Arte, poder e resistência. Império neoassírio, Levante Sul e etnogênese da identidade deuteronômica de Israel e Judá

Art, power and resistance. Neo-Assyrian Empire, Southern Levant and ethnogenesis of the Deuteronomic identity of Israel and Judah

Francisco Marques Miranda Filho

Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP). Professor convidado do MBA da FGV em Gestão Estratégica nas Organizações. Contato: francismir@hotmail.com


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Resumo: O período no qual se dá a formação inicial da identidade deuteronômica de Israel e de Judá se situa no contexto da construção da zona de poder do império neoassírio. A expansão imperial assíria incluiu a ocupação do norte do Levante, a dissolução do Reino de Israel, e a relação com o Reino de Judá na forma de reino cliente. Os assírios usaram diversas maneiras para expressar seu poder e estabeleceram um intercâmbio que aconteceu nos campos econômico, social e cultural. Entre as expressões de poder estão o uso de textos e da arte na construção das cidades centrais empreendidas por alguns dos principais reis neoassírios, mas também outros instrumentos de prestígio e favor aos designados pelo reino central para administrar os territórios conquistados que se tornaram províncias. É preciso avaliar o impacto da agenda imperial neoassíria na relação com os territórios conquistados e os satélites no Levante Sul, mas, principalmente, buscar entender as formas de resistência e como as mudanças ocorridas nesse período podem ser um dos elementos da formação de parte da identidade israelita presente nos textos do Livro do Deuteronômio.

Palavras chaves: Neoassírio; Levante Sul; Poder; Resistência; Identidade; Deuteronômio

Abstract: The period in which the initial formation of the deuteronomic identity of Israel and Judah takes place is situated in the context of the construction of the power zone of the NeoAssyrian empire. Assyrian imperial expansion included the occupation of the northern Levant, the dissolution of the Kingdom of Israel, and the relationship with the Kingdom of Judah in the form of a client kingdom. The Assyrians used various ways to express their power and established an exchange that took place in the economic, social, and cultural fields. Among the expressions of power were the use of texts and art in the construction of the central cities undertaken by some of the major NeoAssyrian kings, but also other instruments of prestige and favor to those appointed by the central kingdom to administer the conquered territories that became provinces. It is necessary to evaluate the impact of the Neoassyrian imperial agenda on the relationship with the conquered territories and the satellites in the Southern Levant, but, above all, to seek to understand the forms of resistance and how the changes that occurred in this period may be one of the elements of the formation of part of the Israelite identity present in the texts of the Book of Deuteronomy.

Keywords: NeoAssyrian; Southern Levant; Power; Resistance; Identity; Deuteronomy

Introdução

As discussões sobre a identidade israelita estão concentradas em dois períodos: o surgimento de Israel por volta do século dez e a experiência do exílio babilônico no século sexto. As histórias acadêmicas de Israel e Judá ignoram a questão da identidade israelita nos quatrocentos anos que separam os dois períodos. O propósito deste artigo, objeto de um minicurso ministrado no III SIMPEB (Simpósio Paulista de Estudos Bíblicos) é apresentar a importância do período do final do século oitavo ao início do sexto século como um candidato primordial para ajudar na melhor compreensão das questões de identidade israelita.

Crouch (2014a) afirma que durante este período (o longo século VII), o Levante do Sul testemunhou mudanças políticas, econômicas e sociais significativas. Esta convulsão foi impulsionada principalmente pelo advento do império assírio como potência dominante, começando em meados do século oitavo e acelerando na última parte deste século com a construção do império Tiglate-pileser III, Sargão II e Senaqueribe, antes de continuar na maior parte do século sétimo com Esaradão e Assurbanipal. Em primeiro lugar, é possível dizer que o impacto da chegada dos assírios tomou a forma de campanhas militares e de exercícios de força política. Todavia, com o passar do tempo, sua presença no Levante Sul foi sendo cada vez mais caracterizada por um exercício de poder mais ou menos pacífico, e pelo desenvolvimento de interesses econômicos, especialmente através do fomento de prósperas rotas comerciais nesta região.

A ideia deste artigo é centrar-se na compreensão do impacto cultural e ideológico deste período na população do Levante Sul e na população de Israel e de Judá, em particular. Isto significa considerar as mudanças políticas, sociais e econômicas decorrentes da Pax Assyriaca, que fizeram do século VII um período de crescente interatividade cultural no Levante Sul. O emprego de um aparato teórico antropológico, histórico e arqueológico pode ajudar no argumento que demonstraria o aumento da exposição das formas de poder imperiais a diferentes culturas. O resultado seria uma maior consciência das diferenças culturais entre os grupos existentes do Levante Sul, reforçando sua fronteiras e determinando a formação de novos grupos. Pode-se afirmar com isso que as mudanças sociais, econômicas e políticas do século VII provocaram preocupações significativas de identidade étnica entre as populações do Levante Sul, incluindo a população de Judá. Um último passo conclusivo é explorar as implicações destas mudanças na construção do livro do Deuteronômio, tendo este período em mente, na medida em que as maiores preocupações com a identidade que permeiam o livro podem ser entendidas como derivadas deste contexto.

Para a construção do argumento é proposto um exercício em 4 partes, começando por (1) compreender o modo como se deu a formação e a zona de poder do império neoassírio, (2) a forma como o uso de texto e da arte na construção das cidades centrais empreendidas por alguns dos principais reis neoassírios é uma expressão de poder, (3) o modo como se deu a relação entre os territórios conquistados e os satélites no Levante Sul com a agenda imperial neoassíria, e, por fim, (4) um excerto sobre o papel da estatuetas judaicas de pilar na formação da aniconia judaica futura, para (5) concluir sobre como as mudanças ocorridas nesse período podem ser um dos elementos da formação de parte da identidade israelita presentes nos textos do Deuteronômio.

1. Formação e zona de poder no império neoassírio

1.1 A paisagem imperial neoassíria

Hunt (2015) define que a Assíria se tornou uma entidade geográfica e cultural no século 23 a.C., e continuou a ocupar continuamente esse território, ou algum pedaço dele, até 605 a.C. É razoável sustentar que as fronteiras da Assíria se expandiram e se contraíram durante esses 1600 anos. Contudo, para o argumento aqui oferecido é necessário concentrar-se no império neoassírio ou período assírio tardio (911-605 a.C.), particularmente os séculos 8 e 7. Embora os termos “neoassírio” e “assírio tardio” sejam frequentemente usados de forma intercambiável, será usado "neoassírio" para se referir ao complexo político-cultural do império neoassírio e "assírio tardio" para se referir ao período em questão.

Desde a sua criação, o poder e a identidade assírios estavam concentrados no “triângulo assírio”, encurralado pelas cidades Assur, Nínive e Arba-ilu, ao longo e a leste do rio Tigre. Esta área era o centro religioso, político e cultural do império. Os estudiosos geralmente reconhecem que o triângulo fica dentro de uma área aproximadamente em forma de coração que se estende além das margens do Tigre a oeste. Esta região maior nunca esteve fora do controle assírio e a continuidade cultural pode ser demonstrada arqueologicamente através do “evento de 1200 a.C.”, que causou o colapso dos impérios vizinhos. Portanto, por definição, serão tomadas como referência as 11 províncias administrativas que compõem essa região em forma de coração, chamadas de “Assíria Central”, e que serão tratadas como a política central neoassíria.

