Gilvan Leite de Araújo
Doutor em Teologia bíblica pela Pontifícia Universidade S. Tommaso D’Aquino – Roma (IT). Coordenador do programa de Estudos Pós-Graduados em Teologia da PUC-SP. Contato: glaraujo@pucsp.br
Resumo: O lugar no qual se deve adorar a Yhwh sempre um espaço de discussão ao interno de Israel. De fato, narrativas do Pentateuco falam de um lugar a ser escolhido por Yhwh para habitar, mas não informa qual seja. Além disso, diversos lugares de culto surgiram por toda Israel, tais como espaços sagrados, altares, templos e/ou santuários. No decorrer da história de Israel toda uma teologia foi elaborada em torno do Templo de Jerusalém, mas sempre permaneceu uma dúvida no ar sobre questão de legitimidade e sacralidade. Aqui se deseja evidenciar estes lugares de culto descritos em narrativas do Antigo e do Novo Testamento, até o desenvolvimento do ideal de um Templo Espiritual ou Celeste.
Palavras-Chave: Templos de Israel; Lugares Sagrados; Templo de Jerusalém; Templo Celeste
Abstract: The place where Yhwh must be worshiped is always a space for discussion within Israel. In fact, narratives in the Pentateuch speak of a place to be chosen by Yhwh to dwell, but do not state which one. In addition, various places of worship emerged throughout Israel, such as sacred spaces, altars, temples and/or shrines. Throughout the history of Israel, a whole theology was elaborated around the Temple of Jerusalem, but there was always a doubt in the air about the issue of legitimacy and sacredness. Here we want to highlight these places of worship described in Old and New Testament narratives, until the development of the ideal of a Spiritual or Celestial Temple.
Keywords: Temples of Israel; Sacred Places; Jerusalem Temple; Celestial Temple
O primeiro santuário de Israel, segundo Thompson (1997, p. 277), foi a Tenda da Reunião ou do Encontro que, possivelmente, cotinha a Arca da Aliança (Ex 25,8ss). As narrativas de Êxodo 25-31 e 36-40 descrevem detalhadamente as diversas partem que compunham esta tenda, enquanto o Livro de Levítico descreve os ritos cultuais nele praticado.
A Tenda da Reunião ou do Encontro era o lugar onde Deus se encontrava com Moisés “face-a-face” (Ex 33,11) e lhe fala boca-a-boca (Nm 12,8). Acima de tudo, era o lugar onde Israel podia falar com Deus através de Moisés (Ex 29,42-43; 30,36; 33,7). Originalmente a expressão utilizada era “morada” (miskan), que indica residência temporária, própria da condição nômade (cf. Nm 24,5; Jz 8,11; 2Sm 7,6) (De Vaux, 1998, 295). As narrativas sacerdotais adotaram esta expressão arcaica para expressar o modo da habitação de Deus na terra, que vive no céu, preparando, assim, a doutrina judaica da Shekinah que São João retomará com o tema da encarnação do Verbo (cf. Jo 1,14).
A presença divina, na Tenda, é constante na tradição sacerdotal, que se manifesta com a descida da “nuvem” que bloqueava a entrada da Tenda (cf. Ex 33,9) subindo após o término do diálogo (cf. Nm 12,4-10). Contudo, a narrativa do Êxodo deixa transparecer que a nuvem tenha tomado posse permanente da Tenda durante toda a caminhada do deserto (cf. Ex 40,34-38; Nm 9,15-23) (De Vaux, 1998, 296).
Sabe-se que quando Israel chegou as portas da Terra Prometida, estabeleceu a Tenda nas estepes de Moab (cf. Nm 25,6) e, após o ingresso na Terra, ela foi estabelecida em Silo (cf. Js 18,1; 19,51; Sl 78,60; 1Sm 1,7.9; 3,15). Segundo De Vaux, a Tenda na qual Davi instalou a Arca não é tenda do período do deserto (cf. 2Sm 6,17; 1Rs 8,4). O que leva o Cronista a tenta estabelecer vínculo (1Cr 16,39; 21,29; 2Cr 1,3-6), estabelecendo a tenda em Gabaon (De Vaux, 1998, 297-298) (De Vaux, 1998, p. 296).
