Diálogo, uma palavra-chave necessária ao nosso tempo

Autores

  • Donizete Xavier

DOI:

https://doi.org/10.23925/rct.i94.46609

Resumo

Este último número da Revista Cultura Teológica do ano 2019 reúne reflexões que nos faz pensar a relação dialógica entre Deus e homem numa perspectiva antropológica. Embora o “Diálogo” percorra todo o itinerário da história humana, foi no século passado que teve suas principais intuições. Nomes como Martin Buber, Ferdinand Ebner e outros, com suas filosofias das intersubjetividades, contribuíram para que essa palavra se tornasse chave no coração do movimento ecumênico. Expondo as preocupações de Paulo VI e tecendo o vocabulário do Concílio Vaticano II, o diálogo ganhou profunda conotação teológico-pastoral no horizonte do pensamento católico. Para Montini, esse deve configurar-se segundo o modelo do diálogo divino da salvação. Como que em círculos concêntricos e instrumento da mensagem da Igreja ao Mundo, o diálogo deve ser encaminhado aos cristão separados, aos judeus, aos mulçumanos e à humanidade inteira, incluindo os ateus. Como afirma o Concílio Vaticano II, o diálogo tem particular importância no contexto da atividade missionária da Igreja (AG 11). Como afirmara o teólogo Karl Rahner: “o diálogo tem de configurar-se segundo o modelo do eterno diálogo divino, o exemplo da Palavra encarnada na humanidade e os incertos passos dos que entram na busca dialógica com Deus”. É aqui que o diálogo torna-se uma palavra chave necessária ao nosso tempo, principalmente diante do grande apelo ético-ecológico que estamos vivendo. Nesse sentido, a Encíclica do Papa Francisco Laudato si’, bem como o Sínodo para a Amazônia tocam em profundidade o problema da degradação do planeta e a necessidade de colocar em diálogo essa questão com a situação da exclusão e da injustiça social. Para Francisco, a voracidade produtiva e consumista agrava a injustiça ambiental e a injustiça social. Essas duas injustiças clamam pelo diálogo e a responsabilização de todos ao cuidado da casa comum. Nessa perspectiva, com um tom bastante ecológico e ecumênico, este número, antes de ser reservado a poucos que habitam um terreno específico teológico e, consequentemente, ser um trabalho unilateral, é muito mais e principalmente um arcano de interpretações fecundas que se encontram. É jus começarmos nossa leitura pelo texto de Márcia Maria de Oliveira, Desafios e perspectivas do processo de preparação do Sínodo Especial para Amazônia, uma vez que a autora apresenta reflexões que brotam da vivência do processo de preparação do Sínodo para a Amazônia, abordando alguns recortes da participação no V Simpósio Internacional do Programa de Pós-Graduação em Teologia da Pontifícia Universidade Católica da São Paulo – PUC/SP, e pontuando alguns fragmentos da leitura do texto Os patrões do Purus: elites fundiárias, poder e novas dinâmicas territoriais no sul do Amazonas, que apresenta os aspectos históricos dos processos de subjugação e dominação dos diversos povos da Amazônia a partir do processo de colonização. Por fim, apresenta pressupostos teóricos e conceituais para o entendimento do paradigma do Bem Viver enquanto experiência de cuidado da Casa Comum vivenciada pelos diversos povos da Amazônia, com destaque para o protagonismo das mulheres. Nessa linha, inscreve-se o artigo de Germán Roberto Mahecha Clavijo La salida es hacia adentro: trazos para una espiritualidad ecológica. Para o teólogo colombiano, a reflexão sobre o que está acontecendo em nossa casa comum é um tema de interesse para as ciências humanas e sociais, nas quais a riqueza mal distribuída, a exploração do trabalho e o abuso de poder – entre muitas outras situações – são percebidos como a ponta visível de uma profunda crise antropológica. Por essa razão, fazer referência à espiritualidade ecológica se apresenta à teologia como um desafio que obriga a proclamar uma mensagem de esperança, baseada na