ARTIGO  
Influências na escrita do gênero abstract: a  
questão das fronteiras interdisciplinares  
Influences in writing of abstracts: the interdisciplinary boarders  
FLUXO DA SUBMISSÃO  
União da Faculdade dos Grandes Lagos, São José do Rio Preto, SP, Brasil.  
Submissão do trabalho: 18/01/2023  
Aprovação do trabalho: 04/07/2023  
Publicação do trabalho: 15/09/2023  
Universidade Estadual de São Paulo, São José do Rio Preto, SP, Brasil.  
Resumo  
1
0.23925/2318-7115.2023v44i2e60602  
O objetivo deste artigo é mostrar a importância de se considerar as  
características intradisciplinares inerentes a uma disciplina específica –  
e interdisciplinares relação desta disciplina com outras que se  
encontram em intersecção com ela no fazer científico. Para tanto, 24  
abstracts publicados em dois periódicos A1 da área de Linguística foram  
analisados tanto retoricamente, com base no modelo de Gil (2011),  
quanto linguisticamente, com base nos estudos de Hyland (1998, 2005,  
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002, 2012). Os resultados apontam que, apesar de a disciplina de  
Linguística estar inserida nas Ciências Humanas, nos periódicos  
analisados, ela apresenta interface com disciplinas biológicas,  
agregando crenças científicas dessas disciplinas em seu fazer científico  
e, consequentemente, influenciando na materialização retórica e na  
modalização uso de hedges e boosters - dos abstracts publicados.  
Palavras-chave: Abstract; Ciências Humanas; Linguística; Gênero entre  
Disciplinas.  
Abstract  
The purpose of this paper is to show how important it is to consider intra-  
disciplinary features  a discipline and its characteristics  and inter-  
disciplinary features  the relationship between this discipline and others  
that it intertwines with in science. We analyzed, both rhetorically (GIL, 2011)  
and linguistically (HYLAND, 1998, 2004, 2002, 2012), 24 abstracts taken from  
Distribuído sob Licença Creative Commons  
Influências na escrita do gênero abstract: a questão das fronteiras interdisciplinares  
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two journals on Language and Linguistics. The results show that, in spite of being part of Human  
Sciences, in the journals concerned, Language and Linguistics features interface with Biological  
disciplines, which add their scientific beliefs in their practices and influence on rhetoric and  
modalization the use of hedges and boosters in published abstracts.  
Keywords: Abstracts; Humanities; Linguistics; Genre across disciplines.  
1.  
Introdução  
Os fenômenos da tecnologia e da globalização são fundamentais para se pensar as  
modificações sofridas na e pela ciência. Uma das consequências dessa maior intersecção entre as  
regiões do globo, encurtamento de distâncias e rapidez de interação é a comodificação da  
academia (SWALES, 2004; RADDER, 2010). De maneira mais superficial, ela pode ser vista na venda  
de roupas e materiais com os logos das universidades, por exemplo. De forma mais implícita, ela  
atua com modificações nos currículos básicos dos cursos, que agora não são apenas elaborados  
para cumprir as expectativas das áreas ou as ofertas tradicionais da instituição, mas sim para  
cumprir as expectativas e as necessidades do aluno, do “cliente”.  
Outra forma de se ver essa mercantilização em ação é por meio do denominado boom, por  
Becker e Trowler (2001), de novos departamentos, novos cursos e novas disciplinas disponíveis  
nas universidades, tornando os saberes cada vez mais fragmentados e especializados. Esses  
saberes - tanto os antigos quanto os novos - estratificam-se de várias formas em diferentes lugares  
a fim de uma melhor organização das disciplinas, principalmente por universidades,  
departamentos e grupos sociais.  
Uma das classificações dos saberes é a dicotômica divisão em ciências duras (Exatas e  
Biológicas) versus ciências moles (Ciências Humanas e Sociais), pautada em critérios como rigor  
metodológico, objetividade e exatidão. Singh (2006) caracteriza as ciências duras por teorias  
científicas absolutas e irrefutáveis no campo e por métodos quantitativos, exatos e matemáticos,  
com enfoque nos resultados encontrados e na metodologia empregada. O autor também define  
ciências moles, por oposição direta, como pautadas pela flexibilidade e pela maleabilidade de  
teorias, além de possuir maior número de pesquisas qualitativas e subjetivas, cujo enfoque é a  
riqueza teórica proveniente do debate e da articulação de ideais prévias em seus respectivos  
campos.  