Além do Santuário do Deserto e do Santuário de Silo, muitos outros Santuários surgiram por todo o território da Terra Prometida. No decorrer da história de Israel, santuários entrarão em declínio e o Templo de Jerusalém ganhará destaque sobre todos os outros lugares de culto. O período pós-exílico apresentará progressivamente a ideia de um templo espiritual ou celeste. Aqui se deseja descrever brevemente o desenvolvimento os lugares de culto de Israel até a sua espiritualização.
O uso de oi-koj tou/ patro,j mou (Jo 2,16) é uma variante joanina do uso da LXX. Schrenk (1968, v. IV, 777-778) evoca Dalman, segundo o qual a distinção entre i`ero,n, como designação do complexo do Templo e nao,j, que se refere ao edifício do Templo não encontra fundamento nos textos do NT. Ainda, segundo Schrenk (1968, v. IV, 778), Templo a expressão i`ero,n se refere à todo o complexo do Templo (cf. Mt 12,6; At 24,6; 25,8; 1Cor 9,13), mesmo lugares do Templo difícil de precisar (cf. Lc 22,53; Jo 5,14), mesmo o monte do Templo (cf. Mc 13,3). Além disso, i`ero,n designa, ainda, a parte mais externa, o monte, o vestíbulo externo.
As narrativas da versão da LXX usa a palavra te,meno,j quando trata do perímetro do nao,j, ao mesmo tempo que evita o uso de i`ero,n por causa do seu substrato pagão, principalmente em relação ao Templo de Jerusalém. Por outro lado, o sacerdote é comente chamado de o` i`ereu,j. A palavra τέμενος desaparece do horizonte neotestamentário, permanecendo as outras duas.
Em origem, i`ero,n possui o possível significado de “sacrifício”, mas assume progressivamente o sentido de lugar ou coisa sagrada. Leva-se em conta que, nao,j é usando, em preferência, quando se trata especificamente do prédio do templo, enquanto i`ero,n assume significado amplo do local no qual está localizado o nao,j. As traduções variam quanto a tradução. Enquanto, geralmente, ἱερόν é traduzido por templo, ναός pode variar entre templo ou santuário, conforme a intenção do tradutor. Assim, encontra-se na narrativa dos ourives de Éfeso, em Atos dos Apóstolos: “Certo Demétrio, que era ourives, era fabricante de santuários (nao,j) de Ártemis... o próprio templo (i`ero,n) da grande deusa Ártemis perderá todo o seu prestígio” (At 19,24.27). O tradutor procurou distinguir as palavras ναός e ἱερόν, enquanto em Lucas
Enquanto a LXX evita o uso de i`ero,n em relação ao Templo de Jerusalém, o NT o usará comumente. Além disso, nao,j será usado em relação ao Templo.
As narrativas do Antigo Testamento fazem menção a lugares de culto chamados de “lugares altos” ou “lugares de culto” e “altares”. O templo era sempre oficiado por um sacerdote, enquanto os “lugares altos” ou “lugares de culto” e “altares” eram espaços de cultos ou sacrifícios oficiados por pessoas não consagradas. Tal prerrogativa podia abrir espaços para sincretismos religiosos com abertura para politeísmos.
Eram considerados “lugares altos” e, portanto, sagrados, uma determinada montanha ou colina: “Entretanto, os lugares altos não desapareceram; o povo continuou a oferecer sacrifícios e incenso nos lugares altos” (1Rs 22,44).
Os textos descrevem os “lugares altos”, na origem de Israel, como lugares digno de honra, como se pode observar a seguir: “O rei foi a Gabaon para lá oferecer um sacrifício, pois era o lugar alto mais importante; Salomão ofereceu mil holocaustos sobre aquele altar” (1Rs 3,4; cf. vv. 4-14).
Apesar de existem referências diversas referências à “lugares altos” em todo Antigo Testamento, tais lugares passarem progressivamente na história de Israel a serem considerados “ilegítimos e detestáveis”: “Eles construíram os lugar altos de Tofet no vale de Ben-Enom, para queimar os seus filhos e as filhas, o que eu não tinha ordenado e nem sequer pensado” (Jr 7,31) e, ainda, “Eles construíram lugares altos a Baal, para queimarem os seus filhos em holocausto a Baal, o que eu tinha ordenado nem falado e nem jamais pensado!” (Jr 19,5). Nas duas narrativas de Jeremias se observa o uso de lugares altos para cultos idolátricos e sacrifícios ilegítimos.
