Renato Alves de Oliveira
Doutor em Teologia Sistemática pela Pontíficia Universidade Gregoriana de Roma (Itália). Professor de teologia sistemática na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerias (PUC Minas). Contato: praobh@yahoo.com.br
Resumo: O objetivo deste artigo é abordar a prática da cremação, que consiste na queima do corpo reduzindo-o a cinzas, diante da profissão de fé na ressurreição do corpo. Um corpo reduzido a condição de cinzas pode ressuscitar? A cremação é contrária à fé na ressurreição do corpo? O artigo apresenta o desenvolvimento histórico da prática e dos métodos da cremação, os diversos argumentos favoráveis à cremação, na atualidade, e a evolução da posição da Igreja Católica diante de tal prática. Também demonstra os aspectos teológicos do corpo e expõe os fundamentos da crença cristã na ressurreição do corpo. Por fim, o artigo confronta a prática da cremação com a crença da ressurreição do corpo. A metodologia usada no texto é bibliográfica em diálogo com antropólogos, arqueólogos, filósofos e teólogos que tratam do tema em questão.
Palavras-chave: Corpo; Cremação; Ressurreição; Fé cristã
Abstract: This article aims to address the practice of cremation, consisting in the burning of a body reducing it to ashes, while professing faith in the resurrection of the body. Can a body reduced to ashes be resurrected? Is cremation contrary to faith in the resurrection of the body? The article presents the historical development of both the practice and methods of cremation, the main arguments in favour of cremation today and the evolution the Catholic Church’s position regarding this practice. It also demonstrates the theological aspects of the body and exposes the foundations of the Christian belief in the resurrection of the body. Finally, the article confronts the practice of cremation with the belief in the resurrection of the body. The bibliographical methodology employed in the text involves dialogues with anthropologists, archaeologists, philosophers, and theologians dealing with the same theme.
Keywords: Body, Cremation, Resurrection, Christian Faith
O advento das religiões monoteístas, que professam sua fé na ressurreição, ocasionou um declínio na prática da cremação. O judaísmo e o islamismo são religiões contrárias à prática da cremação porque sustentam que ela é uma agressão e uma ofensa ao corpo, obra criada por Deus. Historicamente, o cristianismo rejeitou a cremação porque acreditava que ela contrária à crença na ressurreição do corpo. O cristianismo sempre defendeu e incentivou a inumação, baseando-se no fato que Jesus Cristo foi sepultado e ressuscitou.
A primeira parte do artigo apresentará a evolução histórica da prática e dos métodos da cremação de seus inícios, passando pelas idades dos metais, pelo seu arrefecimento com o advento das religiões monoteístas até sua prática atual. Em seguida, serão mostrados os impactos ambientais e urbanísticos que o sepultamento provoca. Também será demonstrado porque a prática da cremação é defendida atualmente pelos seguimentos ecológico, urbanista, higienista e econômico. Seguindo a frente, será denotada a evolução histórica da posição da Igreja Católica diante da prática da cremação, passando da rejeição à aceitação.
A segunda parte do artigo denotará os aspectos teológicos do corpo, mostrando que ele é uma obra criada por Deus e está relacionado com as verdades nucleares da fé cristã como, dentre outras, a encarnação, a ressurreição e a ascensão de Cristo. Dando sequência, se exporá como o corpo, criado por Deus, está destinado a ressuscitar. A ressurreição é um evento corpóreo e corporativo, cuja fundamentação está na ressurreição de Cristo. Ela não contempla somente uma dimensão do ser humano (corpo ou alma), mas sua totalidade antropológica. Por fim, será mostrado que a cremação não nega a ressurreição do corpo. A ressurreição não é um evento materialista e fisicista. O corpo que está destinado à ressurreição é aquele que representa um núcleo de relações e de memórias do ser humano em sua dimensão temporal, mundana, mortal, sexual, pessoal, social, histórica, subjetiva...
A palavra “cremação” vem do verbo latino cremare que significa “queimar” e sua raiz protoindo-europeia é ker e indica calor ou fogo. A cremação consiste na ação de consumir através do fogo, de queimar e de reduzir a cinzas um cadáver. Trata-se da ação de queimar o corpo de um morto. O conceito de cremação está relacionado com o de incineração[1] (do latim incinerare) que consiste na ação de reduzir a cinzas um corpo morto de modo a queimá-lo totalmente (SILVA, 2007, p. 40).
Na antiguidade, é possível especular sobre duas possibilidades a respeito do modo como ocorria o processo da cremação: ou o cadáver era colocado sobre um empilhamento de madeira ou era deposto no solo com um empilhamento de madeira por cima. Geralmente, a cremação ocorria em terrenos elevados, ao ar livre, fazendo com que a ventilação natural contribuísse com a combustão do corpo. Dois elementos influenciavam a ação do fogo na pira: o tempo e a temperatura. A temperatura da combustão do corpo era determinada por três fatores: o combustível usado, a oxigenação e a condição do cadáver. O combustível utilizado era a madeira. Dependendo da condição e do tipo da madeira, a temperatura da combustão do cadáver na pira ao ar livre poderia chegar a 1000°C. A oxigenação dependia da exposição da pira à ventilação natural. A condição do cadáver refere-se ao seu volume (massa corpórea, gordura corporal etc.) e às suas vestimentas (roupas, cinturões etc.). À luz do material recolhido das cremações, na antiguidade, os antropólogos são capazes de oferecer um diagnóstico do sexo, da idade e outros atributos dos cadáveres incinerados (BELLARD, 1996, p. 58-62). A combustão do cadáver na pira expunha a saúde da população na antiguidade a um risco em razão da emissão de fumaça, de cinza, de gazes e de mau odor. Por isso, as piras funerárias eram erguidas em lugares distantes dos povoados e em terrenos cuja direção do vento era no sentido contrário aos lugares habitados. Era uma forma de evitar que cerimônia fúnebre perturbasse a saúde dos vivos (TRANCHO, 2010, p. 210).
Na antiguidade, havia alguns tipos de cremação em função da forma de deposição dos restos submetidos ao fogo: bustum e ustrinum. No caso do bustum, a lenha que forma a pira era depositada no próprio lugar que será o tumulo do defunto. Trata-se de estruturas retangulares, algumas com paredes de adobe ou rebocadas com argila que ajudará na conservação do material fúnebre. Depois da cremação, os restos do cadáver eram recolhidos em uma urna ou permaneciam no solo do bustum. O ustrinum designa local específico da cremação de um ou mais cadáveres. Consiste em estruturas escavadas no solo, em cujo interior se deposita os resíduos da combustão. Finalizada a cremação, os restos recuperados eram transportados para um tumulo próximo e depositados em uma urna ou sobre o solo. O material resultante da queima do cadáver era colocado em vários recipientes de diversos materiais (cerâmica, vidro ou pedra) e diferentes tipos (ânforas, bilhas). O material era posto diretamente na terra ou disperso numa fossa (TRANCHO, 2010, p. 210; SILVA, 2007, p. 40).
Os primeiros indícios sobre a cremação surgiram do período paleolítico superior (50 mil a 12 mil anos a.C.) na Austrália. No período mesolítico (13 mil a 8 mil anos a.C.) e neolítico (10 mil a 3 mil anos a.C.), apareceram achados indubitáveis que testemunham a adoção da cremação por algumas sociedades. Na idade dos metais, assiste-se a uma tendência crescente na adoção da cremação. No final da idade de bronze (3300 a 1200 anos a.C.) e durante a idade de ferro (1200 a.C.), em muitas partes da Europa, observa-se a prática da cremação. As primeiras cremações conhecidas na Europa ocorreram no litoral mediterrâneo. Porém, sua prática começa a declinar com o estabelecimento da cultura semita, datada do terceiro milênio a.C. A posterior expansão da prática da cremação ocorreu no mundo etrusco, helênico e romano (SILVA, 2007, p. 41; TRANCHO, 2010, p. 206). Os gregos praticavam a cremação e isso pode ser comprovado pelas suas lendas populares e as suas obras. Em Roma, as piras funerárias foram erguidas 300 anos depois de sua fundação, quando a peste grassou sobre a cidade eterna e manteve-se até o período de decadência do império, principalmente entre as classes nobres e guerreiras (FRANZERES, 1910, p. 62-63). No período grego e romano, havia o costume de regar a pira funerária com a água ou com vinho, porém com a finalidade de apagá-la. Na realidade, a cremação era comum, porém não propriamente universal, coexistindo com a inumação no período helênico e romano. Por volta do século V d.C., a prática da cremação praticamente desapareceu na Europa devido à expansão do cristianismo. Seguindo a tradição israelita, o cristianismo adotou o sepultamento como única forma de oferecer um destino ao corpo. O sepultamento parecia o modo mais respeitoso de tratar o corpo, o qual era visto como templo sagrado. Para os adeptos ao cristianismo, o fato de Jesus Cristo ter sido sepultado, ressuscitado e permanecido com os discípulos durante 40 dias, com uma nova corporeidade, ocasionou uma radical rejeição à prática da cremação. De modo semelhante a Jesus Cristo, todo cristão deseja ser sepultado e ressuscitar com ele. A cremação representava uma ofensa à crença na ressurreição do corpo. Assim, a prática da cremação passa por um período de desaparecimento no ocidente cristão.