Palavra e Tradição cristãs, enquanto constitui um sinal dos tempos que o teólogo de hoje deve ser capaz de ler e dialogar. Se a ecologia é um dos temas centrais e emergente para a reflexão teológica da atualidade, essa não se dá à margem do permanente apelo à educação e humanização, interpelado pelos caminhos da América-Latina. Nesse sentido, Francisco das Chagas Albuquerque, em Medellín e Tradição eclesial latino-americana: educação e humanização, propõe uma hermenêutica da recepção do Vaticano II pela II Conferência Geral do Episcopado latino-americano como marco teológico e pastoral constitutivo da Tradição eclesial latino-americana e do Caribe. Para o autor, sob a inspiração evangélica fundamental: a opção pelos pobres, todo o corpo eclesial poderá desempenhar a missão em múltiplas frentes de evangelização, em vista da humanização de homens e mulheres e da própria história. Um dos fundamentos e meio que vem de Medellín para se atualizar e prosseguir o itinerário eclesial é a ação educativa a partir do sinal dos tempos. Essa é uma “emergência educativa”, a qual se apresenta como desafio e oportunidade para que a Igreja siga contribuindo com a humanização. Nessa mesma linha, Fabrício Veliq, em Engajamento e esperança: considerações acerca de Medellín e a Teologia da Esperança de Jürgen Moltmann, procura mostrar a relação entre, de um lado, as considerações feitas pelos bispos de Medellín acerca de uma teologia para os povos da América Latina que lidavam com situações de opressão por parte dos regimes autoritários em diversos lugares do continente e, de outro lado, a teologia da esperança proposta por Jürgen Moltmann. Mesmo falando de contextos e realidades diferentes, acreditamos que há aproximações que merecem ser consideradas entre as realidades analisadas pelos bispos de Medellín e a categoria da esperança, conforme construída teologicamente por Jürgen Moltmann. Consciente de que o diálogo é a forma não violenta do reconhecimento do outro, o artigo de Waldir Souza e Luis Fretto afirma que estamos vivendo numa época em que a humanidade está habituada às notícias cruéis e desumanas, na qual prevalece a produção e o comércio de armas, gerando vários tipos de violências. Para os autores, a violência se torna explícita numa sociedade frágil e totalmente vulnerável, por meio de múltiplas faces ideológicas que prometem soluções rápidas. Contudo, se existe, na sociedade, o lado assustador da violência, também aparece a profunda solidariedade e cooperação que são continuamente destacadas no convívio social. Nesse sentido, numa perspectiva de diálogo, espera-se que a nossa sociedade evidencie, no lugar de uma cultura da violência alimentada pelo egoísmo e a morte, uma cultura da ternura, de amor e de vida proposta à toda a sociedade. Somente assim, no sentido do reencontro com o sentido da ternura, poder-se-á inverter o triunfalismo das ideologias, do iluminismo, pelo sentido da hospitalidade, da valorização, da diferença, do respeito amoroso da natureza e do ambiente. Considerando a importância do diálogo a todos os níveis da vida, há que considerar o seu valor com outras religiões. Nesse horizonte, Ali Reza Jalali e Mohammad Reza Afroogh, em A Philosophical study fof man his natura in the Holy Quran and the acient Upanishsad, afirmam que a natureza humana é um assunto complexo muito difícil de se compreender. Para os autores, sem conhecer e se familiarizar com a antropologia da religião, o conhecimento dessa não será suficente. Sendo assim, propõem discutir a ideia da natureza humana a partir da perspectiva do livro do Sagrado Alcorão e dos antigos Upanishads, obras importantes e sagradas do Islã e do Hinduísmo. O Alcorão Sagrado conhece a natureza humana como pura e incondicional, que sempre busca e ama a retidão e odeia a falsidade e a impureza, e os antigos Upanishads consideram a natureza humana como uma parte da perjapacidade que é pura e inocente e insiste