1.2 Ideologia imperial

Segundo Hunt (2015), considerada de maneira simples, a cosmogonia assíria e a cosmologia descrevem um mundo dualista dividido entre o divino e o profano. Os seres humanos foram criados para servir aos deuses, para alimentar, vestir e cuidar deles, e para adorá-los. O reino divino é governado por uma trindade de grandes deuses e um panteão de divindades menores. A hierarquia no reino divino é complicada pelas relações de interdivindade e, como resultado, a divindade principal mudou e evoluiu ao longo do tempo. O reino humano é governado pelo rei, que, embora não seja divino a si mesmo, é escolhido pelos deuses, e serve como representante de Aššur na terra. Grande parte da ideologia real e imperial assíria é moldada pela relação do rei com Aššur e a relação de Aššur com a terra. 

A segunda estratégia imperial para aumentar e demonstrar a diversidade do domínio de Aššur foi a coleta imperial. Os assírios coletaram espécimes de flora e fauna exóticas, transportaram-nos para o núcleo assírio e os criaram em jardins botânicos reais e públicos e zoológico. Essas coleções foram a confirmação da supremacia de Aššur que o estado assírio exibia para os deuses, para os dignitários estrangeiros e para o povo. Por outro lado, toda a terra era, na verdade, māt Aššur. Aššur era a divindade suprema e soberana sobre todas as coisas, portanto, não era possível que existisse algo sobre o qual ele não tivesse domínio (ver, por exemplo, a versão assíria do Enūma Eliš e do festival assírio akitu).

Embora a ideologia de māt Aššur fornecesse a forma geral do mundo neoassírio, a política externa e as estratégias empregadas evoluíram ao longo dos 300 anos do império neoassírio. Há mais elementos histórico e arqueológicos sobre as políticas dos reis posteriores, de Tiglate-pileser III a Assurbanipal, porque seus arquivos foram escavados e estão sendo traduzidos e publicados como parte de um esforço contínuo do Projeto Arquivo Estatal da Assíria (States Archives of Assyria Project - SAA) e assiriologistas individuais em todo o mundo. O presente estudo está particularmente preocupado com os séculos 8 e 7 a.C, aos quais a maioria dos textos traduzidos se referem.

1.3 Geografia imperial

No início do período assírio tardio (911 a.C.), a Assíria propriamente dita ocupava apenas a região em forma de coração. No final do século 9, a Assíria se estendeu para o norte na Síria, Turquia e Anatólia, como resultado das políticas externas de Adad-nirari II, Assurnasirpal II, Salmaneser III e Samsiadade V, abrangendo a região comumente referida como o coração (Hunt, 2015). Durante o século VIII, houve uma expansão moderada sob Adad-nirari III, seguida por um período de estagnação até 744 a.C. A política externa no final do século VIII, sob Tiglate-Pileser III e Salmaneser V, foi agressiva e, em seus 22 anos de reinado combinados, o império neoassírio dobrou suas propriedades territoriais e esfera de influência. A expansão territorial desacelerou no século 7 sob Sargão II, Senaqueribe, Esaradão e Assurbanipal, com apenas 5 novas províncias adicionadas. No entanto, os estados vassalos assírios e as zonas-tampão aumentaram em tamanho e número durante este período; refletindo a mudança na política externa (ver figura 1).

 

Figura 1 - Expansão imperial neoassíria. (a) Século X a.C.; (b) Século IX a.C; (c) Século VIII a.C.; (d) Tiglate-Pileser III e Salmaneser V; (e) Século VII a.C. preto = províncias assírias; cinza = estados vassalos e zonas-tampão - Modificado a partir do Google Earth Landsat Image (Hunt, 2015, p. 28)

1.4 Organização e administração

Segundo Hunt (2015), a administração do império neoassírio no que diz respeito à natureza da estrutura de poder e as relações dentro do sistema imperial permanecem ambíguas. Postgate (2007) acredita que, ao contrário da administração burocrática da Assíria Média, a administração neoassíria era relacional e contextual, dependente da “lealdade institucional e da interação pessoal”. Essa abordagem não burocrática do governo significa que a hierarquia administrativa é praticamente invisível arqueológica e textualmente, não importa quão bem desenvolvida e eficaz. Não há dúvida de que o sistema administrativo neoassírio estava bem desenvolvido e altamente funcional, dada a sua capacidade de estabelecer e manter o controle sobre um império tão grande e diversificado.

A Assíria foi organizada em províncias administrativas. No auge de seu poder, o império neoassírio era composto por aproximadamente 60 províncias ocupando mais de 540.543 milhas quadradas ou 140.000.000 de hectares. A administração de cada província era da responsabilidade de um governador provincial nomeado pelo rei. Reis recém-coroados muitas vezes substituíram governadores provinciais por membros leais de sua própria comitiva para garantir a lealdade e evitar motim ou insurreição. Tiglate-pileser III chegou a dividir províncias grandes e poderosas em províncias menores ao subir ao trono, a fim de neutralizar a potencial insurreição. O príncipe herdeiro e os mais altos funcionários do estado eram frequentemente premiados com o governo provincial de províncias estratégicas ou sensíveis, exigindo lealdade feroz e responsabilidade militar.

Entre as diferentes formas de estrutura administrativa nas províncias havia uma estrutura hierárquica sofisticada, tais como o governador provincial, o vice-governador (šaniu), o major-domo (rab bēti), o superintendente da cidade (ša muḫḫi āli), o inspetor da aldeia (rab ālāni). Interessa também a esse trabalho apontar outro sistema administrativo que operava nas cidades e províncias neoassírias. É o sistema de guildas (kārum) destinados a artesãos como carpinteiros, metalúrgicos e ceramistas, bem como a outros profissionais, tais como padeiros, eunucos e comerciantes. Da mesma forma que em outros órgãos administrativos neoassírios, a estrutura e a função do sistema de guildas eram em grande parte “invisíveis” (Postgate 2007). A partir de textos existentes, é possível supor que os artesãos praticavam sua arte em locais identificados como comunais ou em oficinas. Eles foram organizados em associações ou guildas por ofício. Cada guilda parece ter tido uma estrutura interna com um ou mais funcionários, cujas funções incluíam distribuir fundos, manter contas, negociar e interagir com a administração cívica-estatal em nome dos membros da guilda.

Segundo Hunt (2015), a independência dessas guildas da administração estatal, provincial e cívica é amplamente debatida. Há evidências de que as guildas não eram uma extensão do Estado, mas funcionavam como órgãos de negociação independentes. Por exemplo, grupos de artesãos recebiam cartas ou contratos, sob a autoridade do rei, para exercerem a administração de palácios e templos. Não está claro se esses grupos de artesãos representavam diferentes guildas de carpinteiros. Mas há exemplos de partes dentro da cidade/província/estado em que havia uma guilda de carpinteiros, ou homens da guilda escolhidos para esse trabalho em particular. Seja qual for o caso, esses contratos seguem a fórmula padrão para documentos e, como tal, eram realizados entre partes independentes, que agiam de livre e espontânea vontade. De fato, a existência de contratos entre guildas de artesãos e a administração estatal/cívica sugere implicitamente que esses homens eram independentes do controle do Estado ou do governo cívico.