A cremação era vista pelo cristianismo como uma prática pagã e barbara. A Igreja Católica reprime a prática da cremação na tentativa de “disciplinar as populações pagãs e mediante a busca de assegurar um controle dos ritos fúnebres: uma norma capitular destinada sobretudo aos saxões, que de fato previa a pena de morte para quem procedesse com a cremação dos defuntos” (SOZZI, 2004, p. 37). Em 786, Carlos Magno emitiu um decreto que proibia a queima dos corpos e definia que o sepultamento era uma prática obrigatória. Os enterros dos cristãos se realizavam nos cemitérios da Igreja Católica. No período medieval, o papa Bonifácio VII, em 1299, condenou a prática da cremação com uma excomunhão latae sentenciae aos adeptos dessa prática horrenda, difusa nas áreas franco-germânicas. Nesse período histórico, diante da difusão de doenças contagiosas e guerras, por questão de higiene e de saúde pública, realizava-se de modo excepcional, a cremação dos cadáveres, sem nenhuma objeção da Igreja Católica. Em geral, a morte pelo fogo era vista como pena de morte.
A partir do século XV, com o renascimento, alguns pensadores, entusiastas da cultura clássica, voltam a falar da cremação. Ela encontra-se presente no gênero utópico, desde o seu nascimento com a obra Utopia de Tomas More, publicada em 1516: é o rito fúnebre da cidade perfeita. A pira fúnebre ou os crematórios são preferidos pelos adeptos do movimento utopista de todas as épocas, os quais eram livres de todos prejuízos diante da morte. As cinzas eram dispersas e misturadas com aquelas de outros homens em nome da igualdade ou conservadas em lugares sacros ou então postas em lugares funcionais. Para o movimento utopista, a morte era vista como um evento natural, acolhido sem dramaticidade. O rito fúnebre no contexto utopista é uma festa com cantos. Nesse contexto, a cremação, banida pela Igreja Católica, era apreciada como um ritual fúnebre mais idôneo do que a inumação. A cremação era associada a um processo de laicização da sociedade. Os autores utópicos, no século XVIII, colhiam informações sobre a cremação provenientes da cultura clássica, particularmente sobre as descrições das cremações homéricas, de heróis, privados de uma vida ultraterrena (SOZZI, 2004, p. 38).
Com a revolução francesa (1789-1799), a reflexão sobre a cremação surge não como um gênero literário, mas como um argumento funerário. Trata-se de assunto discutido em assembleia política e outras ocasiões públicas. Os debates sobre os rituais funerários visavam tratar a morte como um evento natural, que pertence à vida, e deve ser celebrado e experimentado sem um contexto dramático e fúnebre. No final do século XVIII, em razão de preocupações higiênicas e com o escopo de limitar do poder da Igreja diante da gestão da morte, a Europa decidiu transferir os cemitérios para fora dos muros da cidade. Os cemitérios tinham se tornado lugares insalubres, espaços imundos e frequentado por animais selvagens. Os corpos eram tratados de modo indigno e desonroso. A Igreja Católica era acusa de se preocupar somente com a salvação da alma e abandonar o corpo à putrefação.
A cultura materialista, antropocêntrica e secularizada do século XVIII deseja conceder o destino digno para o corpo. Na França do final do século XVIII, havia um projeto de lei que defendia a liberdade de escolha do cidadão diante da inumação ou da cremação e da possibilidade de definir o destino do próprio corpo. Era uma forma de afrontar o poder da Igreja Católica diante da gestão dos rituais fúnebres. A cremação era vista como uma prática que eliminava a lenta putrefação do corpo, acelerava a reintegração do ser humano à natureza e o corpo era visto em sua materialidade como parte do universo em transformação e movimento. Os resíduos derivados da cremação podiam ser conservados em casa, perto da lareira, e aos resíduos eram devotados sentimentos morais e cívicos de sujeitos formados pelos ideais da revolução francesa. Na França, em 1798, em Paris, foi proposta a construção de um columbário no qual seriam guardadas as urnas funerárias portadoras das cinzas dos cadáveres cremados. O columbário teria quatro nichos: infância, juventude, maturidade e velhice. O projeto encontrou pouca adesão porque a cremação não chegou a ser uma pratica comum nos países cristãos até a segunda metade do século XIX. No fundo, os adeptos do cremacionismo buscavam uma gestão secularizada e laica no cuidado com o corpo. Buscava-se uma transferência da gestão de algumas instituições no cuidado com o corpo e os rituais de morte, entre as quais a Igreja Católica, para a esfera pública e estatal. No início do século XIX, Napoleão assinou um acordo com Igreja Católica, abolindo o sepultando em Igrejas ou lugares vistos como não-idôneos, dando origem às sepulturas privadas, estabelece critérios higiênicos para os cemitérios e dá início à construção dos cemitérios-jardins (SOZZI, 2004, p. 38-39; BETTA, 2010, p. 428).
Na metade do século XIX, o celebre médico, higienista e materialista, Jacob Moleschott, escreveu o livro A circulação da vida, no qual retoma o conceito de transformação da matéria, defendido pelo materialismo do século XVIII, e defende a cremação como um processo que transforma o ser humano em cinzas, gerando um material rico em fosfato, cálcio, magnésio e potássio que serve como produto para enriquecer a terra. Segundo o médico, “se pudéssemos queimar os nossos mortos, enriqueceremos o ar de ácido carbônico e amoníaco, e as cinzas oriundas da queima adubariam os nossos campos. Virá certamente o dia, ainda que nós não o veremos, em que a necessidade dos homens olhará os nossos cemitérios com os olhos com que nós observamos o tesouro que um camponês medroso enterra, ao invés de recolher renda do capital penosamente acumulado” (MOLESCOTT, 1869). A posição do médico mostra o viés que a cremação adquiriu no curso da história moderna e contemporânea: anti-conformismo, utilitarismo e apreciação pelo progresso da ciência. A posição do médico está pautada numa concepção laicista, ateia e materialista que defende a superação dos cemitérios e do culto aos mortos. O destino das cinzas, entendido de modo utilitário, terminaria com a sacralidade dos restos mortais e faria com que o espaço destinado aos mortos coincidiria com o local da produção agrícola dos vivos. As cinzas se tornariam fertilizantes e enriqueceriam o solo com um resíduo rico em minerais. Além do testemunho do médico, os arautos da cremação no século XIX davam testemunhos, pregando a comercialização e industrialização das cinzas humanas.
No século XVIII, a prática da cremação era defendida por pensadores isolados que contestavam a prática do sepultamento nas Igrejas e a precariedade dos cemitérios. A cremação, inicialmente, foi defendida e praticada por uma elite iluminada como figuras públicas e políticas importantes. O movimento cremacionista tem seu início com uma casta intelectual, cultural e social. A prática da cremação era defendida por uma questão de saúde pública, higiene e por pessoas que desejam a construção de uma sociedade asséptica (CATROGA, 1986, p. 225).
A partir da década de 70 do século XIX, há uma intensificação na campanha cremacionista, baseada em motivos sanitários, econômicos e intelectuais. Na segunda metade do século XIX, o movimento cremacionista, começa a ganhar um caráter corporativo, difundindo-se pela Europa e fundamentando-se em princípios do cientificismo positivista, higienistas, urbanistas, anti-clericais, materialistas e ateus. A cremação era vista, por esse movimento, como um instrumento de modernização e secularização da sociedade. O movimento cremacionista contou com a adesão de médicos, maçons, pensadores materialistas, liberais, ateus, positivistas e grupos religiosos minoritários (valdenses). Esses pensadores, refutando a crença cristã na ressurreição do corpo e buscando oferecer um destino higiênico, no tratamento do corpo, aderem à prática da cremação, criando um conflito com a Igreja Católica. “A militância cremacionista das últimas décadas do século XIX e princípios do século XX foi obra de maçons e livres-pensadores e inscreveu-se na longa e intensa contestação do monopólio que a Igreja detinha na gestão simbólica no ciclo da existência e, em particular, sobre a morte. Logicamente, como resposta, Roma anatematizou-a, vendo nela um instrumento de secularização” (CATROGA, 1986, p. 230). A Igreja Católica percebeu que a adesão à prática da cremação e o abandono do sepultamento conduzia a um processo de descristianização dos rituais finais da vida. A militância cremacionista defendia um manejo público e civil no tratamento do corpo e dos rituais fúnebres. A cremação era tratada como um problema de saúde pública. Os corpos dos defuntos eram vistos como potenciais veículos transmissores de doenças.