Segundo Haran (1978, p. 23) estes lugares altos entram na categoria de altares, mas não possuíam nenhuma relação entre eles. Além disso, frequentemente as narrativas bíblicas posteriores acrescentam os verbos “eliminar” e “destruir” quando se referem a estes espaços: “Destruirei os vossos lugares altos, desfarei os vossos altares de incenso, lançarei os vossos cadáveres sobre os cadáveres dos vossos ídolos e vos rejeitarei”. (Lv 26,30) e ainda, “Foi ele que aboliu os lugares altos, quebrou as estelas, derrubou os postes sagrados, e reduziu a pedaços a serpente de bronze que Moisés havia feito, pois os filhos de Israel até então ofereciam-lhe incenso” (2Rs 18,4) e ainda, “Dir-me-eis talvez: 'É em Yhwh, nosso Deus, que pomos nossa confiança', mas não foi dele que Ezequias destruiu os lugares altos e os altares, dizendo ao povo de Judá e de Jerusalém: 'Só diante deste altar, em Jerusalém, é que deveis vos prostrar'?” (2Rs 18,22). De fato, “lugares altos” se posto em contraposição à “Casa de Yhwh”: “O povo oferecia sacrifícios nos lugares altos, pois até então ainda não tinha sido construída uma casa para o Nome de Yhwh” (1Rs 3,2 + Nm 33,51-52).
Deve-se levar em consideração, no entanto, que muitos desses “lugares altos” eram considerados sagrados e dignos de honra: “Salomão amou a Yhwh: comportava-se segundo os preceitos de seu pai Davi; mas oferecia sacrifícios e incenso nos lugares altos” (1Rs 3,4 + 1Sm 9,11-25; 2Rs 23,8).
Fora dos templos, altares e lugares altos, existiam, também, os Lugares Sagrados. Eram lugares próximas das cidades, onde podiam conter altar, pilar, árvores sagradas, objetos sagrados, outros. Alguns destes lugares alcançaram fama em Israel:
Próximo a Betel: A tradição javista fala de um altar numa região comprada por Abraão (Gn 12,8; 13,4). Jacó também erigiu um pilar nesta região.
Próximo a Hebron: Carvalho de Mambré – Abraão comprou e construiu um altar (Gn 13,18)
Próximo de Bersabéia: “área aberta” na qual Abraão plantou uma tamargueira (Gn 21,33) e Isaac construiu um altar (Gn 26,25; 46,1)
Próximo a Ramá: Lugar onde Samuel julgava Israel (1Sm 7,17).
Ligado à tradição de Débora (Jz 4,5)
Durante a época de Josias a região é mencionada como tendo um “lugar alto” (2Rs 23,8).
Destaca-se ainda: Monte Sinai: Ex 24,3-8 + Gn 31,44-54 e Galed (Gn 31,44-54).
No geral, os Lugares Sagrados funcionavam como espaços livres para cultos particulares praticado por qualquer pessoa. Tal perspectiva podia, com muita naturalidade, resultar em cultos pagãos ou heterodoxos. Mesmo que alguns lugares sagrados tenham conservado a sua particulares devido aos eventos, muitas vezes teofânicos que lá ocorreram, outros foram suprimidos ao longo da história de Israel, por causa do risco que podiam implicar.
As narrativas, também, mencionam templos particulares ao lado de Lugares Altos, Lugares Santos e Altares: “Este homem, Micas, tinha uma casa de Deus; ele fez um efod e terafim, e deu a investidura a um dos seus filhos, que veio a ser seu sacerdote”. (Jz 17,5)
Um templo particular era um santuário que pertencia a uma família, ou clã o a uma pessoa, com seu culto e sacerdote particular. Como ocorria nos casos de Lugares Altos ou Sagrados, aqui também, podia resultar em cultos heterodoxos.
No geral, a expressão “Diante de Yhwh” pode ser considerado um indicativo da existência de um templo.
Habitualmente eles podem ser designados como Templo ou Santuário.
1. Silo
O maior templo do período pré-monarquico é o Santuário de Silo. Isto se deve ao fato dele abrigar a Arca da Aliança e a Tenda do Encontro após o ingresso dos israelitas na Terra Prometida. O Primeiro Livro de Samuel narra esta presença nomádica neste santuário:
“Anualmente, aquele homem subia da sua cidade para adorar e oferecer sacrifícios a Yhwh dos Exércitos, em Silo”. (1Sm 1,3)
“Vamos a Silo buscar a Arca do nosso Deus: que venha para o meio de nós e nos salve do domínio dos nossos inimigos”. (1Sm 3,4)
A tradição Sacerdotal descreve, no entanto, Silo apenas abrigando a Tenda da Reunião (cf. Js 18,1; 19,51; 22,19.29) (Haran, 1978, p. 27).