A aquisição de matérias-primas era de responsabilidade da organização ou contratação individual da guilda/artesãos, embora pareça haver algum nível de controle/regulamentação estatal dos recursos de matérias-primas. Os artesãos recebiam “autorizações de trabalho” ou “cartões sindicais” que lhes permitiam coletar matérias-primas e salários, o que lhes permitiam acesso ao local de trabalho.

Tomados em conjunto, e na ausência de uma economia de mercado, as cartas e permissões de trabalho sugerem que os artesãos neoassírios, enquanto eles próprios independentes homens livres, foram contratados para praticar seu ofício ou fornecer seu ofício a um lugar específico por um período específico, como assar pão para um templo, por exemplo. Os ceramistas neoassírios, como artesãos organizados em guildas, também teriam sido contratados por instituições estatais, cívicas e religiosas para fornecer os vasos necessários para essa organização, escritório ou templo específico.

1.6 Símbolos de poder

Autoridade e poder tornaram-se tangíveis no império neoassírio através do uso de selos (unqu). Esses selos imperiais eram selos de lacre em vez dos selos cilíndricos normalmente usados para identificação pessoal, provavelmente porque os selos de lacre eram mais práticos para selar uma variedade de objetos, como frascos, caixas, etc. Outra razão para o uso de selos de lacre como selos administrativos estatais era diferenciar entre sua função privada e oficial e, por extensão, ações privadas e oficiais do portador do selo. Watanabe (1999) argumentou, com base no SAA 15 224, que o selo real usado pelo rei era um anel de sinete. Todos os selos oficiais recuperados arqueologicamente, no entanto, foram selos de lacre que, juntamente com o SAA 15 224 e 5 234, foram usados para sugerir que o selo administrativo do rei, seu selo de escritório, era feito de ouro ou outro metal precioso que foi posteriormente reutilizado, possivelmente para fazer o selo do rei sucessivo.

1.7 Prestígio e favor

Arqueologicamente, o favor e o prestígio são difíceis de detectar porque são construções relacionais que podem ou não ter uma manifestação material. Favor, por exemplo, é uma parcialidade ou aprovação de alguém por outra pessoa, o ator. O rei neoassírio, por exemplo, poderia favorecer um indivíduo e expressar tangivelmente esse favor, nomeando-o para um cargo ou concedendo-lhe terras. Prestígio, por outro lado, refere-se a uma reputação ou a estima em que alguém, algo ou uma situação é realizada e é concedida pelo público ao objeto ou ator. Por exemplo, o pão branco já foi considerado prestigiado e um símbolo de riqueza porque era caro e feito de farinha moída processada para remover o farelo e o germe do grão de trigo. As pessoas que comiam pão branco podiam ou não estar cientes de que era prestigioso, mas para aqueles que comiam pão integral feito de farinha moída à mão com toda a baga do trigo, muitas vezes contendo pedaços, o prestígio do pão branco era visível.

Depreende-se, portanto, dessa primeira parte da argumentação, que a expansão do império neoassírio não se deu apenas por seu poder imperial militar, mas ele usou de outras formas para expressar e estabelecer o seu poder de fato. Seja por meio das suas ações militares em períodos expansionistas, e depois por meio das suas zonas de influências comerciais e administrativas cada vez mais extensas, bem como por sua organização interna administrativa, é possível concluir que o poder do império era expresso de um jeito mais amplo. Está nas estruturas internas de seus sistemas administrativos de ação e controle das províncias, e nas demonstrações seu poder distribuindo favores e prestígios. Há, contudo, uma outra forma de expressão de poder destacada indiretamente na existência das guildas de artistas (artesãos). Elas podem ajudar a compreender ainda mais a força do império, que usa da arte e de seus artistas para falar do poder de seus reis.

2. Arte e escrita nos murais dos palácios neoassírios com expressão de poder

Segundo Russel (1999), se alguém entrasse no palácio do “rei do mundo, rei da Assíria” seria cercado por textos. No primeiro grande palácio neoassírio, o palácio de Assurnasirpal II em Kalhu (Nimrud), os textos estavam por toda parte. O touro e o leão colossais nas principais portas carregavam textos. As lajes de pavimento nessas portas, e em todas as outras portas, carregavam textos. Cada laje de cada sala pavimentada trazia um texto. E cada uma das centenas de lajes de parede, esculpidas e lisas, carregava um texto. Alguns dos monarcas que sucederam Assurnasirpal também construíram palácios: Salmaneser III e Tiglate-pileser III em Kalhu, Sargão II em Dur Sharrukin, Senaqueribe e Assurbanipal em Nínive, entre outros. Cada um deles construiu seus palácios, e eles são, em maior ou menor grau, também um lugar de exibição para textos. 

É possível voltar à fonte desses textos usando fluxos muitas vezes divergentes de filologia e arqueologia à medida que se aplicam às inscrições cuneiformes que foram inscritas em locais proeminentes em palácios neoassírios. O caráter, a quantidade e o estado de publicação dessas inscrições variam consideravelmente de rei para rei, e essa variabilidade determina em grande parte a natureza das perguntas que se podem fazer sobre esses materiais atribuídos a cada rei. Ainda que se possa tratá-los individualmente, vale a pena chamar a atenção para vários padrões cronológicos que surgem. Os locais e tipos de inscrições nos palácios assírios estão resumidos na tabela 1.

Período

Rei

Costas de laje

Limiares

Registro de texto em relevos de parede

Colossos

Epígrafes em Relevos de Parede

883-859 (a.C)

Assurnasirpal II

resumo

anais/ resumo

resumo

resumo

Não

858-824 (a.C)

Salmaneser III

 

resumo

 

resumo

 

810-783 (a.C)

Adad-nirari III

 

genealogia

 

 

 

744-727 (a.C)

Tiglate-pileser III

Não

 

anais

 

selo/marca

721-705 (a.C)

Sargão II

resumo

resumo

anais/ resumo

resumo

selo/legenda

704-681 (a.C)

Senaqueribe

selo/marca

selo/marca

Não

anais/ resumo

legenda/ tipo analítico

680-669 (a.C)

Esaradão

selo/marca

 

 

 

 

668-631 (a.C)

Assurbanipal

selo/marca

Não

Não

Não

legenda/ tipo analítico

Tabela 1. Locais e tipos de inscrições do Palácio Assírio - entradas com informações insuficientes são deixadas em branco (tradução minha – Russel, 1999, p. 210).

Várias tendências e padrões podem ser discernidos a partir desta tabela. Nos pontos tratados brevemente a seguir, será possível ver em texto e imagens encontrados nos palácios uma arte escultórica sofisticada usada para expor a força do império e de seus reis. As estruturas dos palácios foram usadas para contar a história simbólica de suas conquistas, mas também para registrar textualmente seus nomes, suas genealogias divinas que os ligavam a Aššur, os anais dos principais acontecimentos do reino, ou um resumo de suas histórias. O caráter propagandístico é relevante, na medida em que expressa poder e comunica aos visitantes a mensagem a ser levada às fronteiras do império.