No final do século XIX e início do século XX, surgem várias associações cremacionistas[2] na Europa e vários países do velho continente passam a adotar a prática da cremação. Essas associações organizavam congressos e encontros com o escopo de discutir o tema da cremação como prática funerária higiênica, econômica e urbanista[3]. Nesse período histórico, foram construídos vários fornos crematórios em muitos países europeus. Inicialmente, a adesão popular à incineração do corpo foi baixa devido aos princípios cristãos que regiam muitos países europeus. Em princípio, a adesão foi maior em países protestantes e ateus e menor entre os países católicos. No oriente, a cremação contou com uma adesão expressiva do Japão, da China e da Índia. Até hoje, a cremação na Índia é feita de forma primitiva através de piras de madeira, em público e ao ar livre, com duração de até 10 horas, gerando um problema ambiental e de saúde pública para a sociedade.
Na América Latina, o primeiro país a aderir formalmente à pratica da cremação foi a Argentina. No Brasil, o primeiro forno crematório foi instalado em 1974, na cidade de São Paulo, na Vila Alpina. Por ocasião da instalação, foi feita uma pesquisa na cidade de São Paulo e 50% da população era totalmente contra e 41% era favorável à cremação. O maior apoio foi encontrado entre os homens (45%), os jovens (46%), setores da classe média (54%) e alta (61%). A oposição à cremação estava concentrada entre as mulheres (56%) e as pessoas de baixa renda (68%). A maior oposição por parte das mulheres pode ser explicada por um fator religioso: elas são mais religiosas do que homens (MARQUES SILVA, 2000, p. 174-177).
Atualmente, a adesão popular à cremação é muito expressiva. Praticamente, em todos centros urbanos mundiais possuem fornos crematórios e políticas favoráveis à cremação. Em muitos países, a adesão à prática da cremação atinge mais de 50% da população. O que anteriormente era vista como uma prática elitista e aristocrática, atualmente goza da adesão de grande parte da população. Em alguns países, como o caso do Japão, a prática da cremação atinge quase 100% da população. Atualmente, a cremação é defendida por motivos ecológicos, urbanistas, econômicos e personalizantes. Diante do crescimento da cremação, especula-se sobre a possibilidade da extinção dos cemitérios.
A cremação é um processo rápido e prático. Um forno crematório, utilizando-se do gás, pode atingir temperaturas acima de 1000°C, gerando uma incineração que dura entre 1 hora e 3 horas. O tempo da incineração do corpo depende do seu tamanho e da sua massa corporal. Geralmente, a quantidade de cinza gerada é de 2,5% do volume do corpo. Assim, um corpo de 70 quilos de massa física produz cerca de 2 quilos de cinzas. O material (ossos e dentes) que eventualmente não é queimado, passa por um processo trituração, transformado-se em cinzas. O resíduo produzido pela cremação é rico em substancias minerais como em nitrogênio, fosforo, cálcio e potássio. Como o material produzido pela queima não é toxico, assim é possível dispersar as cinzas na natureza (floresta, lago, mar). O corpo é incinerado juntamente com o caixão e as roupas do cadáver. O material metálico tanto do caixão (alças e peças metálicas) quanto do corpo (marca-passo, prótese, aparelho dentário e outros) são retirados antes da cremação. As cinzas do corpo que são mais densas, sendo separadas dos resíduos do caixão e da roupa do cadáver que são mais leves. No Brasil, um corpo pode ser cremado somente 24 horas após a confirmação da sua morte. Em caso de morte violenta (homicídio, suicídio e outros), a cremação só pode acontecer com autorização da justiça. Para ser cremada, a pessoa precisa expressar sua vontade por escrito de modo documental e ou verbalmente para sua família.
A palavra “cemitério”, em sua origem grega koimitrion significa “fazer jazer”, tratava-se do território concedido aos primeiros cristãos para sepultar os seus mortos. Inicialmente, os cemitérios eram construídos fora dos muros das cidades. Posteriormente, passou-se a enterrar os cristãos dentro das Igrejas. A partir do século XVIII, as Igrejas não possuíam mais espaços em seus interiores e nem em seus adros para o sepultamento e começou a acontecer um empilhamento de corpos, gerando poluição nos arredores das Igrejas e ameaçando a saúde da população. Assim, os cemitérios foram transferidos para os arredores das cidades como forma de higiene e de preservação da saúde da sociedade. A partir do século XIX, na Europa e nos Estados Unidos, os cemitérios deixaram de ser terrenos fúnebres, insalubres, espaços visitados por animais e ganharam um formado de jardins. As necrópoles se tornaram espaços bucólicos, arborizados e possuidores de um tom artístico por suas artes funerárias. Muitos cemitérios, por sua beleza artística e por seus personagens ilustres sepultados, se tornaram pontos de visitação pública e atração turística.
Como no século XIX, atualmente há vários questionamentos de ordem ecológica, urbanística, econômica e de saúde pública envolvendo os cemitérios. Os questionamentos de ordem ecológica se devem ao fato do sepultamento gerar um impacto ambiental. No sepultamento, a decomposição completa dos tecidos do corpo tem uma duração de cerca de três anos. A decomposição do corpo gera um liquido escuro chamado “necrochorume”, uma solução rica em sais minerais e substancias orgânicas degradáveis, que pode afetar os lençóis freáticos, contaminado as águas. Por isso, antes de construir um cemitério em um espaço é importante fazer um estudo geológico, hidrogeológico e geotécnico para detectar os impactos ambientais que poderão causar. Quando um cemitério é construído em um local impróprio pode tornar o ambiente insalubre, podendo comprometer a qualidade do ar e gerar infiltrações. Os questionamentos de ordem urbanística tratam do fato que a construção de um cemitério demanda grandes espaços nos arredores das cidades. Em muitos centros urbanos, os cemitérios estão superlotados. Com o processo urbanização das cidades, muitos cemitérios foram agregados às mesmas se tornando parte integrante do perímetro urbano. Um terreno destinado para a construção de um cemitério termina inviabilizando o solo, pois o local futuramente não pode receber outra destinação. Os questionamentos referentes à saúde pública se devem ao fato de que os cemitérios colocam sob vigilância a saúde da população local, principalmente quando se trata de doença contagiosa. Segundo um costume antigo e isso se verifica também em cidades do interior dos estados, muitos defuntos eram velados em casa, colocando em risco da saúde das pessoas. Atualmente, nos grandes centros urbanos do Brasil, é proibido velar defuntos em casa e essas cidades dispõem de espaços especializados para tal fim. Os questionamentos de ordem econômica se devem ao fato que o enterro termina por se tornar uma prática mais dispendiosa para a população mais pobre. Para sepultar alguém, é preciso comprar um espaço no cemitério e pagar uma contribuição para a manutenção do tumulo.
Por causa dos impactos gerados pelo sepultamento nos cemitérios, a cremação, atualmente, é defendida e ganha cada vez mais adesão, por motivos ecológicos, urbanísticos, econômicos e de higiene pública. Em relação aos motivos urbanísticos, “a cremação resolve o problema dos cemitérios supersaturados das grandes cidades em que a apropriação privada da concessão no cemitério delineia problemas urbanísticos visto que a modesta urna que contém as cinzas ocupa um lugar muito reduzido” (THOMAS, 1983, p. 319). Além das urnas funerárias ocuparem menos espaço, há os columbários que são espaços destinados à conservação das cinzas. “Em termos de ocupação do solo, fala alto a sua viabilidade, pois requer áreas relativamente diminutas para a sua implantação. Este é um fato importante e decisivo, em especial nas grandes metrópoles, em que há um processo de escassez progressivo e dinâmico de áreas adequadas para o funcionamento das necrópoles” (MARQUES SILVA, 2000, p. 178). Atualmente, pode-se contar com as urnas biodegradáveis e hidrossolúveis que podem ser descartadas na natureza sem gerar um impacto ambiental.
