Andreia Cristina Serrato
Doutora na área de Teologia Sistemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRJ). Professora do Programa de Pós-graduação em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Contato: andreiaserrato.as@gmail.com
Jonh Anderson Rodrigues de Morais
Mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Contato: andersonjonhmorais@outlook.com
Resumo: A Laudato Si’ nos faz perceber que é importante reconhecer que uma abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social que integra a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres. O objetivo da pesquisa encontra-se em apresentar a prática teológica humanizadora desenvolvida por Comblin e Simone Weil, dois autores de momentos e contextos diferentes em que a proposta realizada os une pela reflexão e ação em favor dos marginalizados de sua época. A metodologia empregada para a pesquisa foi de cunho bibliográfico através dos textos e documentos referentes ao tema desenvolvido. Para tal percurso apresentamos as dificuldades e especificidades do meio rural, na sequência, identificamos o Deus Trinitário em Simone Weil e José Comblin e, por último, sinalizamos novas perspectivas missionárias a partir da experiência dos autores estudados. Os resultados foram que, em meio a tantas adversidades, Weil foi ousada na proposta para a renovação da Igreja no meio dos operários e camponeses. Comblin com uma educação encarnada no meio rural procurou personificar a vida de Jesus na dinâmica do Reino, de certa forma, antecipando a prática almejada para toda Igreja no pontificado atual. Tanto em José Comblin, como em Simone Weil, foi possível subtrair um ensinamento da necessidade de preocupação com a prática humanizadora, envolver-se e deixar-se compenetrar pela Revelação Cristã Trinitária abrindo-se completamente a graça vista da salvação e viver o evangelho como educação-prática humanizadora.
Palavras-chave: Laudato si; Simone Weil; Comblin; humanização; Trindade
Abstract: Laudato Si makes us realizer that “we cannot fail to recognize that a true ecological approach always becomes a social approach, that it must integrate justice into debates about the environment, to hear both the cry of the poor. The aim of this research lies in presenting the humanizing theological practice developed by Comblin and Simone Weil, two authors from different moments and contexts whose proposal unites them in reflection and action in favor of marginalized people from their time. The methodology employed for this research was bibliographical, using texts and documents related to the developed theme. Throughout this process, we will present the difficulties and specificities of rural areas; then we will identify Trinitarian God in Simone Weil and José Comblin, and finally, we will indicate new missionary perspectives based on the experience of these studied authors. The results showed that amidst numerous adversities, Weil boldly proposed a renewal for Church among workers and peasants. Comblin, with an education entrenched in rural areas, sought to embody Jesus’ life within the dynamics of his kingdom—thus anticipating a desired practice for all Church under current pontificate. Both José Comblin and Simone Weil provided teachings on the need for concern with humanizing practice; involving oneself fully while being penetrated by Trinitarian Christian Revelation’s grace is crucial towards salvation—and living out Gospel as humanizing practical education.
Keywords: Laudato Si; Simone Weil; Comblin; humanization; Trinity
Ao final do século XIX, a Europa vivia a efervescência da supremacia do raciocínio apregoado desde Kant e a crise nefasta do pensamento metafísico teológico, tendo como base o antropocentrismo político absolutista de reforma. Tal contexto leva a duas grandes guerras que trouxeram transformações socioeconômicas, políticas e religiosas profundas para o mundo Ocidental. Esta situação levou a constatar que a vida humana não é um caminho seguro e somente glorioso em direção ao progresso, ao êxito e ao crescimento. Ao contrário, é marcada também por situações de sofrimentos, como doenças, dores, injustiças, luta pela sobrevivência, fracassos, envelhecimentos e mortes precoces. Assim, diante da catástrofe das duas grandes guerras não se pode ignorar o sofrimento humano, a angústia interior e a exploração social. Os legados desse contexto histórico apontam para a coragem de considerar e encarar a vida nos seus diferentes aspectos. Foi época ainda de grandes revoluções juvenis por todo o mundo.
É nesse contexto de nacionalismos e totalitarismos exacerbados que se sobressai a figura carismática de Simone Weil, nascida em 03 de fevereiro de 1909, na França. Seu pai era médico, era judeu agnóstico e sua mãe cuidava da educação de seus filhos. Grande intelectual, Weil, foi professora de filosofia muito jovem, participou dos movimentos operários, aproximou-se do Cristianismo a partir de experiências místicas, mas criticava a sua institucionalização e escreveu muito sobre o trabalho na fábrica, a guerra, o cristianismo, a política, dentre outros temas. Deixou a docência pelo trabalho duro nas fábricas da Renault e nos campos durante as colheitas. Lutou ainda na Guerra Civil Espanhola em 1936, ao lado dos republicanos e morreu em greve de fome, protestando contra as condições em que eram mantidos os prisioneiros de guerra na França ocupada. Morreu no dia 24 de agosto de 1943, aos 34 anos, em Ashford, Inglaterra.
Destaca-se também nessa conjuntura de sociedade europeia a figura de Joseph Julles Comblin, nascido em 22 de março de 1923, na cidade de Bruxelas na Bélgica, carinhosamente chamado de padre José pelas pessoas que conviviam diretamente com ele. Comblin nasceu em uma família católica que conservava seus valores tradicionais, os costumes e a espiritualidade do mundo rural, viveu num tempo marcado por crises econômicas e de guerra. Comblin desde pequeno aprendeu a não comprar coisas inúteis e não gastar à toa. Foi ordenado presbítero no dia 9 de fevereiro de 1947. Chegou ao Brasil no dia 29 de junho de 1958. Época em que se inicia os movimentos revolucionários na América Latina com uma nova forma de fazer política, a luta armada para combater o poder colonialista. A partir da revolução cubana entre outros movimentos políticos que surgiram, a reforma agrária passou a ser um ponto central das pautas políticas reformista e revolucionárias, além de elemento de conflito com os conservadores.
