Editorial

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Prezado(a) leitor (a)

Crer apesar de...

A teologia tem a ver com a vida humana, toca o seu drama-limite, as realidades-limite que tecem  a  existência  humana.  Não  se  fala  de  Deus  sem  se  falar  do  ser  humano  e  não  se  falar do ser humano sem se falar de Deus. Esta é a di-nâmica da teologia, por isso que, quando o tema é crer ..., “crê quem aceita crucificar as próprias esperanças na cruz de Cristo e não Cristo na cruz das próprias esperanças” (Forte, 1994, p.17). Se crer apesar de ... Crer apesar de todas as aparências, de todas as conve-niências e de todas as certezas pré-estabelecidas. “crer não é aceitar demonstração clara e evidente ou projeto isento de incógnitas e conflitos: não se crê em algo que se possa possuir e gerir para segurança e agrado pes-soais” (Forte, 1994, p. 16). Crer é quando se vai das experiências-limite  ao  sentido  das  expressões-limite.  Quando diante do inevitável e do não-sentido é possí-vel encontrar o sentido: “crer apesar de...” crer, mesmo quando  tudo  parece  contrário.  Quando  até  a  imagem  que se tem de Deus parece despedaçar. O “crer apesar de ....” interpela a compreensão de uma fé que brota como testemunho. “Crer, pois, não é evitar o escandalo, fugir do risco, caminhar na serena luminosidade do dia: cremos, não apesar do escandalo e do risco, mas justa-mente desafiados por eles e neles” (Forte, 1994, p. 16). Crer no Deus da vida que adentra nessa aventura humana, então é possível compartilhar o peso que sobrecai sobre as vítimas da histó-ria. É possível pensar no sentido da vida que emana com a morte de Cristo e no perdão que supera o ódio. É possível pensar na força e no poder do amor quando se  tem  barreiras  e  muros  humanos  construídos  pelos  individualismos  e  egoís-mos. É possível pensar e edificar o Reino da vida e da esperança instaurado por Cristo no terreno comum da nossa história. A utopia do Reino, a configuração do homem novo, tudo aquilo que apontam as expressões-limite sugere o sonho de Deus a partir dos signos de sua Revelação nas fronteiras das experiências-limite. É possível esperar quando na experiência de fé tem-se a convicção que a figura do servo sofredor, também configurado ao Logos da Cruz, convergem todas as figuras e as vítimas da história de que à Teologia, sob o risco de neutralizar-se frente às experiências-limite que tangem a historicidade humana, não pode es-quecer. Nesse sentido, na busca de uma síntese de um caminho progressivo da fé, convido o (a) leitor (a) de nossa revista a traçar um percurso de interpretação contínua dos textos aqui apresentados. No primeiro artigo, Eduardo Rodrigues da Cruz, em Compreender el uni-verse como tarea de la teología, afirma que a leitura tomista usual da relação entre as ciências naturais e a teologia fala da integridade da autonomia e sua ciên-cia atraves da distinção entre causalidade primária e secondária. Aqui a reflexão teológica não é diretamente afetada pelas diferentes teorias científicas sobre o início e o fim do universo, como foi notoriamente exposto pelo Abade Lemaître. O autor expõe algumas tentativas de ir além da distinção tomista, abordando a questão do fim do universo (a questão temporal) e da sua finalidade (a questão teológica e moral), propostas coerentes de cientistas-teólogos recentes, destacan-do algumas dificuldades em suas posições. Em seguida, passa às considerações epistemológicas sobre explicação, interpretação e compreensão nas ciências na-turais e humanas, destacando a teologia como ciência da fé vivida. A experiência básica é o estupor diante da imensidão do universo, o enigma de um Deus que ali se esconde e se revela. Esta experiência só pode terminar numa doxologia.Na  sequência,  O  