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Beatriz GIL; Solange ARANHA  
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Apesar de comumente difundida, para Becker e Trowler (2001), essa divisão carrega  
pressupostos que vão além da área científica, relacionando os termos “duro” como algo  
valorizado, difícil de aprender e “mole” como fácil, maleável, logo, em posição de desvalorização.  
Essa questão, conforme desenvolvida pelos pesquisadores, acarreta generalizações das  
disciplinas e suas características, fazendo com que processos importantes como conhecimentos  
das práticas discursivas que as regem e as formas de interação entre seus membros sejam  
simplificados e não pensados de acordo com as especificidades inerentes de cada disciplina.  
Considerando essa problemática, assume-se neste trabalho a posição proposta pelos  
autores, na qual as disciplinas devem ser vistas não apenas por suas características inerentes, mas  
também pelas suas “vizinhanças” científicas, ou seja, por outras disciplinas e abordagens que  
apresentam interface com ela (GIL, 2014, GIL; ARANHA, 2017; GIL, 2022).  
Assim, fazemos uma divisão entre características intradisciplinares e interdisciplinares. A  
primeira reflete os traços intrínsecos e inerentes de uma área e disciplina. Sua orientação em  
Ciências Humanas ou Ciências Exatas seu escopo de pesquisa no mundo, as metodologias de  
pesquisa recorrentes e empregadas pelos pesquisadores, maior ou menor diálogo com teorias  
pré-existentes, resultados frutos de reflexão e observação ou de coleta e análise, por exemplo,  
são algumas delas.  
Já a segunda explora as relações de uma disciplina com outras que a cercam e apresentam  
relação direta no modo de fazer científico. Dessa forma, a observação dos saberes que circundam  
determinada prática disciplinar, avaliação de políticas editoriais no caso de periódicos -, e teorias  
apropriadas de outros campos são fundamentais.  
Os autores propõem um agrupamento de disciplinas que permite pensá-las em um  
continuum, no qual, além da questão dicotômica (ou extremista) de “dura” ou “mole”, considera-  
se a orientação pura e aplicada, flexibilizando a forma de se ver as disciplinas e suas fronteiras com  
outras. Há a existência de quatro quadrantes: Ciências Exatas Puras (hard-pure), Ciências Humanas  
Puras (soft-pure), Tecnologias (hard-applied) e Ciências Humanas Aplicadas (soft-applied). Dessa  
forma, é possível que uma disciplina humana pura apresente mais características de proximidade  
de uma disciplina exata pura do que de uma humana aplicada, por exemplo. Como as disciplinas  
são multidimensionais, mesmo que uma apresente um objeto de estudo já definido, ele pode se  
modificar se analisarmos suas subdisciplinas, por exemplo. As disciplinas também se diferenciam  
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pelas suas intenções: enquanto umas são mais preocupadas com a reflexão e com o saber, outras  
são centradas no fazer.  
Atualmente, a Linguística, enfoque desde trabalho, enquadra-se, de acordo com  
classificação Capes, no colégio de Humanidades, notadamente na grande área de Linguística,  
Letras e Artes. Seu escopo é o ser humano, mais especificamente os fatos relacionados aos  
falantes e a forma como eles se comunicam. É uma disciplina que apresenta interfaces com outras  
áreas do conhecimento, como, por exemplo, literatura, pedagogia, acústica, anatomia,  
neurociência e psicologia, observando-se um escopo de estudo vasto e complexo, mobilizando  
diferentes tipos de conhecimento em suas pesquisas.  
Por classificar-se como Humanidades, espera-se que a Linguística apresente alguns traços  
constitutivos das ciências moles, como pesquisas qualitativas, fronteiras relativamente mais  
permeáveis e tolerantes às divergências quando comparadas com as fronteiras mais definidas das  
ciências duras. Seguindo a classificação de Becher e Trowler (2001), ela se enquadraria como uma  
ciência humana pura, com fronteiras internas fracas e a movimentação entre elas mais livre,  
propiciando o sucesso de novas teorias e esquecimento de outras mais facilmente.  
Com a finalidade de observar, na prática, as implicações das disciplinas e suas vizinhanças,  
conforme discutido por Becher e Trowler (2001), em nosso recorte de pesquisa  a subárea de  
Linguística - buscamos não só as propriedades inerentes a ela, mas também como sua natureza e  
as relações de proximidade com outras disciplinas influenciam em sua escrita.  