No caso do Brasil, os militares brasileiros tiveram que incorporar a reforma agrária nos seus programas de governo. Teve golpe de estado, renúncia de presidente e péssimas condições para os camponeses. O Brasil em que viveu Comblin no início da década de 60 era majoritariamente católico, rural, com 75% da população analfabeta. Viveu-se uma transição do mundo rural para o mundo urbano. Isso tudo aconteceu praticamente entre os anos de 1960 e 2000. Comblin vivenciou este cenário. Em 1981, funda o Seminário Rural na Paraíba e daí segue o cenário diferente na formação de Missionários e Missionárias para atuar no mundo rural do Nordeste. Morreu no dia 27 de março de 2011 e foi sepultado ao lado de seu grande inspirador o Padre mestre Ibiapina[1].
Com essa breve exposição biográfica, o presente artigo objetiva refletir sobre a prática teológica humanizadora vivenciada trinitariamente por Simone Weil e José Comblin. Ambos viveram inseridos em contextos marginais, em comunhão, amor e relação com as pessoas que ali viviam. O artigo discute, ainda, um dos grandes problemas atuais que é a falta de comprometimento com a educação-prática, ecológica e humanitária. Intenciona, ao mesmo tempo, estabelecer um diálogo hermenêutico aos cuidados com a casa comum e as perspectivas inovadoras apontadas pelos dois místicos teólogos contemporâneos: Simone Weil e José Comblin. O artigo não se deterá a apresentar traços característicos da época e contextos em que ambos os pensadores viveram. Em última análise, trará excertos e trechos dos problemas abordados e desafios que a Igreja enfrentou e ainda enfrenta para mostrar como ela pode se humanizar cada vez mais para, assim, chegar a ser de fato discípula de Jesus.
O primeiro tópico aborda sobre as dificuldades do mundo rural com as novas tecnologias avassaladoras que tendem a degradar o meio ambiente. No segundo, a discussão verte sobre o Deus cristão Trinitário, revelado na mística de ambos os, teólogos, mostrando como a humanidade pode se integrar totalmente ao meio ambiente na qual vive através da educação-prática; e, por último, apresentaremos as novas perspectivas missionárias onde a Natureza e o Ser humano podem viver e conviver a partir da vida proposta por Jesus. De certa forma, o interlocutor deverá ter presente ao menos de onde partem as teologias elaborada por Simone Weil e José Comblin, ambos seguem a regra primordial: “a norma da oração determina a norma da fé” (DENZINGER, n 246, p.94) que conduz a uma prática, onde a experiência leva, de fato, a prática humanizadora através do Evangelho.
No ano de 2015, o bispo de Roma, Francisco, publica uma encíclica que exorta e convoca a todos os seres humanos a se comprometerem com a casa comum, isto é, a Terra. O título da carta encíclica, escrita em 2015, é: Laudato Si’ (LS), isto é Louvado Sejas, primeira frase de uma poesia composta pelo por São Francisco de Assis, O Cântico das Criaturas, faz recordar que todos os elementos que são compostos pela Natureza estão entrelaçados entre si; isso é obra do criador que tem em Si essa interligação copiosa de pluralidade na Unidade. A discussão com a Carta Encíclica Laudato Si’, sobre o Cuidado com a casa comum e sua proposta da conversão ecológica integral denuncia, no n. 2, a falta de cuidados com a casa comum:
Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la. Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que “geme e sofre as dores do parto” (Rm 8, 22). Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra (cf. Gn 2, 7). O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos.
Observamos assim, no pontificado do papa Francisco um apelo de “urgente desafio para proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral” (LS, n. 5). O pontífice convoca o mundo a um amadurecimento e a uma santificação na compenetração entre o recolhimento e o trabalho (LS, n.126). Neste aspecto, se vê o trabalho como realização humana e não como escravidão; onde o cultivo da terra é uma sensibilização por parte dos cristãos no assumir a evangelização como causa também ecológica na promoção do bem comum.
Em relação a realidade brasileira a campanha da Fraternidade de 2007 propôs como lema: “Vida e missão nesse chão”. O texto da Campanha aborda de forma contundente a realidade em que sofre os povos nativos da Amazônia e as agressões que sofrem a sua fauna e flora. Nesse aspecto, situa um dos objetivos específicos, conforme o manual da Campanha da Fraternidade do mesmo ano: “denunciar situações que agridem a vida, os povos e o ambiente da Amazônia” (CNBB, 2007, n. 12). Como se pode notar, o episcopado brasileiro e sua prática teológica, se preocupa com a situação devastadora da floresta e seus povos e, com isso, a degradação da qualidade de vida dos mais pobres. Além disso, o mesmo Manual da Campanha da Fraternidade destaca que 13% da população ainda não é alfabetizada e a ausência do Ensino Médio faz com que os jovens deixem o campo, o que causa um desenraizamento profundo marcado muitas vezes de uma forma negativa, onde o jovem se torna estrangeiro no seu próprio país levado a habitar em locais desumanos.
