1:32-33, lemos: “Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo. O Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi, e ele reinará para sempre sobre o povo de Jacó, seu Reino jamais terá fim.” O relato do texto de Lucas difere bastante do texto de Mateus, uma vez que aqui o termo “Filho do Altíssimo” é anunciado pelo próprio anjo na anunciação. Jesus teria se tornado Deus antes mesmo do seu nascimento, e o seu título não viria após a sua morte, mas antes mesmo do seu nascimento. Ele é o rei descendente de Davi, mas seu reino não terminará, pois será um reino dado pelo próprio Deus. O texto de João, que é o último evangelho escrito, datado do ano 90 d.C inicia-se de forma extremamente nova, e enquanto os primeiros três evangelhos são conhecidos como “evangelhos sinóticos”, o evangelho de João, sem dúvidas, faz uso de outras fontes para compor o relato sobre Jesus. O prólogo de João coloca de maneira enfática que Jesus teria sido considerado Deus antes mesmo da sua existência como humano, mas seria, desde o princípio, “logos” de Deus, ou seja, verbo de Deus que se encarna, e não um humano que foi exaltado por Deus. Pela sua especificidade, analisamos de maneira pormenorizada, a seguir, o prólogo do evangelho de João.

2.3 O prólogo do evangelho de João

Há muito é amplamente aceito entre os estudiosos que o prólogo de João é um poema preexistente que João incorpora em sua obra[17]. O texto do evangelho de João é um dos mais conhecidos para se justificar a noção e encarnação, pois lá a palavra grega σαρξ (carne) aparece de forma explícita. “και ο λογος σαρξ εγενετο” (E o verbo se fez carne) (Jo 1,14) e para além disso o primeiro versículo do prólogo ainda afirma “εν αρχ ή ην ο λογος και ο λογος ην προς τον θεον και θεος ην ο λογος” (No princípio era o logos e o logos estava diante de Deus e o logos era Deus) (Jo 1,1)[18]. Tais excertos do prólogo de João parecem afirmar de maneira tácita a leitura clássica confirmada pelos concílios da Igreja e percebe-se que tal leitura se justifica do ponto de vista textual. No entanto, assim como Paulo é um judeu no século primeiro, a comunidade de João que escreve o texto por volta do ano 90 d.C também é judaica, de forma que a pergunta que devemos fazer é se seria possível a um judeu do século I ter uma visão trinitária sobre Deus. Swidler (1993, p. 39) afirma que o prólogo do Evangelho de João seria um hino à sabedoria e que a palavra “sabedoria” teria sido substituída por “Verbo” e “Ieshua”, com o passar do tempo. Embora essa tese seja ousada do ponto de vista da composição do texto, não pensamos que precisamos dela para entendê-lo dentro da conjuntura do evangelho da comunidade joanina.

O elogio à sabedoria é uma constante no Antigo Testamento e os textos de Provérbios e Eclesiástico possuem várias passagens em que a sabedoria é corporificada e diz sobre diversas coisas. Nesse sentido, o texto do Eclesiástico 24 é extremamente interessante, ali a sabedoria é criada antes de toda criatura (Eclo 24,5), levanta no céu uma luz indefectível (Eclo 24,6), seu trono está em uma coluna de nuvens (Eclo 24,7), ela andou sobre as abóbadas celestes, prescrutou os abismos, andou sobre as ondas do mar (Eclo 24,8), ou seja, a Sabedoria está presente na criação, desce à Terra, salva a Israel e a toda humanidade, alguns a ouviram e a maioria, não. Rejeitada pela humanidade e não encontrando um lugar para descansar, ela retorna para habitar com Deus. Da mesma forma, tanto a Sabedoria quanto o Logos:

A semelhança com o logos e a sabedoria é notável. O mesmo que se diz sobre o Verbo de Deus se diz sobre a sabedoria, de forma que é bem provável que o texto de João 1 seja, em grande medida, um elogio à sabedoria e não se trata, portanto, de nenhum tipo de relato ontológico sobre uma preexistência de Cristo. Para além disso, é bom lembrarmos que a “Palavra de Deus” (dabar, em hebraico) comunica Deus à humanidade, como é o caso da Torá (instrução) de Deus. Para os judeus, a palavra de Deus é Ele falando e dando instruções ao povo, quer seja por meio dos profetas quer seja por meio de intervenções em que sua voz é ouvida. 