Para tanto, o objetivo deste artigo é analisar 24 abstracts retirados de duas publicações em  
língua inglesa, da área de Linguística Brain and Language e Journal of Phonetics com a finalidade  
de (i) observar as estruturas retóricas (GIL, 2011; GIL; ARANHA, 2017), discutido na seção 2 e (ii) a  
modalização do pesquisador por meio de hedges e boosters (GIL, 2022; HYLAND, 1998, 2002, 2004,  
2
012), discutido na seção 3 e considerar, com base nos achados, a importância de uma escrita de  
gêneros textuais que priorize os aspectos sociais intra e interdisciplinares.  
2
.
O gênero abstract  
A visão da escrita e do gênero como influenciados pelas disciplinas e subdisciplinas na qual  
o sujeito está inserido é uma das contribuições mais importantes feitas pelas pesquisas na área de  
EAP. Hyland (2018) atesta que sobram argumentos que mostram como as escolhas retóricas  
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variam grandemente de uma disciplina para outra porque expressam práticas epistemológicas e  
sociais diferentes. A mesma variação pode ser vista ao se considerar elementos linguísticos, como,  
por exemplo, em Hyland (2004), o uso dos recursos interacionais e modalizadores, apontando  
para uma diferença no uso entre as disciplinas.  
Estudos desse cunho, notadamente nas abordagens da análise de gênero na sociorretórica  
e gêneros entre disciplinas (genre across disciplines) (BECKER E TROWLER, 2001; HYLAND, 1998,  
2
004, 2002, 2012; SWALES 1990, 2004; BHATIA 1993, 2004; GIL; ARANHA, 2017; GIL, 2022; entre  
outros), mostram que a observação prévia das características intradisciplinares e interdisciplinares  
é fundamental na materialização de um texto aceito pela academia.  
Para exemplificar a questão das características interdisciplinares, tomemos como base o  
estudo de Gil e Aranha (2017). Nessa pesquisa, as autoras analisaram dois periódicos qualis A1 da  
área de Antropologia e observaram que, apesar de ambos os periódicos serem da mesma  
disciplina, a aproximação de um com questões humanas e sociais e do outro com abordagens mais  
matemáticas acarretaram diferentes materializações do gênero abstract provenientes não da  
área/disciplina em si, mas de elementos vizinhos a elas.  
A seguir, apresentamos o modelo para a análise de estrutura retóricas utilizado na pesquisa  
relatada:  
Quadro 1. Reformulação do modelo para abstracts Gil (2011) apresentado em Gil e Aranha (2017)  
Movimento 1 Contextualização: Nesse movimento, o autor introduz o leitor na área em que a  
pesquisa está inserida, no panorama atual do problema que será discutido ou ainda uma breve  
explicação de ferramentas de pesquisa, textos, autores, entre outros que serão usados pelo  
autor.  
e/ou  
Movimento 2  Objetivos: Esse movimento tem por finalidade mostrar ao leitor quais os  
objetivos do autor com a pesquisa.  
e/ou  
Movimento 3  Metodologia: O autor informa o leitor de como a pesquisa foi realizada,  
metodologia, dados, linhas de pesquisa.  
e/ou  
Movimento 4 Resultados: A função do movimento Resultados é indicar alguns dos resultados  
encontrados na pesquisa.  
E/ou  
Movimento 5 Conclusões: Nesse movimento o autor interpreta os resultados encontrados.  
[Os movimentos acima] E/ou  
Movimento único  Estruturação: O autor estrutura todo seu resumo em forma de passo a  
passo, cada oração tem por finalidade esclarecer um ponto que será encontrado no artigo.  
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Neste movimento, centraliza-se a presença do autor, clamando por sua relevância e seu espaço  
de ação na condução da pesquisa.  
Fonte: GIL; ARANHA, 2017, p.854.  
O modelo privilegia duas possibilidades distintas na escrita do abstract. A primeira  
possibilidade (Movimentos de 1 a 5) proposta por Gil (2011), baseada na discussão e nos modelos  
propostos por Bhatia (1993) e Swales e Feak (2009), centra-se na escrita de um abstract mais  
tradicional na literatura de gêneros. Essa estrutura prevê cinco movimentos, todos derivados de  
partes essenciais na condução do fazer científico e, consequentemente, na estrutura do artigo de  
pesquisa.  