Depois desses anos todos, desde 2007, a vida na Amazônia continua precária. Conforme Dietrich (2020, p. 56), além de tal situação apresentada pelo manual da Campanha da Fraternidade de 2007, encontram-se pessoas utilizando-se da Bíblia para não dar direitos ao trabalhador; envenenando o meio-ambiente, logo, os alimentos, as águas e exterminando a cultura indígena. As famílias camponesas também sofrem pela precariedade, mas são resistentes em suas práticas litúrgicas, como: a) rezar pedindo pelas chuvas; b) ser solidários na partilha da produção ou nas sementes para a plantação; c) agradecer pelas colheitas por meio de procissões, novenas, celebrações. Um dos grandes fatores de desencorajamento para a agricultura de jardinagem, de fato, são as grandes empresas. No Nordeste do Brasil, especificamente na Paraíba, quando os pequenos produtores têm a sua colheita, a sua produção tem um preço desvalorizado; o seu trabalho geralmente é rudimentar com enxadas, foices, ferros de cova etc. As pragas geralmente acabam com toda a produção, como também a problemática da falta de água. Compreendemos que o camponês[2] “se constitui como categoria política, reconhecendo-se pela possibilidade de referência identitária e de organização social, isto é, em luta por objetivos comuns ou, media a luta, tornando comuns e projetivos. A esse respeito, a construção da história social do campesinato, como de outras categorias socioeconômicas, deve romper com a primazia do econômico e privilegiar os aspectos ligados à cultura” (GODOI; MENEZES; MARIN, 2009, p. 11).
O que se compreende por camponeses e sociedades camponesas são objetivações de práticas: “o campesinato como categoria analítica e histórica, é constituído por poliprodutores, integrados ao jogo de forças sociais do mundo contemporâneo. [...] Se a relação com o mercado é distintiva desses produtores (cultivadores, agricultores, extrativistas), as condições dessa produção guardam especificidades que se fundamentam na alocação ou no recrutamento de mão-de-obra familiar” (GODOI; MENEZES; MARIN, 2009, p.9-10).
Em comparação aos fazendeiros e grandes produtores que se utilizam de máquinas e, ao mesmo tempo, dos agrotóxicos que fazem a produção em larga escala, os camponeses, por outro lado, sustentam a prática de maneira rudimentar tendendo a ajudar a mãe-terra. Nesta perspectiva, consideramos válidas as palavras do papa Francisco, quando enfatiza: “Ninguém quer o regresso à Idade da Pedra, mas é indispensável abrandar a marcha para olhar a realidade doutra forma, recolher os avanços positivos e sustentáveis” (LS, n. 114). Assim, essa causa é também um comprometimento com o Reino de Deus apregoado por Jesus numa relação entre vida e morte, onde o ser humano tem a livre decisão de optar, evidentemente.
Adentramos então na reflexão dos autores propostos para verificarmos a transformação ocorrida a partir da inserção realizada por eles. Nos escritos de Simone Weil pode-se perceber que ela deixa transparecer a convocação de que todos são chamados a assumir urgentemente o desencadear da transformação do sujeito humano explorado na miséria crescente. Segundo a autora, o ser humano tem suas raízes por participar de maneira real na coletividade que conserva a história do passado e projeta um futuro, por participação natural em seu lugar de nascimento, profissão, ou seja, o meio em que vive. A necessidade de ter raízes é a “necessidade mais importante e mais desconhecida da alma humana” (WEIL, 2014, p. 36). Embora a autora fale desde o contexto europeu, esta é uma realidade presente tanto no Brasil, de maneira mais violenta no nordeste e regiões amazônicas.
Nesta perspectiva de atuação do estrangeiro no próprio país, pode-se compreender a riqueza intuitiva de padre José Comblin, em que no contexto latino-americano, assolado pelas diversas ditaduras, enxergasse como palco para se delinear uma nova maneira engajada com um Cristianismo afinado cada vez mais ao evangelho em defesa da vida. Vale ressaltar que a Igreja da América Latina nos anos de 1968, caminhava para apoiar os grupos laicais reunidos nas chamadas Comunidades Eclesiais de Base, que compreendiam a conjuntura política dos sindicatos rurais, da luta pela terra e cooperativas, que tendiam a dar espaço e voz também à personalidade feminina especificamente a mulher sertaneja tão assolada pelo machismo patriarcal e pela ditadura vigente.
Nas palavras de Guedes Neto (2022, p. 275), a temática da liberdade é de fato o caráter teológico central no pensamento de José Comblin. Assim sendo, a libertação só pode vir do Espírito Santo que atua nos seres humanos, atualizando a presença do Cristo Ressuscitado, onde se expressa a vocação para a liberdade e no qual a ação se projeta no aprendizado com as populações afro-brasileiras, indígenas, ribeirinhos etc., que, de certa forma, tem uma relação solidária e sustentável com a mãe natureza. Para Comblin o Espírito irrompe, anima, congrega e empurra para a missão.
Esse comprometimento ocorre com a liberdade de agir de forma sóbria e alargada para uma economia de inclusão. A substituição do trabalho braçal, seja nas fábricas seja no meio rural por máquinas é fato. Esquece-se, entretanto, que nem um computador ou as inteligências artificiais poderão cuidar do meio ambiente. Assim, a crise ecológica faz com que a humanidade reveja o modelo de sociedade já que “nem capitalismo nem socialismo olham para o indivíduo. São ideologias e movimentos de massas. Por isso, são elitistas: entregam a elites e empresários [...]” (COMBLIN, 1998, p.182).