2.1 Inscrições nas costas das paredes

Há uma mudança de textos resumidos, comparativamente longos no início da sequência, para breves rótulos no final. Em todos os casos, o objetivo deste texto parece ter sido principalmente identificar o rei que ergueu as lajes da parede. No caso de Assurnasirpal II, esse processo de identificação exigia um texto relativamente longo que incluía seu título, um resumo de suas conquistas e um breve relato de construção. Esses mesmos elementos figuram em todos os textos de Assurnasirpal, no entanto, a formulação no texto de fundo de laje parece ser um dos primeiros textos de Kalhu e está entre os mais curtos. Não temos placas de parede de Salmaneser III ou Adad-nirari III. Um par de colossos de touros de Salmaneser III foi encontrado em Kalhu, com inscrições em suas costas num longo texto anualístico, mas não sabemos se eles originalmente pertenciam a um palácio ou a um templo. Surpreendentemente, nenhum texto é relatado na parte de trás dos numerosos relevos de parede de Tiglate-pileser III. O caso de Sargão II é diferente. Ele restaurou o palácio de Assurnasirpal ao mesmo tempo em que iniciava sua própria grande campanha de construção em Dur Sharrukin. Como em todas as inscrições do palácio em Dur Sharrukin, a aparência e o comprimento do texto nas costas das placas de parede são modelados de perto nos de Assurnasirpal em Kalhu. No entanto, no texto de Sargão II, o longo resumo das conquistas de Assurnasirpal foi substituído por um breve resumo dos favores que o rei concedeu às cidades de seu reino, seguido de uma descrição detalhada da construção.

2.2 Limiares e soleiras das portas

No caso dos textos esculpidos em limiares, pode-se começar com uma variedade de textos longos sob Assurnasirpal II, mas na época de Assurbanipal, não há textos desse tipo. Há uma gama maior de textos nas soleiras das portas de Assurnasirpal do que em qualquer outro local de seu palácio, desde o breve texto, que também foi encontrado inscrito em pedra nas paredes do palácio, até longos textos que não ocorrem em nenhum outro lugar do palácio. A maioria dessas lajes, no entanto, foi esculpida como o texto da base do trono, sempre truncado, que é o mesmo texto que aparece nos colossos que revestem algumas dessas portas. Não é possível recuperar os critérios que regem a seleção de um determinado texto para um determinado local, mas vale ressaltar que, em geral, textos longos tendem a ser esculpidos em grandes lajes e textos curtos em pequenos.

Sala B, porta c: Layard publicou a inscrição de apenas uma soleira, a da porta c da sala B. O texto estava originalmente em pelo menos duas placas. A única parte ainda in situ é uma grande placa que preenche completamente o espaço entre os dois colossos de leão (fig. 93). Layard publicou as primeiras 36 linhas da inscrição nessa placa como ICC 48-49 (Layard, 1851, pls. 48-49). A inscrição começa no canto sudeste da laje, com suas linhas correndo de leste a oeste através da soleira; ela deve ser lida do lado de fora da porta, olhando para a sala do trono. As duas primeiras linhas apresentam a versão da genealogia que se encontra no texto da fundação do império ..., uma variante da qual ocorre por si só em algumas outras portas de pedra do palácio). O restante do texto é uma duplicata bastante próxima de uma passagem dos anais de Assurnasirpal (tradução minha - Russell, 1999, 253).

Figura 2 - Kalhu, Palácio Noroeste de Assurnasirpal II – soleira de porta (Russell, 1999, 326).

2.3 O registro de texto em lajes de parede

No palácio de Assurnasirpal II, cada laje de parede, esculpida ou não, carregava um registro de texto atravessando todo o percurso. Segundo Russel (1999), o efeito visual é de um único texto longo que vai de laje em laje. Contudo, cada laje carrega uma inscrição separada. Com algumas exceções, este texto é sempre a chamada inscrição padrão, consistindo em um título, um resumo geográfico e o relato de construção de palácios. Tiglate-pileser III pode não ter conhecido o que estava esculpido nas costas das lajes de relevo do palácio de Assurnasirpal, mas estava familiarizado com elas, e a longa inscrição em seus relevos do palácio mantém a aparência geral de seu modelo. As lajes de parede inscritas de Sargão II também imitam a aparência das de Assurnasirpal, mas mudaram o conteúdo dos textos. Por fim, assim como em todos os outros tipos de texto, Senaqueribe rompeu com a tradição aqui, eliminando completamente os textos longos de seus relevos de parede, e Assurbanipal seguiu o exemplo.

2.4 Textos dos Colossos

Tal como acontece com a maioria de suas outras inscrições palacianas, o texto inscrito no colosso do portal de Assurnasirpal II é um texto padrão, truncado conforme necessário para se adequar ao espaço em questão. Este texto, uma versão expandida da inscrição padrão, foi evidentemente originalmente compilado para a base do trono na Sala B, que se encaixa muito bem. A base do trono é o único lugar, no entanto, onde este texto aparece em sua totalidade, e parece que, como acontece com outros textos padronizados de Assurnasirpal, este texto foi usado mais ou menos indiscriminadamente sempre que o espaço a ser preenchido exigia algo mais longo do que a inscrição Padrão. Da mesma foram que acontece com as inscrições nas lajes de parede, parece que a principal preocupação era que um texto fosse exibido em todos os locais possíveis, mas não que fosse completo ou adaptado ao espaço em questão.

Figura 3 - Kalhu, Palácio Noroeste de Assurnasirpal II, a.C. - colosso, largura 362 cm, in situ (Russel, 1999, p. 308).

Senaqueribe continuou a prática de seu pai de começar um texto em um colosso em uma porta e concluí-lo no outro. No entanto, ele expandiu a variedade de tipos de textos esculpidos nos colossos. Não há um único texto padrão, e são de três tipos gerais: anualístico mais registro de construção; resumo histórico mais registro de construção; e somente registro de construção. Nenhuma das inscrições em seus colossos parece ser idêntica. Ele também expandiu o espaço esculpido com texto, tanto ao retomar a prática de Assurnasirpal de preencher todo o espaço sob a barriga e entre as pernas, quanto ao eliminar a quinta pata em seus colossos, criando um espaço muito maior sob o corpo do que antes. Como resultado, seus textos mais longos nos colossos são muito maiores que os de Sargão. Enquanto os anais e os longos textos de resumo de Sargão ocupavam a superfície das lajes de parede, no palácio de Senaqueribe esses tipos de textos foram transferidos para os colossos. Os colossos do Palácio Sudoeste de Esaradão não tinham inscrição em sua face frontal, e o Palácio Norte de Assurbanipal não possuía colossos.

2.5 Epígrafes

Tanto Assurnasirpal II quanto Salmaneser III colocaram epígrafes em seus relevos de porta. São chamadas de “legendas”, porque consistem em frases completas que identificam a localização geográfica e a ação retratada. No caso de Assurnasirpal, identificam também a figura do rei. Epígrafes não aparecem, no entanto, nos relevos da parede de Assurnasirpal. Não está claro se isso é uma omissão deliberada ou se sua inclusão nunca foi sequer considerada uma opção. O fato de que nenhum texto está presente na superfície do relevo aumenta muito o impacto puramente visual das imagens, mas à custa da especificidade histórica que as imagens foram evidentemente destinadas a transmitir.

Sala V (C) Laje 11: Epígrafe "sobre o rei em uma carruagem" - Senaqueribe, rei do [mundo] rei da Assíria, ˹o espólio˺ de Kasusi (?) ˹passou em revista˺ diante dele (tradução minha – Russel, 1999, p. 285).

