ARTIGO  
Quem é o aluno bilíngue? Concepções presentes  
no Projeto Político-Pedagógico de escolas que se  
autodenominam bilíngues  
Who is the bilingual student? Concepts available in the Political-  
Pedagogical Project of schools that call themselves bilingual.  
FLUXO DA SUBMISSÃO  
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil.  
Submissão do trabalho: 27/01/2022  
Aprovação do trabalho: 17/03/2023  
Publicação do trabalho: 07/04/2023  
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil.  
Resumo  
Este artigo busca compreender, por meio da análise dos Projetos  
Político-Pedagógicos, como o sujeito bilíngue era concebido por duas  
escolas que se autodenominavam bilíngues. A análise, de cunho  
documental, aproximou-se da Análise Dialógica do Discurso (BRAIT,  
2
006). A proposta da escola A sugere que os alunos se tornem  
bilíngues a partir da vivência das línguas no ambiente escolar,  
transitando entre elas e colocando-as em constante contato, enquanto  
a da escola B, ao propor uma organização escolar em ambientes  
monolíngues, indica que o aluno bilíngue é compreendido como  
aquele que aprende uma língua estrangeira como um sistema  
linguístico independente da língua nativa. Conclui-se, assim, que da  
mesma forma que há diferentes maneiras de se compreender  
bilinguismo, também não existe uma única maneira de se pensar a  
educação bilíngue. Em comum entre as propostas há, apenas, a  
promessa de um futuro melhor àqueles que souberem uma língua  
estrangeira, em especial o inglês.  
Palavras-chave: Escolas bilíngues; Sujeito Bilíngue; Projeto Político-  
Pedagógico.  
Abstract  
This article aims to understand, through the analysis of the Political-  
Pedagogical Projects, how the bilingual subject was conceived by two  
schools, which called themselves bilingual. The analysis, of a documental  
nature, approached Dialogic Discourse Analysis (BRAIT, 2006). School A's  
proposal suggests that students become bilingual from the experience of  
Distribuído sob Licença Creative Commons  
Quem é o aluno bilíngue?  
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languages in the school environment, moving between them and putting them in constant contact,  
whereas school B's proposal, by proposing a school organization in monolingual environments,  
indicates that the bilingual student is understood as the one who learns a foreign language as a  
linguistic system regardless their native language. It is thus concluded that, just as there are different  
ways of understanding bilingualism, there is also no single way of thinking about bilingual education.  
The only common ground between the proposals is the promise of a better future for those who  
know a foreign language, especially English.  
Keywords: Bilingual Schools; Bilingual Person; Political-Pedagogical Project.  
1.  
Introdução  
O ensino de línguas estrangeiras no Brasil é uma prática cuja origem remonta à chegada  
dos portugueses ao país, já que, à época, a língua portuguesa era ensinada aos indígenas que aqui  
residiam pelos padres jesuítas, com o objetivo de convertê-los ao catolicismo. Para essa  
conversão, a Companhia de Jesus fundou escolas e, até 1759, quando então foram expulsos do  
Brasil, os jesuítas responsabilizaram-se pela educação brasileira. Um ano antes, porém, o ensino e  
uso do tupi foram proibidos e o português instituído como única língua do Brasil. No mesmo Alvará  
que determinou a expulsão dos jesuítas, foram também determinadas aulas régias de latim, além  
de aula de grego (FERRAÇO; BONFIM, 2007).  
Com a chegada da família real ao Brasil, em 1808, a fundação do Colégio Pedro II, em 1837,  
e a reforma Couto Ferraz, de 1855, houve a preocupação em expandir o ensino de línguas para  
além das clássicas já ministradas, reconhecendo-se, assim, a importância de também se ensinar  
línguas modernas (LEFFA, 1999). Desde então, diversas outras reformas foram implementadas e  
leis publicadas, por meio das quais se determinava quais línguas deveriam ser ensinadas e qual a  
carga horária a elas destinadas nas escolas brasileiras.  
