“Bíblia e Paz” foi o tema do III Simpósio Paulista de Estudos Bíblicos – SIMPEB, promovido pelos três Grupos de Pesquisa da área de Sagradas Escrituras (Lepralise, Lijo e Tiat) do PPG em Teologia – PUC-SP de 24 a 25 de abril deste ano. No dia da semana, a primeira mensagem do Ressuscitado aos apóstolos foi “A Paz esteja convosco” (Jo 20,21). Estas palavras provêm de alguém que foi vítima de violência, um inocente condenado à morte. Contudo, Jesus não ressuscita trazendo sede de vingança, mágoa ou ódio. Ele traz consigo o desejo de paz e para que isto ocorra, entrega o Espírito Santo, aos apóstolos e os envia “para perdoar” (cf. Jo 20,21). Assim, a força da Boa Nova está construída no Ressuscitado que anuncia a Vida em Plenitude, mas, para que isto ocorra é necessário amor e paz. Sendo Jesus, o Filho Amado do Deus Criador, isto não poderia ser diferente, afinal este Deus Criador é o libertador que caminha com o seu povo: “vendo, vi a miséria do meu povo... por isso desci para libertá-lo” (Ex 3,7-8).
Lógico que os textos das Sagradas Escrituras apresentam narrativas de guerras, com suas origens e consequências, bem como movimentos de resistência e outras realidades que manifestam o desejo de Paz, principalmente de Jerusalém (A Cidade da Paz).
Entre os movimentos pode-se destacar a Guerra dos Macabeus, surgida como uma resistência à uma imposição dominadora e que ganhará um vulto nacional, se tornando uma guerra contra a Dominação Selêucida (Cf. 1 e 2Macabeus). Na mesma linha se encontram as duas Guerras Judaicas contra Roma (70 e 135 d.C.) que resultarão num grande e mútuo fracasso.
Outras narrativas de conflitos entre clãs, povos e nações acabam permeando o cenário Bíblico, terminando com o cenário do conflito entre a Babilônia, A Grande e a “Noiva do Cordeiro”, encerrando com o Novo Céu, a Nova Terra e a Nova Jerusalém, onde Deus toma os seus em seus braços e enxuga suas lágrimas. O cenário de conflitos bélicos do Apocalipse possui uma constante: o bem prevalecerá, Jerusalém, a Cidade da Paz, tomará, finalmente, o seu lugar na história para onde acorrerão todos os povos.
Dentro deste anseio bíblico pela paz, o tema proposto para o III SIMPEB queria justamente iluminar os tempos atuais marcados pela guerra, pela dor, pela fome, pela miséria, pela morte de inocentes, pelo pranto das crianças, das mulheres, dos abandonados, dos injustiçados, dos imigrantes, daqueles que foram esquecidos e abandonados pelo mundo.
No primeiro dia (24/04) o tema “Paz no Antigo Testamento, entre história e teologia” conduzida pelo Prof. Dr. Cássio Murilo Dias da Silva (ABIB), procurou delinear o tema da Paz como uma “esperança” que percorre os textos do Antigo Testamento, enquanto o Prof. Gianni Barbiero (Emérito PIB-Roma) norteou o tema a partir da tradição sapiencial de Israel, apresentando-o como um “encontro”, na sua conferência “A Paz como encontro no Sl 85”. A primeira série de apresentações foi concluída com a mesa redonda, tendo a apresentação inicial da Profa. Cilene Victor (UMESP/FAPCOM) jornalista há mais de 35 anos, cobre questões humanitárias, mudanças climáticas e os desdobramentos de tragédias, guerras e conflitos. Representante honorária para a América Latina do International Center for Developing Peace, Culture and Rationality – ICPCR. Seu know-how possibilitou evidenciar o tema da religião e zonas de conflito como meio de hostilização ou pacificação.
O segundo dia (25/04) contou com a presença remota da Profa. Aíla Pinheiro (UNICAP-Pe), desenvolvendo o tema “O conceito neotestamentário de ‘eirene’ e sua contraposição à ‘pax romana’” no qual apresentou a força de dominação imperial e o poder de resistência das pequenas comunidades cristãs agindo não através das armas, mas pela força da paz do Ressuscitado. Na sequência, a Profa. Mary Betty Rodríguez Moreno (PUJ-Bogotá) desenvolveu o tema ‘La paz en el corazón del conflicto. Una relectura de Jn 20,19-21’. A temática trabalhada pela Profa. Mary Betty, veio em perfeito encontro com a apresentação da Profa. Aíla, permitindo ampla visão do tema da Paz nos textos do Novo Testamento. A manhã de estudo foi atualizada com a apresentação do Prof. Márcio Gagliato, atualmente atuando em agências da Organização das Nações Unidas, tais como, Organização Mundial da Saúde (OMS), Organização Internacional para as Migrações (OIM) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), permitindo compreender a realidade das “vítimas” dos ambientes de conflito.