Destarte, não se deve iludir com essas ideologias que de certo modo, estão preocupadas apenas com uma pequena minoria que tendem a escravizar e acabar com a criação. Assim, Simone Weil, dentro do contexto europeu, também soa com maestria sua defesa evidente contra a supressão dos partidos políticos, nisso, é enfática em dizer que: “... a instituição dos partidos parece construir um mal quase puro, cristalino. Eles são ruins desde o princípio; em termos práticos, seus efeitos também. A supressão dos partidos constituiria um bem quase puro” (WEIL, 2021, p. 28). Estamos falando da França em uma época do avanço industrial, êxodo rural e, assim como no Brasil, os mais desfavorecidos e marginalizados da sociedade são os que mais sofrem.
Sendo assim, também o Padre Comblin não queria que a juventude fosse formada para um sindicato, um partido político. A fonte primordial é o Evangelho de Jesus, o caminho do Reino; o Centro de Formação Missionária está a serviço dessa perspectiva. Moraes Negro (2021, p. 5) atesta que “a tarefa do cristão é colocar-se a serviço dos mais necessitados, pois se a criação é dom de Deus a todos, há a necessidade urgente de construir uma comunidade humana[...]”. Evidentemente, a corrupção faz com que, infelizmente, aquele que se filia a um partido já se corrompa e entre na agressão contra a natureza e os mais pobres, mas nem tudo está perdido. É preciso uma nova proposta de ação que vá de encontro ao amago mais profundo do Evangelho e que as novas tecnologias sejam eticamente ousadas.
Tanto em relação a França como ao Brasil, verificamos as minorias sendo oprimidas. O poder político, o poder em todas as instâncias e o capitalismo se sobrepõem a todo e qualquer ser, seja a humanidade seja o cosmos, eles entram na esteira da dominação. A relação de dominação, como por exemplo, opressor-oprimido, senhor-escravo, “fazendeiro”-camponês, ser humano-natureza se repete e, agora, nem a natureza ficou “quieta” após anos de dominação. Papa Francisco destaca na LS n. 136: “a técnica separada da ética dificilmente será capaz de autolimitar o seu poder”. Desta forma, o papa apresenta como a situação mundial delineia os recursos naturais para aqueles que além de agirem com corrupção e destruição da natureza lucram em assolar: trabalhadores, posseiros e pobres. Não é algo novo, mas é sempre desafiador tomar uma posição sempre rejeitando tudo aquilo contrário à vida e protestando contra a destruição da “Casa Comum” e dos indefesos.
O anúncio da mensagem do amor de Deus que é Trindade - comunhão e relações de pessoas poderá ser, em certo sentido, incisivo quando a sociedade se converter a uma economia humana cristã desvinculando-se da exploração e da destruição. Para isso não se tem receitas é preciso se colocar a caminho.
Se Deus se revelou única e plenamente em Jesus Cristo (Hb 1,1-3), então, não há outro modo de buscar e encontrar a Deus senão conhecendo e seguindo a Jesus Cristo. E Ele é conhecido na medida em que é imitado e seguido (Jo 14,5-11). Por isso, o seguimento de Cristo é a dimensão mais fundamental e original que identifica a espiritualidade cristã que deve atualmente se caracterizar numa integração místico-ecológico-educacional.
Moraes Negro (2021 p.8) alude que o “o Reino de Deus aparece como proposta e não como imposição. Se é proposta, está condicionada à aceitação ou não de quem ouve a pregação do evangelho”. Isto posto, a espiritualidade cristã é caracterizada e tem sua singularidade, pois, é trinitária. O itinerário que ao Pai se compõe exclusivamente do seguimento a Jesus de Nazaré que Ressuscitado pode estar em todas as partes com uma vida segundo o Espírito e sob a condução do Espírito Santo, isso é também essencial para a identidade cristã que se dá por meio de uma vida totalmente entregue ao trabalho, à oração e à educação.
O assento trinitário dos respectivos autores Comblin e Weil não é de caráter apenas exemplificativo ou especulativo, mas, está de certa forma interligado pelo arcabouço teológico como evento histórico-salvífico da encarnação do Filho e da missão do Espírito Santo. Ambos se deixaram levar pelo Espírito que sopra onde quer, assim empurrados à missão.
Guedes Neto (2022 p.122-130) apresenta com maestria como os pioneiros da chamada “Teologia da enxada” viviam, evidentemente os trabalhos educativos nas cidades de Tacaimbó-PE e Salgado de São Félix-PB. Destacam-se assim os seminaristas: João Batista que trabalhava na Paraíba como auxiliar de serviço no gabinete da secretaria de Educação e Raimundo Nonato, professor de Matemática e desenho no Ginásio pela prefeitura de Tacaimbó. Com isso percebe-se a nítida força que os seminaristas do Instituto Teológico Regional do Nordeste tiveram quando sentiram chamados a identificar-se com a situação do povo mais simples, logo após o Concílio Vaticano II, com o apoio do padre José Comblin. O objetivo era mostrar que o verdadeiro poder de Jesus era transformar a realidade.