em dizer que Deus e o homem têm um relacionamento direto e Ele criou o homem a partir de Sua natureza. Aproximando-se da história da imigração no Brasil e o papel da ação missionária dos cristãos, Júlio César Tavares Dias, em Traços Nipônicos no rosto do protestantismo brasileiro: ensaio sobre a vida de João Yasoji Ito, ressalta que, a partir do ano de 1908, começam a chegar ao Brasil imigrantes japoneses que se dedicaram à agricultura e estabeleceram colônias principalmente no estado de São Paulo. Para lhes prestar assistência espiritual, decide vir também do Japão o missionário anglicano João Yasoji Ito, cujo empenho evangelizador se mostra eficaz, pois muitos se converteram. Ito desempenhou várias atividades em prol de sua missão e buscou que as comunidades que fundou não fossem reconhecidas como igrejas dos japoneses, mas se incorporassem à sociedade brasileira. Esse representa um importante episódio da história do protestantismo no Brasil, uma vez que essa história é geralmente ligada à vinda de missionários da América do Norte. Célia Maria Ribeiro, em O exercício da Obediência em favor da unidade eclesial, analisa a relação eclesial entre Pe. Pedro Arrupe e o Papa João Paulo II no momento emblemático de transformações mundiais decorrentes da II Guerra Mundial, quando são observados o estabelecimento de regimes totalitários e a disseminação de ideologias combativas à ortodoxia cristã católica. Para a autora, a história sempre tem fatos e pessoas que, cedo ou tarde, dão margem a revisões dos registros produzidos ao longo do tempo, suscitando novos questionamentos pelas nuances pouco exploradas ou envolvidas numa névoa de dúvidas. Somente a partir de uma releitura, faz-se possível o preenchimento de lacunas ou mesmo a inserção de dados literalmente desconsiderados em toda a trajetória passada. Marcelo Lopes, em Protestantismo e intolerância: caminhos para um diálogo interdenominacional, traz a lume o fenômeno da manifesta adesão de alguns líderes e leigos assembleianos à doutrina calvinista ou reformada na Igreja Evangélica Assembleia de Deus no Brasil. O autor reflete uma mudança diametral ou um ponto de inflexão doutrinário na maior denominação pentecostal brasileira. André Anéas e Donizete José Xavier refletem o passado do protestantismo e, a partir de uma reflexão histórica, proporcionam caminhos para superação dos desafios do diálogo interdenominacional no cristianismo contemporâneo, tão marcado pela intolerância religiosa. Para os autores, o Protestantismo da Reta Doutrina (PRD), tipo ideal definido por Rubem Alves e cuja ênfase está na Confissão da Reta Doutrina, ainda se faz ouvir na contemporaneidade. Seu caráter repressivo e características distintas, como a detenção da verdade absoluta, clima bélico e, consequente, intolerância, ainda possuem representantes ativos no cenário religioso brasileiro. O local histórico de constituição da identidade do PRD se localiza nos séculos XVI e XVII, época da Contrarreforma católica e das guerras religiosas na Europa. Somente com uma análise crítica desse passado é possível o estabelecimento de alternativas para a contenção da intolerância religiosa nesse segmento cristão. Mario Lopes, em Na corda Bamba: notas introdutórias sobre a adesão ao calvinismo nas Assembleias de Deus no Brasil, traz a lume o fenômeno da manifesta adesão de alguns líderes e leigos assembleianos à doutrina calvinista ou reformada na Igreja Evangélica Assembleia de Deus no Brasil. Laude Erandi Brandenburg, Fernando Batista de Campos e Pablo Rangel Cardoso da Costa Souza, em As competências gerais da BNCC na área do ensino religioso: princípios normativos de coesão e esperança, analisam as funções das 10 Competências gerais da Base Nacional Comum Curricular homologada em 2017, a BNCC, e sua relação com a formação docente em cursos de Licenciatura em Ciências da Religião – Ensino Religioso. Para os autores, as competências gerais