estudo  crítico  do  protestantismo  nas  Ciências  da  Religião, de Jefferson Zeferino, afirma que a presença pública das igrejas evan-gélicas tem despertado interesse acadêmico acerca de suas relações sociais atuais e de suas origens históricas no Brasil. Por meio de uma revisão bibliográfica, o presente artigo objetiva refletir sobre as Ciências da Religião como área de investigação crítica dos cristianismos; interrogar as interfaces interdisciplinares das Ciências da Religião no estudo dos protestantismos; problematizar a abor-dagem de figuras representativas do protestantismo como caminho para a aná-lise de seus contextos; e, finalmente, refletir sobre o lugar do dado teológico no interior dos estudos de religião. Para tanto, a trajetória de Richard Shaull (1919-2002), missionário estadunidense, é escolhida como caminho de pesquisa que permite o acesso às questões próprias do Brasil das décadas de 1950 e 1960 em suas dimensões histórica, política, social, religiosa e teológica. Como resul-tado, compreende-se que uma leitura atenta sobre Shaull demonstra a multipli-cidade de relações de um sujeito histórico e abre caminhos complementares de investigação que ajudam a pensar o dado religioso em sua complexidade e em recortes temporais específicos. Por meio de Shaull, torna-se possível investigar as relações entre o protestantismo estadunidense e o brasileiro; o desenvolvi-mento do movimento ecumênico e dos movimentos estudantis e de jovens; a consolidação da responsabilidade social das igrejas no seio do protestantismo ecumênico brasileiro; a história de teologias públicas desenvolvidas em contexto latino-americano; o engajamento social de atores protestantes e sua conexão com as lutas próprias do período; as tensões institucionais e teológicas entre setores antagônicos dentro do protestantismo brasileiro.O terceiro artigo, Do kerigma cristológico enquanto tradição histórica e kerigma pneumático entre karl Barth e Rudolf Bultmann, de Luiz Carlos Mariano da Rosa, afirma que a salvação enquanto objeto ou conteúdo da pre-gação neotestamentária é disponibilizada pelo kerygma enquanto proclamação do Evangelho que encerra o ato salvífico de Deus e implica uma exortação à conversão que tem como fundamento a pessoa e a obra de Jesus como Cristo e Senhor e Filho de Deus e os fatos soteriológicos da sua morte e ressurrei-ção. Dessa forma, o autor, envolvendo a primazia seja da tradição histórico--cristológica, seja da prédica pneumático-cristológica, assinala que a prega-ção converge para a comunicação kerygmática enquanto anúncio público em relação a promessa e as reivindicações do evento salvífico, convergindo para uma tradição que testemunha processos salvíficos a partir da fé, constituindo o Evangelho tradição pneumático-kerygmática. O artigo se detém no kerygma cristológico como acontecimento que encerra Deus como loquitur em Barth, que consiste em um anúncio envolvendo um acontecimento por se realizar (Ankündigung) em um processo que pressupõe que Deus fala através de uma relação que atribui ao humano a função de anunciar (Ankündigen) tal situação. Sobrepondo-se ao sentido que encerra o kerygma de Jesus como o Messias enquanto conteúdo que se impõe à tradição veterotestamentária sob a acepção de um valor ético-religioso e literário-teológico adicional, a proclamação, de acordo com Bultmann, constitui a mensagem primária e básica que imprime o seu caráter seja em relação à tradição antiga seja no que tange à pregação de Jesus em um processo que mantém todo o passado sob outro princípio inter-pretativo. Dessa forma, sobrepondo-se aos fenômenos históricos e a sua mera descrição, Bultmann elabora uma construção teológico-filosófica que através do recurso ao pensamento científico e a instauração de uma interpretação