O exemplo abaixo, retirado do corpus dessa pesquisa, ilustra o que seria a materialização  
desses movimentos:  
Excerto 1. Movimentos retóricos  
[
M2] We investigated processing of metaphoric sentences using event-related  
functional magnetic resonance imaging (fMRI). [M3] Seventeen healthy subjects  
6 female, 11 male) read 60 novel short German sentence pairs with either  
(
metaphoric or literal meaning and performed two different tasks: judging the  
metaphoric content and judging whether the sentence has a positive or negative  
connotation. Laterality indices for 8 regions of interest were calculated: Inferior  
frontal gyrus (opercular part and triangular part), superior, middle, and inferior  
temporal gyrus, precuneus, temporal pole, and hippocampus. [M4] A left  
lateralised network was activated with no significant differences in laterality  
between the two tasks. The lowest degree of laterality was found in the temporal  
pole. Other factors than metaphoricity per se might trigger right hemisphere  
recruitment. [M5] Results are discussed in the context of lesion and hemifield  
studies.  
Com base no exemplo acima, é importante salientar que, apesar de o modelo prever cinco  
movimentos, eles são possíveis, e não obrigatórios. Assim, é perfeitamente possível a escrita de  
um abstract aceito pela comunidade que não apresente as conclusões ou a contextualização da  
pesquisa, por exemplo. Para Swales e Feak (2009), Gil (2011) e Gil e Aranha (2017), a decisão de  
quais movimentos são fundamentais no abstract é, em grande proporção, relacionada com a área  
e disciplina na qual ele circulará, reivindicando, mais uma vez, a necessidade de se pensar o  
contexto de ensino e aprendizagem de línguas aplicada às esferas de circulação do texto.  
A segunda possibilidade de materialização do gênero foi inicialmente observada por Gil  
(
2011), em artigos científicos da área de Tradução que não se encaixavam nessas estruturas pré-  
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reconhecidas por Bhatia (1993) e Swales e Feak (2009), motivando a necessidade de uma  
expansão no modelo. O movimento foi chamado de Estruturação, ou seja, uma materialização  
textual que remetia a divisão do texto em si, como um índice no qual cada sentença sintetizava  
um passo desenvolvido pelo autor em determinada parte do texto, sem seguir, necessariamente,  
a questão de metodologia, resultados, entre outros.  
Outro dado importante é que linguisticamente é comum a centralidade da presença do  
autor, clamando a sua responsabilidade e seu espaço de ação na pesquisa. Foi observado que, nos  
casos em que apareciam esse tipo movimento, havia a presença de metodologias de pesquisa  
qualitativa, nas quais as observações e interpretações dos autores são primordiais para o  
estabelecimento dos achados científicos. Uma das principais características é a presença  
linguística desse autor, principalmente, por meio de pronomes pessoais explícitos (eu, minha, nós,  
por exemplo) e verbos pessoais.  
Essas características como cunho de pesquisa qualitativo e foco na figura do autor e no seu  
fazer científico leva à reflexão do movimento de Estruturação ser característico das Ciências  
Humanas, uma vez que permite a emersão e posicionamento dessa figura autoral no diálogo com  
teorias prévias. Traço esse não recorrente nas Ciências Exatas e Biológicas, de acordo com Hyland  
(1998, 2002, 2005, 2012) já que trazem como marca um discurso mais impessoal.  
Em “excerto 2”, um exemplo de abstract, retirado do corpus de Estudos da Tradução (GIL,  
2
011), escrito por estruturação:  
Excerto 2. Estruturação.  
[
Estruturação] Tendo em vista a especificidade do texto teatral, debatemos quais os  
elementos desse gênero devem ser preservados na tradução; discutimos a importância  
de algumas metáforas-base e das materializações no texto poético teatral como fios  
condutores da tradução. Finalmente, focalizamos as aparições da metáfora da terra (gê)  
na peça de Sófocles, Édipo Rei e suas eventuais substituições por outros termos.  
Uma questão importante a se considerar aqui é a “estabilidade instável” dos gêneros,  
conforme desenvolvido por Swales (2004), ou seja, apesar de ser reconhecido por traços estáveis  
e repetíveis, os gêneros também abrigam certo espaço para expressão da criatividade, do estilo e  
das necessidades específicas dos autores e suas áreas. Bazerman (2009), na mesma direção,  
trabalha a noção de tipificação, definida como “a regularidade com que os textos executam  
tarefas reconhecidamente similares, e para ver como certas profissões, situações e organizações  
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sociais podem estar associadas a um número limitado de tipos de textos” (BAZERMAN, 2009, p.  