Os motivos ecológicos da cremação dizem respeito à sua sustentabilidade. A cremação não gera impacto ambiental. Os gazes liberados (gás carbônico, amoníaco) pela incineração não são dispersos no ar, mas são absorvidos por um filtro que há no forno crematório. Hoje, há urnas biodegradáveis e hidrossolúveis que recolhem as cinzas, possibilitando uma dispersão ecologicamente sustentável do resíduo. Por isso, atualmente, muitas pessoas que decidem serem cremadas e pedem que suas cinzas sejam usadas como fertilizante para adubar uma planta que será colocada em um determinado local. É possível também transformar as cinzas humanas em peças ornamentais e em diamante. Com o intento de dar um destino pessoal as cinzas, algumas pessoas decidem transformar as cinzas em “pingentes e joias construído uma pedra preciosa com o carbono das cinzas. É possível misturar as cinzas em uma peça de cerâmica criando um adorno. Também se pode dissolver as cinzas no óleo para que fiquem aderidas numa tela sobre a qual se pinta um retrato do falecido” (CRUZ, 2021, p. 157). Atualmente, há um processo de cremação que não exige a queima do corpo, provocado pela combustão, mas apenas utilizando a agua aquecida. Trata-se um processo chamado biocremação ou aquamação que consiste na cremação o corpo usando uma solução alcalina, produzindo cinzas.
Os motivos de saúde pública pelos quais a cremação é preterida atualmente se devem ao fato de que ela é mais higiênica. A cremação não é geradora de malefícios para a saúde pública. Diante de epidemias e doenças contagiosas, a cremação é uma prática que não produz impactos negativos para a saúde da população. No sepultamento, a decomposição do corpo produz gazes (gás sulfídrico, dióxido de carbono, gás carbônico, metano, amônia e hidrato de fosforo) que pode afetar a qualidade do ar, impactando na saúde da população local.
A cremação é economicamente mais viável. “O custo econômico é notavelmente inferior no caso da cremação, não somente no momento do óbito, mas também referente a manutenção posterior” (GÁLVEZ, 1995, p. 238-239). Entre as vantagens econômicas da cremação, estão o alargamento do espaço da cidade e a possibilidade da redução dos custos com os funerais (evita-se caixões caros e a construção de sepulturas monumentais). O gasto econômico com a cremação não se refere somente ao ato em si. Caso a família decida conservar as cinzas em um jazigo, então deve pagar pela manutenção.
A cremação é também manifestação de uma escolha personalista e expressão da individualidade do sujeito. Consiste no poder de escolher os desdobramentos do que acontecerá com o seu corpo após a morte. A “cremação está em continuidade com os aspectos socioculturais das sociedades ocidentais: a ênfase sobre ‘a escolha’ do destino último do corpo está em sintonia com a exigência de escolher as modalidades da cura e de colocar fim à medicalização do corpo moribundo” (FAVOLE, 2015, p. 186). A definição do local da dispersão das cinzas em lugares significativos para o defunto e para algumas próximas a ele é uma ação personalizante. A escolha pela cremação e pela manifestação sobre o destino das cinzas é expressão da individualidade do sujeito. Em um contexto cultural que prima pela subjetividade, pela expressão da identidade, pela ação personalista e pela individualidade, a cremação é um ritual fúnebre personalista e uma celebração da individualidade (FAVOLE, 2015, p. 187-188).
A segunda metade do século XIX foi marcada por um cenário intelectual favorável a cremação. Trata-se de um ritual que contou com a adesão de vários pensadores. Ocorreu a aprovação legal da cremação em países da Europa e a construção de vários fornos crematórios. Diante de um cenário marcado pela secularização, pela laicização, pelo ateísmo, pela crítica da gestão por parte da Igreja diante dos rituais fúnebres e por uma rejeição à tese cristã da ressurreição da carne, a Igreja Católica reagiu condenando a cremação. No dia 19 de maio de 1886, surge o primeiro documento eclesiástico promulgado pelo Santo Ofício, organismo que trata de questões de fé e de moral da Igreja Católica, que rejeita a cremação através do decreto Non pauci com subtítulo Quoad cadaverum crematione. Segundo o decreto, é ilícito se inscrever em uma sociedade, afiliada à maçonaria, cujo fim é promover a queima dos cadáveres. É repudiável mandar queimar o próprio cadáver ou de outra pessoa (DENZINGER, 2007, n. 3188). Aqueles que se inscreverem nas associações defensoras e promotoras da cremação serão excomungados e privados dos rituais das exéquias.
No dia 15 de dezembro do mesmo ano, o Santo Ofício publicou outro o decreto Quoad corporum cremationem em que afirma: “Toda vez que se trata daqueles corpos que não são queimados por vontade própria, mas por vontade alheia, podem suprir-se os ritos e sufrágios da Igreja, ora em casa, ora no templo, mas não no lugar da cremação” (DENZINGER, 2007, n. 3195). Ou seja, a pessoa que é cremada por vontade alheia tem o direito de receber os ritos, as celebrações e os sufrágios da Igreja desde que seja em casa ou no templo. Com o escopo de evitar todo tipo de escândalo, não é permitido realizar os rituais religiosos no mesmo local da cremação. Aqueles que, por própria vontade escolheram a cremação, se afiliaram às associações cremacionistas, não têm direito aos rituais e sufrágios da Igreja. Essas pessoas são excomungadas e são privadas de uma sepultura eclesiástica.
Diante desses decretos publicados pelo Santo Ofício, começaram a chegar questionamentos e pedidos de esclarecimentos sobre a cremação. No dia 27 de julho de 1892, o arcebispo de Freiburg, na Alemanha, fez vários questionamentos ao Santo Ofício: “É permitido administrar os sacramentos dos moribundos a fiéis que, embora não pertencendo à seita maçônica, nem guiados pelos princípios desta, porém movidos por outros motivos, ordenaram que seus corpos fossem queimados depois de sua morte? [...] É permitido oferecer publicamente o sacrifício da missa por fiéis quem sem culpa de sua parte, foram cremados? [...] É permitido cooperar com a cremação dos corpos, quer dando ordem ou conselho, quer contribuindo com sua ajuda, como no caso de médicos, funcionários e operários que cumprem seu serviço num crematório? [...] É permitido dar os sacramentos aos que assim cooperam, se não querem terminar essa cooperação ou afirmam não podê-lo?” (DENZINGER, 2007, n. 3276-3279). Respondendo os questionamentos, o Santo Ofício afirma que alguém que é admoestado a rejeitar a cremação e ainda permanece convicto no propósito de ser cremado deve ser privado de receber os sacramentos e os rituais religiosos. Não se pode celebrar publicamente uma missa para alguém que foi cremado, mas somente privadamente. Não é permitido cooperar com a cremação através de conselho ou ordem, mas pode-se tolerar uma cooperação material (DENZINGER, 2007, n. 3279).
O Código de Direito Canônico de 1917, nos seus cânones 1203 e 1240, manifesta que a Igreja é favorável ao sepultamento dos fiéis defuntos e contraria a sua cremação. O Código declara que aqueles que optaram pela cremação de seus corpos não têm direito a uma sepultura eclesiástica, nem à celebração das exéquias, nem à missa em memória do defunto e nem aos outros rituais públicos da Igreja (CONDE, 2014, p.148).
Uma instrução do Santo Ofício de 1927 declara que aqueles que escolhem a cremação como destino final do corpo estão elegendo um costume bárbaro, propagado pelos inimigos da fé e têm o intento de desviar as pessoas de uma verdadeira meditação sobre a morte. Os inimigos da fé refutam a esperança na ressurreição dos corpos, assumindo um caminho materialista. Mesmo diante dessa posição crítica frente à cremação, o Santo Ofício reconhece que a cremação dos cadáveres não é “absolutamente má em si e, em certas circunstâncias extraordinárias, por razões corretas e graves de interesse público, pode ser permitida, não há quem não veja que sua prática comum e de certo modo sistemática, bem como a propaganda a seu favor, constituem algo ímpio e escandaloso e, portanto, gravemente ilícito” (DENZINGER, 2007, n. 3680). A instrução do Santo Ofício não diz em que condições a cremação é permitida, mas é possível especular que seja em caso de uma epidemia ou um surto de doenças contagiosas.