Figura 4 - Nínive, Palácio Sudoeste de Senaqueribe, Corte H, Porta a - painéis de texto do colosso sul, largura. 4,6 m. Museu Britânico, WA 118815a+b, 118821 (Russel, 1999, p. 334).

Concluindo a brevíssima exposição sobre o uso de textos nas arquitetura e nas obras de arte dos palácios assírios, é possível afirmar que apresenta dificuldades de tipos diferentes. Imaginar como eles pareciam aos visitantes é uma tarefa difícil, pois muito do tecido físico dos palácios mais bem preservados foi perdido. Então, como expressar a sensação que o público tinha ao ver estas obras? Apesar disso, cada detalhe que elas revelam demonstra um cuidado artístico e intencional da parte de quem decidiu que essas inscrições estivessem ali, e determinou a forma como deveriam ser executadas pelos artistas. 

Por outro lado, no período assírio, para ver essas inscrições era preciso entrar no palácio. A maioria dos seus visitantes, é de se supor, era composto de gente ligada à administração ou relacionada de alguma forma com o poder imperial. Se você quisesse saber o que uma dessas inscrições dizia e não fosse um escriba, tinha que encontrar alguém que pudesse lê-la, porque as pessoas com um certo grau de alfabetização eram raras. Isso pode demonstrar, portanto, um grau de intencionalidade propagandística presente, com o objetivo de não apenas deixar para as gerações futuras a manifestação do poder que o império possuía. Era também uma forma de confirmar aos presentes daquele tempo, que aquele espaço definia a pertença de todos os que faziam parte do império. Cada um deveria saber à qual poder estavam submetidos, fossem membros da corte ou visitantes em embaixada, parte do sistema administrativo nas províncias ou dos reinos da periferia do império.

3. A construção da periferia imperial nos estudos neoassírios

Segundo Tyson e Hermann (2018), é preciso desfazer-se da ideia de que o funcionamento imperial era muitas vezes ad hoc. Isto significa que se pode fazer uma crítica ao viés de cima para baixo e centrista dos modelos de interação global, que tendem a tratar todo o poder e controle como emanando do núcleo imperial, e retratam irrealisticamente as autoridades imperiais como altamente conhecedoras, racionais e eficazes em todas as situações. É preciso questionar seriamente essa ideia de uma “periferia passiva”, uma periferia como um receptor impotente da vontade e da cultura imperial.

Nos estudos neoassírios, uma área de pesquisa nesse sentido tem sido a substituição da ideia de “assirianização” unidirecional por um reconhecimento da interpenetração mútua das práticas culturais do núcleo e da periferia imperiais. Através da intensa interação entre a Assíria e particularmente seus vizinhos ocidentais e do sul, uma “koine assírio-aramaico” gradualmente surgiu. Ela permeou a língua, a religião, a arquitetura, a arte, o vestuário e as práticas administrativas e comerciais do império, enquanto coexistia ao lado de práticas locais persistentes em todas as áreas. Em vez de aculturação coercitiva ou automática às normas do poder dominante, as teorias de consumo seletivo e hibridização parecem descrever melhor a influência assíria limitada e variável. Este fenômeno pode ser visto na cultura material arqueológica encontrada nas províncias e estados vassalos, onde a identificação com um poder distante poderia ser usada para melhorar o status local. Por outro lado, a adoção de práticas estrangeiras e da cultura material no centro imperial tornou-se aceitável e até desejável pela ideologia político-religiosa universalista da soberania assíria, na qual a capital real e o palácio assumem a forma de um microcosmo, onde estão resumidos os elementos do mundo inteiro.

3.1 O Levante Sul sob o Império Neoassírio

Segundo Faust (Tyson e Hermann, 2018, p. 97-127), após um pouco mais de uma década de agressão assíria (por Tiglate-pileser III, Salmaneser V e Sargão II), em 720 a.C., a maior parte do Levante Sul havia sido conquistada pelo império. A parte norte da região, incluindo os territórios do reino de Israel e dos diferentes estados arameus, foi anexada pela Assíria. Os reinos mais ao sul de Judá, Amon, Moabe, Edom e as cidades filisteias (bem como a Fenícia) foram subordinados à Assíria, mas mantiveram alguma autonomia. Campanhas militares subsequentes para a região não alteraram significativamente essa situação. Os territórios dos reinos arameus e do reino de Israel foram divididos entre províncias locais - por exemplo, Megido, Samaria e Gileade - e um governador assírio governou cada província. Na parte sul da região, em contraste, as dinastias locais pagaram pesado tributo à Assíria, mas continuaram a governar (e assim foi a situação na Fenícia).

O impacto do império neoassírio nas áreas que conquistou e dominou foi substancial e é evidenciado em praticamente todos os aspectos da vida. Os estudos sobre a hegemonia e a influência assíria demonstram que algumas características fazem do Levante Sul um estudo de caso extremamente apropriado. Em primeiro lugar, esta é uma região relativamente pequena, incorporando diferentes sub-regiões geográficas e ecológicas, algumas com significativa importância geopolítica e outras remotas e insignificantes.   Além disso, a região inclui ambas as províncias - regiões anexadas pela Assíria e diretamente controladas por ela - e reinos clientes que mantiveram autonomia parcial. Finalmente, o Levante Sul é provavelmente a região mais estudada do mundo em termos de número de escavações e levantamentos por área (principalmente na Cisjordânia).

3.2 O Levante Sul no século VI a.C.

3.2.1 Povoamento e demografia

Um roteiro que ajuda a definir os aspectos demográficos é olhar as evidências de assentamentos dentro da Cisjordânia por sub-regiões, para permitir uma análise sutil das diferenças entre elas. É possível começar com o Sudoeste, indo para o norte e para o leste, distinguindo entre os reinos clientes e as províncias. Esse modelo permite entender o modo como se deu o adensamento populacional e a ocupação territorial no Levante Sul.

Reinos vassalos no Sul, cidades filisteias que incluem a planície costeira do Sul eram de grande importância geopolítica. Esta é a região através da qual passava a estrada internacional que ligava o Egito com a Síria e a Mesopotâmia. Como tal, também serviu à Assíria como o portão para o Egito. A sua proximidade com o Mediterrâneo também reforçou a sua importância quando comparada com outras sub-regiões. O Reino de Judá inclui o Negev, Jerusalém e seus arredores, e a região de Benjamim. As províncias dos territórios do Antigo Reino de Israel incluem a Samaria e a região de Gezer, a Planície costeira de Saron, os vales do Norte, e a Galileia. A planície costeira do Norte (Fenícia) não tem uma afiliação política clara, e é provável que a maioria deles pertencia à cidade-estado fenícia de Tiro, que era uma política autônoma. A Transjordânia é menos conhecida arqueologicamente do que a Cisjordânia. A parte norte da região, que antes das conquistas assírias fazia parte do reino de Israel, foi transformada na província assíria de Gileade.