O Dossiê se propõe apresentar parte do que foi apresentado nas conferências e nas comunicações que descrevam a importância do tema da Paz. Indicamos cinco artigos apresentados por certa ordem bíblica. Assim, o primeiro intitulado “Arte, poder e resistência. Império neoassírio, Levante Sul e etnogênese da identidade deuteronômica de Israel e Judá” apresentado por Francisco Marques Miranda Filho, descreve como o império neoassírio utilizou um forte aparato de comunicação (escrita, arte, arquitetura) como meio de imposição e como Judá, através do Livro do Deuteronômio, responde a este impasse. Na sequência, o Prof. Gianguerrino Barbiero, um dos assessores do Simpósio, apresenta o tema “La pace come incontro: Il salmo 85” no qual descreve o povo de Israel, em meio a crise, possivelmente após o exílio da Babilônia, e a resposta de Deus a situação atual de sofrimento. O terceiro artigo, intitulado “‘Bem-aventurados os pacificadores’: a identidade dos εἰρηνοποιοί em Mateus 5,9” de Adenilton Tavares de Aguiar, busca a compreensão da palavra “pacificadores” no contexto da comunidade mateana. Por sua vez, a Profa. Mary Betty Rodríguez Moreno, uma das conferencistas do Simpósio, apresenta a questão dos conflitos ao interno do Quarto Evangelho entre Jesus e algumas correntes ao interno de Judá, principalmente no que diz respeito ao tema da Lei e sua aplicabilidade. O último artigo indicado, de Eduardo Sales de Lima, intitulado “Paulo, e a Teologia de Fronteira: A Episteme Pós-Crítica e o Paradigma da Paz” entra no campo da Literatura Paulina iluminado pela teoria de fronteira de Glória Anzaldúa relacionando textos paulinos com elementos da episteme pós-crítica.
Sobre o Simpósio em si, se pode dizer que estes dias de estudos sobre a Paz foram como uma luz para perceber o papel da religião na construção da paz. Assim, o universo cristão, na força da Palavra de Deus, deve ser um meio possível para a Paz.
Pe. Dr. Gilvan Leite de Araujo
Coordenador do PPG em Teologia – PUC-SP
A seção livre da presente edição da Revista de Cultura Teológica traz os seguintes artigos, autores e as respectivas propostas:
Gafanhotos na Bíblia hebraica: suas dimensões socioambientais e teológicas, de autoria de Matthias Grenzer e Leonardo Agostini Fernandes, tem por objetivo mostrar que a literatura bíblica, além de refletir sobre Deus e o ser humano, pensa detidamente nos seres não humanos, isto é, o ar, a água, o solo, o calor, os vegetais e os animais. Ora admira a beleza desses seres e o funcionamento do ecossistema, ora contempla aquelas forças no meio da natureza que, às vezes, ameaçam o ser humano em sua sobrevivência. Vislumbra-se o quanto um propósito específico acompanha a existência de cada ser. Assim, a natureza, compreendida como criação divina, torna-se palavra de Deus. Para os autores, os seres abióticos, a flora e a fauna permitem experiências e ganham conotações simbólicas que aproximam o ser humano ao mistério da vida e, com isso, à esperança de que Deus irá salvar sua criação.
Do templo Móvel ao Templo Espiritual. Um percurso sobre o lugar de culto à Yhwh na tradição bíblica, de autoria de Gilvan Leite Araujo, tem por objetivo refletir sobre o lugar no qual se deve adorar a Yhwh, enquanto espaço de discussão ao interno de Israel. Para o autor, narrativas do Pentateuco falam de um lugar a ser escolhido por Yhwh para habitar, mas não informa qual seja. Além disso, diversos lugares de culto surgiram por toda Israel, tais como espaços sagrados, altares, templos e/ou santuários. No decorrer da história de Israel toda uma teologia foi elaborada em torno do Templo de Jerusalém, mas sempre permaneceu uma dúvida no ar sobre questão de legitimidade e sacralidade. O artigo procura evidenciar estes lugares de culto descritos em narrativas do Antigo e do Novo Testamento, até o desenvolvimento do ideal de um Templo Espiritual ou Celeste.
Uma análise do conceito de kénosis bíblico, de autoria de Fabiano Veliq, tem por objetivo analisar o conceito de Kénosis bíblico, considerando sua a centralidade para o cristianismo e toda a sua história dentro da teologia cristã. O autor busca traçar de maneira panorâmica, a construção do conceito kénosis no desenvolver do primeiro século do cristianismo a partir do texto bíblico.
Catecismo popular e libertação, de autoria de Francisco Aquino Junior, tem por objetivo demonstrar que o catolicismo popular brasileiro é um fenômeno muito mais complexo e ambíguo do que parece. É tanto expressão ideal-simbólico-ritual dos interesses das classes dominantes (alienação), quanto fonte e expressão de esperança e resistência das classes populares (libertação). Pressupondo essa complexidade e ambiguidade, descrita e analisada por vários autores, o autor se propõe fazer algumas considerações de ordem histórico-teológicas sobre a versão libertadora do catolicismo popular brasileiro nas décadas de 1960-1980 (assunto). Metodologicamente, trata-se de uma abordagem teológica (enfoque), circunscrita ao contexto da Igreja e da teologia da libertação na segunda metade do século XX (contexto). O artigo retoma o processo de renovação eclesial desencadeado pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) e sua recepção criativa na América Latina a partir da Conferência de Medellín (1968). Fala das Comunidades Eclesiais de Base como expressão e fonte por excelência dessa renovação eclesial e de uma versão ou vertente libertadora do catolicismo popular brasileiro. Por fim, aborda algumas considerações sobre o catolicismo da libertação no atual contexto socio-eclesial.
