Caros leitores,
Nesta terceira edição da Revista de Cultura Teológica, temos a alegria de apresentar o dossiê sobre José María Castillo. Este teólogo se destaca por sua busca incansável de uma fé cristã centrada no seguimento de Jesus como essência do ser cristão. Ele nos convida a redescobrir o Evangelho como um estilo de vida que reflete a humanização de Deus e, consequentemente, do ser humano. Neste último número do ano, rendemos homenagem a este grande pensador, celebrando sua contribuição como teólogo da humanização de Deus.
Castillo rejeita abordagens teológicas meramente abstratas ou autoritárias, propondo uma teologia crítica, criativa e em diálogo com as realidades concretas. Inspirado pelo espírito reformador do Concílio Vaticano II e pelo pontificado do Papa Francisco, ele enfatiza a necessidade de uma Igreja que se converta ao Evangelho, compreendendo-o como um chamado à solidariedade, à liberdade e à comunhão.
Para Castillo, o mistério da Trindade não deve ser reduzido a conceitos técnicos, como “processões” e “circuminsessões”, mas vivido como uma experiência comunitária e solidária de Deus. Essa perspectiva pastoral dialoga com as dimensões sociais e políticas da vida cristã, promovendo uma fé manifesta na defesa da dignidade humana e no compromisso com os direitos humanos.
A ideia central de sua obra, a “humanização de Deus”, encontra sua máxima expressão na encarnação de Cristo. Deus, ao assumir a condição humana, revela-se próximo, compassivo e libertador. A teologia de Castillo desafia-nos a refletir sobre as relações humanas cotidianas e a vida em comunhão, enfatizando que ser cristão é, antes de tudo, um chamado à transformação do mundo à luz do amor e da justiça.
A trajetória intelectual e espiritual de José María Castillo é analisada neste dossiê por diversos autores. O primeiro texto, de Juan José Tamayo, oferece uma visão abrangente da vasta bibliografia do teólogo, destacando os principais marcos de sua vida e obra. Castillo foi formado na Universidade Gregoriana de Roma durante o período do Concílio Vaticano II, onde absorveu as influências de renomados teólogos como Karl Rahner, Yves Congar e Edward Schillebeeckx. Inspirado por esses pensadores, ele desenvolveu uma teologia marcada pela ousadia e pelo compromisso com a renovação promovida pelo espírito conciliar. Apesar de enfrentar censuras e resistências por parte da hierarquia da Igreja, Castillo permaneceu fiel à coerência entre sua fé e suas ideias, consolidando-se como uma voz crítica e criativa na busca por uma Igreja mais autêntica e reformada.
Outros artigos deste dossiê exploram diferentes aspectos do pensamento de Castillo:
Em “Rendei a César o que é de César e a Deus o que é de Deus (Mc 12,17)”, Ricardo Pérez Márquez destaca como Castillo resgatou o Evangelho como um chamado à humanização e à defesa dos direitos humanos.
No artigo “José María Castillo e o resgate das memórias perigosas”, Roberto Nentwig explora o conceito de memórias perigosas na teologia de José María Castillo, inspirado por Johann Baptist Metz. O texto também discute a crítica de Castillo às instituições e práticas religiosas que se distanciam do caráter humanizador do Evangelho. A partir dessa perspectiva, propõe-se um resgate do compromisso com a justiça e a transformação social por meio de uma fé enraizada na realidade humana e nas aflições dos oprimidos.
Em “José María Castillo – Ser Cristão é Seguir Jesus”, Gláucio Alberto Faria de Souza reflete sobre o desafio de superar um cristianismo centrado em práticas religiosas e tradições, propondo a metáfora do seguimento como essência do Evangelho.
Em “A Humanidade de Deus: Uma Aproximação entre José María Castillo e José Tolentino Mendonça”, Eliabe Simplício da Silva e Jeferson Zeferino apresentam uma teologia do cotidiano que dialoga com as categorias pastorais e espirituais do Papa Francisco.
Por fim, no artigo “José María Castillo: Teólogo Comprometido, Parteiro da Primavera e Profeta do Reino”, José Manuel Vidal aborda a atuação de Castillo no pós-Concílio, sua convivência com grandes teólogos e sua contribuição para alinhar a pastoral da Igreja aos novos ventos conciliares.
A reflexão teológica de José María Castillo é um convite à Igreja para reencontrar o Evangelho como o centro da fé cristã, vivendo-o como um estilo de vida que revela a proximidade e a libertação de Deus. Sua teologia, enraizada na prática do seguimento de Jesus, continua a inspirar caminhos de transformação da fé e da sociedade.
Nesta sessão, apresentamos uma seleção de artigos que tecem reflexões entre o ontem e o amanhã da teologia, iluminando questões fundamentais do Brasil contemporâneo e do mundo. Com inspirações que vão de Paul Ricoeur ao Papa Francisco, os textos aqui reunidos revelam um mosaico de abordagens que conectam filosofia, teologia e práticas educacionais em busca de respostas às inquietações humanas e sociais de nosso tempo.
Os artigos convergem para a ideia de transformação: uma “teologia em saída” que reconhece Deus na história e no mundo; uma Igreja brasileira que, imersa nas heranças da cristandade, luta por ser uma comunidade missionária; e uma prática pastoral e ecológica que clama por misericórdia e cuidado com a Casa Comum. Essas reflexões, ao mesmo tempo críticas e proféticas, são convites para reimaginar a tradição, a educação e a espiritualidade em tempos de complexidade e esperança.