3.2.2 A economia no Levante Sul no século VI a.C.

Ao analisar a realidade dos assentamentos do ponto de vista demográfico e econômico na Terra de Israel sob o domínio neoassírio, fica claro que a prosperidade estava no Sul, no reino semi-independente de Judá e nas cidades filisteias, enquanto o norte estava em um declínio acentuado (com exceção da Fenícia). A prosperidade no Sul contrasta com a realidade sombria no Norte, não apenas quando se compara a realidade entre as regiões, mas também quando se compara com a situação no século VIII a.C., antes das conquistas assírias. Durante o século VIII, o centro de assentamento estava no Norte - no reino de Israel - que também era muito mais significativo economicamente. O Norte era o centro de produção e comércio, e o Sul estava em sua sombra. Esta era a ordem “natural” das coisas. O fato de que ele mudou no século VII requer uma explicação. Não foi apenas um declínio gradual do Norte e a ascensão do Sul. A única explicação para essa realidade foi a devastação sofrida pelo Norte com as campanhas assírias e a destruição que elas trouxeram, juntamente com a política que se seguiu. As evidências do Levante Sul indicam que os assírios devastaram as regiões que conquistaram, e a recuperação foi muito limitada.

As regiões independentes do Sul, em contraste, foram capazes de aproveitar as oportunidades econômicas oferecidas pelo comércio marítimo internacional (e também pelo comércio terrestre de longa distância) e prosperaram. Essas regiões foram grandemente influenciadas pelo império neoassírio de todas as maneiras possíveis - cultural e religiosamente (tanto direta e, provavelmente, principalmente, indiretamente) e economicamente (principalmente pelo pesado tributo que pagaram). Mas a prosperidade não foi resultado de uma política assíria calculada destinada a maximizar a produção ou o comércio. Pelo contrário, foi um resultado da capacidade dos governantes locais de serem integrados no mundo mediterrâneo, cujo motor eram os fenícios.

A dicotomia clara entre o Norte (províncias) e o Sul (reinos clientes) demonstra que o fator importante na determinação do destino de uma sub-região era o seu status em relação ao império neoassírio, que ofuscava quaisquer qualidades locais, regionais ou ecológicas. Assim, os achados arqueológicos indicam que a prosperidade no Sul resultou do fato de que a região estava fora do controle assírio direto, e não de uma política proposital do império. O impacto do império neoassírio foi imenso e foi expresso em influências culturais e religiosas, dominação política e decisões de vida e morte. Influenciou os padrões de assentamento e a demografia, por exemplo, devastando grandes áreas. O império influenciou a economia de várias maneiras: destruindo algumas áreas e não destruindo outras, extraindo tributos e criando um período mais “relaxado”, algumas vezes chamado de Pax Assyriaca. Mas seu impacto direto na economia do Levante Sul foi principalmente na destruição, pilhagem e extração de riqueza, em vez de uma política planejada com o objetivo de maximizar a prosperidade, com vistas a mais impostos e tributos no futuro. A prosperidade foi um subproduto do desenvolvimento provocado pelas políticas semi-independentes no Sul e sua incorporação no comércio mediterrâneo em expansão. Os assírios se beneficiaram muito desses desenvolvimentos que ocorreram fora de sua fronteira, mas eles não os iniciaram ou investiram diretamente lá.

O resultado das políticas imperiais neoassírias produziram um mundo novo e uma nova história que foi reescrita nos textos bíblicos, no modo em que, lentamente, Israel foi sendo esquecido e assimilado por Judá. Este pano de fundo histórico ajuda a entender o surgimento de uma resistência gradual, por assim dizer, à provável influência que o status novo imposto pelo período neoassírio trouxe para toda região do Levante Sul, incluindo Judá, no qual sua história será reescrita na literatura deuteronomista. Um exemplo dessa resistência pode ser encontrado em outra forma de arte ligada ao mundo religioso do Levante Sul, que é o objeto da próxima parte.

4. Arte e resistência? O caso das estatuetas judaicas de pilar

Segundo Darby (Tyson e Hermann, 2018, p. 128-149), as figuras de pilares da Judeia (JPFs) receberam grande atenção acadêmica ao longo do século passado, e grande parte dessa energia se concentrou na iconografia das figuras e no que elas representam. Entre essas interpretações, destacam-se as conexões traçadas com deusas como Asherah. Apenas recentemente os estudiosos tentaram reunir dados arqueológicos que possam ser trazidos para a interpretação das estatuetas, mas essas abordagens enfatizaram sua conexão com os espaços domésticos.

Figura 5 - Estatueta de cabeça moldada da Cidade de Davi.   Cortesia, Universidade Hebraica de Jerusalém (tradução minha - Tyson e Hermann, 2018, p. 129).

Darby esclarece que as JPFs são figuras femininas que consistem em uma base sólida de pilar modelada à mão, seios, braços segurando ou apoiando os seios e dois estilos diferentes de cabeças. Um tipo consiste em uma face moldada separadamente unida à base. Os rostos moldados têm entre uma e seis fileiras de cachos dispostos horizontalmente, rostos, olhos e sobrancelhas sorridentes. O outro tipo principal consiste em uma cabeça comprimida à mão feita em conjunto com o corpo. As variações dentro desse corpus incluem bases ocas e giradas nas rodas, figuras segurando discos ou crianças e cabeças com características aplicadas, como tampa, turbante e travas laterais. As estatuetas são atestadas apenas em argila (em vez de metal, pedra ou faiança). O fato de que sejam encontradas apenas em argila denota que faziam parte de um tipo de produção artística menos sofisticada e de regiões mais pobres e periféricas. As feitas em metal eram típicas das regiões centrais do império neoassírio e existentes em casas mais ricas.

Elas foram queimadas, caiadas de branco e pintadas, embora a cal e a tinta sejam geralmente mal preservadas. Quando presente, a tinta é encontrada nos rostos e no cocar e em listras acima dos seios, talvez representando um colar ou égide. Estatuetas de pilares com outras características estilísticas (por exemplo, tranças verticais, objetos de apoio, bases de pilares ocas e formadas por rodas) foram produzidas em toda a região nos séculos VIII a VI a.C. As figuras dos pilares da Judeia são assim chamadas porque sua distribuição corresponde às fronteiras políticas da antiga Judá. Embora superadas em número pela variedade judaica, outros estilos de estatuetas de pilares são ocasionalmente encontrados dentro do que se pode afirmar ser uma arte de Judá.

Alguns estudos acadêmicos entendem as “JPFs como figuras de resistência e sugerem alguns cenários históricos diferentes que podem explicar a ascensão de JPFs no século VIII (Kletter, 2001). Deve-se ter em mente que Judá não estava sozinho na produção de estatuetas neste período. Todos os vizinhos de Judá estavam produzindo estatuetas femininas de barro ao mesmo tempo. Isso sugere que, se as JPFs fossem popularizadas em resistência à hegemonia assíria. Uma outra teoria as inclui como parte de uma reafirmação regional e levantina das tradições de figuras femininas de longa data associadas à proteção e cura. De fato, a conexão entre JPFs e um provável estilo nacional nunca foi baseada apenas na iconografia das estatuetas, uma vez que as figuras de pilares femininos ocorrem na maioria das políticas levantinas. Em vez disso, são as características estilísticas únicas dos JPFs, como o arranjo do cabelo ou peruca, a largura do rosto, os gestos predominantes, o pilar sólido, que são citadas como evidência de sua conexão com a identidade nacional. Estas características distinguem Judá dos pequenos estados que também produziram estatuetas femininas.

