Francisco Aquino Júnior
Doutor em Teologia pela Westfälische Wilhelms Universität Münster – AL. Professor da Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) e da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Contato: axejun@yahoo.com.br
Resumo: O catolicismo popular brasileiro é um fenômeno muito mais complexo e ambíguo do que parece. É tanto expressão ideal-simbólico-ritual dos interesses das classes dominantes (alienação), quanto fonte e expressão de esperança e resistência das classes populares (libertação). Pressupondo essa complexidade e ambiguidade, descrita e analisada por vários autores, faremos algumas considerações de ordem histórico-teológicas sobre a versão libertadora do catolicismo popular brasileiro nas décadas de 1960-1980 (assunto). Trata-se de uma abordagem teológica (enfoque), circunscrita ao contexto da Igreja e da teologia da libertação na segunda metade do século XX (contexto). Começaremos retomando o processo de renovação eclesial, desencadeado pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) e sua recepção criativa na América Latina a partir da Conferência de Medellín (1968). Falaremos das Comunidades Eclesiais de Base como expressão e fonte por excelência dessa renovação eclesial e de uma versão ou vertente libertadora do catolicismo popular brasileiro. E concluiremos com algumas considerações sobre o catolicismo da libertação no atual contexto socio-eclesial.
Palavras-chave: Catolicismo popular; Libertação; Vaticano II; Medellín; CEBs; Teologia da Libertação.
Abstract: Brazilian popular Catholicism is a much more complex and ambiguous phenomenon than it seems. It is both an ideal-symbolic-ritual expression of the interests of the dominant classes (alienation) and a source and expression of hope and resistance of the popular classes (liberation). Assuming this complexity and ambiguity, described and analyzed by several authors, we will make some historical-theological considerations about the liberating version of popular Brazilian Catholicism in the 1960s-1980s (subject). It is a theological approach (focus), limited to the context of the Church and liberation theology in the second half of the 20th century (context). We will begin by resuming the process of ecclesial renewal, triggered by the Second Vatican Council (1962-1965) and its creative reception in Latin America after the Medellin Conference (1968). We will speak of the Base Ecclesial Communities as an expression and source par excellence of this ecclesial renewal and a liberating version or strand of Brazilian popular Catholicism. And we will conclude with some considerations on liberation Catholicism in the current socio-ecclesial context.
Keywords: Popular Catholicism; Release; Vatican II; Medellín; CEBs; Liberation Theology.
O catolicismo papular brasileiro é um fenômeno extremamente complexo e ambíguo, tanto do ponto de vista de seu desenvolvimento histórico e de sua configuração cultural e religiosa, quanto do ponto de vista de sua força e de seu impacto sociopolítico e cultural (COMBLIN, 1968, p. 46-73; OLIVEIRA, 1972, p. 354-364; AZZI, 1976, p. 95-130; HOONAERT, 1976, p. 189-201; HOONAERT, 1978; SÜSS, 1979; RIBEIRO, 1984; PALEARI, 1990; GONZÁLEZ, BRANDÃO, IRARRÁZAVAL, 1993; OLIVEIRA, 1994, p. 413-426; RUBENS, 2008, p. 37-101). E uma versão ou vertente desse catolicismo é o que poderíamos chamar catolicismo da libertação. Trata-se de um aspecto/expressão que convive, em tensão e interação, com outros aspectos/expressões do catolicismo brasileiro, que se destaca em determinados períodos e contextos históricos e ganha força e projeção nas décadas de 1960-1980 em meio ao processo de movimentação social da América Latina e renovação conciliar da Igreja. Enquanto tal, o catolicismo da libertação nem pode ser compreendido independentemente do catolicismo popular brasileiro (fonte/matriz comum) nem pode ser identificado sem mais com ele (versão ou vertente da fonte/matriz comum).
Tendo presente a complexidade do catolicismo popular brasileiro, vamos centrar nossa reflexão aqui em sua versão/vertente libertadora, mais concretamente na expressão que esse catolicismo libertador assume no contexto da renovação da Igreja católico-romana, desencadeada pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) e sua recepção criativa na América Latina a partir da Conferência de Medellín (1968). E faremos uma abordagem de cunho mais estritamente teológica desse catolicismo da libertação. Isso delimita bem nossa reflexão, tanto no que se refere a seu conteúdo (catolicismo da libertação nas décadas de 1960-1980), quanto no que se refere a seu enfoque (abordagem teológica).
Começaremos retomando o processo de renovação eclesial, desencadeado pelo Concílio Vaticano II e pela Conferência de Medellín. Falaremos das Comunidades Eclesiais de Base como expressão e fonte da renovação eclesial em curso e de uma nova versão do catolicismo libertador na América Latina. E concluiremos com algumas considerações sobre o catolicismo da libertação no atual contexto socio-eclesial.