A evolução da posição da Igreja Católica e sua atenuação em relação à cremação, culminou na instrução do Santo Ofício Piam et constantem de 5 de julho de 1963 em que a cremação é aceita. Segundo a instrução, a Igreja Católica incentiva o sepultamento dos corpos por seu caráter simbólico e religioso. Aqueles que possuíam um espírito sectário procuraram substituir a inumação pela cremação por uma rejeição aos dogmas cristãos, particularmente da ressurreição dos mortos e da imortalidade da alma. Porém, a incineração do corpo não atinge a alma e nem é um obstáculo à ação onipotente e ressuscitadora de Deus em relação ao corpo. Objetivamente, a cremação não é uma prática que contraria os dogmas cristãos. A cremação não é algo intrinsecamente mau ou contrário em si à religião cristã. Não se pode negar os sacramentos e nem as orações públicas àqueles que escolheram a cremação, a não ser que a escolha se deu por motivos contrários a fé cristã. Os rituais da sepultura eclesiástica e os sufrágios em honra do falecido não devem ser celebrados no mesmo lugar da cremação (DENZINGER, 2007, n. 4400). Porém, o ritual das exéquias promulgado em 1969 dá um passo à frente permitindo que as exéquias sejam celebradas no mesmo local do crematório e, caso não exista um lugar adequado, pode-se realizar na própria sala de cremação (NOSSA PÁSCOA, 2010, p. 14).
Em sintonia com a última instrução do Santo Ofício, o Código de Direito Canônico de 1983 declara que: “a Igreja recomenda insistentemente que se conserve o costume de sepultar os corpos dos defuntos; mas não proíbe a cremação, a não ser que tenha sido escolhida por motivos contrários à doutrina cristã” (cân. 1176 § 3). O Catecismo da Igreja Católica (n. 2301) está em comunhão com a posição do Código.
Diante do cenário de um cenário de banalização em relação à dispersão das cinzas humanas, a Congregação para Doutrina da Fé publicou, em 2016, a instrução Ad resurgendum cum Christo a propósito da sepultura dos defuntos e da conservação das cinzas da cremação. A Igreja Católica defende o sepultamento como destino final do corpo, pois a sepultura dos mortos nos cemitérios é um lugar de conservação da memória e da oração pelos defuntos. A sepultura é uma forma de manter viva a comunhão entre os vivos e os mortos e um modo de se opor à tendência de esconder ou privatizar o acontecimento da morte. Apesar de incentivar o sepultamento, a Igreja Católica não é contrária a cremação, a não ser alguém decida ser cremado por motivos contrários à fé cristã. As “cinzas do defunto devem ser conservadas, por norma, num lugar sagrado, isto é, um cemitério ou, se for o caso, numa Igreja ou num lugar especialmente dedicado a esse fim determinado pela autoridade eclesiástica”. A conservação das cinzas num lugar sagrado pode contribuir para impedir que os vivos se afastem dos mortos na oração e na reflexão ou que os mortos sejam esquecidos pelas gerações futuras. As cinzas não devem ser conservadas em casa ou distribuídas entre os familiares, mas devem ser conservadas com respeito e dignidade em um lugar sagrado. A Igreja não permite que as cinzas sejam dispersas no ar, na terra, na água ou em outro lugar com o escopo de evitar o equívoco de uma visão panteísta, naturalista ou niilista. Também não é permitido transformar as cinzas em peças de joalheira ou adornos para casa. Caso alguém manifeste a vontade de ser cremado e deseja que as cinzas sejam dispersas na natureza por razões contrárias à fé cristã deve ser-lhe negada a realização das exéquias (CONGREGAÇÃO PARA DOUTRINA DA FÉ, 2016, n. 3-8).
Além da Igreja Católica, as Igrejas Metodista, Anglicana e Luterana são favoráveis à cremação. Religiões como judaísmo e islamismo são contrárias a cremação porque julgam-na como uma agressão ao corpo visto como obra de Deus. O budismo e hinduísmo são favoráveis e praticam a cremação há muito tempo. Entendem que a cremação é uma forma de retorno e de reintegração do ser humano com a natureza. O espiritismo é favorável a cremação, mas exige que o corpo seja cremado somente depois de 72 horas da confirmação do óbito. Esse tempo seria o prazo necessário para que a alma desencarne do corpo.
No Antigo Testamento, a língua hebraica não possui um termo que possa designar, propriamente, o corpo humano. O termo basar está relacionado com a condição efêmera e pode ser traduzido por carne, corpo, parentesco e fragilidade. No Novo Testamento, nos escritos paulinos, o corpo conquista uma relevância antropológica e teológica. Um dos significados do termo “corpo” diz respeito à existência concreta do ser humano. Na visão paulina, a condição contingente, corporal e existencial do ser humano é expressa com dois termos gregos: sarx e soma. O vocábulo sarx, cujo correspondente é o hebraico basar, significa, em geral, a condição carnal comum aos homens e animais. Paulo o restringe à condição carnal humana. Sarx não se refere a uma parte, mas ao ser humano na sua totalidade visível, física e externa. Trata-se da condição débil, frágil, desejante, mundana, solidária e mortal do ser humano. É o ser humano exposto ao pecado e à corrupção. A dimensão sarx designa a solidariedade do ser humano com a criação e o seu distanciamento de Deus (BULTMANN, 2004, p. 291-298; ROBINSON, 1968, p. 25-36; RUIZ DE LA PEÑA, 1988, p. 72-74). O vocábulo sarx tem uma correspondência com soma (corpo), que por sua vez designa o ser humano todo. O termo soma designa a dimensão externa, física, mundana, solidária, relacional e sexual do ser humano. Soma não é algo que o ser humano tem, mas o que ele é. O termo uma proximidade com o conceito de personalidade. O ser humano todo é uma realidade somática. Soma é o ser humano solidário com a criação e orientado para Deus. Paulo fala de ressurreição do corpo e não carne (BULTMANN, 2004, p. 247-259; ROBINSON, 1968, p. 36-44; RUIZ DE LA PEÑA, 1988, p. 74-77).
A fontalidade bíblica e os primeiros séculos do cristianismo, até por volta dos inícios do século III, o corpo era valorizado e visto de forma positiva. O corpo era visto como sede da imagem de Deus, a realidade assumida por Cristo na encarnação e que estava destinado a participar da ressurreição no último dia. Foi a partir da escola de Alexandria (séc. III) que o corpo começou a ser tratado de forma marginal na antropologia e na teologia. A revalorização teológica do corpo começou na segunda metade do século XX, no contexto da consideração teológica de temas antropológicos (morte, liberdade, pessoa, etc.), escatológicos (ressurreição da carne, a participação do corpo na vida pós-mortal, a dimensão escatológica do presente e da atividade humana, etc.) e cristológicos (encarnação, a relação entre cristologia e antropologia, etc.). O corpo passou a ser considerado como um verdadeiro objeto de reflexão teológica. Assim, começou a surgir uma produção reflexiva e bibliográfica sobre o corpo. Nesse contexto de uma recuperação teológica e do surgimento de produção bibliográfica em torno do corpo, pode dizer que o corpo “não é mais um túmulo, mas aquilo que ressurge do túmulo, o que não se encontra seu lugar no túmulo” (GESCHÉ, 2009, p. 67).
O corpo é talvez o lugar teológico por excelência tanto do ser humano como de Deus. Pelo corpo, o ser humano vai ao encontro de Deus e Deus vem ao seu encontro. “Antropologicamente, se posso chegar verdadeira e realmente até Deus só mediante meu corpo, ou seja, por meio do meu estar-no-mundo em todas as suas dimensões, também Deus só pode vir até mim, nascer em mim, encarnando-se, inserindo-se em meu corpo de desejo, formando corpo comigo, isto é, correspondendo efetivamente a minhas aspirações [...]; do contrário ele permanecerá heterogêneo a mim e sem acesso a minha vida concreta atual, ele tornar-se-á uma abstração literalmente insignificante” (FAMERÉE, 2009, p. 26). O corpo é o lugar do encontro com Deus, com o outro, com a criação e com o próprio ser humano. O corpo não é um oponente ou inimigo de Deus, mas o princípio antropológico mediador do encontro com ele.
O corpo é templo do Espírito Santo (1Cor 3,16; 6,19). O ser humano é um santuário ambulante, uma igreja a céu aberto. O corpo é um território sagrado e um espaço de manifestação de Deus. “Habitando na corporeidade humana, o Espírito Santo faz do ser humano seu templo, sua morada. O cristianismo traz [...] o fato de que o eixo do Sagrado é deslocado do templo, lugar de culto e de oração tradicional, para o ser humano, para a corporeidade e para a carne” (MILLEN; BINGEMER, 2005, p. 201).