Somente a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1961, o ensino  
de línguas estrangeiras (LEs) deixou de ser obrigatório no currículo escolar, tornando-se atividade  
extracurricular a ser proposta pelos estados. Assim, o Conselho Federal de Educação (CFE)  
determinava as disciplinas obrigatórias e comuns a todas as séries escolares e as LEs não faziam  
parte deste grupo  cabia aos Conselhos Estaduais de Educação a complementação das grades  
curriculares (RODRIGUES, 2010). Esse fato, segundo a autora, alterou a condição e o lugar que as  
LEs ocupavam nas instituições escolares, contribuindo para uma desvalorização gradual das  
disciplinas que se dedicavam ao seu ensino nas escolas públicas brasileiras.  
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Essa realidade foi revista para o ensino médio quinze anos depois, por meio da Resolução  
CFE nº 58/1976, que, ao alterar a Resolução n. 8/1971, que fixava o núcleo-comum para os currículos  
de 1º e 2º graus, dispôs sobre a obrigatoriedade do estudo das LEs modernas no núcleo comum  
para o 2º grau e sua recomendação para o 1º grau, a depender da possibilidade das instituições de  
ensino.  
Com a LDB de 1996, o ensino de pelo menos uma LE moderna tornou-se obrigatório tanto  
para o currículo do ensino médio quanto para o do fundamental, ficando a cargo da comunidade  
escolar a língua a ser estudada (BRASIL, 1996, Art. 26, § 5º). Para o ensino médio, abriu-se também  
a possibilidade de ser incluída uma segunda língua estrangeira, em caráter optativo, caso  
houvesse de disponibilidade da instituição (BRASIL, 1996, Art. 36, Inciso III). Tal cenário sofreu  
nova alteração recentemente com a publicação da Lei nº 13.415/17, que estabelece a língua inglesa  
como única LE obrigatória no currículo a partir do sexto ano do ensino fundamental (BRASIL, 2017,  
Art. 26, § 5 e Art. 35, § 4). Para o ensino médio, além do inglês obrigatório, reitera-se o  
oferecimento de “outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol,  
de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino”  
(BRASIL, 2017, Art. 35, § 4).  
A partir dessas determinações nas leis que regem a educação brasileira abriu-se uma nova  
demanda de mercado para a rede particular de ensino, que, gradativamente, passou a oferecer,  
de maneira terceirizada, disciplinas voltadas ao ensino de inglês nos espaços escolares  
(RODRIGUES, 2010), ampliando tal oferta para todos os níveis educacionais, bem como a carga  
horária destinada à aprendizagem da língua inglesa pelos estudantes.  
Nesse contexto, ganham destaque as escolas de educação bilíngue. Existente no Brasil  
há algum tempo, essa educação pode ser dividida em a desenvolvida em contextos de minorias –  
escolas indígenas, escolas ou classes bilíngues de surdos, escolas de fronteiras e escolas em  
regiões de imigração  e a apresentada em contextos que alguns autores denominam de  
educação bilíngue de “elite”, por atender a um grupo social que possui maior poder econômico –  
escolas internacionais e escolas bilíngues português-inglês (AVELAR, 2018; CAVALCANTI, 1999;  
FLORY; SOUZA, 2009; MEGALE, 2018; MELLO, 2010; MOURA, 2009; SILVA, 2012; SILVA-SPEAKS,  
2
017).  
É sobre esse segundo grupo de escolas, cujo aumento considerável tem ocorrido nos  
últimos anos no país (MARINI, 2018; ALVAREZ, 2019; VIEIRA, 2019), que se debruça este artigo,  
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com a proposta de compreender, por meio da análise dos Projetos Político-Pedagógicos (PPPs),  
como o sujeito bilíngue é concebido por duas escolas que se autodenominam bilíngues,  
localizadas em um município do nordeste paulista.  
Tal interesse decorre de uma discussão antiga na academia e que envolve vasta literatura  
produzida em diferentes momentos da história sobre a forma de se compreender bilinguismo e,  
como consequência, o sujeito bilíngue. Em alguns desses estudos é possível observar uma  
compreensão de língua como sistema semiótico fechado e autônomo e, neles, as discussões  
envolvendo o sujeito bilíngue voltam-se para a competência do falante em segunda língua, para a  
idade em que o sujeito se tornou bilíngue e para a regionalidade em que vive (WEI, 2000; FLORY;  
SOUZA, 2009; HARMERS; BLANC, 2000). Outros, por entenderem o discurso materializado nas  
enunciações como o campo vivo e concreto da língua, levam em consideração, para as discussões  
sobre bilinguismo, o uso social que os sujeitos bilíngues fazem das línguas (CANAGARAJAH, 2013;  
GARCIA; WEI, 2014; MAHER, 2007).  