Por mais irredutível e autônomo que seja, o catolicismo popular brasileiro não é um fenômeno completamente independente nem em relação à instituição eclesial e suas instâncias de governo nem em relação aos processos socioculturais mais amplos. Não se pode estabelecer uma separação e contraposição rígida entre instituição católica e catolicismo popular nem um determinismo unilateral de um sobre o outro. Tampouco se pode separar e contrapor de modo absoluto movimentos religiosos e processos sociais, como se fossem realidades independentes uma da outra.
Na verdade, eles estão muito mais implicados e mutuamente condicionados do que possa parecer à primeira vista, embora seja necessário examinar e explicitar em cada contexto como se dá essa implicação ou esse condicionamento. A afirmação da relação de implicação e condicionamento não determina de antemão os termos dessa implicação e desse condicionamento. Pode acontecer que em um contexto específico a instituição católica exerça um poder e uma influência muito forte sobre o catolicismo popular e que em outro contexto esse catolicismo alcance maior autonomia em relação à instituição católica ou mesmo exerça um poder e uma influência muito forte sobre ela. Assim como pode acontecer que determinados processos sociais exerçam uma pressão e um poder muito forte sobre movimentos religiosos ou que movimentos religiosos exerçam um poder e uma pressão muito forte sobre processos sociopolíticos.
Importa insistir aqui que nem há independência absoluta nem determinismo unilateral, mas implicação e condicionamento mútuos entre catolicismo popular e instituição católica e entre movimentos religiosos e processos sociais, por mais que se tenham que determinar em cada caso os termos e as formas dessa implicação e desse condicionamento. E isso que vale para o catolicismo como um todo, vale concretamente para o chamado catolicismo da libertação. Nem é completamente independente da instituição eclesial e dos processos sociais, nem é mero reflexo da instituição eclesial ou de instituições e processos sociais. Só existe e só pode ser compreendido adequadamente na relação de interação e mútuo condicionamento que mantém com eles.
Se considerarmos atentamente o catolicismo da libertação, tal como aparece e se desenvolve nas décadas de 1960-1980, constataremos sem maiores dificuldades como ele está intrinsecamente vinculado ao processo de renovação eclesial desencadeado pelo Concílio Vaticano II e sua recepção criativa em Medellín e pelo processo mais amplo de movimentação social que com maior ou menor intensidade e força se deu por todo continente latino-americano. Há uma mútua implicação entre o processo de renovação eclesial e o processo de movimentação social na América Latina nesse período. E há uma mútua implicação entre esses processos sociais e eclesiais em curso e o catolicismo da libertação que emerge e ganha força nesse contexto.
Se em outras épocas a instituição católica sintoniza de modo mais coeso com os interesses das elites e com movimentos e processos sociais conservadores, favorecendo e tensionando um catolicismo mais conservador; a partir da Conferência de Medellín, a instituição católica vai se abrindo ao mundo dos pobres e sintonizando com movimentos e processos de libertação social e, assim, favorecendo e tensionando um catolicismo libertador que tem nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) seu lugar, sua expressão e sua mediação por excelência. Daí a importância de começarmos nossa reflexão sobre o catolicismo da libertação nas décadas de 1960-1980 retomando esse processo de renovação eclesial como ambiente e fator decisivos de seu desenvolvimento.
Certamente, não se pode compreender o processo de renovação eclesial na América Latina sem considerar o processo mais amplo de renovação da Igreja, desencadeado pelo Concilio Vaticano II. A Conferência de Medellín, que inaugura oficialmente esse processo, foi pensada e convocada em vista de uma recepção de Concílio na Igreja latino-americana. Mas tampouco se pode compreender esse processo de renovação eclesial sem considerar o contexto sociopolítico, econômico, cultural e eclesial do continente, bem como a sensibilidade dos bispos reunidos em Medellín. Não há uma aplicação mecânica, mas uma “recepção criativa” do Concílio na América Latina. Isso se explica por um conjunto de fatores sociais e eclesiais que favorecem e tensionam um tipo de recepção do Concílio, diferente da que se deu em outros contextos sociais e eclesiais. Em todo caso, queremos insistir no vínculo entre esse processo de renovação eclesial em curso e o catolicismo da libertação que emerge nesse contexto.
Não é preciso insistir aqui na importância fundamental do Concílio Vaticano II nem se deter na análise e descrição das profundas transformações que ele provocou na Igreja católico-romana na segunda metade do século XX. Sobre isso há uma ampla e farta bibliografia, retomada e enriquecida mais recentemente no contexto da celebração dos 50 anos do Concílio e da retomada do processo de renovação conciliar da Igreja pelo Papa Francisco (LATOURELLE, 1987; ALBERIGO, 22006; FAGGIOLI, 2013; GONÇALVES, BOMBONATTO, 2004; LIBANIO, 2005; AQUINO JÚNIOR, 2021; AQUINO JÚNIOR, 2022, p. 8-23). Queremos apenas destacar dois aspectos fundamentais da eclesiologia conciliar que serão decisivos no processo de renovação da Igreja latino-americana e do catolicismo da libertação que emerge e se desenvolve nesse contexto: sua missão de “sacramento” de salvação ou do reinado de Deus no mundo e sua constituição como “povo de Deus”, na diversidade de seus carismas e ministérios.