No princípio, a ideia de José Comblin era formar Padres para o meio rural; mas devido o desmembramento da diocese de Guarabira para Arquidiocese da Paraíba transferiu o Seminário para Serra Redonda. O sítio Avarzeado pertencia a Paróquia de Pilões, o pároco era o Padre Mateus da Congregação Lateranense, que foi muito acolhedor no território paroquial. Dom José Maria Pires[3], arcebispo da Paraíba, estava muito entusiasmado com as novas propostas, sendo assim, enviou um relatório a Roma com todas as expectativas, porém a resposta foi taxativa. A experiência de Seminário Rural está proibida. (GUEDES NETO, 2022, p. 208).
No seminário Rural[4] a formação era de seis anos. No primeiro ano se estudava sobre o que é uma comunidade Eclesial de Base. Esse era um curso básico; o animador deveria estar presente e atuante na comunidade. O agente de Pastoral deveria aprender a conhecer a sua realidade. No Segundo ano participava-se de um curso de Cristologia. O curso ocorria nos finais de semanas com o objetivo de conhecer Jesus como humilde camponês, que caminha ao lado dos pobres. Estudava-se várias temáticas como: Jesus e as autoridades; Jesus Curador; Jesus Profeta. Isso era para experienciar o contato direto com Jesus Vivo.
No terceiro e quarto ano estudava-se como celebrar esse Jesus Cristo. É o momento da liturgia, do apoderar-se da sua amizade e de encontrar-se com o Deus Amor revelado em Jesus Cristo que conduz intimamente ao encontro com Ele sendo Deus Pai-Mãe; uma celebração viva nas bases com aquilo que poderia ser oferecido. Nesse período, trabalhava-se direto dentro de uma Comunidade Eclesial de Base como, por exemplo, o sítio Jaboticaba do município de Arara-PB; o sítio São Tomé do município de Esperança-PB e em Cuité de Mamanguape-PB. Esses lugares foram, de algum modo, locais que acolheram esses seminaristas da experiência da “Teologia da enxada”.
Nas últimas etapas, além de se estudar de onde veio Jesus Cristo, as suas origens, meditava-se sobre o Deus Trino, sobre sua presença dinâmica na vida de cada uma e não estática. Os seminaristas iam morar em locais onde ainda não se havia formado uma comunidade. Esses eram os anos mais hostis, pois, os seminaristas deveriam ir em locais onde ainda não se tinham estruturas e pastorais para então animar e formar consciência de Comunidade.
Para contornar todas as dificuldades provenientes, o objetivo principal do Padre José Comblin era que “apesar de uma cultura dominante, apesar do prestígio da Política, mas do que nunca o cristão está convocado para a liberdade na vida pública, na política ativa. A vocação para a liberdade inclui uma vocação para a vida ativa” (COMBLIN, 1998, p. 275-276). E aqui se inclui a importância da liberdade na vocação integral da qual se sente parte e ada qual edifica o mundo à medida que todos vão se tornando coparticipantes.
Assim, a compreensão e vivência trinitária podem contribuir. Como, por exemplo, o que entendemos por processões divinas[5], isto é, Deus Pai que cria por meio do seu Verbo, e por meio do seu amor são as causas das processões também das criaturas; essa total liberdade que começa a ser concreta quando se entende que a pluralidade que constitui o ser humano é trinitária, expressão fundamental e simbólica onde os diversos povos podem e devem entrar em comunhão e relação.
Os grupos que fazem essa experiência, se reúnem nas chamadas associações que são locais onde visam seu próprio aperfeiçoamento como pessoa e lideranças nas comunidades. A função é despertar aquela assimilação do ser humano a Deus; não uma experiência solitária, mas propagada especialmente nos locais mais distantes da Paróquia; seja na periferia da zona urbana ou no mundo rural, propriamente dito. A perspectiva teológica de Comblin é a “teologia da enxada”, uma revolução da práxis transformadora experimentada no cotidiano da vida, na própria realidade.
Se em Comblin esta vivência está presente, ressaltamos que Simone Weil (2020, p. 23-34), após a experiência de trabalho no campo, ele escreve sobre “O cristianismo e a vida nos campos” fazendo uma explanação de como se dá a vida dos camponeses e instrui aos padres a como associar trabalho e liturgia de forma autêntica. Em setembro de 1941, trabalhou nas vindimas em Saint-Julien de Peyrolas. O trabalho foi muito duro, relata à sua amiga Simone Pétrement: "As fadigas de meu corpo e da alma se transformam em nutrição para um povo que tem fome". (PÉTREMENT, p. 390, 1973). Nesta experiência de trabalhadora do campo ela afirma que Deus reside no alimento fabricado pelo trabalho humano. E o camponês, com seu trabalho, dá um pouco de sua carne para ela tornar-se carne do Cristo. Escreve ainda que “para que um homem seja realmente habitado pelo Cristo como hóstia após a consagração, é necessário primeiro sua carne e seu sangue sejam tornados matéria inerte, e mais comestível por seus semelhantes. Então, esta matéria pode tornar-se por uma consagração secreta carne e sangue do Cristo (WEIL, 2026,123). Sobre esta experiência ela atesta ainda: "É suficiente olhar minha carne e meu sangue como a matéria inerte, insensível, e comestível pelo outro" (WEIL, p. 40, 1950). Inegavelmente, Simone Weil se insere no campo por compreender as dificuldades vivida pelos camponeses, afirma comer cebolas e tomates, apenas, para sentir e viver como e com eles.