Nessa arena teórica em que se inserem os trabalhos sobre bilinguismo e/ou sobre o  
sujeito bilíngue, que se buscou compreender quem é o aluno que as escolas bilíngues se  
comprometem a formar. Antes dessa discussão, no entanto, foi realizada breve apresentação  
acerca de algumas concepções que tratam da temática; posteriormente, foram descritos os  
procedimentos metodológicos adotados na realização da pesquisa e discutidos os diálogos  
teóricos estabelecidos nos PPPs das escolas e as vozes que constituem as respectivas propostas  
pedagógicas; para finalizar, foram apresentadas as maneiras pelas quais os alunos bilíngues são  
compreendidos pelas instituições participantes desta pesquisa.  
2
. Algumas concepções de bilinguismo e de sujeito bilíngue no século XX  
Reconhece-se na literatura que os primeiros estudos linguísticos, base para outros  
pesquisadores estudarem e apresentarem suas compreensões a respeito do bilinguismo, datam  
do início do século XX, e são atribuídos ao suíço Ferdinand de Saussure. Os estudos de Saussure  
foram influenciados pelo pensamento positivista do século XIX, cujo objetivo era baseado "na  
observação e na descrição das leis que regem os fatos sociais, sem se preocupar com a busca das  
causas" (BERTUCCI, 2008, p.68). Nesse contexto, Saussure desenvolveu estudo de enorme  
relevância para a época e para as Ciências Humanas, pois, "ao delimitar o objeto dos estudos da  
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linguagem e, portanto, ao instaurar a disciplina Linguística, ele conseguiu articular o pensamento  
positivista da época aos estudos da linguagem e dar à Linguística o status de ciência"  
(NASCIMENTO; NASCIMENTO, 2011, p.34). Para chegar ao objeto de seu estudo  a língua  ele a  
isolou dos demais fatos da linguagem, e tal abstração teórica determinou um método que tornou  
possível estudar e compreender o funcionamento interno da língua em uma perspectiva  
sincrônica o estruturalismo.  
A língua era por ele concebida como a dimensão social da linguagem, produto de uma  
coletividade e, portanto, passível de ser estudada, diferentemente da fala, concebida como a  
dimensão individual da linguagem. Nesse sentido, para Saussure, a estruturação do sistema  
1
composto por signos linguísticos não dependia do falante, à medida que, ao nascer, o falante da  
língua encontra as associações constitutivas do sistema linguístico já prontas. Desse modo, ao  
falar, cabe a ele "buscar as palavras com que pretende formar seu discurso, mas, também (...)  
estabelecer as relações que visam organizar essas palavras em sentenças" (RODRIGUES, 2008,  
p.17), que podem variar a depender daquele que fala. Em função disso, a fala não era objeto da  
linguística saussuriana, muito embora ele reconhecesse a necessidade de sua submissão às leis de  
funcionamento da língua a fim de se alcançar o sentido pretendido.  
A visão estruturalista da língua estendeu-se para os estudos que objetivavam  
compreender o bilinguismo. Assim, para Saussure e para os adeptos de sua perspectiva, a  
aprendizagem de uma segunda língua ocorre da mesma forma pela qual os indivíduos aprendem  
sua primeira língua (SAUSSURE, 2006). Pode-se dizer, portanto, que bilinguismo nessa concepção  
é compreendido como um ato aditivo de conhecer, aprender e utilizar duas línguas como dois  
sistemas autônomos, dois códigos linguísticos separados e independentes.  
Os estudos de Saussure atravessaram continentes, chegaram à América e, sob a  
influência do pensamento saussuriano, Leonard Bloomfield "aplicou a teoria estruturalista de  
Saussure nos Estados Unidos (...) privilegiando a descrição das leis do sistema linguístico"  
(BERTUCCI, 2008, p.68). No entanto, o contexto estadunidense no qual Bloomfield desenvolveu  
seus estudos era distinto do europeu, pois no novo continente havia forte presença de estudos  
antropológicos, voltados aos estudos das diferentes línguas indígenas da região e do  
1
União arbitrária entre uma imagem acústica, o significante, e um conceito, o significado, que pode ser compreendido  
como da ordem da abstração (RODRIGUES, 2008).  