Em “Entre o espaço de experiências e o horizonte de expectativas: considerações ricoeurianas para pensar a escola brasileira na contemporaneidade”, Anita Pompéia Soares e José Sérgio Fonseca de Carvalho veem a escola como um lugar onde o passado e o futuro se encontram, redimensionando histórias massacradas e despertando novas expectativas. Inspirados por Paul Ricoeur, os autores propõem a escola como um espaço de resistência às lógicas coloniais, capaz de transformar o presente em algo vivo e significativo.
Em “A Hermenêutica crítica de Paul Ricoeur como estratégia de reconfiguração da tradição nos estudos literários hoje”, Erica Martinelli Munhoz explora a tensão entre hermenêutica e crítica das ideologias em Paul Ricoeur, conectando- -as à crítica literária feminista. O artigo destaca como a tradição pode ser tanto opressiva quanto um terreno fértil para reconfigurações que desafiam cânones e iluminam novos horizontes nos estudos literários.
Já em “Por uma ‘Teologia em Saída’: A contribuição dos estudos eclesiásticos para uma mudança epistêmica na teologia”, Alexandre Boratti Favretto discute a renovação teológica inspirada pela “Igreja em saída” do Papa Francisco. Com base na Veritatis Gaudium, o autor propõe uma teologia contextual e missionária, que dialoga com a filosofia e as ciências, respondendo aos desafios pastorais do mundo contemporâneo.
Em “De João Paulo II a Francisco: um panorama eclesiológico a partir da Igreja no Brasil”, Matheus da Silva Bernardes analisa a evolução eclesiológica da Igreja no Brasil pós-Vaticano II, destacando as tensões entre a cristandade e uma comunidade de discípulos missionários. O autor reflete sobre as contribuições de João Paulo II e Francisco para o contexto eclesial brasileiro.
Em “A alegria da misericórdia, caminho de Cristo, caminho da Igreja: Uma abordagem teológico-pastoral de Lc 15,1-7”, Vicente Artuso e Antonio Eduardo Pereira Pontes oferecem uma leitura pastoral da parábola da ovelha perdida, enfatizando a alegria divina pela conversão. O artigo reflete sobre o chamado à misericórdia e à inclusão como pilares da práxis eclesial no evangelho de Lucas.
Em “Correspondência entre a redenção universal e a ecologia integral”, André Luiz Rodrigues da Silva apresenta uma profunda reflexão sobre a relação entre a Soteriologia Universal e a Ecologia Integral. Referenciando Clemente de Alexandria e o Papa Francisco, o autor discute a urgência da ecoteologia como resposta aos desafios ambientais do mundo atual.
Também em “Profecia e Sacramentos: Os atos proféticos na economia salvífica”, Anderson Batista Monteiro explora como os gestos simbólicos de Jesus e dos profetas de Israel fundamentam a compreensão sacramental da salvação. O artigo destaca a dimensão profética do cristianismo como inspiração para a missão da Igreja no mundo contemporâneo.
Por fim, em “Evangelicalismo e Fundamentalismo nas origens do Protestantismo Brasileiro e a urgência do Pacto Educativo Global”, Antonio Lisboa e Vinícios Almeida investigam as raízes do protestantismo brasileiro, analisando influências como o fundamentalismo e a Teologia da Prosperidade. O artigo defende o Pacto Educativo Global, proposto pelo Papa Francisco, como uma via para superar desafios sociais e promover justiça e cidadania por meio das igrejas.
Esta edição contém ainda duas resenhas:
A obra “Abuso Espiritual: A manipulação invisível”, de Gabriel Perissé, é resenhada por Emerson Sbardelotti, destacando que a obra aborda de forma corajosa e desafiadora a questão do abuso espiritual, ressaltando sua relevância para a Teologia, Filosofia, Sociologia e Psicologia. O autor propõe caminhos para identificar e combater práticas abusivas, enfatizando a necessidade de relações interpessoais saudáveis e uma espiritualidade vivida com liberdade e autenticidade. Inspirado no seguimento de Jesus, Perissé sugere a prática de três virtudes fundamentais: respeito, diálogo e encontro, como base para uma fé plena e livre de manipulações.
A segunda obra é Declaração Dignitas Infinita – Sobre a Dignidade Humana, publicada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé. Resenhada por Vilk Junio Araújo de Lima, a Declaração foi apresentada em 25 de março de 2024 e aborda a centralidade da dignidade humana na Antropologia cristã e na sociedade. O texto fundamenta a dignidade humana como ontológica, inalienável e intrínseca a cada ser humano, e reflete sobre ameaças à dignidade, como pobreza, guerras e mudanças de sexo, alinhando-se à doutrina da Igreja e textos como Amoris Laetitia e Laudato Si’. A Declaração reafirma o respeito ao corpo humano como obra de Deus e defende a dignidade humana como um valor essencial.
Os textos apresentados nesta sessão dialogam com os desafios do presente, iluminados pelas tradições do passado e guiados por visões de futuro. São, ao mesmo tempo, pontes e faróis que instigam o leitor a repensar a fé, a educação e a sociedade à luz do Evangelho e da espiritualidade cristã.
Desejamos a todos uma excelente leitura!
Donizete José Xavier
Editor-chefe da Revista de Cultura Teológica