Nesse sentido, a “Palavra de Deus” que se faz carne não é entendida na experiência judaica como algo diferente de Deus, mas sempre a palavra é vista como uma tentativa de relacionamento de Deus com os homens, e isso se daria desde o início do mundo. Desde o Deus que caminha no jardim e conversa com Adão (Gn 1) até a figura de Jesus que encarnava tudo o que Deus havia dito por meio da Torá; dessa forma, Jesus “encarna” o próprio Deus, a sua própria palavra na medida em que age como a Torá ensina, e ao fazê-lo, revela o próprio Deus de maneira viva.

Outro ponto que precisamos ressaltar é que o poema não afirma em nenhum momento que Jesus preexistia ao nascimento e não diz nada sobre nascimento virginal. O que preexistia era o Logos de Deus por meio do qual Deus fez todas as coisas. Foi apenas quando o Logos se torna humano que Jesus veio a existir. Jesus é o logos que se tornou homem, mas segundo o poema de João, Jesus não existia antes de a encarnação acontecer. Era o Logos que existia antes. No entanto, o texto de João traz um ponto diferente em relação ao Logos, que não se relaciona à sabedoria que é o fato de que o Logos se encarnou em Jesus.

Conclusão

Esta cristologia da encarnação vai ganhando corpo à medida que o cristianismo vai se desenvolvendo, crescendo e se torna a visão oficial sobre Jesus no final do primeiro século. Não se sabe o porquê dessa passagem, mas pode-se pensar que há uma espécie de visões concomitantes no cristianismo do primeiro século. Como exposto até agora, podemos pensar em três grandes cristologias entre os cristãos dos primeiros séculos. A cristologia da exaltação (Jesus era homem e foi exaltado por Deus na ressurreição); a cristologia de transição (Jesus era um ser preexistente ao seu nascimento, não é o próprio Deus, mas sim um anjo de Deus que é exaltado posteriormente); e a cristologia da encarnação (O Logos de Deus se encarna em Jesus. Como o Logos é o próprio Deus[19], ao se encarnar em Jesus, este se torna o próprio Deus). Como visto, ambas as cristologias possuem embasamento bíblico e podem ser defendidas com diversas passagens das Escrituras, no entanto, o que fica claro é que a versão que ganhou terreno no final do século I d.C e entrou para a tradição do cristianismo foi a cristologia da encarnação.

Referências

ALONSO-SCHÖKEL, L. Bíblia e literatura. In: ECHEGARAY, J. G. et al. A Bíblia e seu contexto. São Paulo: Editora Ave-Maria, 2000.

BERGER, Klaus. As Formas Literárias do Novo Testamento. São Paulo: Edições Loyola, 1998.

BÍBLIA SAGRADA. Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo:Editora Vida, 1999. 

DUNN, D.G. Christology in the making: A new testament inquiry into the origin of the doctrine of the Incarnation. 2a ed. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1989.

EHRMAN, Bart D. Como Jesus se tornou Deus. Tradução de Lúcia Brito. São Paulo. SP. Leya, 2014.

 GARRET, Susan R. No ordinary angel: celestial spirits and Christian claims about Jesus. Yale University Press, 2008. 

GRIESCHEN, Charles A. Angelomorphic Christology:Antecendents and Early evidence Leiden: E.J. Brill, 1998.

LIÉBAERT, J. L’Incarnation. Des origines au concile de Chalcédoine. Histoire des dogmes (Tome III. Les Éditions du Cerf. Paris. VII. 1966).

Justino de Roma, Santo. I e II Apologias; Dialogos com Trifao. Sao Paulo: Paulus, 1995 328 p. (Patristica, 3).

MARTIN, Ralph P. A hymm of Christ: Philippians 2:5-11 in recent interpretation and in the setting of Early Christian Worship. Downers Grove. Illinois. Intervarsity press. 1997

MURPHY-O’Connor, Jerome. Christological Antropology in Fl 2,6-11 in Revue Biblique, 83 (1976)

PETAZZI, Giuseppe Maria. SJ. Il verbo incarnato. Corso di cultura religiosa superiore. Série VII 1939-1940.

SESBOÜÉ, Bernard. SJ. Traité de l’incarnation. Montée de Fourvière. Lyon. 1968-1969.

 SWIDLER, Leonard. Ieshua. Jesus histórico, Cristologia, Ecumenismo (Tradução Thereza Christina F. Stummer). São Paulo: Edições Paulinas. 1993 163 p. 

------------

Notas

[1] Texto submetido à revista Cultura Teológica em 2023.