O templo de Silo está ligado ao ministério sacerdotal de Elias, bem como à história de Samuel. O templo é descrito como “Palácio/Templo de Deus” (hêkal-YHWH), título aplicado somente ao Templo de Jerusalém, sendo ele o único fora a merecer tal título (cf. 1Sm 1,9; 3,3).
A Arca da Aliança permanecerá neste santuário até o seu saque pelos filisteus (cf. 1Sm 4,17-22; Sl 78,60-61) e devolução, seguido pelo translado da casa de Obed-Edom, para a cidade de Davi (cf. 2Sm 6,12-19) e, posteriormente, para o Templo de Jerusalém (cf. 1Rs 8,1-9). Posteriormente Silo declinará e perderá a sua importância. (Haran, 1978, p. 27).
2. Dã
O Templo de Dã foi fundando quando do estabelecimento deste clã nesta localidade (cf Jz 18,28-29). Sua história está ligada à polemica surgida sobre a estátua de YHWH: “Eles instalaram, para seu uso, a imagem que Micas havia esculpido, e ela permaneceu lá todo o tempo em que subsistiu a casa de Deus em Silo” (Jz 18,31). Todo o capítulo dezoito de Juízes descreve o clã de Dã, bem como o surgimento do Templo, seu aparato e sacerdócio. (Haran, 1978, p. 28-29)
3. Betel
Não existe referências sobre a origem do Templo de Betel. Sabe-se que quando Jeroboão o tornou um dos templos reais, junto com Dã, ao entronizar, em cada um eles, um Bezerro de Ouro, bem como estabeleceu o altar do sacrifício (cf. 1Rs 12,26-33) (Haran, 1978, p. 30). A profecia de Amós constata esta condição real do Templo de Betel: “Amasias disse então a Amós: Vidente, vai, foge para a terra de Judá; come lá o teu pão e profetiza lá. Mas em Betel não podes mais profetizar, porque é um santuário do rei, um templo do reino”. (Am 7,12-13). Além disso, existem menções de Abraão erigindo um altar nas proximidades de Betel (cf. Gn 12,8; 13,3). Jacó, também, erigirá uma estela após um sonho, e, deste sonho, provêm o nome do local (cf. Gn 28,10-22; 31,13; 35,1-15) (Millard, 1997, p. 215-216).
4. Guilgal
Guilgal foi o primeiro acampamento dos israelitas na Terra Prometida (Js 4,19-24). Junto com os templos de Betel e Masfa, eram os lugares nos quais Samuel realizava a sua atividade jurídica (cf. 1Sm 7,16). Saul foi coroado neste templo (cf. 1Sm 11,14-15) e nele, a nação se organizou para uma batalha contra os filisteus (1Sm 13,4-15). Após a guerra contra os Amalecitas, Saul depositou em Guilgal os despojos de guerra, bem como executará Agag, rei do amalecitas (cf. 1Sm 15,12-21.32-33) (Haran, 1978, p. 31).
Amós e Oséias proferem oráculos contra o Templo de Guilgal (Am 4,4; 5,5; Os 4,15; 9,15; 12,12), configurando-o como lugar de maldade.
5. Masfa
Masfa é indicado como o lugar no qual se realizaram a Assembleia das tribos de Israel (Jz 20,1-3.8-10 + 1Sm 7,5-11) e o Juramento de Israel (Jz 21,1.5.8). Ali, também, se realizou a escolha de Saul como rei (1Sm 10,17-24) e foi o local de reunião de Judá após a Babilônia destruir Jerusalém (2Rs 25,23-26; Jr 40,7-41,18). Masfa é apresentado como o terceiro lugar, junto com Betel e Guilgal, onde Samuel julgava Israel em suas visitas anuais (cf. 1Sm 7,16) (Haran, 1978, p. 32).