Por um lado, o Concílio fala da Igreja como “sacramento” de salvação ou do reinado de Deus no mundo (LG 1, 5, 9, 48; GS 42, 45; AG 1, 5). Isso significa que ela nem pode ser compreendida simplesmente a partir e em função de seus aspectos e interesses institucionais (LG 8) nem pode ser indiferente ao mundo (GS 1), no qual e para o qual deve ser “sacramento” de salvação. Enquanto lugar e destinatário da missão salvífica da Igreja, o mundo é um momento constitutivo do processo mesmo em que essa missão se realiza. De modo que não há mais lugar para divórcio e oposição entre fé e vida ou entre Igreja e mundo (GS 43) e que a preocupação e o envolvimento com os problemas do mundo aparecem como algo constitutivo da missão da Igreja (GS 11, 42, 89).
Por outro lado, o Concílio fala da Igreja como “povo de Deus” (LG 9-17), na diversidade de seus carismas e ministérios. Antes de falar da diversidade carismático-ministerial na Igreja, destaca aquilo que é comum a todos os batizados. Isso significou uma verdadeira revolução eclesiológica. Frente à noção hegemônica da Igreja como “sociedade desigual”, o Concílio fala da Igreja como “povo de Deus”, destacando a “comum” dignidade e vocação de seus membros e insistindo que, “ainda que alguns por vontade de Cristo sejam constituídos mestres, dispensadores dos mistérios e pastores em benefício dos demais, reina, contudo, entre todos verdadeira igualdade quanto à dignidade e ação comum a todos os fiéis na edificação do Corpo de Cristo” (LG 32).
A Conferência de Medellín (GODOY, AQUINO JÚNIOR, 2017; SOUZA, SBARDELOTTI, 2018) foi pensada em vista de uma recepção do Concílio e se tornou um marco fundamental no processo de renovação eclesial na América Latina. Ela foi reconhecida e saudada como um “autêntico Pentecostes para a Igreja latino-americana” (CONCLUSÕES DA CONFERÊNCIA DE MEDELLÍN, p. 6). Dom Fragoso se refere a Medellín como “esforço de latino-americanizar o Concílio Vaticano II” (BEOZZO, 2017, p. 21). E Dom Helder Câmara chega a dizer que “para a América Latina, as Conclusões desta Conferência – que aplicam ao nosso Continente as determinações do Concílio e, em nome do Concílio, levam-nos a assumir, plenamente, nossa responsabilidade em face do momento histórico da América Latina – devem ter o mesmo sentido que para o mundo inteiro devem ter os documentos conciliares” (CÂMARA, 20113, p. 236).
De fato, Medellín desencadeou um processo de renovação eclesial que foi dando identidade e rosto próprio à nossa Igreja e repercutiu até mesmo no conjunto da Igreja. Marcou decisivamente os rumos da Igreja latino-americana na segunda metade do século passado: as opções pastorais, o dinamismo eclesial, o magistério, a reflexão teológica e, em boa medida, as conferências de Puebla (1979), Santo Domingo (1992) e Aparecida (2007). Foi, sem dúvida, o fato eclesial mais importante do século XX. Embora impensável sem o Concílio Vaticano II, vale insistir, Medellín não realiza uma aplicação mecânica, mas inaugura/desencadeia um processo de recepção criativa do Concílio na América Latina que acaba aprofundando, enriquecendo e alargando a própria compreensão conciliar da Igreja: seja no que se refere à sua missão salvífica no mundo, seja no que se refere à sua constituição como povo de Deus.
Se o Concílio fala da Igreja como “sacramento” de salvação ou do reinado de Deus no mundo, a Igreja latino-americana concretiza essa missão em termos de libertação de toda forma de injustiça e dominação em um mundo de pobres e marginalizados. A recepção do Concílio se dá aqui a partir da intuição e do projeto originais de João XXIII de diálogo da Igreja com o mundo que encontrou sua melhor expressão na Constituição Pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo de hoje e sua insipiente teologia dos “sinais dos tempos” (GS 4, 11, 44). Isso vai levar a uma inserção da Igreja na realidade latino-americana e a um compromisso com os pobres e marginalizados e suas lutas por libertação ou ao que, sobretudo a partir da Conferência de Puebla, convencionou-se denominar “opção preferencial pelos pobres” (PUEBLA, 1134-1165). A Conferência de Aparecida chega a afirmar que essa opção é “uma das peculiaridades que marca a fisionomia da Igreja latino-americana e caribenha” (APARECIDA, 391).