[2]SESBOÜÉ, Bernard. SJ. Traité de l’incarnation. Montée de Fourvière. Lyon. 1968-1969. Esse livro se trata de uma explanação panorâmica do dogma da encarnação para a fé católica, partindo principalmente da chamada “via descendente”, ou seja, da ideia de que Jesus seria Deus antes mesmo de se encarnar, e o movimento da encarnação se trata, portanto, de um esvaziamento de Deus que assume a forma humana. Segundo o próprio Sesboüé: “Le traité de l’Incarnation ou du Verbe Incarné étudie la manifestation du Fils de Dieu dans la chair, que les Peres appelaient “humanisation”, ou bien “épiphanie”, ou “théophanie”, ou encore “Economie selon la chair” ou “philanthropie”. Il étudie la condition humano-divine du Christ: l’humanité assumée assumée par le Fils de Dieu, la manière dont il l’a assumée et s’est uni à elle, et les rapports de cette humanité avec sa personne et sa nature divine. (p. 1) Tradução nossa: "O tratado sobre a Encarnação ou o Verbo Encarnado estuda a manifestação do Filho de Deus na carne, que os Pais chamavam de "humanização "ou" epifania "ou" teofania "ou ainda,"economia segundo a carne "ou "filantropia". Ela estuda a condição humano-divina de Cristo: a humanidade assumida pelo Filho de Deus, a maneira pela qual ele assumiu e se uniu a ele, e as relações dessa humanidade com sua pessoa e sua natureza divina.” Neste livro, Sesboüé oferece uma boa panorâmica das principais heresias enfrentadas pela Igreja cristã nos seus primórdios de maneira esquemática e posteriormente a resposta da fé católica a cada uma dessas heresias. Uma visão um pouco mais dogmática pode ser encontrada em PETAZZI, Giuseppe Maria. SJ. Il verbo incarnato. Corso di cultura religiosa superiore. Série VII 1939-1940. O texto de Petazzi traz uma visão mais pastoral da dinâmica de encarnação evidenciando constantemente o caráter de dogma que deve ser aceito como revelação divina. O texto responde a diversas críticas publicadas contra o dogma da encarnação e procura fundamentar o dogma na tradição eclesiástica. Também recomendamos o excelente trabalho de J. LIÉBAERT: L’Incarnation. Des origines au concile de Chalcédoine. Histoire des dogmes (Tome III. Les Éditions du Cerf. Paris. VII. 1966), em que o autor, na mesma linha que Sesboüé, apresenta de maneira problematizadora a história da fundamentação do dogma da encarnação até o concílio de Calcedônia. 

[3] BERGER, Klaus. As Formas Literárias do Novo Testamento. São Paulo: Edições Loyola, 1998; ALONSO-SCHÖKEL, L. Bíblia e literatura. In: ECHEGARAY, J. G. et al. A Bíblia e seu contexto. São Paulo: Editora Ave-Maria, 2000.

[4]Um exemplo de um texto em que tal tradição pré-literária aparece nos escritos de Paulo pode ser encontrado em Rm 1:3-4, onde vários dos critérios enunciados por nós neste trabalho se encontram. Para uma análise mais sintética desta passagem remetemos o leitor ao texto de Ehrman 2014 citado por nós neste trabalho, especialmente as páginas 295-301.

[5]Para um detalhamento desta questão: cf. DUNN, D.G. Christology in the making: A new testament inquiry into the origin of the doctrine of the Incarnation, 2a ed. Grand Rapids, MI:Eerdmans, 1989. Especialmente as páginas 33-36. O debate exegético sobre a questão é extremamente amplo e por isso o nosso objetivo aqui neste momento é oferecer uma panorâmica do debate sem necessariamente aprofundar nas questões de cunho teológico. No entanto, vemos como imprescindível tal percurso teológico por se tratar de um tema que a Teologia cristã se debruça desde o primeiro século.

[6]As notações referentes aos livros da Bíblia serão utilizadas de acordo com as utilizadas no próprio texto bíblico. E todas as citações da Bíblia são da Tradução de João Ferreira de Almeida.

[7]Sobre esse texto, muitos autores afirmam se tratar de um hino que Paulo estaria citando e não um texto escrito por Paulo. Sobre o tema Cf. SWIDLER, Leonard. Ieshua. Jesus histórico. Cristologia e Ecumenismo. Edições Paulinas. São Paulo. SP 1993. Também sobre o tema recomendamos MURPHY-O’Connor, Jerome. Christological Antropology in Fl 2,6-11 in Revue Biblique, 83 (1976)

[8]Muitos textos já foram escritos sobre o livro de Filipenses, especialmente sobre o poema descrito em Fp 2,5-11. Para uma análise mais completa e recente cf. MARTIN, Ralph P. A hymm of Christ: Philippians 2:5-11 in recent interpretation and in the setting of Early Christian Worship. Downers Grove. Illinois. Intervarsity press. 1997.

