PASSOS, João Décio. Obstáculos à sinodalidade: entre a preservação e a renovação. São Paulo: Paulinas, 2023. (Coleção Igreja em saída). 176 p, 21 X 14 cm. ISBN 978-65-5808-210-1.

Irineu Claudino Sales
Graduado em Teologia pelo Instituto de Teologia e Filosofia da Arquidiocese de Vitória IFTAV Contato: claudino.i.sales@gmail.com


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O autor (A.) da presente obra João Décio Passos é teólogo e doutor em Ciências Sociais PUC – SP (2001). Atua como professor e pesquisador da Ciência da Religião. O A. nos oferece nesta obra a possibilidade de um contraponto à proposta do Sínodo (2021-2024), nos oferecendo uma avaliação crítica e desvelando os obstáculos que precisam ser superados para o bom êxito de todo o processo sinodal que está em curso. A obra está estruturada em nove capítulos distribuídos em quatro unidades. A primeira unidade apresenta chaves de leitura, que nos ajudam a contextualizar a proposta sinodal que o Papa Francisco nos apresenta. Nas demais unidades da obra estão apresentados os sete obstáculos à sinodalidade divididos em três categorias: culturais, políticas, estruturais. 

De modo introdutório o A. deixa claro ao leitor: “Um obstáculo é aquilo que impede de ir para frente” (p. 10). Já aponta que o papel da obra será justamente detectar os obstáculos ao processo sinodal, não numa visão pessimista ou fatalista, mas assumindo uma postura de esperança na busca por soluções que considerem que “sinodalidade é um valor eclesial que poderá, de fato, levar a cabo o que o Vaticano II deixou como germe que não morre e que leveda, com seu fermento a Igreja e a sociedade atual” (p. 16).  

Na primeira unidade intitulada como “Chaves de Leitura” temos o primeiro capítulo que nos ajuda a fazer uma leitura da situação atual da Igreja e o contexto de crises. Aponta-se a necessária reforma e em contrapartida a Instituição Eclesial é apresentada como um grande obstáculo, tendo em vista que as instituições, apesar de serem construídas e provisórias, tem a pretensão de se eternizar num processo de autopreservação que rejeita tudo aquilo que lhe é estranho. O A. assevera: “Nenhuma reforma real e efetiva começa pelo institucional-legal” (p. 31). No segundo capítulo temos uma contextualização sobre o Papa Francisco apresentado como um Papa reformador, o que em si já se constitui um paradoxo (p. 34), e a sinodalidade apresentada como ponto de mudança de direção na Instituição que assume “a própria verdade da ecclesia semper reformanda” (p. 40). 

O A. tendo lançado as chaves de leitura para o leitor (a) adentra na reflexão sobre os obstáculos propriamente ditos. Na segunda unidade da obra temos os “Obstáculos culturais”, que são desenvolvidos em dois capítulos. No capítulo três o eclesiocentrismo é apresentado como um dos obstáculos, fruto de uma Igreja autocentrada, autorreferencial, termos utilizados pelo Papa Francisco ainda quando era cardeal num discurso que culminou com sua eleição pontifícia. Fica demonstrada a capacidade plástica de adaptação do eclesiocentrismo que sobreviveu diante da “emergência das autonomias modernas” (p. 58), sendo desbancado no Concílio Vaticano II (p. 58), e apesar disso resistindo numa espécie de “tendência de recentramento eclesial” (p. 61) no pós Vaticano II. A cosmovisão sacerdotal é apresentada no capítulo quatro como um obstáculo que precisa ser superado através de uma nova teologia dos ministérios ordenados, que seja capaz de superar a dicotomia leigos-clero e aproxime o modelo sacerdotal dos “modelos de serviços testemunhados pelo Novo Testamento” (p. 80). Movido pelo sonho de uma Igreja Sinodal o A. é profético ao destacar: “Que não haja somente um sínodo dos bispos, mas também um sínodo do povo de Deus” (p. 81). 