E se o Concílio fala da Igreja como “povo de Deus”, destacando a comum dignidade e missão de todos os batizados, a Igreja latino-americana concretiza essa noção fundamental da Igreja em comunidades eclesiais de base e numa variedade de estruturas de comunhão e participação que envolve e abrange as várias instâncias da Igreja e os diversos sujeitos eclesiais com seus carismas e ministérios. Nunca se insistirá o bastante na importância das CEBs no processo de renovação da Igreja latino-americana: seja como concretização primeira e fundamental da Igreja como povo de Deus; seja no que se refere à sua missão salvífico-libertadora no mundo. Elas se constituem como lugar de oração, vida fraterna e compromisso com os pobres e como lugar onde se exercitam e se desenvolvem carismas e ministérios importantes e necessários para a vida da comunidade e sua missão salvífica no mundo. Não sem razão, Puebla fala das CEBs como um “fato eclesial relevante e caracteristicamente nosso” (PUEBLA, 629).
Aos poucos vai se gestando e se desenvolvendo um “novo jeito” de ser Igreja: mais comunitário e participativo, mais ministerial, mais missionário, mais evangélico, mais comprometido com os pobres e marginalizados e suas lutas por libertação. Leonardo Boff chega a falar de uma autêntica “eclesiogênese” (BOFF, 1991), que encontra nas comunidades eclesiais de base seu lugar, sua expressão e sua mediação por excelência.
As CEBs marcaram decisivamente o processo de recepção do Concílio na América Latina e por décadas se impuseram como o fato eclesial e social mais importante de nossa Igreja. Sobre elas já se escreveu muito, tanto do ponto de vista teológico-pastoral, quanto do ponto de vista sociocultural (BETTO, 1981; MATOS, 1985; MUÑOZ, 1985; TEIXXEIRA, 1988; TEIXEIRA, 1996; BOFF, 1997; CARIAS, RODRIGUES, 2020; AQUINO JÚNIOR, 2020, p. 94-105). Tendo já indicado como elas nascem e se desenvolvem no contexto da renovação eclesial, desencadeado pelo Concílio Vaticano II e sua recepção criativa na América Latina, vamos destacar a seguir alguns aspectos ou traços fundamentais desse jeito de ser Igreja e mostrar como ele se constitui como fonte, expressão e mediação fundamentais de uma versão libertadora muito peculiar do catolicismo popular brasileiro nas décadas de 1960-1980.
O VI Encontro Intereclesial de CEBs, que aconteceu em Trindade – Goiás, em 1986, fala explicitamente de um “novo jeito de ser Igreja” (DOCUMENTO FINAL DO 6º ENCONTRO INTERECLESIAL DE CEBS, 1986, p. 621-627; TEIXEIRA, 1996, p. 65-83). E dom Pedro Casaldáliga chega mesmo a falar de um “novo modo de toda a Igreja ser” CASALDÁLIGA, VIGIL, 1993, p. 207). Aos poucos vai crescendo na Igreja e na sociedade a consciência de que as CEBs representam de fato um “novo jeito/modo” de ser Igreja, embora não seja tão simples explicitar essa novidade como pode dar a entender certas elaborações teóricas que tomam a prática e a reflexão das lideranças mais comprometidas com as organizações e lutas populares como referência para descrever as comunidades eclesiais de base.
As CEBs são um fenômeno eclesial muito mais plural e complexo do que parece. Por mais que o envolvimento com organizações populares e até com partidos de esquerda seja uma característica desse jeito de ser Igreja, não se pode reduzir as CEBs a militância social e política nem se deve pensar que todas as comunidades de base e todos os seus membros atuam diretamente em organizações populares e em partidos políticos. Essa imagem não passa de uma caricatura que distorce sua realidade e compromete sua identidade eclesial. Nunca houve uniformidade nas CEBs. Nem no jeito de pensar, nem nos espaços de atuação, nem nas atividades desenvolvidas, nem nas formas de agir. Cada comunidade e cada região têm suas peculiaridades: seja pela dinâmica eclesial, seja pelos problemas que enfrenta; seja pelas características e pelas possibilidades (subjetivas, comunitárias, eclesiais e sociais) de atuação; seja pelos carismas e ministérios disponíveis; seja pela dinâmica que vai tomando e pelo jeito que vai adquirindo.
Mas, nessa diversidade e complexidade, elas aparecem como um “novo jeito/modo” de ser Igreja, cujas características fundamentais foram sendo explicitadas a partir da vida concreta das comunidades (prática) e da reflexão teológico-pastoral sobre elas (teoria). Isso aparece claramente nas conferências do episcopado latino-americano, nos encontros intereclesiais de CEBs e na reflexão teológica mais elaborada.
Em Medellín (1968), por exemplo, elas são apresentadas como pequenas comunidades que permitem a “convivência pessoal fraterna”; como “comunidades de fé, esperança e caridade”; como “primeiro e fundamental núcleo eclesial” ou “célula inicial da estrutura eclesial” e como renovação da paróquia; como “foco de evangelização” e “fator primordial de promoção humana”; como comunidades que têm seus “líderes ou dirigentes” e em que todos os membros assumem a missão “sacerdotal, profética e real”; enfim, como “um sinal da presença de Deus no mundo” (MEDELLÍN, 15, III).