exis-tencial  encerra  a  pretensão  de  assinalar  o  verdadeiro  sentido  da  mensagem,  convergindo para as fronteiras que expõem a situação atual do ser humano e a necessidade de fé enquanto decisão e obediência.O quarto artigo, Maria e a dignidade humana, de Luis Carlos Susin, aborda o patrimônio teológico, antropológico e espiritual que a Patrística oferece sobre Maria, mãe de Jesus. A antropologia, enquanto ciência que investiga as origens e características dos seres humanos, direciona também a teologia na perspectiva da compreensão do fundamento da dignidade humana que é inerente à vida cris-tã.   A antropologia teológica elaborada por Agostinho de Hipona sobre Maria encontra-se relacionada com a elaboração dos dogmas cristológicos e trinitários e de seu pensamento sobre a Igreja. O presente trabalho tem por objetivo mostrar como Agostinho utiliza o termo pessoa e dignidade humana, a partir da figura de Maria e sua relação tipológica com a Igreja, dando enfoque ao plano de Salvação em Cristo pela Trindade. Ao longo de suas obras, Agostinho elenca algumas atribuições à Igreja associando-as diversas vezes com a Mãe do Senhor, tes-temunhando, assim, um pensamento profundamente cristocêntrico e tanto uma mariologia eclesiológica como uma eclesiologia mariológica. Agostinho ressalta a excepcional dignidade de Maria, a única a ser ao mesmo tempo virgem e mãe, não somente pelo espírito, mas também em seu corpo.O quinto artigo, A  experiência  religiosa  de  Santa  Teresinha  e  a  apro-priação dos elementos do cotidiano para a expressão do inefável, de Alisson Henrique Domingos e Ceci Maria Costa Baptista Mariani, afirma que Santa Teresinha do Menino Jesus foi uma religiosa carmelita que viveu no contexto da França do final do século XIX. Após uma infância conturbada, ingressa aos 15 anos na Ordem das Carmelitas Descalças, onde permanece até os 24 anos, quando falece vitimada por uma grave pneumonia. Em tão pouco tempo, Teresa de Lisieux alcançou o matrimônio espiritual, o prestígio de uma das santas mais populares de todo o mundo e a coroa de Doutora da Igreja, enquan-to perita da Scientia Divini Amoris. Escreveu três manuscritos autobiográficos que, após compilados, ficaram conhecidos como História de uma Alma. Nestas páginas encontra-se a profunda espiritualidade de Teresa que a elevou aos al-tares e a grandeza doutrinária que a fez a terceira mulher dentre os doutores. Diante do inefável da mística – entendida como encontro do eu com o Outro absoluto –, a fé e o homem buscam o entendimento daquilo que experimenta, e para isso utiliza-se de uma linguagem que seja capaz de tornar factível o inexprimível, realizável apenas por meio do uso da linguagem dos símbolos, ícones, analogias e alegorias. O  sexto  artigo, Pacto  Educativo  Global:  uma  síntese  das  priorida-des  pastorais  do  Papa  Francisco,  apresentado  por  Guadalupe  Corrêa  Mota  e  Carolina Mureb Santos descreve que, no marco dos 10 anos de pontificado do Papa Francisco (2013-2023), diversos teólogos e vaticanistas fizeram uma espé-cie de “balanço” ou síntese da contribuição de um papa latino-americano e jesu-íta na condução da Igreja. Uma perspectiva deste “balanço” é identificar as prio-ridades pastorais desde que ele assumiu como bispo de Roma. Situando o Pacto Educativo Global (PEG) no pontificado do Papa Francisco, as autoras identifi-cam as prioridades pastorais, e demostram como o PEG é mais um elemento no processo de transformar mentalidades em vista de um novo estilo de vida. Em seguida, analisam os 7 compromissos do PEG como uma síntese das prioridades pastorais do Papa Francisco ao longo destes 10 anos. Por fim, indicam como educação católica comprometida com o PEG pode colaborar na formação de sujeitos éticos que, a partir de uma