Assim como a jovem filósofa, é inegável que as equipes formadas pelo padre José Comblin viveram esta perspectiva de sentir com e viver como eles sem mesmo conhecer as palavras de Simone Weil. Ambos se inseriram no contexto de sofrimento com o desejo de contribuir com a dignidade humana para que elas mesmas buscassem meios para sair do lugar de opressão. Neste sentido, inclusive a jovem filósofa afirma ser “tarefa da Igreja suscitar emoções e forjar as associações” (WEIL, 2020, p. 23). Para ela a liturgia tem como caráter esse cerne onde o trabalhador rural teria a possibilidade de sentir-se parte de tão grande mistério que é a Eucaristia, realizada e celebrada em nome da Trindade, contribuindo para sentir-se parte da terra, colaborador da natureza e reenviar seu lugar de trabalhador senhor de suas terras. Será que poderemos afirmar aqui que ambas experiências, na França e no Brasil, após viverem a profundidade do encontro íntimo com o Deus Trindade, transformaram sua vida em alimento para os demais? Em qual medida vemos a experiência destes autores a partir da experiência trinitária transformando a vida de tantas outras pessoas provocando uma integração místico-ecológico-educacional?
Acreditamos, então, que como Simone Weil viveu um contexto de campesinato na França, José Comblin também o viveu no Brasil, em uma região, nordeste brasileiro, onde a escassez de sacerdotes era enorme. Na recém-criada diocese de Guarabira, na Paraíba, no ano 1981, a maioria dos padres eram estrangeiros religiosos da Congregação do Santíssimo Salvador Lateranense. Neste contexto, o Seminário Rural foi transferido para Serra Redonda, ficando na Arquidiocese da Paraíba; entretanto, o Padre José Comblin estava ciente da necessidade de formação naquela realidade e, assim, do Centro de Formação Missionária surge a “Associação dos Missionários do Campo”.
Foi nessa experiência que, conforme Muggler (2012, p.177), “José Comblin conheceu e percorreu os caminhos do nordeste. A cada mês, ele fazia duas ou três visitas, percorrendo a pé até doze quilômetros para ir e voltar até o transporte coletivo mais próximo”. As visitas tornavam-se momento de ver as injustiças e ouvir o grito dos injustiçados fazendo com que cada vez mais o padre Comblin compreendesse que a liturgia, a Palavra de Deus e a espiritualidade deveriam estar ligadas a vida para que levasse o ser humano a lutar ao lado dos oprimidos pela superação da opressão. Deve-se levar em consideração que as comunidades do interior do nordeste têm uma característica específica, isto é, originária. Onde se tem muita reza, mas pouca missa, há muita devoção. Algo bem conhecido do padre Comblin, no interior o catolicismo é de mais penitência e, no litoral tem característica mais liberal.
Desse modo, na obra “Um novo amanhecer da Igreja?”, Comblin (2002, p.48) pontua que “[...] na Igreja convertida ao evangelho, mais inspirada pelo Espírito de Deus do que pelos interesses das instituições, é uma Igreja que renuncia aos sonhos da cristandade para participar da condição humana dos pobres”. Tal afirmativa em suas análises vem calhar com a perseverança dos seminaristas do âmbito rural que não desistiram, apesar da proibição dada por Roma, bem como a equipe formativa articulada pelo Padre José Comblin e outros: Raimundo Nonato, João Batista e depois também Mônica Muggler, irmã Maria Emília, esta última cônega da Congregação de Nossa Senhora. Todos estavam ancorados e fiéis à doutrina da Igreja, procuravam de todas as formas serem fiéis ao Evangelho, mas algo a mais os movimentava, isto faz parte de um contexto teológico complexo que transcende a história: é a perspectiva do Reino. Com efeito, nessa função se complementam a prática do Concílio Vaticano II em suas diversas formas.
Na constituição dogmática “Sacrosanctum Concilium” se diz:
A Igreja procura, solícita e cuidadosa, que os cristãos não assistam a este mistério de fé como estranhos ou expectadores mudos, mas participem na ação sagrada, consciente, piedosa e ativamente, por meio de uma boa compreensão dos ritos e orações; sejam instruídos na palavra de Deus (SC,48).
Chega-se à alternativa de que a Liturgia consiste em viver os mistérios celebrados tanto na Celebração como na vida. Então, assim sendo, para que a Liturgia seja diligente ou frutífera, brote frutos de mudança de vida, de graça, de autêntica adesão a Cristo deve ter uma linguagem que corresponda à realidade; isto não quer dizer que vá deixar de lado os lindos ritos e as fórmulas sagradas, mas vai dar-lhe pleno significado também no testemunho de vida do sacerdote.
Pode-se assim constatar que existe também na Natureza essa ciranda litúrgica de glorificação ao Deus que é criador e que tem nas suas criaturas os elementos constitutivos para a comprovação de sua existência. Isso explicitou bem Santo Tomás nas cinco vias e a última com veia aristotélica que afirma: “procede do governo das coisas... Logo há um ser inteligente, pelo qual todas as coisas naturais se ordenam ao fim a que chamamos Deus” (TOMÁS, Artigo III, Solução V).
Decerto, os mais renomados teólogos determinam que a função da criação é glorificar a Deus, mas para isso é preciso ouvir, tomar consciência, estar aberto a espiritualidade. O Papa Francisco assinala: “o respeito da fé pela razão pede para se prestar atenção àquilo que é próprio da relação biológica, desenvolvida independente dos interesses econômicos” (LS n.132).