perpassam o conhecimento proposto nas unidades de ensino do Brasil, permitindo que o processo de aprendizagem seja integral. Ceci Maria Costa Baptista Mariani e Valmir Rubia da Silva, em Da cegueira à mística de olhos abertos: uma análise da poesia de Adélia Prado a partir de Benjamin Fonzáles Buelta e Johann Baptist Metz, afirmam que, a partir do conceito de “mística de olhos abertos” de Metz, compreende-se que, na fé cristã, se acha sempre presente uma qualidade, que seria a busca pela justiça. Por outro lado, resgatando a frase de K. Rahner: “O cristão do futuro ou será um místico ou não será cristão”, Buelta compreende a mística como “uma dimensão de toda a vida humana” e, não, como algo reservado a privilegiados, mesmo que, em algumas de suas expressões, atinjam níveis de profundidade maior. Nesse sentido, citando Metz, Buelta esclarece que, em uma “mística de olhos abertos”, a percepção não se restringe a nós, mas se intensifica no contato com o sofrimento do outro. Em ambos os pensadores, Metz e Buelta, a relação entre espiritualidade-mística e secularidade identifica-se, nas expressões poéticas, sinais de transcendência presentes no século que possam caracterizar uma Teopoética na perspectiva Mística. Maria Freire Silva, em O descentrar-se humano em sua dimensão kenótica no comentário aos Cântico dos Cânticos de Gregório de Nissa, apresenta a mística e o descentrar-se humano em sua ascensão para Deus, no comentário ao Cântico dos Cânticos de Gregório de Nissa, que, a partir da adoção do método de interpretação alegórico-tipológico, demonstra o itinerário da alma para Deus, numa dialética de presença e ausência. A autora se propõe a elaborar uma breve apresentação dos termos fundamentais da mística nissena como: Epéktais, Imagem, Ágape e eros. Em seguida, adentra no conteúdo das quinze homilias por meio das quais Nissa comenta o Cdc. Considera o método alegórico-tipológico utilizado por Nissa, bem como a influência alexandrina e, sobretudo, de Orígenes na interpretação nissena. Por fim, analisa como se evidencia o descentrar-se humano numa dimensão kenótica no Cântico dos Cânticos de Gregório de Nissa. Por fim, Boris A Nef Ulloa e Jean Richard Lopes, em Sinodalidade, caminho de comunhão e unidade, segundo Atos dos Apóstolos, apresenta uma reflexão teológico-bíblica, não exegética, sobre a sinodalidade nos Atos dos Apóstolos, prática que nasce da consciência, primeiro, da convocação de Deus – guia da história da salvação – a Israel e, por meio dele, à humanidade inteira. A resposta a essa convocação consiste num caminho feito em conjunto, segundo o desígnio divino. Para os autores, Atos dos Apóstolos descreve o caminho das testemunhas, confirmadas pelo Espírito, no desenvolvimento do esquema geográfico-teológico estabelecido por Jesus Cristo, o Ressuscitado: “Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria e até os confins da terra” (At 1,8). As comunidades vivem um longo processo de organização. Diante das várias dificuldades estruturais e de convivência étnico-cultural, a assembleia junto de seus pastores busca soluções segundo uma dinâmica sinodal. Assim, a sinodalidade caracteriza-se pela convicção de que a presença do Ressuscitado é atualizada pelo Espírito Santo, que qualifica a vida de todos os batizados para o testemunho maduro e dinâmico capaz de ser sinal de comunhão e unidade. Por fim, Emerson Sbardelotti, Doutorando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, apresenta a resenha do Documento Final da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a região Amazônica, intitulado Amazônia: Novos Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral. Brasília: Edições CNBB, 2019.

Desejo a todos os leitores uma boa leitura.

Prof. Dr. Donizete José Xavier

Editor científico

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Publicado

2019-12-24

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Seção

Apresentação