6. Hebron
Hebron é o lugar no qual Davi foi ungido rei de Judá (cf. 2Sm 2,1-4) e os Anciãos de Israel estabeleceram um pacto com ele, ungindo-o como rei de Israel (cf. 2Sm 5,3). Absalão pedirá concessão à Davi para se dirigir a Hebron a fim de cumprir um voto que realizara (2Sm 15,7-12) (Haran, 1978, p. 34)
7. Belém
O Primeiro Livro de Samuel narra a existência de uma “Casa de Deus” (Jz 19,18), ligado ao clã de Jessé na qual se realizava uma peregrinação anual (1Sm 20,6.28-29) (Haran, 1978, p. 34)
8. Nob
Há evidências, segundo o 1Samuel, de um pequeno templo em Nob (21,1-10). O lugar, também, é descrito como sendo a “cidade dos sacerdotes” (1Sm 22,16-19) (Haran, 1978, p. 35).
9. Micas
Pequeno templo particular no território de Efraim. Existe menção a uma imagem de YHWH, um efod, um terafim. Micas ungiu um dos seus filhos sacerdotes deste templo (Jz 17-18) (Haran, 1978, p. 35).
10. Efra
Pequeno templo localizado no território de Manassés (Jz 8,27) pertencente à família de Gedeão. (Haran, 1978, p. 35).
11. Gabaon
Possível existência de um templo da família de Saul (2Sm 21,1-14). Além disso, fala-se de Gabaon como o “lugar alto” mais importante de Israel (1Rs 3,4). (Haran, 1978, p. 35-36).
Os templos/santuários de Israel estavam concentrados entre Silo e Hebron
Fora desta faixa encontravam-se os templos de Efra e Dã. Enquanto, os territórios de Judá e Benjamim eram tidos como autênticas áreas de cultos a Yhwh (Haran, 1978, p. 41).
O Templo de Jerusalém, segundo Haran (1978, p. 13-18) é designado por vários títulos ao interno do AT, como por exemplo, “Habitação da Glória” (Sl 26,8), ou “Morada do Teu Nome” (Sl 74,7), ou “Santuário de Jerusalém (Ez 21,7), ou, ainda, “Santuários Templo de YHWH” (Jr 51,51). Digno de nota, ainda segundo Haran, é a preferência do uso de “Casa de Deus” ou “Casa Santa” ao lado de “Santuário” ou “Santuário Santo” que o AT faz em relação ao Templo de Jerusalém. Em todo caso, quando usa i`ero,n habitualmente será acompanhado de um artigo e de um adjetivo: “O Templo de Deus” ou “O Templo de Jerusalém”. Estes títulos evocam a importância e a santidade que, progressivamente, foi se estabelecendo sobre este Templo em particular, até se tornar um elemento escatológico de relevo.
Historicamente, segundo as narrativas Bíblicas, Davi, tendo transladado a Arca da Aliança para a sua nova capital, a configurou como capital política e religiosa. Ele havia manifestado o desejo de construir uma morada fixa para abrigar o nome de Yhwh (cf. 2Sm 7). Outra narrativa, no entanto, afirma que o impedimento para construir a casa para Yhwh é o fato de Davi ter as mãos manchadas de sangue (cf. 1Cr 22,8-10).
O Templo de Jerusalém demorou sete anos para ser concluído e foi consagrado no décimo primeiro ano do reinado de Salomão. Mudanças e adaptações foram realizadas durante o reinado de Joás (cf. 2Rs 12,5-17) e Josias (cf. 2Rs 22,3-9). Além disso, são descritas renovações em várias ocasiões (cf. 1Rs 14,27-28; 2Rs 15,35; 16,11-18). Durante o reinado de Joaquin, os vasos sagrados foram levados para a Babilônia (2Rs 24,13). Após o retorno dos exilados demorou quase 20 anos para ser reconstruído (Esd 1,2-6; Ag 2) (Haran, 1978, p. 43).
Um fato que pesa sobre a legitimidade para a construção do Templo de Jerusalém é a ausência da típica teofania que tornava o local de um templo ou altar ou estela sagrada. Tal teofania, neste caso, ocorrerá pós fato, ou seja, durante a consagração do Templo (cf. 1Rs 8,10-13). Sem esta teofania o templo não teria a sacralidade própria, configurando-a, apenas, como uma capela palatina.
A Tenda Santuário do Deserto e, posteriormente, o Templo de Jerusalém aparecem como moradia de Yhwh. A Tenda do Deserto surge por sua vontade própria: “Faze-me um santuário, para que eu possa habitar no meio deles. Farás tudo conforme o modelo da Habitação e o modelo da sua mobília que eu irei mostrar” (Ex 25,8-9), ao passo que o Templo de Jerusalém surge por vontade de Davi e iniciativa e Salomão: “...meu Pai Davi teve a intenção de construir uma casa para o Nome de Yhwh... Mas Yhwh disse... não serás tu quem edificará esta casa, e sim, teu filho...” (1Rs 8,17-19). Tais moradias após respectivas edificações vêm empossadas pelo seu dono, ou seja, Yhwh e a tomada de posse se faz através da manifestação da Nuvem que preenche a Tenda (Ex 40,34-35) e o Templo (1Rs 8, 10-13).