Puebla (1979), por sua vez, retoma e reafirma Medellín com alguns matizes e destaques: aparece uma distinção entre pequenas comunidades e CEBs; explicita-se melhor a identidade das CEBs enquanto comunidade (poucos membros, relação interpessoal) eclesial (fé-esperança-caridade, palavra de Deus e sacramentos, palavra de Deus na vida, missão, comunhão com os pastores) de base (poucos membros, permanente, célula da grande Igreja, expressão do amor preferencial da Igreja pelo povo simples); reafirma-se a participação de todos na tarefa eclesial e o compromisso com a justiça, a transformação do mundo e a construção da nova sociedade; destaca-se o desafio da formação de lideranças e de adaptação nas grandes cidades; e reafirma-se o compromisso de “promover, orientar e acompanhar” as CEBs de acordo com “o espírito de Medellín e os critérios da Evangelii nuntiandi” (PUEBLA, 618-657).
E a reflexão teológico-pastoral em geral tem destacado alguns aspectos ou características que aparecem como fundamentais e determinantes desse modo de ser Igreja que são as comunidades eclesiais de base: vida comunitária, centralidade da Palavra de Deus, serviço aos pobres e compromisso com a transformação da sociedade, diversidade de carismas e ministérios e liturgia.
- Uma das marcas mais importantes desse jeito (tão antigo e tão novo) de ser Igreja é a vida comunitária. A comunidade é lugar privilegiado de vivência da fé e da missão evangelizadora: oração, vida fraterna, serviços aos pobres, anúncio do Evangelho. Ela possibilita relações de proximidade e de solidariedade, desenvolve o senso afetivo e efetivo de pertença e corresponsabilidade e favorece o cultivo de carismas e ministérios. Ela faz dos muitos e diversos membros um só corpo. Na comunidade todos são importantes, todos são sujeitos – cada um a seu modo, com seu carisma, como seu ministério. Na comunidade todos se sentem Igreja: “povo de Deus”, “corpo de Cristo”, “templo do Espírito”. É na comunidade que a Igreja se concretiza e é através da comunidade que a Igreja se faz presente e atua no mundo.
- A comunidade vai se constituindo em torno da Palavra de Deus narrada na Escritura Sagrada (leitura e meditação da Bíblia) e atualizada na vida da comunidade (continuação da história narrada na Bíblia). Daí a centralidade da Bíblia nas comunidades eclesiais de base. Ela liga nosso presente ao passado (Israel, Jesus, primeiras comunidades) e atualiza, na força e no poder do Espírito Santo, o passado em nosso presente (comunidade, sociedade). É o livro da caminhada: oração e ação. Aos poucos foi se desenvolvendo o que se convencionou chamar “leitura popular da Bíblia” (RICHARD, 2000, p. 463-48; MESTERS, OROFINO, 2022, p. 113-128): uma leitura comunitária da Bíblia (livro da comunidade) com o objetivo de escutar a Palavra de Deus no hoje da nossa vida (livro da vida). Não se trata apenas de estudar a Bíblia, mas de escutar e atualizar a Palavra de Deus na vida da comunidade.
- A vida comunitária e a leitura popular da Bíblia geram um dinamismo eclesial, centrado na vivência do amor fraterno que tem no serviço aos pobres e no compromisso com a transformação da sociedade seu critério e sua medida. Trata-se de uma volta ao Evangelho de Jesus que não está centrado em práticas religiosas, mas no mandamento do amor fraterno e no serviço aos pobres. E isso se dá de muitas formas: cuidado dos doentes e idosos, socorro aos necessitados, partilha e solidariedade cotidianas, organizações populares e lutas por direitos, política partidária etc. De um modo ou de outro, a preocupação com os pobres e marginalizados e a luta pela transformação da sociedade são uma das marcas mais importantes desse novo jeito de ser Igreja. E isso custou caro a muitas comunidades e lideranças: calúnias, perseguições e até o martírio...
- Outra marca fundamental desse jeito de ser Igreja é a diversidade de carismas e ministérios, dons do Espírito para o bem da comunidade e sua missão no mundo (ALMEIDA, 1989; CARIAS, 2013). Antes de tudo, é preciso destacar aqui a variedade de carismas e ministérios em torno da Palavra, do culto, da caridade e da animação ou coordenação. Seja de um modo mais organizado e formal, seja de um modo mais espontâneo e informal. Ademais, é preciso insistir na importância fundamental desses carismas e ministérios. Eles não são mera ajuda ou suplência ao ministério ordenado, mas são constitutivos da vida da Igreja. E é preciso recordar que eles não são um privilégio, mas dons do Espírito para o bem da comunidade e sua missão. Junto com a dimensão comunitária da fé, as CEBs recuperam o caráter ministerial de toda a Igreja, tal como aparece nas primeiras comunidades cristãs.