[9]Ver nota 2.

[10]Ehrman 2014 aponta três inconsistências nessa visão sobre o texto de Filipenses. A primeira delas seria o fato de que se o autor do poema quisesse fazer alusão a Adão, o autor com certeza deixaria tal posição explícita em seu texto e não usaria uma linguagem tão diferente quanto ao texto do Gênesis. O segundo ponto levantado por Ehrman é o fato de que no texto bíblico quem quer ser igual a Deus não é Adão, mas Eva e nos textos de Paulo nunca há uma associação entre Cristo e Eva. O terceiro ponto seria que em outras passagens dos textos de Paulo ele parece entender Jesus como um ser preexistente. Como exemplo Ehrman utiliza os textos de 1Coríntios 10:4 em que Paulo afirma: “A rocha é Cristo” aludindo à rocha que fornece vida no deserto ao povo de Israel, e também a passagem de 1Coríntios 15:47 em que Paulo contrasta o local de origem de Cristo com o de Adão: “O primeiro homem era da terra, e era feito de pó; o segundo homem é do céu.”

[11] O texto citado por Garret em seu livro são os textos de 1Coríntios 3:1 em que Paulo diz: “Irmãos, não lhes pude falar como a pessoas espirituais, mas como a pessoas carnais, como a crianças em Cristo.” O último trecho aqui mantém a estrutura: “mas como [...] como” indicando duas características que identificam o mesmo grupo de pessoas, i.e, pessoas carnais e crianças em Cristo. Não são duas posições contrastantes, mas sim posições que modificam uma a outra.

[12]Justino Mártir na sua apologia da fé cristã também defenderá esta noção de que Jesus seria um anjo de Deus. Especialmente em seus diálogos com Trifão. 56 e 59. Cf. Justino de Roma, Santo. I e II Apologias; Dialogos com Trifao. Sao Paulo: Paulus, 1995 328 p. (Patristica, 3).

[13]Para um detalhamento dessa posição: cf. GRIESCHEN, Charles A. Angelomorphic Christology:Antecendents and Early evidence Leiden: E.J. Brill, 1998. O texto de Grieschen traz ampla bibliografia sobre o tema além de base exegética que corrobora sua tese.

[14]Alguns outros textos do Novo Testamento apontam para essa leitura de que Jesus se torna Deus na ressurreição. Como exemplos citamos Atos 2:36; Atos 5:31. Tais textos de Atos apontam que tal crença na exaltação de Jesus por Deus na ressurreição se trata de uma crença primitiva sobre Jesus. Ao levantar Jesus da morte, Deus o exalta e o faz de fato o Messias (não no sentido político, mas no sentido pleno) e Senhor.

[15]O fato de Jesus ser batizado por João Batista é também significativo, pois João Batista é   conhecido como o último profeta do Antigo Testamento. Jesus ao ser batizado por João repete o rito em que o Rei era ungido pelo profeta, daí a fala que já aludimos pertencer ao rito de coração novamente dito pelo evangelista no momento do batismo.

[16]Um outro ponto bastante marcante no texto de Mateus é o fato dele iniciar com uma genealogia de Jesus ligando-o diretamente à figura de Abraão (pai do povo judeu de acordo com a tradição judaica). Como o texto de Mateus é dirigido ao povo judeu tal associação à figura de Abraão é importante para ressaltar que Jesus teria uma ascendência real, pois seria descendente direto de Abraão e também do rei Davi.

[17]Afirmamos isso pois o texto possui as características que aludimos acima sobre as fontes pré-literárias. 

[18]O próprio texto de João 1 pode ser lido em viés não trinitário. Essa tese é defendida por William Barkley em um livro publicado pela imprensa metodista chamado Quem é Jesus? “εν αρχη ην ο λογος και ο λογος ην προς τον θεον και θεος ην ο λογος”. Nesse texto, Barkley vai afirmar que a tradução do grego Koyné clássica estaria errada, pois a língua grega é uma língua de caso e não uma língua de posição como o caso da língua portuguesa. Neste sentido a tradução mais fiel ao sentido do texto grego seria “A palavra estava no princípio e a palavra estava diante de Deus e a palavra era divina. Sem o artigo “o”, o termo “Theós” seria uma qualidade genérica.

[19]  Novamente, Justino Mártir mantém uma ideia de que o “logos” seria o raciocínio de Deus que pode ser encontrado em qualquer um que utilize da razão para entender o mundo. Todos os humanos teriam uma parcela do logos, pois todos os humanos utilizariam a razão. O  conhecimento pleno do logos seria impossível ao homem.