O surgimento do Templo de Garizim é incerto. Antiga tradição samaritana o vinculava a figura de Josué e que teria sido destruído por Nabuconossor e reconstruído por Sanabalat, após o retorno do exílio. A questão da construção/reconstrução vinculada a Sanabalat, mesmo apoiada por Flávio Josefo (Ant. XI,72-8-8,4), possui dúvidas históricas. Existe, em todo caso, questões históricas ligadas a grande reforma de Esdras, à época do segundo governo de Neemias (De Vaux, 2010, p. 381).
A reforma de Esdras e Neemias, com a consequente expulsão e/ou fuga de judeus de Judá para o norte, parece ser o indício mais provável do surgimento.
Independente da questão sobre a sua origem, sabe-se de sua existência por volta de 167-166 a.C., quando Antíoco Epifanes o dedicou a Zeus Xenios (cf. 2Mc 6,2) e a Zeus Helenios (cf. Flávio Josefo, Ant. 5,5) e que foi destruído por João Hircano em 129 a.C.
A legitimidade deste templo era evocada pela legitimidade de sumo-sacerdote e sobre a questão que Deus escolheria para habitar o seu nome. De fato, a tradição deuteronomista faz menção sobre um lugar sobre o lugar que Deus escolherá, mas nenhum nome é citado. Leva-se em conta, ainda, que Garizim pertencia a Terra Prometida, enquanto Jerusalém é uma localidade Jebuzita que será anexada por Davi ao território da Terra Prometida, cuja finalidade é a constituição da capital política do Reino.
O livro de Deuteronômio encontra-se a seguinte indicação: “Quando Yhwh teu Deus te houver introduzido na terra em que estás entrando a fim de tomares posse dela, colocarás a benção sobre o monte Garizim e a maldição sobre o monte Ebal” (Dt 11,29). Esta indicação segue outra indicação: “Eis os que se postarão sobre o monte Garizim para abençoar o povo, quando tiverdes atravessado o Jordão: Simeão, Levi, Judá, Issacar, José e Benjamim. E eis os que se postarão sobre o monte Ebal para a maldição: Rúben, Gad, Aser, Zabulon, Dã e Neftali.” (Dt 27,12-13). Observa-se, assim, que Garizim surge como lugar do qual se abençoa. Esta observação de Deuteronômio é confirmada pelo livro de Josué, conforme segue: “Todo Israel, com seus anciãos, seus escribas e seus juízes, estava de pé, de um e do outro lado da Arca, diante dos sacerdotes levitas que transportavam a Arca da Aliança de Yhwh, tanto os estrangeiros como os nativos, metade deles diante do monte Garizim e outra metade diante do monte Ebal, como havia ordenado Moisés, servo de Yhwh, para dar em primeiro lugar a bênção ao povo de Israel” (Js 8,33).
Em todo caso, o templo durou até o II séc. a.C., quando foi destruído por João Ircano. Sua história persistiu no consciente popular, conforme se pode observar na narrativa da Mulher Samaritana, no Quarto Evangelho (cf. Jo 4).
O Templo era localizado na região de Assuan, na ilha Elefantina dentro do rio Nilo. Possivelmente tenha surgido por volta do séc. VI a.C. Sabe-se de uma comunidade judaica ali alocada e que falavam o aramaico. Sabe-se que, anterior a invasão de Cambises (525 a.C.), existia um templo judaico dedicado à Yaho (Yhwh). Este templo foi destruído por sacerdotes egípcios do deus Khnum em 410 a.C. Os judeus desta localidade pediram apoio à Bagoas, governador da Judéia e Johanan, sacerdote do Templo de Jerusalém ajuda para a reconstrução (cf. Nm 12,22-23). Sem sucesso, três anos depois escreveram nova carta dirigida, agora, para Bagos e aos filhos de Sanabalat, governador da Samaria, tendo retorno positivo, e o templo reconstruído, conforme carta de 402 a.C. Contudo, pouco anos depois, a comunidade judaica de Elefantina foi dispersada e o templo abandonado (De Vaux, 2010, p. 379).