O corpo é o ponto de união e de estruturação de vários temas da fé cristã (salvação, espiritualidade e outros). Teologicamente, não é possível falar de Deus, do ser humano, das relações inter-humanas e da vida pós-mortal, sem passar pela mediação do corpo. Na fé cristã, tudo gravita em torno do corpo. “O tema da corporeidade, como interpretada pela Escritura cristã, poderia bastar para constituir a inteligibilidade de toda a mensagem cristã. O cristianismo seria como um tratado e uma prática do corpo” (GESCHÉ, 2009, p. 65). O corpo é um fator determinante para a interpretação cristã da antropologia e da teologia. Ele é o ponto de intersecção entre Deus e o ser humano. “O corpo não é só um caminho de Deus para o ser humano e da criatura para o seu Senhor: é a encruzilhada dessa dupla caminhada” (REIJNEN, 2009, p. 205). A teologia trata da relação entre Deus e o ser humano, passando pela mediação do corpo. “A carne, a substancialidade do corpo, a corporeidade do homem, ela é o lugar propriamente dito do encontro entre a criatura e o Criador; ela é o que reúne o meio e o fim, o sentido definitivo e não provisório, ou, em outras palavras, ela é Cristo” (ALEXANDRE, 2009, p. 107).
O corpo está intimamente relacionado com os sacramentos. O corpo é mediação necessária para a realização das ações graciosas dos sacramentos. “Os sacramentos nos dizem que ao invés de colocar obstáculo à comunicação com Deus, o corpo é o próprio ambiente em que tem lugar a verdade dessa comunicação” (CHAUVET, 2009, p. 130). No batismo, o corpo é lavado; na crisma, o corpo é ungido; na eucaristia, o corpo é alimentado; na penitência, o corpo é perdoado; na unção dos enfermos, o corpo é reabilitado; na ordem, o corpo é consagrado e no matrimonio, o corpo é unido a outro corpo.
O corpo, também, é o veículo mediador da oração e da espiritualidade cristã. A relação com Deus, no nível pessoal e comunitário, se dá através do corpo. Assim, o corpo se apresenta como um elemento integrante e estruturante das práticas espirituais e da espiritualidade cristãs. O desenvolvimento da espiritualidade não se dá pelo afastamento, mas pela aproximação do corpo. A espiritualidade não é algo que vem de fora e afeta o corpo, mas uma dinâmica que emerge de sua interioridade. O espiritual não é contrário e nem nega o corpóreo, mas eclode de seu âmago desejante de comunhão. A espiritualidade é uma forma de humanização e de um florescimento da imagem de Deus impressa na condição humana. A espiritualidade não exige uma mortificação e nem uma rejeição do corpo, mas uma valorização e afirmação da realidade corpórea. Trata-se de uma espiritualidade encarnada no corpo e inserida no contexto social, político, cultural e econômico em que a vida acontece.
O corpo está relacionado com as verdades nucleares da fé cristã (criação, encarnação, ressurreição e ascensão). O corpo humano faz parte da obra criadora de Deus. Ele não é um produto marginal que surgiu do acaso e por acaso na história do ser humano, mas algo criado e desejado por Deus. O corpo criado por Deus é assumido na encarnação do Verbo eterno. Pela mediação do Verbo, Deus se faz corpo, matéria e história. O corpo criado e assumido na encarnação, pelo Verbo eterno, foi ressuscitado. A participação na ressurreição de Cristo não está reservada a um princípio antropológico (corpo ou alma), mas à condição humana na sua totalidade. Na ressurreição, o corpo não é abandonado, mas renovado e transformado qualitativamente. O corpo ressuscitado é recriado e purificado de suas negatividades e de seus limites (condição espaço-temporal, provisoriedade, pecado, morte, sofrimento etc.). A identidade corporal é mantida na ressurreição inaugurada por Cristo, “o primogênito dentre os mortos” (Cl 1,18). Na ressurreição de Cristo, a condição humana assumida alcança sua plenitude ontológica. Pela mediação do corpo, a condição temporal, mundana, social e histórica do ser humano já participa da vida de Deus, através da ressurreição de Cristo. O ser humano alcançou sua finalidade cristã: participar do ser de Deus. O corpo, a carne e o ser humano conquistaram sua perfeição. O corpo criado por Deus, assumido pelo Verbo eterno na encarnação, glorificado na ressurreição do Filho pelo Pai é ascendido à realidade definitiva (Lc 24,50-51; At 1,9-11). O corpo assumido é elevado e consagrado eternamente, pela mediação da ascensão de Jesus Cristo. Isso significa que o corpo assumido não foi um revestimento provisório da encarnação do Verbo. O corpo não foi instrumentalizado e nem desprezado pelo Verbo. Na ascensão de Cristo, a antropologia, por antecipação, se torna eternamente teologia. O corpo foi acolhido no seio eterno de Deus. Por isso, a ascensão de Cristo já a vitória da carne, do corpo e da condição humana. Na assunção de Maria, o corpo feminino da mãe de Jesus, é eternamente consagrado a Deus. Na assunção, a totalidade da pessoa de Maria é plenificada. A assunção celebra a exaltação e glorificação de um corpo feminino e materno. A assunção “exalta a feminilidade corpórea, exalta o corpo da mulher que na plenitude da sua declinação sexuada acede à glória e à divinização” (MILITELLO, 2010, p. 264).
O termo “ressurreição” significa “levantar”, “ficar de pé”. O morto geralmente está deitado. É a imagem da morte como sono eterno. Ressuscitar significa acordar do sono letal. A ressurreição de um morto pode ser concebida de duas maneiras: restituição da vida física e dádiva de uma nova e permanente condição de vida escatológica. A Escritura se debruça sobre a segunda opção como ressurreição no sentido transcendente e escatológico.
A ressurreição escatológica aparece no final do Antigo Testamento, particularmente em Dn 12,2, 2Mc 7,9.11.23 e Sb 3,1-9. Enquanto destino definitivo do crente, o Novo Testamento fala de ressurreição dos mortos (At 24,21; 1Cor 15,12-13.21.42; Hb 6,2 etc.) ou dentre os mortos (At 4,2; Lc 20,35 etc.) e não da ressurreição do corpo. No entanto, é possível pressupor que a ressurreição dos mortos se trata da ressurreição corpórea. A concepção da ressurreição corpórea surgiu como interpretação da ressurreição dos mortos em geral (GNILKA, 1970, p. 1310-1311). O evento da ressurreição de Jesus é fato real, objetivo, ocorrido e testemunhado, porém não é narrado no Novo Testamento. Narra-se o tumulo vazio e as aparições de Jesus ressuscitado. A ressurreição de Jesus não consiste num retorno à vida física. Não se trata de um símbolo e nem de uma simples esperança, mas Jesus de fato entrou na vida gloriosa com sua totalidade antropológica, em corpo e alma. Sua ressurreição é um fato de ordem transcendente que não pertence à investigação histórica, mas é objeto da fé. O crucificado foi ressuscitado por Deus e se apresenta com uma nova corporeidade. A ressurreição introduz Jesus numa nova condição escatológica de vida como glorificada e exaltada (Rm 10,9; 14,9; Ef 1,21; Fl 2,7-11; Cl 1,18).
O efeito salvífico da ressurreição de Jesus consiste na comunicação de uma vida àqueles que creem nele. A ressurreição de Jesus é o princípio da ressurreição do cristão para a vida eterna. O Deus que ressuscitou Jesus dentre os mortos ressuscitará também o crente (2Cor 4,14). Aqueles que morrem com Cristo viverão com ele (2Tm 2,11). Jesus é a ressurreição e a vida e aquele que nele crê será ressuscitado no último dia (Jo 11,25; 6,39-44.54) (MCKENZIE, 1983, p. 791-793). Em 1Cor 15, Paulo assinala a evolução conceitual da ressurreição dos mortos para a ressurreição corpórea. O texto apresenta quatro dimensões: a unidade do ser humano todo (todo o ser humano é destinado a ressurgir), transformação (a ressurreição não é uma mera continuação com estado da existência presente), o futuro (a vida nova que o crente possui em Cristo é uma antecipação da ressurreição) e a necessidade da intervenção de Deus (a ressurreição está baseada na potência de Deus e não de uma aspiração natural do ser humano) (MAGGIONI, 2010, p. 1173).
Em 1Cor 15,35-42, para responder ao “como” da ressurreição, Paulo sublinha a iniciativa de Deus: Deus concede à semente um corpo tal como decidiu e quis. Deus é o criador do corpo do primeiro ser humano e de cada ser humano atualmente. A relação entre o grão semeado e a planta adulta ilustra essa questão. Há uma morte do grão e uma ressurreição da planta. Cada semente possui um corpo específico que consiste em sua identidade. A continuidade da inciativa de Deus respeita a identidade do corpo em suas mudanças. Em 1Cor 15,42-44, o corpo corruptível, ressuscita incorruptível; semeado desprezível, ressuscitado glorioso; semeado fraco, ressuscitado potente; semeado um corpo psíquico, ressuscita um corpo espiritual. Trata-se da mesma pessoa que experimenta a glória depois de ter provado a miséria, a corrupção e a fraqueza. “É o corpo que indica a continuidade e é sobre ele que se exercem as iniciativas de Deus. Essa continuidade corporal, somática, é encarada como prosseguimento através de uma transformação profunda, radical e definitiva do ser: ressurreição” (CARREZ, 1970, p. 1283).