Passamos então a terceira unidade da obra constituída por três obstáculos classificados pelo A. como “Obstáculos políticos”. No quinto capítulo tratando do primeiro obstáculo político é apontado o tradicionalismo, como aquele que a todo custo deve preservar a doutrina que é fruto de uma verdade eterna revelada (p. 86). O tradicionalismo na sua gama de complexidade pode assumir várias facetas de resistência. A origem do pensamento tradicionalista encontra suas raízes no “movimento antimoderno estruturado no século XIX, como resistência oficial da Igreja Católica” (p. 90). Na obra podemos visualizar uma tabela que deixa bem claro as diferenças contrapostas entre a consciência tradicionalista e a consciência histórica. No sexto capítulo o obstáculo político apresentado é o individualismo. Por um lado, temos “o indivíduo autorreferenciado que se isola em si mesmo e dispensa o outro” (p. 100), e por outro lado temos o sujeito enquanto indivíduo relacionado e consciente do seu papel de membro de uma comunidade (p. 100). O individualismo se apresenta como causa de relativismo, isolamento da vida comunitária, “como ‘uma fé fechada no subjetivismo’, em que apenas interessa o que conforta e ilumina individualmente” (p. 105). Enquanto na Igreja sinodal o que se espera é que cada batizado seja “sujeito crítico, criativo e ativo” (p. 106). No sétimo capítulo são apresentados as bolhas e os magistérios, como obstáculos a serem percebidos e superados. De início se distingue “tradicionalismo (repetição de uma verdade imutável) e tradição (transmissão sempre fiel e renovada)” (p. 111). Vivemos numa social plural que permite o surgimento de “relativismos e dogmatismos” (p. 112), e esta mentalidade está também dentro da Instituição Eclesial onde se formam bolhas das mais diversas, sendo que o A. destaca as “bolhas socio virtuais” (p. 114), que se constituem como verdadeiras “Igrejas eletrônicas” (p. 117), onde “a palavra do pregador é comunicada como verdade” (p. 118). Tais bolhas conduzem a um paralelismo comunitário e doutrinal, sendo que no final, cada grupo acaba tendo “um magistério seguido fielmente” (p. 122). 

Chegamos a quarta unidade onde o A. trabalha os obstáculos estruturais. No capítulo oitavo é apresentado o obstáculo antissinodal do clericalismo, que “não é nem sinônimo nem exclusividade de clérigos” (p. 127). Em oposição aos ensinamentos do Vaticano II com a sua categoria “Povo de Deus”, o clericalismo afirma o dualismo leigos-clero e reafirma o lugar de poder e privilégio do clero. “O clericalismo pilota a tendência tradicionalista [...] e alimenta a resistência direta ou indireta a tudo que se apresentar como renovação” (p. 136). O nono capítulo apresenta o último obstáculo elencado nesta obra, a escolha dos bispos. Uma questão burocrática e distante da vida dos fiéis, cercada de segredos que acabam por encobrir “mecanismos de exercício do poder” (p. 149), incompatível com a eclesiologia conciliar, é deste modo que o A. apresenta a escolha dos bispos. Numa Igreja sinodal “O alheamento do povo nesses processos há que ser superado” (p. 157). 

Na conclusão temos uma reflexão que demonstra a sinodalidade como um processo que gira em torno da preservação e a renovação. O A. elenca três tarefas decorrentes da sinodalidade: postura de fé, postura comunitária, política de reforma. Num último tópico sobre a pedagogia eclesial se apresenta a justificativa de toda a obra: “As teologias da comunhão eclesial que escondem os obstáculos são falsas e ideológicas” (p. 165). 

A obra está bem delimitada pelos títulos e subtítulos, que auxiliam numa posterior consulta temática que ainda pode ser facilitada pelo índice remissivo, um recurso cada vez mais raro. O A. usa com frequência nos parágrafos da obra, o recurso de ordenar alfabeticamente, de modo sumário, tópicos explicativos. Porém, tal recurso não cumpre o papel explicativo na argumentação e não ajuda a tornar a leitura fluida. 

O elevado caráter crítico e realista da obra nos provoca a refletir sobre os passos que a Igreja precisa dar, para continuar tendo papel relevante na vida do homem e da mulher de nosso tempo. O Sínodo já iniciou e pode iniciar outros processos que ajudem a Igreja a experimentar uma saudável renovação. Esta obra é indicada a todos os membros do “Povo de Deus”, a todos os batizados e batizadas que já descobriram, ou que ainda precisam descobrir, seu lugar de protagonismo e responsabilidade na evangelização que é a missão fundante da Igreja.