Vislumbramos, de certa forma, em Comblin aspectos sobre o cuidado com a criação, ele via a interconexão entre a deterioração do meio ambiente e as injustiças sociais resultante disso, o que exigia uma resposta coletiva e solidária. Ele enfatizava ainda a importância de repensar o modelo de desenvolvimento predominante, priorizando o bem-estar das comunidades mais vulneráveis. Inclusive para Comblin o evangelho era uma fonte inspiradora para transformar estruturas injustas em busca de um mundo mais justo e equitativo, mensagem alinhada com os apelos pela justiça social presentes na Laudato Si’.
Assim como Comblin, Simone Weil também via no Evangelho o caminho para transformação e conversão, tanto pessoal como coletiva que promovesse mudanças significativas no modo de vida mais justo, mais igualitário, mais humano. O Evangelho era o caminho, inclusive, para conectar o ser humano à terra quando afirma que a liturgia deveria utilizar mais os textos bíblicos que falem sobre as vinhas e relacionar isso ao trabalho dos camponeses. Não seria aqui um processo místico-ecológico-educacional? Incentivaria a compreensão e a relação da vida com o trabalho dando elementos para construção de uma sociedade mais justa. Além do que, ao proporcionar esta integração ser humano-natureza, o cuidado com a casa comum seria maior.
O que Weil (2020 p. 27-33) propõe, ao nosso ver, é ousado, escreve que uma cerimônia religiosa católica na Santa Missa, poderia ser feita nas vésperas em que o rapaz e também a moça fosse trabalhar no campo pela primeira vez. Recordando a prática da primeira eucaristia deveria ser abençoando o arado, as meninas deveriam preparar as hóstias e na celebração o padre deveria fazer essa associação pensar primeiro no serviço a Deus e ao próximo e comungando o corpo e o sangue do Senhor vão cada vez mais parecendo com Cristo.
Como não associar às indicações de Weil às celebrações populares preparadas pelos missionários/as do Campo ou Popular? Com uma missão não só dentro da Igreja, e sim dentro do mundo, em meio da sociedade. É esse Reinado Trinitário que vai se realizando: no campo ou na fábrica; na oficina, na escola, na praça, no sindicato, na casa e nos locais públicos. Nisso consiste também uma integração e prática educadora humanitária. Os professores cristãos devem também começar a despertarem sua melhor responsabilidade para essa prática evangelizadora cuja meta é a transformação também do ambiente educativo a serviço do homem e da mulher no Reinado Trinitário do Deus cristão. Para a formação do Reinado Trinitário é preciso também o conhecimento para que o ser humano seja autônomo e construa a partir de sua realidade a experiência do Reino com autêntica comunhão com a Igreja católica.
Destarte, na reflexão sobre os estudos, Weil (2019, p.71-81) aponta que cada exercício escolar é um meio para se chegar à verdade. É fato que os camponeses e os operários têm essa aproximação com Deus que residem no âmbito da sua pobreza que se pode traduzir em necessidade. Os estudos para a filósofa têm uma preponderância em sua eficácia espiritual, mesmo fora de qualquer crença religiosa, pois direcionam-se à verdade que um dia falou com a voz humana: “Eu sou a Verdade” (Jo 14,6).
A meta do ser humano nas sociedades, segundo o Evangelho, é a de criar entre a humanidade uma verdadeira Fraternidade. Jesus morreu para reunir em um só os filhos de Deus dispersos pela divisão, o ódio, a exploração e o pecado. Nessa perspectiva, ambos Weil e Comblin, cada um à sua maneira, procuram praticar a fraternidade cristã como sendo a face histórica do Reino do Deus Trinitário cristão que já começou. Portanto, é o fruto do seguimento de Cristo, que vai transformando o egoísmo em irmandade cristã.
Os respectivos teólogos, cada um ao seu modo procuraram corresponder aos anseios teológicos missionários de sua época. Sentiram-se tocados por esse ato criador de Deus ao qual na experiência da Encarnação de Jesus inspiraram-se a serem anunciadores dessa palavra tornando-se propagadores radicais desse mistério absoluto.
Nesse aspecto, Weil (2019, p. 64) ressalta que é necessário ser católico, no sentido universal do termo, e nisso liga-se a toda criação. Essa universalidade vislumbrada pela filósofa Weil foi a que alcançou os Santos, como São Francisco de Assis e São João da Cruz que, ao primeiro amar a Deus sobre todas as coisas, amaram também a todas as coisas menores no universo. Para tanto, não basta apenas um resumo ou um conhecimento abstrato para realizar a missão e viver o evangelho de Cristo é preciso ter a docilidade, a abertura a seu Espírito, a integridade total e nisso está o movimento de escutar e anunciar a Palavra a toda criatura. Simone Weil humildemente entregou a sua vida a Deus deixando belos escritos místicos, ainda, experenciou e demonstrou o ser missionária profundamente dando a vida pela Igreja, antes mesmo de entrar nela, foi ser com os operários, com os camponeses em seu lugar de trabalho para ajuda-los a sair da opressão que os acometia.