Jesus ressuscitou da morte também corporalmente com toda sua história de vida. Ele comunicou o amor de Deus aos seres humanos de modo totalmente corporal: em sua palavra libertadora, sua ação salvífica e sua morte redentora. “Isso tudo é conservado em seu corpo de ressurreição e levado junto para a vida de Deus; dá-se ao corpo de Cristo consumado no céu sua forma irrevogavelmente vinculada à terra; converte-o no espaço de vida salvífico para todos os outros homens, acolhidos neste corpo do ressuscitado com sua história de vida concreta” (KEHL, 2001, p. 133). A ressurreição corporal do crente constitui a última e necessária consequência da ação de Deus na ressurreição de Jesus. Há conexão interna e causal entre a ressurreição de Cristo e a ressurreição geral dos mortos. Os mortos ressuscitam porque Jesus Cristo ressuscitou. Jesus não é simplesmente um exemplo ou um caso que pertence à cadeia da ressurreição dos mortos, mas é o primogênito e inaugurador do mundo dos ressuscitados. A ressurreição de Cristo é fundamento e força constitutiva da ressurreição dos mortos. O Deus que ressuscitou Jesus também ressuscitará aquele que nele crê (1Cor 6,14). A salvação definitiva que Jesus Cristo oferece pressupõe a ressurreição corporal. A ressurreição não abarca uma parte do ser humano, mas sua totalidade antropológica. O corpo é parte integrante da ressurreição. Para Paulo, a negação da ressurreição corporal desintegra os fundamentos da fé na ressurreição e acaba com a genuína esperança da salvação, que não pode ser senão uma salvação encarnada e escatológica.
No curso da história da teologia, houve correntes como o docetismo, o gnosticismo, o maniqueísmo e o catarismo que negavam a dignidade do corpo. Pautados em uma antropologia dualista e uma visão espiritualista, concebiam o corpo como indigno de ressurreição e de salvação. O corpo, a carne, a criação e a sexualidade eram vistos de forma pejorativa. O único princípio antropológico digno de salvação era a alma. Diante dessas correntes, o cristianismo defendeu a dignidade do corpo e sua participação na vida ressuscitada. A ressurreição é evento escatológico que abarca a totalidade antropológica.
Em sintonia com a visão bíblica, a teologia defende a fundamentação cristológica da ressurreição. A ressurreição de Cristo é o fundamento da ressurreição dos mortos. Defende-se identidade entre o corpo da existência física e o corpo da existência ressuscitada. O mesmo sujeito da existência presente o será da existência escatológica, porém transformado. A ressurreição possui uma dimensão corpórea, corporativa e universal. A ressurreição tem como destinatário o ser humano, a Igreja e a sociedade. Nesse contexto, 1Cor 15 é o mais usado para a fundamentação da ressurreição dos mortos. A ressurreição é associada à criação, à encarnação, à parusia, ao juízo e à salvação. O Deus que cria e o mesmo ressuscitará o ser humano no último dia. A ressurreição é vista como uma recriação do corpo e do ser humano. O corpo assumido na encarnação está destinado à ressurreição. Tudo que foi assumido será salvo. O evento da ressurreição ocorrerá por ocasião da vinda gloriosa de Jesus no final dos tempos. Por ocasião da ressurreição, a alma que se separou do corpo na morte o reencontrará na sua forma gloriosa, restabelecendo a unidade antropológica. Depois que o ser humano estiver reconstituído na sua inteireza ontológica, junto a Igreja e a criação, participará do juízo escatológico. A ressurreição não é um individual ou privado, mas comunitário e universal O corpo ressuscitado está destinado a participar da salvação, juntamente com a Igreja e a criação. A salvação não será um evento desmundanizado, espiritualista e nem privatizado, mas se salvará o ser humano todo, com a Igreja e a história (SCHMAUS, 1981, p. 182; RUIZ DE LA PEÑA, 2002, p. 158-165; LADARIA, 2003, p. 346-390; ALVIAR, 2007, p. 162-174; POZO, 2008, p. 351-367).
O corpo humano não se reduz à sua dimensão física e biológica. O corpo é muito mais do seu componente biológico, mas trata-se de sua dimensão pessoal. A pessoa se expressa em um corpo. Através do corpo, o ser humano manifesta sua subjetividade e revela sua identidade. Trata-se também do lugar da manifestação da sexualidade e dos afetos humanos. É revelação da condição mortal, da temporalidade, da mundanidade, da sociabilidade e da historicidade do ser humano. O corpo é um nó de relações. O ser humano é um corpo no qual se constrói uma identidade, uma biografia e uma história antropológica sempre em comunhão com os outros. Ser corpo é mais do que ocupar um lugar no espaço, mas consiste numa construção de uma personalidade. O ser humano como corpo é um projeto em construção. É esse corpo como núcleo identitário e como personalidade construída que está destinado à ressurreição. O corpo da vida ressuscitada é esse reservatório de relações, de memórias e de afetos. “A ressurreição resgata e plenifica sobretudo o que constitui essencialmente a pessoa: as relações pessoais” (SUSIN, 2018, p. 176). A ressurreição do corpo é a conservação na vida definitiva da história e da biografia do ser humano que foi sendo tecida nas malhas da condição espaço-temporal. “Ressurreição do corpo significa que todo o homem com a sua história de vida, com todas as suas relações com os outros tem um futuro e que, com a consumação final do homem, é levado a cumprimento também um fragmento do mundo” (NOCKE, 1997, p. 145). A ressurreição do corpo significa que o ser humano não encontra realização como um eu espiritual fora da história, mas que retorna a Deus com toda a sua vida, com o seu mundo e a sua história, isto é, com todos os outros (GRESHAKE, 2009, p. 95). Pela mediação do corpo, participa da ressurreição a dimensão histórica, temporal, mundana, social, pessoal e afetiva do ser humano. A ressurreição não tem como destinatário um indivíduo des-relacionado, mas um sujeito com suas relações. A ressurreição não é um fato privado e nem individualizado. Não ressuscita um indivíduo isolado, mas toda a carne, isto é, toda a criação será transformada.
O sujeito da existência ressuscitada será o mesmo da existência histórica, porém ontologicamente transformação pela potência ressuscitadora de Deus. “É o mesmo corpo [da vida terrena] que será transformado e transfigurado na glória, não dois corpos, mas um mesmo sujeito corporal transformado” (SUSIN, 2018, p. 175). A ressurreição não é uma nova criação do mesmo sujeito que morreu, mas uma recriação do mesmo. A ação transformante da ressurreição “não abole a irrepetibilidade da nossa pessoa porque ela é e permanece ligada ao nosso corpo” (HORST, 1977, p. 159). A identidade da pessoa é um dado irrepetível e inconfundível. Essa identidade, que foi sendo construída histórica e evolutivamente, é o que permanece na vida ressuscitada. “Para que se conserve a identidade, Deus não necessita dos restos mortais da existência terrena de Jesus. Trata-se de uma ressurreição a uma forma de existência completamente distinta” (KÜNG, 2007, p. 115). A ressurreição não é a ressunção do mesmo corpo físico, mas do mesmo corpo pessoal, dotado de qualidades próprias do mundo dos ressuscitados. A identidade do corpo não se restringe a uma questão fisiológica, mas pessoal e existencial. Assim, há uma continuidade identitária e existencial entre o sujeito da vida terrena e da vida escatológica e uma descontinuidade em termos de duração. “Na ressurreição, o que é reassumido não é o mesmo corpo material (carne), mas sim o mesmo corpo pessoal (substancial)” (BOFF, 2012, p. 123).
Com a ressurreição, se realiza o projeto de salvação que tem Deus como seu operador. A salvação contempla toda a “carne”, ou seja, toda a criação e todo ser humano serão consumados em Deus. A “carne” não é desprezada ou rejeitada, mas é uma dimensão integrante da salvação oferecida por Deus. A fé na salvação é comunicada à “carne”, ou seja, a todo mundo material e concreto (GRESHAKE, 2009, p. 92). O corpo é um elemento constitutivo do mundo material e criado que será redimido. O ser humano é “redimido com e em sua corporalidade, agora glorificada, espiritualizada: uma nova criação, um homem novo” (KÜNG, 2011, p. 189).