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behaviorismo, que entendia a organização dos elementos da língua a partir de um  
comportamento geral (NASCIMENTO; NASCIMENTO, 2011).  
Nesse contexto, em 1933, Bloomfield publicou Language, obra que pode ser considerada  
"um marco para o Estruturalismo Americano, (...) um referencial de grande influência para toda a  
linguística até a década de 1950" (NASCIMENTO; NASCIMENTO, 2011, p. 34). É também a partir  
dessa obra que diferentes pesquisas e estudos voltados para a compreensão dos processos  
constitutivos do bilinguismo (FORTES, 2012; WEI, 2000; MAHER, 2007; MEGALE, 2005; ORTIZ  
PREUSS; ÁLVARES, 2014; STORTO, 2015) reconhecem haver a primeira definição de bilinguismo,  
escrita no contexto de discussões sobre o uso de uma língua estrangeira por imigrantes e por seus  
filhos.  
Em caso extremo do aprendizado de língua estrangeira o falante torna-se tão proficiente  
a ponto de ficar indistinguível dos falantes nativos ao redor dele. [...] Nos casos em que  
esse aprendizado perfeito de uma língua estrangeira não é acompanhado pela perda do  
2
idioma nativo, tem-se como resultado o bilinguismo, controle nativo de dois idiomas  
(BLOOMFIELD, 1933, p.55-56. Grifo do autor).  
Bloomfield reconheceu que o contexto no qual os bilíngues se encontram precisa ser  
considerado quando se pensa em aprendizagem de LE. No entanto, em consonância com o  
discutido por Maher (2007), sua visão de que é possível a um aprendiz de segunda língua ter o  
controle nativo de dois idiomas torna-se uma abstração, ao se considerar que toda atividade  
linguística é perpassada por "uma variedade imensa de comportamentos linguísticos" (p.73),  
determinada pela grande diversidade de discursos proferidos, nas mais diversas épocas,  
contextos e pelos mais diferentes tipos de sujeitos.  
A partir da década de 1950, uma nova teoria linguística ocupou lugar entre os estudos da  
língua na América: aquela desenvolvida pelo americano Noam Chomsky. O autor remodelou a  
dicotomia língua (langue) e fala (parole) de Saussure, propondo os termos 'competência' e  
'desempenho' (GARCIA; WEI, 2014): o primeiro está relacionado ao conhecimento implícito que o  
falante-ouvinte possui da estrutura da língua em sua mente e o segundo ao uso concreto da língua.  
Nessa perspectiva, os seres humanos são dotados, desde seu nascimento, de um dispositivo  
responsável pela aquisição da linguagem, que é acionado por meio dos insumos linguísticos que a  
2
No original: In the extreme case of foreign-language learning the speaker becomes so proficient as to be  
indistinguishable from the native speakers round him. [...] In the cases where this perfect, foreign-language learning  
is not accompanied by loss of the native language, it results in bilingualism, native-like control of two languages  
(BLOOMFIELD, 1933, p. 55-56).  
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criança ouve das pessoas ao seu redor. Outro pressuposto por ele defendido é a existência,  
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também inata, de uma Gramática Universal (GU), sistema de regras que, quando ativado, pode  
gerar um conjunto infinito de frases: “Este sistema de regras é um componente do cérebro/mente  
antecedente à aquisição de um idioma específico. É aceitável supor que esse sistema constitui o  
estado inicial da capacidade da linguagem, considerado um subsistema do cérebro/mente”  
(CHOMSKY, 1986, p. 562).  
É, portanto, por meio das interações da criança com o ambiente linguístico, que as regras  
específicas da língua enunciada são retiradas para a constituição de sua fala na língua em questão.  
Além disso, segundo Moraes (1996), Chomsky infere que todos os indivíduos possuem "um  
conhecimento intuitivo de seu idioma [...] um indivíduo que conhece a língua possui um sistema  
4
de competência pragmática que permite que ele saiba como usá-la" (MORAES, 1996, p.80).  