- Por fim, a importância fundamental da liturgia nas CEBs. Não só por ser a ação mais frequente e que mais reúne os membros da comunidade, mas, sobretudo, por ser expressão privilegiada da Igreja, enquanto assembleia convocada, congregada e enviada pelo Senhor. Não há Igreja sem oração. E a celebração comunitária é expressão por excelência da Igreja. Daí a centralidade da liturgia, em suas várias formas e expressões, particularmente a liturgia eucarística, na vida das comunidades. Como bem afirma o Concílio Vaticano II, embora “não esgote toda ação da Igreja” (SC 9), a liturgia é “fonte e cume” da vida da Igreja (SC 10). E essa ligação entre liturgia e vida cristã é uma das marcas mais peculiares das comunidades eclesiais de base (TABORDA, WENZEL, WERLANG, 1986; BARROS, 1989; BARROS, PEREGRINO, 1996). Há uma grande preocupação em não separar oração e ação e em articular vida e celebração.
- Falando de liturgia nas CEBs, é preciso destacar a importância fundamental das devoções e práticas religiosas populares: santos, novena, terço, ladainha, procissão, festa de padroeiro, rezas, benditos etc. Práticas muito comuns e de longa tradição, decisivas num catolicismo popular-laical, cultivadas no âmbito familiar e comunitário. A novidade aqui é a inserção e o cultivo dessas práticas num jeito de ser Igreja mais comunitário, mais evangélico e mais comprometido com os pobres e a justiça social[1]. Isso produz uma mudança de foco (do devocional à vivência do amor fraterno), uma ampliação do horizonte (do pessoal ao social) e um dinamismo mais libertador na vivência religiosa. Basta ver a multiplicação de comunidades, a sensibilidade com os problemas sociais, a centralidade da Palavra, os cantos da caminhada, as romarias da terra e dos mártires.
Certamente, esses não são os únicos aspectos da vida das comunidades eclesiais de base. E certamente pode variar bastante o modo de apresentar esses aspectos, a ênfase que se dá a cada um deles ou o modo que eles são articulados. Mas em sua enorme variedade, as CEBs são um “jeito de ser Igreja” que se caracteriza pela vida comunitária, pela centralidade da Palavra de Deus, pelo serviço aos pobres e marginalizados e pelo compromisso com a justiça, pela diversidade de carismas e ministérios e por uma liturgia que expressa bem o vínculo entre culto e vida.
Ao mesmo tempo em que se constituem como expressão e mediação do processo de renovação eclesial na América Latina, as CEBs se constituem como fonte, expressão e mediação fundamentais de uma versão libertadora do catolicismo popular: mais comunitário, mais bíblico, mais sensível à relação entre fé e vida, entre oração e ação e mais comprometido com os pobres e a justiça social.
De fato, esse “novo jeito de ser Igreja” que são as comunidades eclesiais de base foi produzindo mudanças profundas no modo de viver a fé e ser Igreja e foi gestando um novo imaginário eclesial e religioso. E tudo isso teve enormes impactos numa sociedade, onde o religioso é um fator decisivo no modo de pensar e de agir da imensa maioria da população – muito mais do que podem imaginar cabeças excessivamente secularizadas.
Antes de tudo, é importante destacar como as CEBs foram produzindo mudanças no modo de viver a fé e ser Igreja e gestando um novo imaginário eclesial e religioso. Dois aspectos de um mesmo processo de renovação eclesial/religiosa que se implicam e se remetem mutuamente: prática e imaginário. O novo modo de viver a fé e ser Igreja vai gestando um novo imaginário eclesial e religioso que, por sua vez, alimenta e tensiona para esse novo modo de viver a fé e ser Igreja. Não vamos repetir aqui o que já dissemos no item anterior, mas apenas chamar atenção para seu impacto eclesial e religioso: 1) a vida comunitária desenvolve o senso de pertença e corresponsabilidade, ao mesmo tempo em que desperta a consciência de ser sujeito eclesial; 2) a diversidade de carismas e ministérios alimenta e aprofunda ainda mais o senso e a consciência de ser Igreja; 3) a centralidade da Bíblia orienta a fé e a ação evangelizadora da Igreja, não para práticas devocionais, mas para a vivência do amor fraterno e a prática da justiça; 4) inseparável do amor fraterno está o serviço aos pobres, que não se restringe ao socorro e à assistência imediatos, mas passa também pela luta por seus direitos e pela transformação da sociedade, bem como por sua constituição como sujeitos eclesiais (evangelizadores) e sociais (agentes de transformação da sociedade); 5) a insistência na relação fé e vida, fé e justiça, oração e ação ajuda a perceber os limites de uma fé excessivamente devocional e vai gestando um jeito de viver, pensar e celebrar a fé.