Quanto a dinâmica cultural neste templo, se desconhece a prática de sacrifícios, sendo apenas um lugar de adoração ao Deus de Israel, através de ofertas e prática de incenso.
O Templo de Leontópolis surge durante a época da dominação Selêucida. Após o afastamento e assassinato do sumo-sacerdote legítimo, Onias III (cf. 2Mc 4,33-34), seu filho Onias IV refugiou-se no Egito, sob a tutela de Ptolomeu VI Filómetor (186-145 a.C.). O Templo era igual ao de Jerusalém, mas em proporções menores. Sua legitimidade derivava do oráculo isaiano, o qual dizia: “Naquele dia, haverá um altar dedicado a Yhwh no seio do Egito e uma estela consagrada a Yhwh junto da sua fronteira” (Is 19,19). Foi construído por volta de 160 a.C. e esteve ativo até 73 d.C. quando foi destruído pelos romanos, dentro do contexto da guerra judaica de 70 d.C. Em todo caso, o que favoreceu sua existência foi a figura de Onias IV, que serviu de apoio à dinastia ptolomaica diante da dinastia selêucida (De Vaux, 2010, p. 380).
O grande problema religioso deste templo estava ligado ao sacrifício de animais oferecidos a Yhwh, prática esta rejeitada pela religiosidade egípcia. Mas, independentemente disto, o Templo de Leontópolis arrogava para si, legitimidade cultual como o Templo de Jerusalém, coisa jamais aceita por este último, conforme é verificável na Misná (Haran, 1978, p. 27).
A Torá de Ezequiel (Ez 40-48) descreve uma um Templo futuro a partir de novas coordenadas métricas e nova modalidade de culto. Tale especificidade espacial do Templo tem fornecido base para uma concepção de um templo físico, ideal ou espiritual. Do capítulo 40,1 ao 47,12 toda a narrativas está centrada nas características do novo templo, enquanto o restante, ou seja, Ez 47,13-48,35 se dedica a descrição dos limites territoriais do templo, que gira em torno da ideia primordial das 12 tribos de Israel. Segundo Abba (1978, p. 2) a visão e Ezequiel é uma simbólica representação da presença de Yhwh morando com o seu povo, sendo concebida como uma teocracia futura. Nesta linha Bergsma (2004, p. 75-76) descreve a visão de Ezequiel num resgate do Código de Santidade de Lv 17-27 e a própria narrativa estaria na linha do tema do Ano Jubilar. Assim, para o autor, Ezequiel estaria apresentando uma “construção jubilar” (Bergsma, 2004, p. 80). Compton (2022, p. 141-164), apresenta alguns estudos na área da psicologia, segundo o qual a ideia de um templo futuro seria, para alguns estudiosos desta linha, um “trauma do templo perdido”.
Pode-se indagar sobre o peso do governo teocrático sadoquica durante o período pós-exílico até a ascensão de Herodes, o Grande. Entre legitimidade e ilegitimidade de sumo-sacerdotes detentores de poderes temporal e espiritual, pode ter se desenvolvido no amago do judaísmo pós-exílico o ideal de um Templo “puro” com sacerdotes “legítimos”. Em todo caso, no ideário de um Templo futuro, observa-se, de um lado, um domínio teocrático sobre o mundo, ou sua laicização.
No Evangelho de João ἱερόν encontra-se 11 vezes (=2,14-15; 5,14; 7,14.28; 8,2.20.59; 10,23; 11,56; 18,20) e ναός 3 vezes (=2,19.20.21). Por outro lado, no Apocalipse de João ἱερόν desaparece, enquanto ναός temos 16 ocorrências (=3,12; 7,15; 11,1.2.19*; 14,15.17; 15,5.6.8*; 16,1.17; 21,22*). Contudo, tanto i`ero,n como nao,j são traduzidos habitualmente por “Templo”, principalmente no Apocalipse de João: “O Templo (nao,j) de Deus que está no céu se abriu” (Ap 11,19)
A narrativa joanina da Purificação do Templo (Jo 2,13-22) evocam os temas a respeito do Templo de Ezequiel e de Zacarias. Nesta narrativa, estão presentes as expressões ἱερόν e ναός, intermediada pela variante da versão da LXX, “Casa do meu Pai” (oi-koj tou/ patro,j mou: Jo 2,16). Diante da interpelação dos judeus acerca do ato realizado por Jesus no Templo, ele fala da destruição do “santuário” e sua reconstrução em três dias, seguida pela conclusão do evangelista de que Jesus se referia ao “santuário do seu corpo” (Jo 2,21).