9).  
1
Esse conceito abarca dentro de si duas noções-chave: (i) a noção de situação retórica  as  
características do contexto, demandas situacionais, motivação dos participantes do discurso e os  
efeitos pretendidos; e (ii) recorrência  a partir da recorrência das situações retóricas, isto é, de  
sua repetição, conseguimos depreender relações de semelhança, tipificando-a, e criando um  
padrão de respostas adequadas àquela situação. A tipificação cria enunciados padronizados que  
criam expectativas de como agir em determinada situação.  
Os gêneros emergem dessa padronização, dessas ações tipificadas criadas em uma  
sociedade. Assim, os gêneros apresentam características recorrentes que facilitam o seu  
reconhecimento pelas pessoas/comunidades que o usam, pautando-se por uma estabilidade da  
forma pela qual se materializa e pelo conteúdo esperado.  
Para Bazerman (2009), o gênero, na realidade, não está localizado no texto, ele não é o  
objeto empírico em si, mas sim é uma categoria de reconhecimento psicológico, construído com  
base nas práticas sociais comuns e reconhecidas ao longo do tempo e da história, agregando o  
traço de reconhecimento social ao gênero.  
Destarte, ele é o meio pela qual as pessoas realizam suas atividades, estão inseridas dentro  
de situações comunicativas e são ferramentas de interação e construção de significados. Devido  
a isso, soma-se a estabilidade dos gêneros certo espaço de ação que permite mínimas  
modificações no gênero, resumindo o que Swales (2004) chama de estabilidade instável,  
agregando o traço paradoxal de que o gênero é tanto regularidade quanto mudança, e é essa  
dinamicidade que separa um sujeito leigo e iniciante em determinadas práticas de um sujeito  
perito.  
3.  
A dimensão linguística do gênero: o caso dos hedges e boosters  
Nas pesquisas de Hyland (1998, 2002, 2005, 2012) os padrões linguísticos são usados para  
se pensar nas crenças das disciplinas sobre como fazer pesquisa. Para tal fim, ele se propõe a  
investigar o metadiscurso - “conjunto de traços característicos que, quando vistos juntos, ajudam  
a explicar as interações entre os produtores e seus textos e entre os produtores e usuários”  
(HYLAND, 2005, p.125) - dentro da escrita acadêmica.  
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Para aplicar esta análise aqui, foi escolhido o recorte do que o autor denomina hedges e  
boosters. Ambos são considerados recursos interacionais, mais especificamente Stance, ou seja,  
os esforços do escritor em dosar sua personalidade no texto e construir uma relação apropriada  
com seus dados, argumentos e público. Eles trazem a voz autoral no texto, a forma pela qual o  
autor se mostra, como apresenta suas opiniões, julgamentos e comprometimentos.  
Dessa forma, os hedges são elementos linguísticos que permitem a modalização do  
discurso, a apresentação de uma informação como uma leitura possível (poderia, talvez,  
possivelmente). Em contrapartida, os boosters usados para exprimir certeza sobre alguma  
proposição ou opinião (deve, com certeza, sem dúvidas).  
Hyland (2005, 2011) observa que há grandes diferenças entre as disciplinas humanas e  
sociais de as exatas e biológicas, e que essas diferenças refletem a forma como cada uma concebe  
pesquisa e discurso acadêmico. Nas Engenharias e Ciências Exatas, existe a crença da objetividade  
linguística, como consequência os autores privilegiam uma linguagem mais impessoal e direta,  
desconsiderando posicionamentos mais interpretativos, assim o texto e os fatos “falam por si só”.  
Hyland (2011) também aponta que, nessa área, os pesquisadores estão mais familiarizados com  
pesquisas e textos anteriores, além de dividirem um conhecimento partilhado maior e se calcarem  
nos mesmos métodos, não sendo necessário, portanto, um forte elemento interpessoal,  
permitindo uma visão mais impessoal e indutiva da ciência, uma visão que mostra o cientista  
“descobrindo” a verdade e não a construindo. Apesar de haver o uso de hedges e boosters, eles  
estão presentes em menor quantidade do que nas Ciências Humanas e Sociais, como uma forma  
de diminuir o papel do escritor e garantir uma escrita mais impessoal.  