Sola fide e ex opere operato: convergências ecumênicas na teologia sacramental. Uma perspectiva latino-americana, de autoria de Elias Wolff, tem por objetivo de mostrar que as igrejas têm os sacramentos como constitutivos da vida cristã e eclesial, uma expressão privilegiada da fé cristã. Mas elas divergem na compreensão sobre como a graça de Cristo se manifesta nos sacramentos, a eficácia sacramental. Nesse sentido, o artigo busca aprofundar essa questão retomando as expressões clássicas sola fide, na doutrina protestante, e ex opere operato, na doutrina católica. Mostra como a teologia ecumênica na América Latina pode contemplar convergências obtidas nos diálogos sobre os sacramentos. Mesmo sem utilizar a expressão ex opere operato, as igrejas podem afirmar o seu conteúdo: a ação de Deus é a eficácia dos sacramentos que celebram
Dualismo Eucarístico e justificação de modelos, de autoria de Agemir Bavaresco, tem por objetivo apresentar tese de Zeno Carra, “Dualismo Eucarístico e justificação de modelos”, na obra Hoc Facite, para superar o problema do dualismo eucarístico que atravessa a história da teologia fundamental, da liturgia e do rito eucarístico, ou seja, a pergunta, em geral, é como reconhecer a presença de Deus hoje e como experenciar, em especial, a presença de Cristo na eucaristia na contemporaneidade? O artigo procura explicitar, criticamente, o modelo eucarístico de Tomás de Aquino e da Sacrosanctum Concilium para mostrar a necessidade de uma nova compreensão e prática eucarística eclesial. Inicialmente, Tomás herda a polêmica entre o “sinal fraco” e o “fisicismo empírico” sobre a presença de Cristo na eucaristia. Para resolver esse dilema, ele recorre à filosofia aristotélica das categorias substância-acidente e explica a mudança das espécies do pão e do vinho em corpo e sangue de Cristo, por meio da teoria da transubstanciação. Carra reconhece o esforço tomasiano, porém, aponta déficits epistemológicos inerentes a essa teoria, que conduzem ao dualismo eucarístico no seu modelo. Depois, o Concílio Vaticano II, através da Sacrosanctum Concilium, assume os avanços teológicos do movimento litúrgico do século XX, porém, o texto final justapõe, ainda, dois modelos: o tomasiano-tridentino e o movimento litúrgico. Face a esse desafio dual-justapositivo, Zeno Carra propõe o modelo ontológico- -relacional do evento eucarístico, ou seja, trata-se de articular um modelo relacional que é constituído por um todo relacional através dos polos: Cristo, ser humano, Igreja, rito e espécies do pão e vinho.
O incremento Cristológico do Logos Proteptikós na formação Praeparatio Evangelica no Concílio Vaticano II. Como isto favorece a compreensão Teológico-Dogmática Positiva sobre as religiões? de autoria de Alexandre B. Favretto, tem por objetivo apresentar a relevância da utilização das referências patrísticas, durante o Concílio Vaticano II, para uma concepção doutrinária positiva sobre as religiões. O que oferece, ainda, contribuições para o pensamento teológico sobre o significado das religiões. Tal feito foi possível pela ênfase cristocêntrica destinada ao tema das religiões na reflexão conciliar sobre as tradições religiosas no Decreto Ad gentes, fundamentada da concepção de Logos protreptikós de Clemente, que traz a dimensão da vasta economia do Logos que atinge a origem das religiões. Em decorrência desta abordagem cristocêntrica, o significado das religiões do mundo, em termos de preparação à promulgação do Evangelho, finda por ser entendida menos em termos de substituição das mesmas e mais como uma participação das religiões, a seu modo, no desígnio salvífica de Deus em Cristo.
Por fim, As ciências naturais e a fé cristã face às grandes questões do Cosmos e da Criação, de autoria de Alexandre Freire Duarte, tem por objetivo, demonstrar que no diálogo (mais ou menos anguloso ou rombudo e com resultados divulgados popularmente de forma assaz descuidada) entre a fé cristã e as ciências naturais há um conjunto de temáticas, relacionadas com a Criação e o Cosmos, que, versando aparentemente sobre realidades idênticas, têm mantido incompreensões injustificadas. Para o autor, o presente estudo dá atenção, sucintamente, em cinco dessas temáticas – que percorrem o arco do existente (passado, presente e futuro) – e tenta mostrar o que um crente cristão pode pensar e, se a ocasião se proporcionar, afirmar sustentadamente sobre elas.
Boa leitura para todos (as).
Equipe Editorial
Prof. Dr. Donizete José Xavier
Editor Científico