Mark Smith (2011) oferece alguma explicação para esse fenômeno. Ele argumenta que, quando poderes imperiais iguais e concorrentes estão ausentes, como foi o caso do período em que o império neoassírio governou praticamente sem contestação, surge um discurso regional que se concentra nas interações culturais entre vizinhos. Este período de interações regionais também viu o surgimento de JPFs, talvez em conexão com outras tradições artesanais na Fenícia ou no norte de Israel. Assim, o estilo distinto dos JPFs pode ter se cristalizado como um importante marcador de identidade somente depois de ter existido por algum tempo. Serviria então para distinguir Judá das tradições vizinhas.

Isso não implica, no entanto, que a influência assíria estava ausente antes do fim da monarquia da Judeia no início do século VI a.C.   Longe de ser uma relação de mera oposição, as evidências sugerem que Judá interagiu e se beneficiou de sua posição no império. Nem as interações interculturais entre os vizinhos levantinos podem ser isoladas da expansão assíria. De fato, o império pode ter facilitado o desenvolvimento de tais políticas, bem como suas interações, seja em cooperação ou com o poder assírio (Finkelstein, 1999; Panitz-Cohen, 2011). O fato é que os rituais de estatuetas surgiram nos séculos IX a VI a.C. em todo o império, e que várias regiões foram influenciadas por seus vizinhos, pela distância do centro imperial ou por uma difusão cultural geral caracterizada menos por um modelo de “emissor e receptor” e mais por múltiplas conexões de rede. Também não se pode descartar que as interações assírias com o Levante Sul possam ter sustentado o desenvolvimento de figuras apotropaicas em miniatura na tradição assíria.

Dito isto, as JPFs podem ter contribuído para a identidade nacional sem que os produtores de estatuetas ou os utilizadores tivesse essa pretensão que produzissem esse efeito. Como Catherine Bell afirma, os agentes rituais muitas vezes não conseguem articular para si mesmos o que o ritual faz. Independentemente disso, quando os indivíduos participam da atividade ritual, eles também são estruturados por ela (Bell 1992, 1997). Assim, o uso repetido de um símbolo retratado com características estilísticas judaicas únicas, em contraste com as características das estatuetas nas nações vizinhas, pode ter reproduzido nos agentes rituais um senso de identidade social e política. 

Também pode ter confirmado as estruturas de poder da entidade política que reforçavam essa identidade, bem como as hierarquias de gênero codificadas naquela organização social e política. Essa imagem distintiva, quando utilizada em ritos de cura associados a estados liminares entre a vida e a morte, pode ter reafirmado a participação do indivíduo em uma rede social mais ampla. Realizado como um rito de transição, o ritual inicia a pessoa curada não apenas na comunidade dos vivos, mas também em uma versão social, política e de gênero particular dessa comunidade. Como implementos em um rito de proteção, as estatuetas lembram aos agentes rituais sobre os perigos da liminaridade e reforçam a consideração positiva pelas forças responsáveis pela ordem física, pessoal e social.

Mas o fato de que a construção deuteronômica da identidade judaica tenha promovido uma teologia anicônica contrasta com a existência das JPFs, e se torna um problema. A recusa gradual à produção de imagens representando deidades que se estabeleceu por meio da literatura deuteronomista também pode indicar um tipo relevante de resistência. Contudo, a existência numerosa das JPFs indica que, durante um período razoável, a convivência com esta expressões religiosas e cúlticas não determinou uma recusa às imagens de forma unívoca. A aniconia judaica parece ter sido processual, na medida em que, lentamente, os registros e restos do material arqueológico indicam a supressão e desaparecimento da prática e uso das JPfs ou de outras deidades concorrentes.

Conclusão

As quatro etapas pelas quais o argumento foi desenvolvido buscou apresentar, de modo conciso, o provável impacto da formação da zona de poder do império neoassírio durante os séculos VIII ao VI a.C. sobre a formação da identidade israelita.  Em primeiro lugar, para definir como essa zona de poder se formou, foi preciso trazer as contribuições que a arqueologia trouxe sobre o mundo imperial neoassírio no que tange à paisagem, ideologia e geografia imperial, bem como sua organização, administração, símbolos de poder e formas de prestígio e favor, que constituíram a maneira pela qual o império se impôs. 

Num segundo passo, era preciso estabelecer a forma como o uso do texto e da arte na construção das cidades centrais empreendidas por alguns dos principais reis neoassírios foi uma expressão de poder. Outra vez a arqueologia abriu os horizontes ao revelar obras e estruturas arquitetônicas usadas pelo império neoassírio para expressar seu poder. Assim, em especial nos palácios dos reis, limiares, lajes de parede, colossos, epígrafes, entre outros trazem não somente riqueza de detalhes artísticos, mas o uso expressivo de textos nos quais as narrativas de poder se impõem sobre os dominados.

Era preciso, em seguida, estabelecer o modo como se deu a relação entre os territórios conquistados e outros estados satélites no Levante Sul com a agenda imperial neoassíria. Os estudos arqueológicos e históricos permitem definir uma zona geográfica periférica do império nas quais as relações foram definidas a partir do modo como se deu a ocupação demográfica do Levante Sul, mas, principalmente, nas relações econômicas. Se de um lado o reino do norte, Israel, foi anexado e dissolvido com as campanhas expansionistas do império, do outro, mais ao sul do Levante, Judá permaneceu numa relação de estado cliente, não numa dominação territorial, mas numa vassalagem submissa à força neoassíria, de modo expressivo nos aspectos econômicos.

O poder político e econômico do império neoassírio também é reforçado pelas expressões culturais da linguagem e da arte. O argumento central era sustentar que a periferia não passou imune à essa zona de influência, razão pela qual formas de resistência também estão presentes na cultura e na religião, como uma tentativa de não permitir que o dominador estabelecesse o modo como a identidade se constitui. Assim, o excerto do quarto e último passo trouxe o problema do papel da estatuetas judaicas de pilar na formação aniconia judaica futura, como uma estrutura de resistência religiosa ao mundo estabelecido do império.

Mas a identidade israelita construída no deuteronômio, entre as quais a aniconia judaica se sustenta, é resultado de um processo interrelacional no qual os séculos de dominação neoassíria podem ajudar a entender melhor. Por isso, do ponto de vista meramente textual, a investigação precisa ser centrada no próprio texto deuteronômico para encontrar os indícios de zonas de influência assírias e resistência aberta e subversiva a essa tentativa. Crouch (2014b) investiga esse provável modelo de subversão na relação ente o VTE (The Vassal Treaties of Esarhaddon)[1] que pode ser tomado mais como um juramento de lealdade que um tratado de vassalagem. Ela afirma, no entanto, que para funcionar como uma adaptação subversiva, o público de Deuteronômio precisaria reconhecer a relação de Deuteronômio com a fonte que pretendia subverter: o VTE em particular ou a tradição assíria de modo mais geral. 