Já as Ciências Humanas e Sociais possuem a necessidade de um diálogo maior, uma vez  
que há diversos pontos de vista sobre um mesmo objeto. Além disso, são de natureza mais  
interpretativa e contextualmente influenciadas. Isso se confirma pela maior presença de hedges e  
boosters do que nas disciplinas exatas, por exemplo. Os hedges permitem que o autor seja mais  
cauteloso, sem impor somente uma explicação para determinado fato, enquanto os boosters  
ajudam a estabelecer o significado da pesquisa.  
Hyland (2011, p. 196) argumenta que a academia não produz apenas textos que  
representam plausivelmente uma realidade externa, e sim usam a linguagem para reconhecer,  
construir e negociar as relações sociais. As diferentes formas no uso dessa linguagem nos  
mostram como os escritores veem seus leitores e as disciplinas das quais fazem parte. Por meios  
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da análise do metadiscurso, é possível observar as convenções discursivas das diferentes  
disciplinas, e notar que elas são persuasivas por carregarem as crenças sociais e epistemológicas  
de seus membros, como as práticas retóricas são inextricavelmente relacionados com os objetivos  
de cada disciplina. Essa questão vem ao encontro de nosso objetivo de verificar a materialização  
dos abstracts da disciplina de Linguística.  
4
.
Recorte metodológico  
O paradigma da relevância foi o principal norteador na escolha final dos periódicos e dos  
abstracts componentes do corpus de análise. Os critérios de coleta de dados para ambos foram:  
i) publicação em língua inglesa, uma vez que esta é a língua franca da ciência e idioma da  
maioria dos periódicos com maior prestígio científico (SWALES, 2017);  
ii) apresentação de banco de dados online, facilitando o acesso dos pesquisadores a seus  
acervos e aumentando a chance de os artigos serem de maior impacto dentro do campo;  
iii) classificação como Qualis A1 pela base de dados da Capes, atestando sua importância e  
relevância dentro da área;  
iv) aparição entre os 10 periódicos de maior impacto no Journal Citation Report e  
(
(
(
(
ScienceWatch.com, que analisam e comparam publicações científicas de distintas áreas baseadas  
em seus fatores de impacto nas comunidades científicas, comprovando a visibilidade e  
importância dentro das comunidades acadêmicas das disciplinas analisadas;  
(v) existência, em seu banco de dados, de um ranking de artigos mais citados dentro da  
publicação, uma vez que a escolha dos abstracts de artigos a serem analisados foi determinada  
pela sua importância/impacto dentro da publicação.  
Após a aplicação dos critérios, foram selecionados dois periódicos: Brain and Language e  
Journal of Phonetics, e colhidos 12 abstracts de cada, totalizando um corpus com 24 amostras de  
abstracts acadêmicos-científicos, organizados da seguinte forma:  
Quadro 2. Organização do corpus  
Periódico  
Brain and Language  
Journal of Phonetics  
Abreviação  
Abstracts  
L1 a L12  
L13 a L24  
BL  
JPh  
Fonte: Elaborado pelas autoras.  
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Beatriz GIL; Solange ARANHA  
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Uma das formas de observar quais outras disciplinas e abordagens convivem em  
proximidade é pela checagem das políticas editoriais dos periódicos nos quais se deseja publicar  
e a classificação de Qualis e Fator de Impacto. As políticas editoriais dos periódicos fornecem  
informações de suas áreas de pesquisa de interesse para que o autor perceba se sua pesquisa se  
enquadra naquele escopo ou não. Já a classificação de Qualis e Fator de Impacto, além de mostrar  
a relevância do periódico para determinadas comunidades de pesquisa, também revela todas as  
áreas nas quais a revista é importante.  
Assim, a publicação mensal Brain and Language é veiculada pela editora Elsevier,  
apresentando fator de impacto 2,439. O principal escopo de pesquisa da revista são os  
mecanismos neurobiológicos que subjazem a linguagem humana. Também coloca como interesse  
científico, dados e perspectivas teóricas retirados da Linguística e Psicologia. Além de um  
periódico Qualis A1 para a Linguística, ele também é considerado de alto fator de impacto para  
área Interdisplinar e Médica. O Scimago Journal & Country Ranking ainda classifica o periódico  
como de alto fator de impacto para as disciplinas de Psicologia Experimental e Cognitiva e  
Neurociência.  