O Quarto Evangelho estabelece um vínculo entre o Templo/Santuário físico de Jerusalém com o Templo/Santuário Espiritual do corpo de Jesus.
A transição entre o templo/santuário físico ao templo/santuário espiritual terá o seu ápice no Apocalipse de João. De fato, a obra termina com as três narrativas da Nova Jerusalém (Ap 21,1-8; 21,9-27 e 22,1-15). A primeira narrativa da Nova Jerusalém apresenta uma nova cidade que desce do céu, descrita com a “Tenda de Deus” que se estabelecerá entre os homens. Na segunda descrição o vidente narra não ver nenhum templo (ναός), pois o seu templo (ναός) é o Senhor Deus e o Cordeiro (Ap 21,22). A terceira descrição da Nova Jerusalém apresenta no centro da Nova Jerusalém, não o antigo Templo, mas o trono de Deus e do Cordeiro, do qual emana a água da vida (Ap 22,1).
A narrativa da Nova Jerusalém, portanto, substitui o antigo Templo de Jerusalém, pela própria “presença” do Pai e do Filho.
Claro que neste conjunto, é necessário evocar a descrição do “Templo/Santuário de Deus” (ὁ ναός τοῦ Θεοῦ) que está no céu (Ap 11,19), preparando o leitor para a visão da Mulher Vestida de Sol de Apocalipse 12. A narrativa fala da Arca da Aliança que surge após a abertura do Templo: “e foi aberto o templo (ναός) de Deus que está no céu e foi vista a Arca da sua Aliança no seu templo (ναός)” (Ap 11,19).
Segundo Licht (1979, p. 141-164), o fragmento 5Q15, Gruta 4 de Qumran tem como base, o novo Templo de Ezequiel 40-48. Além disso, as proporções do novo Templo, nas duas obras, evocariam a expectativa escatológica da peregrinação de todos os povos para adorar à Deus durante a Festa das Tendas, segundo a ótica de Zc 14.
A pesquisa a respeito dos templos e lugares sagrados ao longo da história de Israel, permitiu evidenciar o próprio desenvolvimento da religião israelita. Percebe-se que originalmente tenha existido relação entre o culto à Yhwh e cultos pagãos. No decorrer da história de Israel se estabelece o monoteísmo absoluto, apresentando Yhwh como único Deus, o ser supremo, responsável pela criação e condução de todo o criado. Contudo, outras narrativas bíblicas descrevem sincretismo religiosos praticados não somente por leigos, mas também por sacerdotes e no próprio Templo de Jerusalém. Uma descrição desta profanação cultual se encontra na Profecia de Ezequiel, no qual são descritos diversos ritos pagãos e com divindades pagãs ocorrendo dentro do próprio Templo e sendo praticados por sacerdotes que lá prestavam culto (cf. Ez 8).
Outro fator importante para a construção do ideal de um templo futuro e espiritual, se encontra na questão da legitimidade sacerdotal. Este problema se desenvolve no pós-exílio. Tanto textos canônicos, como exemplo 1 e 2Macabeus, como textos apócrifos, como o Rolo do Templo de Qumran, no qual se fala propriamente da figura do “Sacerdote Ímpio”, podem iluminar as perspectivas futura de um Templo puro, com rito puro e sacerdotes legítimos.
Partindo de Ezequiel, passando pelos textos apócrifos de Qumran e pela Literatura Joanina, se percebe este anseio de um novo templo. Lógico que a literatura Paulina e Petrina, algumas vezes descrevem o próprio fiel como templo de Deus: “Não sabeis que sois um templo de Deus” (1Cor 3,16). Neste sentido, creio que seja importante pensar a partir de duas perspectivas: a primeira, um templo celeste que lá permanece ou desce tomando o lugar do antigo Templo de Jerusalém; e, em segundo lugar, um templo espiritual, no qual o fiel ou a comunidade se tornam o templo no qual Deus habita.
Como se pode observar, principalmente o Novo Testamento, abre espaço tanto para uma concepção como para outra, ou poderiam ser complementares?
Em todo caso, o uso de ἱερόν no Novo Testamento tende a evocar um templo físico, enquanto o uso de ναός tende a evocar a ideia de um templo espiritual ou celeste.
Bíblia de Jerusalém, Paulus 2002
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