O sucesso de Deuteronômio, nesse sentido, implicaria, por um lado, sua capacidade de sinalizar claramente a fonte com a qual se relaciona e, por outro, o conhecimento dessa fonte por parte do público. No entanto, os requisitos da subversão exigem que uma obra subversiva sinalize ao público sua relação com o texto original, de modo que o público seja capaz de reconhecer a fonte e interpretar a nova obra à luz da antiga. Se a intenção de Deuteronômio era subverter a TVE, o uso de material específico da fonte da TVE deveria resultar em uma correlação relativamente alta entre os dois textos. As semelhanças entre elementos ocasionais da VTE e o texto de Dt 13 e 28 dificilmente alcançam esse efeito. A probabilidade de que Deuteronômio tenha a intenção de sinalizar sua posição como uma adaptação de TVE, destinada a ser lida em relação a esse texto, é mínima. Mas isso não exclui a relação crítica entre o mundo deuteronômico e a Assíria.

É possível explorar a possibilidade de uma relação adaptativa entre o Deuteronômio e uma tradição assíria de tratados e juramentos de lealdade. Se o Deuteronômio não usa material específico e distinto da forma assíria da tradição mais ampla, levando seu público a lê-lo como uma adaptação do material assírio, um público familiarizado com a tradição mais ampla do Antigo Oriente Próximo terá entendido Deuteronômio no contexto dessa tradição. 

Todavia, o estudo textual das semelhanças entre Deuteronômio e outros textos do antigo Oriente Próximo mostra que é difícil, talvez impossível, demonstrar que uma tradição especificamente assíria foi a fonte e o referente do material de Deuteronômio, assim como é problemático sugerir que o uso desses conceitos generalizados por Deuteronômio teria evocado apenas precedentes assírios. Embora claramente relacionados a tradições mais amplas de tratados, juramentos de lealdade e maldições do antigo Oriente Próximo, nem Dt 13 nem 28 usam ideias ou conceitos assírios de forma a tornar esse material reconhecível como o referente de sinalização deliberada por parte de Deuteronômio (CROUCH, 2014b, p. 123-124).

Uma vez que a manifestação assíria do tratado, do juramento de lealdade e das tradições de maldição é destituída de seu status como o referente específico dos textos de Deuteronômio, torna-se praticamente impossível argumentar que o uso dessas tradições por Deuteronômio pretendia sinalizar uma relação com o material assírio. Em suma, isso enfraquece a sugestão de que Deuteronômio pretendia subverter a ideologia assíria, pois a falta de um sinal distintivo e reconhecível da relação de Deuteronômio com a tradição assíria em particular significa que Deuteronômio não poderia ser experimentado por seu público em relação ao material assírio. Sem o reconhecimento do novo material como uma adaptação de uma fonte mais antiga, a intenção de alterar ou substituir a fonte - subvertê-la - torna-se invisível. A intenção do autor de Deuteronômio ao usar o poder coercitivo das maldições e ao articular a lealdade de Israel a YHWH em termos de lealdade ao soberano (e a traição a ele em termos de sedição) não pode, sem um sinal claro da tradição assíria como estrutura para a interpretação, ser entendida em termos de uma relação polêmica com a ideologia assíria.

Por outro lado, Crouch (2014a) aponta para um problema textual que se confronta com outra realidade abordada na história e na arqueologia do Levante Sul durante o século VII. Os argumentos deste trabalho discutiram a grande potência da Assíria, prestando atenção aos amplos efeitos das suas políticas econômicas sobre a região, antes de considerar a manifestação desses efeitos nos estados menores do Levante Sul. Ao longo do argumento foi possível alcançar uma discussão sobre como isso ocorreu no território de Israel e de Judá. 

O foco foi sobre o material arqueológico relevante e sobre sua capacidade de testemunhar os movimentos generalizados de pessoas durante este período. As tendências da região e a distribuição dos mais diversos materiais sugerem que este movimento está ligado ao aumento das atividades comerciais. É difícil relacionar esses restos de cultura material com associações de identidade ideológica específicas. No entanto, a diversidade dos restos e as evidências justificam a interpretação desses restos como reflexo de um clima político, social e econômico, no qual as populações da região foram expostas com muito maior frequência a pessoas cujas identidades culturais eram diferentes das suas. Conclui-se que o século VII no Levante Sul foi um período de maior interação entre diversos grupos culturais, tanto os locais da região quanto os de outras regiões.

Seria necessário introduzir a diferença cultural no nível teórico com uma discussão da identidade como um fenômeno antropológico. O foco estaria nas teorias antropológicas de formação da identidade étnica que enfatizam o impacto generativo da introdução de alternativas culturais, já que essas teorias oferecem tanto uma compreensão convincente dos fenômenos de identidade em geral quanto um potencial explicativo significativo para compreender os efeitos das grandes mudanças na experiência do Levante do Sul.

A chave para estes estudos é a ideia de que a consciência de uma identidade ou afiliação de grupo surge geralmente em resposta à experiência ou interação com uma pessoa ou grupo cujas práticas culturais são reconhecidamente diferentes das do próprio sujeito. A exposição a diferentes práticas culturais aumenta a consciência da possibilidade de buscar um conjunto alternativo de práticas, e leva à defensiva em relação ao conjunto cultural nativo. A interpretação do aumento da diversidade material no século VII, à luz dessas teorias de formação da identidade, é usada para favorecer uma melhor compreensão desse período. Haveria, portanto, um ambiente em que as condições sociais, políticas e econômicas eram capazes de provocar uma maior consciência da identidade étnica. 

Judá testemunhou a convergência de uma menor autonomia política decorrente de sua subordinação como um estado cliente assírio. Um maior envolvimento em uma rede econômica da Pax Assiriaca em expansão, resultado da campanha de Senaqueribe em 701, reduziu significativamente as fronteiras geopolíticas, e não permitiu a realocação de grandes seções do território agrícola do sudoeste de Judá em outros lugares. Esses fatores combinados sugerem que Judá foi submetido à uma relação forçada com pessoas de fora, cujos acervos culturais eram desconhecidos. É razoável esperar o tipo de fenômeno de formação interrelacional na identidade de Judá que tem sido observado por estudos antropológicos.

Todavia, o Israel deuteronômico é definido como uma comunidade reunida espacialmente em torno de um único local de culto, como uma comunidade com origens comuns que podem ser traçadas ao Egito e como uma comunidade caracterizada por uma práxis distintamente israelita, sendo o Yahwismo exclusivo a principal característica desta última. O texto deuteronômico se compromete a proteger esta comunidade israelita minimizando suas interações com não israelitas. Alguns mecanismos de proteção são centrados na família, tais como as proibições contra a exogamia; outros são projetados para isolar a comunidade como um todo, evitando os não-israelitas quando possível e distinguindo o tratamento dos não-israelitas dos israelitas quando não for possível. O texto deuteronômico é assim entendido como um projeto de identidade cultural israelita, trabalhando para definir o que é ser israelita e para defender essa identidade uma vez estabelecida. O artigo, portanto, propõe uma provocação, na medida em que reconhece as interações antropológicas de cunho histórico e arqueológico, enquanto indica que, textualmente, essas diferenças não residuais só podem ser reconhecidas de maneira mais ampla, enquanto afirmação identitária de um povo em formação.

Referências

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Notas

[1] A editio princeps da VTE é D. J. Wiseman, “The Vassal Treaties of Esarhaddon”, Iraq 20 (1958): 1-99; a edição usada por Crouch (2014b) é a edição padrão de S. Parpola e K. Watanabe, Neo-Assyrian Treaties and Loyalty Oaths (SAA 2; Helsinki: Helsinki University Press, 1988).