Padre Comblin (2010, p.10-11) traduziu com suas ações como o Evangelho é múltiplo e deve ser aplicado sempre como novidade e em formas novas e diversas. O centro da Igreja é esse cunho missionário que é comunhão e relação de pessoas em Deus: Pai, Filho e Espírito Santo. Consequentemente, os novos aspectos missionários deverão recuperar essa totalidade. Em todo caso, só será possível com a assistência do Espírito de Deus para poder a humanidade sair do egoísmo e da ganância que assola a Casa Comum para agir de maneira solidária e concreta. Modestamente, vigorou toda a sua prática teológica libertadora fazendo-se presente e morando juntamente ao profeta Dom Luiz Cappio em 2007 que fez greve de fome em prol da ecologia e da vida dos ribeirinhos sendo contra a transposição do Rio São Francisco. Assim estão lançadas as bases para o rosto concreto do Evangelho: “Jesus vivia em plena harmonia com a criação despertando admiração nos outros: ‘Quem é esse que até os ventos e os mares obedecem?’ (Mt 8, 27)” (LS, 98). O Papa Francisco despertou e convidou o mundo com sua voz profética para a convocação sinodal, por exemplo. E antes de tudo nos brindou com a encíclica Laudato Si’ que provocou muitos movimentos em relação ao cuidado à casa comum, como por exemplo, o Laudato Si Movement.
Em última análise, ser fiel à harmonia da Criação que é obra da Santíssima Trindade, é estar em ressonância com o Evangelho de Jesus que assumiu a natureza humana, exaltado em sua Morte e Ressurreição, enviou o Espírito Santo no qual renova toda a criação que urge por uma prática humana ordenada cuidadora e não devastadora. Isto não é atualmente um processo natural. Os exemplos acima citados são apenas luzes de pessoas que abraçaram essa causa da aliança, e que, atualmente, cada vez mais o ser humano está rompendo, contudo, convidado a renovar a todo momento.
Diante de todos os desafios enfrentados pela crise socioambiental, como apresenta o papa Francisco na Laudato Si’, percebe-se ainda certa indiferença, principalmente em relação aos marginalizados da sociedade, não se adota políticas públicas comprometidas com a vida e à ecologia. O Papa Francisco, na encíclica Laudato Si, convocou e fez o apelo a todos para que assumissem tal causa nobre de cuidado com a mãe-terra e o bem comum.
No que se refere à igreja, recordamos que a liturgia é também um caminho para ser experienciada e vivenciada de maneira que conduza a realidade da vida cotidiana quando praticada em vista do bem comum. Se se quer, portanto, dar a todo cristão a partir do viés práxis-teológico uma vivacidade prática pode-se vislumbrar o caminho percorrido por José Comblin e Simone Weil, ambos foram capazes de viver uma vida de comunhão, de relação e encontros com os mais necessitados, contribuindo com sua busca pela dignidade de cada ser humano.
O padre José Comblin transmitiu sabedoria, essencialmente marcada pela liberdade, fidelidade e criatividade através da fundação das escolas Missionárias. Weil, de certo modo, ao se inserir no meio dos trabalhadores antecipava as opções radicais tomadas pela Igreja na América Latina após o término do Vaticano II, como a experiência dos padres operários e mesmo a inserção de Comblin em meio aos camponeses.
Diante dessas considerações, tanto o Padre José Comblin como Simone Weil ensinam à Igreja que é sempre preciso se preocupar com a prática humanizadora, envolver-se e deixar-se compenetrar pela Revelação Cristã Trinitária abrindo-se completamente a graça vista da salvação e viver o evangelho como educação humanizadora.
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[1] Padre José de Antônio Maria Ibiapina - nasceu em sobral, no Ceará, em 1806, morreu em Santa Fé, na Paraíba, em 1883. Foi advogado, juiz de direito. Depois de uma longa trajetória foi ordenado aos 47 anos, padre mestre era o seu nome quando não havia caminhos, nem cidades, nem organização social ou política no interior do Nordeste, sem formalismos formou casas de Caridade, cemitérios, açudes e igrejas para o bem do povo mais sofrido (COMBLIN, 1984, p.9-17).
[2] No Brasil, de acordo com GODOI; MENEZES e MARIN, considera-se camponês, dentro de uma diversidade enorme, os proprietários e os posseiros de terras públicas e privadas; os extrativistas que usufruem os recursos naturais como povos das florestas, agroextrativistas, ribeirinhos, pescadores artesanais e catadores de caranguejos que agregam atividade agrícola, castanheiros, quebradeiras de coco-babaçu, açaizeiros; os que usufruem os fundos de pasto até os pequenos arrendatários não-capitalistas, os parceiros, os foreiros e os que usufruem a terra por cessão; quilombolas e parcelas dos povos indígenas que se integram a mercados; os serranos, os caboclos e os colonos assim como os povos das fronteiras no sul do país; os agricultores familiares mais especializados, integrados aos modernos mercados, e os novos poliprodutores resultantes dos assentamentos de reforma agrária (2009, p. 11).
[3] José Maria Pires - nasceu em Córregos, 15 de março de 1919 e morreu em Belo Horizonte, 27 de agosto de 2017 - Padre Conciliar e quarto arcebispo da Paraíba visitou toda a arquidiocese em locais periféricos responsável pela criação da diocese de Guarabira junto com dom Marcelo Carvalheira; fomentava as celebrações da Palavra, além de por falta de Padres em sua diocese confiou a leigos a administração de Paróquias.
[4] A informação foi extraída em conversa com o irmão João Batista, membro e participante da equipe de formação, através de uma chamada de Whatsapp: às 14:00 de 27 de abril de 2023.
[5]O significado da palavra processão significa “vinda”. Aquele que procede de um lugar é que vem desse lugar. O Filho vem do Pai e o Espírito Santo vem do Pai e do Filho. O Pai não procede de ninguém. O Filho procede do Pai e o Espírito Santo procede do Pai e do Filho (SESBOÜÉ, 2002, p. 281-287).