nova mentalidade, possam, efetivamente, cooperar na construção de uma sociedade que tenha lugar digno para todos.O sétimo artigo, 10 anos do pontificado de Francisco: um resgate e uma proposta  de  leitura  do  Bispo  de  Roma  como  texto  à  luz  da  perspectiva  de  Paul Ricoeur, de Donizete José Xavier e Tiago Cosmo da Silva, analisa o acon-tecimento do dia 13 de março de 2013 quando o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio apareceu na sacada da Basílica de São Pedro, afirmando que tudo nele falava, seja dele, pessoalmente, seja do seu próprio projeto para a Igreja, visão e ser humano e visão de mundo. Os autores afirmam que nestes 10 anos do ponti-ficado de Francisco que, mais do que deixar uma herança em termos teológicos, representa, em si mesmo, um rumo para a Igreja, como um grande iniciador de processos. À luz do pensamento do filósofo Paul Ricoeur leem o bispo de Roma como um texto, que deve ser interpretado e vivido, concretamente, pela Igreja, a fim de que está se compreenda sempre melhor e, à luz do que pedia o Concílio, faça também o seu aggiornamento para o século XXI.O oitavo artigo, A Pitonisa de Delfos: Arqueologia, História e Religião em Atos 16, 16-18, de José Ademar Kaefer em Atos 16, 16-18, afirma que Delfos foi mais que um grande centro religioso que durou por séculos. Foi também um centro de captação de riqueza e de decisões políticas da Grécia antiga. Grandes autorida-des dentro e fora da Grécia vinham comumente consultar o oráculo antes de tomar uma  importante  decisão.  E  ali,  tudo  girava  em  torno  da  pitonisa,  com  seus  dons  sensoriais, e dos sacerdotes que a auxiliavam. O santuário durou até os primeiros séculos da era cristã, quando não mais interessava aos romanos que ali se decidis-sem os rumos políticos da região. Porém, no meio popular a crença no Deus Apolo e nas suas pitonisas continuava muito forte. Este nos parece ser o contexto que está subjacente em Atos 16,16, onde temos uma pitonisa que participa do anúncio de Paulo e Silas, única vez em todo Novo Testamento. A metodologia a ser usada será o estudo no local (in situ), com o auxílio de bibliografia específica.O nono artigo, Análise de Hebreus 6,4-6, de Tiago Dias de Souza e Genilton Andrade Pontes, afirma que diante das incertezas sobre a autoria da Carta aos Hebreus torna-se crucial analisar sua mensagem, independentemente de sua au-toria controversa. A investigação dos termos gregos em Hebreus 6:4-6 e suas correspondentes palavras hebraicas revela um destaque no termo “ἀδύνατον” (adýnaton) que significa “impossível”, enfatizando a impossibilidade de recon-duzir à transformação interior aqueles que caíram. Isso reflete a gravidade da apostasia mencionada, evidenciando que a queda espiritual é uma ameaça contí-nua na fé, por representar não apenas um erro, mas também uma traição ativa a Cristo e Sua obra. A análise aprofundada desses termos, auxiliada por recursos linguísticos e teológicos, enriquece a compreensão do trecho e destaca a serieda-de da apostasia. A apostasia vai além de um mero erro, representando uma ruptu-ra profunda com a fé em Cristo e com a verdade divina. Aqueles que se afastam de Cristo, após receber Sua graça, estão simbolicamente crucificando de novo o Filho de Deus, expondo-o à ignomínia. Isso reforça a ideia de que a apostasia é uma traição ativa e maliciosa, conforme ressoam as palavras de Jesus sobre a blasfêmia contra o Espírito Santo. Em resumo, a análise dos termos teológicos e linguísticos em Hebreus 6:4-6 oferece uma base sólida para uma compreensão mais completa da natureza da apostasia e suas implicações na fé e prática cristãs. 

Desejo a todos (as) uma boa leitura.

Donizete José Xavier
Editor Chefe da Revista 

Glaucio Alberto Faria de Souza
Editor Assistente