Esse jeito de ser Igreja que é um jeito de viver, pensar e celebrar a fé e assumir a missão evangelizadora se constitui ao mesmo tempo e em si mesmo como fermento e mediação de transformação da sociedade: seja por seu dinamismo comunitário, seja por sua preocupação com os pobres e por seu compromisso com a justiça social, seja pela emergência de setores populares como novos sujeitos eclesiais e sociais.
As CEBs desempenharam um papel fundamental no processo de mobilização popular e luta por direitos no campo e na cidade. Não se entende os movimentos e as lutas camponesas nem os movimentos e as lutas urbanas no Brasil nas décadas de 1960-1980 sem considerar o papel fundamental das comunidades eclesiais de base. Isso não significa que todas as comunidades e todos os membros das comunidades estivessem diretamente ligados a algum movimento popular. Para além da participação de membros e lideranças eclesiais nesses movimentos, as CEBs ajudaram a criar um ambiente de movimentação e organização sociais e se tornaram elas mesmas, em muitas regiões e ocasiões, foco e/ou lugar de organização e mobilização popular no campo e na cidade. Sem falar nos vários serviços, organismos e pastorais sociais que foram se desenvolvendo para acompanhar de modo mais sistemático e eficaz os movimentos e organizações de luta por direitos no campo e na cidade como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), os Centros de Defesa dos Direitos Humanos (CDH), a Pastoral Operária (PO), a Pastoral Carcerária (PC), a Pastoral da Criança (PC), a Pastoral do Povo da Rua (PPR), dentre outros.
Ligado a esse processo de mobilização e organização populares está o surgimento de novos sujeitos e lideranças populares no campo e na cidade. As CEBs não apenas colaboram na emergência de sujeitos sociais, apoiando e/ou mobilizando comunidades e grupos na luta por seus direitos, mas se tornaram também escola de formação de novas lideranças sociais – sobretudo num contexto de ditadura militar, onde muitas vezes eram o único espaço possível de organização, de denúncia e de luta por direitos. Não se pode negar nem diminuir a importância fundamental de bispos, padres e religiosos/as nesse processo. Mas é preciso destacar aqui a novidade e o papel decisivo das lideranças eclesiais de base. Grande parte das lideranças sociais do país nesse período nasceu e se formou no seio de comunidades eclesiais de base e de organismos e pastorais sociais. Gente pobre, simples, sem ou com baixa escolaridade, invisível – mulheres, em sua grande maioria!!! – começa a tomar a palavra e a se empoderar e, aos poucos, vai emergindo como liderança eclesial e social no campo e na cidade. Muitas dessas lideranças se destacaram nas lutas populares e, sobretudo a partir da década de 1980, na atuação político-partidária. E várias delas foram ameaçadas, perseguidas e até martirizadas por seu compromisso com os pobres na luta por seus direitos (IRMANDADE DOS MÁRTIRES DA CAMINHADA).
Todo esse processo de renovação eclesial e envolvimento da Igreja nos processos de transformação da sociedade foi gestando um novo imaginário eclesial e religioso com grandes consequências e impactos na sociedade (LÖWY, 2016). Se historicamente, com raras exceções, a Igreja sempre se identificou com os interesses das classes dominantes, aos poucos vai se dando em amplos setores da Igreja uma mudança de lugar social: bispos e padres mais próximos e comprometidos com as classes populares; religiosos/as inseridos/as nos meios populares e comprometidos/as com as lutas do povo; comunidades e pastorais formadas e lideradas em sua grande maioria por pessoas pobres e comprometidas com as causas e lutas populares; insistência no vínculo estreito entre fé e vida, fé e justiça... Tudo isso vai gestando um novo imaginário eclesial e religioso que se materializa e se reproduz numa mentalidade libertadora (forma de imaginar, expressar e pensar), numa estética libertadora (canto, poesia, pintura, teatro, espaço litúrgico etc.) (BARREDO, CASALDÁLIGA, 2005; SBARDELOTTI, 2022, p. 301-322) e numa teologia libertadora (popular, pastoral e acadêmica) (BOFF, BOFF, 1998; DUSSEL, 1999) e que se constitui como matriz, expressão e mediação de um catolicismo libertador, no qual a fé e a teologia aparecem, não como instrumento de dominação, mas, pelo contrário, como expressão e caminho de libertação. E é nesse contexto que se tornou tão comum falar de Igreja da libertação, de teologia da libertação e, também, claro, de catolicismo da libertação...
Trata-se, vale insistir, de uma forma de viver, pensar e celebrar a fé e de assumir a missão evangelizadora da Igreja, vinculada, de algum modo, aos processos de transformação da sociedade. E isso aparece de modo muito claro, por exemplo, em vários hinos que expressam e cantam esse modo de ser Igreja: “Eu sou feliz é na comunidade”; “Igreja é povo que se organiza, gente oprimida buscando a libertação, em Jesus Cristo a ressurreição”; “A verdadeira Igreja é onde está o povo unido, o que Jesus deseja: nem opressor nem oprimido”; “Cebs, povo unido, semente da nova sociedade, Cebs é força e vida, é luta e caminhada”; “Eu acredito que o mundo será melhor, quando o menor que padece acreditar no menor”; “Irá chegar um novo dia, um novo céu, uma nova terra, um novo mar e nesse dia os oprimidos numa só voz a liberdade irão cantar”...