No subsolo da cremação, está uma concepção materialista e fisicista do corpo o qual é reduzido a um objeto lançado ao fogo. O ser humano é visto num horizonte puramente biológico, imanentista e objetal. Em nome do pragmatismo da cremação, o ser humano é ignorado na sua valência axiológica, ontológica e teológica. O corpo como um reservatório de memórias, de afetos e de relações termina sua existência sendo incinerado. No fundo, o corpo é concebido como um objeto que ocupa lugar no espaço, que pode ser descartado e reassumido na natureza como fertilizante. Os patrocinadores da cremação, focados nas suas preocupações práticas e utilitárias, ignoram o corpo como símbolo da identidade, da personalidade, da afetividade e das relações pessoais. A pessoa não tem, mas é corpo. O corpo é modo como a pessoa se apresenta, se revela e se expressa na sua subjetividade. A incineração do corpo é forma de radicalização da dissolução da pessoa.
A cremação é expressão de uma cultura moderna que possui uma vertente pragmática, materialista, negacionista e secularizada. Por isso, ela possui um componente ideológico: “perda da importância do indivíduo, retorno à natureza (ideia verde), terminar sem deixar vestígio e desaparecimento do cemitério como lugar da memória” (MOLFETTA, 2017, p. 6). A decisão pela cremação é uma escolha puramente individualista em que aquele que será cremado não se preocupa com os que ficam. Nesse sentido, a inumação tem uma dimensão altruísta, pois conserva a memória do falecido que foi sepultado, proporcionando aos que ficam prestar culto e homenagem à sua pessoa. Assim, a cremação pode ser vista como radicalização da aniquilação da pessoa e a consequente perda sua memória no horizonte daqueles que ficam.
A cremação também está envolvida por uma cultura de negação social e cultural da morte. Na cultura ocidental moderna, a morte é um fato obsceno, vergonhoso e um tabu que deve ser ocultado e negado. Evita-se falar da morte e pensar que a vida que é projeto que naufraga na escuridão de um evento letal. O sujeito ocidental não deseja nem pensar na morte e nem lembrar que é um mortal. A cremação está a serviço de uma cultura que rejeita a dor, o sofrimento, o envelhecimento e a morte (CRUZ, 2021, p. 164). Trata-se de uma forma de ocultar a morte, lançando o corpo ao fogo e o reabsorvendo na natureza. No fundo, a cremação defende uma visão panteísta e naturalista do ser humano que o concebe como parte integrante da natureza que não passa pela morte, sendo reassumido por ela na forma de fertilizante. É uma visão pragmática, física e química do corpo.
Contrariamente à cremação, a ressurreição não nega a morte, mas a assume e a supera. A ressurreição é uma resposta divina à morte humana. A esperança cristã na ressurreição impede que a morte seja vista de forma trágica e como uma dissolução total da pessoa. Para a fé cristã, a morte não é o ponto final da existência. A morte não é o “apagar das luzes” em definitivo, mas é passagem e trânsito. O crente morre na esperança de ressuscitar. A ressurreição não cancela a morte, mas também não permite que ela seja a última experiência antropológica. A morte não é um evento que afeta somente o corpo, mas ser humano todo. É o ser humano que precipita na morte. Uma visão da morte em que somente o corpo morre, sendo visto como a parte frágil da constituição antropológica, termina por banalizá-lo.
A cremação não impede o corpo de ressuscitar. Se a ressurreição fosse um evento fisicista e materialista, a cremação seria uma negação da ressurreição. A ressurreição do corpo, na visão cristã, não tem uma compreensão material da corporeidade. O corpo não se reduz a um objeto que ocupa lugar no espaço. O termo “corpo”, teologicamente, transcende uma visão puramente física e biológica. O corpo é um conjunto de relações e um emaranhado de vínculos do ser humano com si mesmo, com os outros, com o mundo e com Deus. Pela mediação do corpo, o ser humano é relação interna, externa e transcendente. O corpo não é um objeto externo que ser humano tem, mas consiste em algo que o constitui. Ele está relacionado com o núcleo identitário do sujeito, com a construção da sua personalidade e com a formação de sua ontologia. Através do corpo, o ser humano vai paulatinamente modelando sua identidade, cujo ápice é atingido na morte. No curso da vida, o ser humano vai se fazendo pelas suas decisões e escolhas até confrontar-se com o evento máximo da sua finitude. A morte é o evento que confere definitividade, irrevogabilidade e consumação à identidade do ser humano.
O sujeito que está destinado à ressurreição é o ser humano todo na sua constituição corpóreo-anímica, na sua dimensão social, temporal, mudança, afetiva etc. O corpo que vai ressuscitar não é um corpo glorioso alheio à identidade e à constituição pessoal do sujeito. O corpo que será ressuscitado pelo poder transformador de Deus é o meu corpo, no qual foi forjada a minha identidade. Não é um sujeito que morre e outro o que ressuscita. O mesmo sujeito que morre está destinado a ressuscitar. Na ressurreição, a memória do sujeito será cravada eternamente no coração de Deus. O corpo ressuscitado carregará a biografia do sujeito e a eternizará. O corpo não é um empecilho à ressurreição, mas um elemento constituinte da mesma. Sem o corpo, a ressurreição seria um evento mutilado e parcial.
A fé cristã não se opõe à cremação porque entende que ela não é um obstáculo à ressurreição. A “incineração do corpo não atinge a alma e não impede a onipotência de Deus de restituir o corpo” (DENZINGER, 2007, n. 4400). Na visão cristã, a alma experimenta a morte, mas à luz dos seus atributos de imortalidade, de espiritualidade, de individualidade e de identidade da pessoa subsiste à morte. A alma, pela sua união matrimonial com o corpo, desce aos abismos da morte, porém subsiste. A incineração pode queimar a matéria corporal, porém subsiste a identidade do corpo, construída historicamente. O corpo cremado é ressuscitado com a mesma dignidade que o corpo sepultado. Independentemente da sorte final do corpo, à luz da fé cristã, ele está destinado a ressuscitar.
A cremação está a serviço de um movimento social e cultural iniciado no início do século XX da rejeição da morte. Esse movimento concebe a morte como uma realidade pornográfica. Não deve falar e nem pensar na morte. A negação da morte conduz à negação do envelhecimento, do culto à longevidade, da afirmação da cultura do vitalismo e da estética corporal. O corpo deve jovem, malhado e perfeito a fim de que não pareça que seja mortal.
A prática da cremação sugere que a morte é o fim da vida, da cessação dos movimentos, mas não é o fim do corpo. A morte é amortecida na sua tragicidade. Busca-se suavizar a morte para torna-la aceitável. O corpo que cessou os movimentos com a morte é reabsorvido pelo movimento da natureza. Na circularidade da vida, corpo não é perdido, mas transformado em cinzas. A vida humana é reduzida a aproximadamente dois quilos de cinzas, rica de nutrientes, que podem ser dispersas na natureza, adubar uma planta ou se tornar uma peça de joalheira. No subsolo da cremação, está uma visão panteísta e naturalista da vida humana.
Teologicamente, a cremação não nega a ressurreição do corpo. A teologia do corpo compreende que o corpo que está destinado a ressurreição pode ser visto em sua dimensão puramente física e química. A condição corpórea do ser humano transcende seu aspecto fisiológico e se situa no plano relacional e existencial. A combustão da cremação queima o aspecto físico, mas a identidade, a memória, a dimensão relacional e existencial do corpo permanece. O corpo que ressuscita é o corpo-história, o corpo-memória, o corpo-subjetividade e o corpo-relação.
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[1] Alguns antropólogos fazem uma diferenciação entre cremação e incineração. A cremação seria o ato der queimar um corpo ou esqueleto enquanto que incineração consistiria na ação de reduzir o corpo a cinzas. Nesse sentido, a cremação enquanto processo da queima do corpo poderia não reduzi-lo necessariamente à condição de cinzas. Pode haver partes do corpo que não sejam totalmente queimadas e reduzidas a cinzas (BELLARD, 1996, p. 55-56; TRANCHO, 2010, p. 205; SILVA, 2007, p. 40; VISMARA, 2015, p. 596).
[2] Em 1880, na França, aparece a Sociedade para a Propagação da Incineração; em 1883, surge a primeira sociedade cremacionista italiana, a Socrem de Turim, sendo que em 1888 é inaugurado um templo crematório; em 1905, na Áustria, foi formada a Associação dos Livres Pensadores para Cremação e o primeiro crematório austríaco foi inaugurado em 1922.
[3] Alguns exemplos de congressos cremacionistas organizados na Europa: em 1874, em Milão, na Itália; em 1876, em Dresden, na Alemanha.