Em relação ao abstract, recomenda-se que este não apresente mais de 150 palavras e  
contenha o propósito da pesquisa, principais resultados e conclusões mais importantes. Deve-se  
evitar o uso de abreviação não padrão e também o uso de referências, entretanto se necessário,  
pede-se que se cite nome de autores e ano. Imediatamente após o resumo, deve-se apresentar  
um máximo de 10 palavras chaves relacionadas, evitando abreviações e termos muito gerais.  
Outra opção é a inclusão facultativa de um abstract gráfico, que deve resumir os principais pontos  
do artigo em forma de tabela, gráfico ou figura.  
O Journal of Phonetics também é uma publicação da editora Elsevier e apresenta fator de  
impacto 1,938. O principal interesse da revista é os estudos de aspectos fonéticos da língua e os  
processos linguísticos da comunicação. O periódico lista uma série de áreas de interesse, tais como  
aquisição de fala, aspectos fonéticos de aquisição de segunda língua, patologias fonéticas, entre  
outras. Também aceita trabalhos de outras áreas desde que com foco em aspectos fonéticos.  
Além da classificação em Linguística, enquadra-se também como de interesse para áreas de saúde  
e engenharia.  
Assim como a publicação anterior, também apresenta várias informações a respeito da  
submissão de trabalhos e determina que os artigos a serem publicados devam apresentar  
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São Paulo (SP), v. 44 n.1, jan./jul. 2023  
ISSN 2318-7115  
Influências na escrita do gênero abstract: a questão das fronteiras interdisciplinares  
12  
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introdução, materiais e métodos, resultados, discussão, conclusões e apêndice. Sobre o abstract,  
este deve conter entre 50 e 200 palavras e apresentar o objetivo da pesquisa, principais resultados  
e conclusões. Imediatamente após o abstract se deve colocar, no máximo, sete palavras chaves  
relacionadas com o artigo e de conhecimento da comunidade. Pede-se para não utilizar  
referências no abstract, somente nome do autor e ano, caso necessário.  
Ambos os periódicos apresentam como fronteiras interdisciplinares disciplinas biológicas,  
primordialmente. O próximo passo é a observação das influências dessas fronteiras biológicas na  
materialização do gênero abstract nos periódicos.  
5.  
Níveis de análise  
Os abstracts foram analisados em duas dimensões:  
(i) Estruturas retóricas: ou seja, o tipo de informação esperada no gênero textual, de  
acordo com modelo Gil (2011), reformulado neste trabalho. Os abstracts que compõem o corpus  
foram lidos e seus movimentos e passos categorizados manualmente, a partir do exposto na  
teoria;  
(i) Expressões Linguísticas: análise de hedges e boosters (HYLAND, 1998, 2002, 2005,  
2
012) Para tanto, a lista de palavras sinalizadas por Hyland (2012) como os hedges e boosters mais  
recorrentes nos textos acadêmicos foi buscada no corpus, por meio do software de análise  
WordSmith Tools, mais especificamente a função Concord, a qual permite a localização de termos  
específicos no contexto.  
6
.
A materialização do abstract na disciplina de linguística  
Essa seção é destinada à apresentação dos resultados encontrados, tanto no que tange a  
análise das características genéricas estruturas retóricas (GIL, 2011; GIL; ARANHA 2017) quanto  
as características linguísticas hedges e boosters (HYLAND, 1998, 2005, 2002, 2012).  
a.  
Características genéricas  
A aplicação do modelo Gil (2011), reformulado neste artigo, permitiu observar a recorrência  
de cada movimento na totalidade do corpus, tais como ilustrado nos gráficos 1 e 2:  
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São Paulo (SP), v. 44 n.2, ago./dez. 2023  
ISSN 2318-7115  
Beatriz GIL; Solange ARANHA  
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Gráfico 1. Recorrência dos movimentos no periódico Journal of Phonetics  
BL  
1
1
5
0
5
0
M1 M2 M3 M4 M5 ME  
Fonte: Elaborado pelas autoras.  
Gráfico 2. Recorrência dos movimentos no periódico Journal of Phonetics  
JPH  
1
1
5
0
5
0
M1 M2 M3 M4 M5 ME  
Fonte: Elaborado pelas autoras.  
Os gráficos mostram a materialidade de um abstract mais tradicional no corpus, uma vez  
que a recorrência foi dos movimentos de 1 a 5, já esperados pela literatura, não havendo nenhum