Retomamos o processo de renovação eclesial, desencadeado pelo Concílio Vaticano II e pela Conferência de Medellín. Falamos das Comunidades Eclesiais de Base como expressão e fonte da renovação eclesial e de uma nova versão do catolicismo libertador na América Latina. E queremos concluir essa reflexão fazendo algumas considerações sobre o catolicismo da libertação no atual contexto socio-eclesial.
Assim como não se pode compreender o catolicismo da libertação nas décadas de 1960-1980 sem considerar o contexto socio-eclesial da época (intensa movimentação social, renovação conciliar da Igreja), tampouco se pode compreender a situação atual dessa versão libertadora do catolicismo sem considerar o atual contexto socio-eclesial (involução eclesial, ascensão da extrema direita). Se naquele contexto as CEBs aparecem como expressão e mediação privilegiadas do processo de renovação da Igreja e como projeto pastoral ou, em todo caso, como parte integrante e fundamental do projeto pastoral que se desenhava e se propunha para o conjunto da Igreja; no atual contexto, elas perderam centralidade institucional e, na melhor das hipóteses, são toleradas como uma expressão eclesial entre outras – uma expressão marginal no contexto de uma Igreja cada vez mais centrada em si mesma (missão) e cada vez mais clerical (estrutura).
É verdade que se continua falando de CEBs na Igreja. Mas, além da preferência institucional por outras nomenclaturas como “pequenas comunidades” ou “comunidades eclesiais missionárias” e das suspeitas e advertências que normalmente acompanham ou estão por trás dessas falas, a perspectiva eclesial é bem outra: Por um lado, as CEBs já não aparecem como o “núcleo fundamental” ou a “célula inicial” da estrutura eclesial, mas como uma organização ou mesmo como um movimento entre outros. Por outro lado, o que é muito mais grave e decisivo, foi se impondo na Igreja uma compreensão de missão ou evangelização de caráter marcadamente religioso-doutrinal e institucional que, na prática, vai relativizando e mesmo prescindindo do envolvimento com os problemas sociais e do compromisso com os pobres e a justiça social.
É cada vez menor o número de comunidades que se reconhecem como CEBs e, menor ainda, o número de comunidades que se identificam com esse jeito de ser Igreja. Boa parte das comunidades e de suas lideranças nunca ouviu falar de CEBs. Além do mais, e isso é o mais grave, esse modo de ser Igreja, envolvido com os problemas do mundo, comprometido com os pobres e marginalizados e suas lutas e organizações, é cada vez mais marginal e estranho na Igreja. A imensa maioria das comunidades está reduzida a culto, doutrina e dizimo e tem um caráter marcadamente devocional-pentecostal. E, mesmo quando se insiste institucionalmente na dimensão comunitária da fé (CNBB, 2014; CNBB, 2019), o compromisso com os grandes problemas do mundo e a colaboração com a transformação da sociedade aparecem como algo marginal e secundário. Nunca negado, até afirmado, mas sempre secundário em relação ao que é central e decisivo: a vida interna da comunidade eclesial... E isso apesar de toda insistência profética do Papa Francisco numa “Igreja pobre e para os pobres” ou numa “Igreja em saída para as periferias”.
Fato é que esse jeito de ser Igreja foi sendo progressivamente sufocado e marginalizado no conjunto da Igreja. E não só do ponto de vista da orientação e condução pastoral por parte dos ministros ordenados, mas também, e o que é pior, do ponto de vista das bases da Igreja e de suas lideranças. Sem esquecer nem desconsiderar o papel decisivo das mídias religiosas de cunho pentecostal-devocional-conservador (católicas e protestantes) na construção do imaginário religioso e na vivência da fé. Temos uma Igreja profundamente autocentrada e clerical. Isso ajuda a compreender, inclusive, as resistências que o papa Francisco tem encontrado em seu projeto de renovação eclesial – um verdadeiro “cisma branco” em que, mesmo quando não se faz críticas abertas e até se tece elogios a ele (“o santo padre”) e o cita (muito seletivamente!), não se leva a sério ou mesmo se boicota suas orientações pastorais. Isso faz com que as CEBs ocupem um lugar cada vez mais marginal no conjunto da Igreja, ao mesmo tempo em que sejam cada vez mais desafiadas em sua atuação profética na Igreja e na sociedade.
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[1] Essa preocupação e esse desafio aparecem já na Conferência de Medellín, em 1968 (Medellín, 6) e são retomados em Puebla, em 1979 (Puebla, 444-469). E provocou uma série de estudos e publicações sobre o catolicismo popular brasileiro e sobre religiosidade popular, conforme indicamos na nota 2.