Nesse contexto, o autor discute a incoerência de se pensar que uma língua (nativa ou  
estrangeira) pode ser aprendida, pois, para ele, "uma língua cresce na mente/cérebro"5  
(CHOMSKY, 1986, p.563). Para esse processo, o falante lança mão de "um conjunto de  
minigramáticas para diferentes domínios lexicais, levando a diferentes representações [em sua]  
mente"6 (GARCIA; WEI, 2014, p.12). O bilinguismo, nessa perspectiva, é intitulado universal e  
compreendido como a representação dessas minigramáticas na mente do falante.  
Distanciando-se da compreensão das línguas como “sistemas linguísticos e semióticos  
7
autônomos e fechados" (GARCIA; WEI, 2014, p. 42), como preconizam as teorias estruturalista e  
gerativista, outras perspectivas teóricas concebem a língua/linguagem em sua relação intrínseca  
com o humano, com aquele que a enuncia. Para esses teóricos, o bilinguismo constitui-se em uma  
prática de linguagem que atravessa a história, um resultado dos processos de invasões,  
colonizações, escravizações e comércio, que determinaram o convívio das populações com  
diferentes línguas e, consequentemente, culturas (STORTO, 2015). Esse mesmo processo fora  
evidenciado por Bakhtin (2014), ao analisar a realidade de sua época:  
O camponês analfabeto, nos confins do mundo (...) vivia no meio de vários sistemas  
linguísticos: ele rezava a Deus em uma língua (o eslavo eclesiástico), cantava suas canções  
3
O termo gramática aqui é "usado de forma dupla: é o sistema de regras possuído pelo falante e, ao mesmo tempo,  
é o artefato que o linguista constrói para caracterizar esse sistema" (ORLANDI, 2009, p.39).  
4
No original: an intuitive knowledge of their language. [...] an individual who knows language has a system of  
pragmatic competence that allows this individual to know how to use language (MORAES, 1996, p.80).  
5
No original: a language grows in the mind/brain (CHOMSKY, 1986, p. 563).  
No original: a set of mini-grammars for different lexical domains, leading to different representations in [his] mind  
6
(
GARCIA; WEI, 2014, p. 12).  
No original: autonomous and closed linguistic and semiotic systems (GARCIA; WEI, 2014, p. 42).  
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em outra, falava numa terceira língua no seio familiar, e quando ele começava a ditar ao  
escrivão uma petição para as autoridades ele o fazia em uma quarta língua (a língua oficial  
correta e "cartorial"). Todas elas eram línguas diferentes, até mesmo do ponto de vista de  
índices abstratos sociais e dialetológicos (BAKHTIN, 2014, p. 102).  
Essas vivências em e de diferentes línguas são a base de pesquisas realizadas nas últimas  
décadas, as quais estão voltadas à compreensão das questões relacionadas ao bilinguismo. A  
partir delas, novas formas de se nomear as práticas bilíngues vêm sendo propostas como forma  
de se opor à tradicional abordagem monolíngue que separa as línguas (CANAGARAJAH, 2013).  
Garcia e Wei (2014), por exemplo, utilizam o termo “translinguar” para fazer referência às  
"complexas práticas de linguagem de indivíduos e comunidades plurilíngues, assim como por  
abordagens pedagógicas que utilizam estas práticas complexas" (p. 20). Assim, translinguar  
8
relaciona-se "ao ato de falar entre sistemas que foram descritos como separados" (GARCIA; WEI,  
2
014, p. 20), por sujeitos bilíngues, que selecionam, combinam dentro de seu repertório  
linguístico, seus significados de forma criativa e crítica. Línguas que estão em constante contato,  
misturando-se, completando-se (CANAGARAJAH, 2013) e, nesse movimento, torna-se possível  
dizer que "a comunicação transcende as palavras, isto é, envolve recursos semióticos diversos,  
que trabalham juntos na construção do significado" (SILVA, 2017, p. 103).  
Maher (2007), ao defender a ideia de que estamos, a todo momento, transitando entre  
línguas, toma a si mesma para explicar esse processo. A autora afirma que, em algumas situações,  
pode-se transitar tranquilamente entre duas línguas (no caso, inglês-português); em outras, sente-  
se mais confortável ao usar o português do que o inglês, havendo também a possibilidade de  
ocorrer o contrário. Reforça, assim, por meio de seus exemplos, o caráter fictício de algumas  
concepções de bilinguismo que, por tratarem as línguas como sistemas separados, acreditam que  
um bilíngue seja a somatória de dois monolíngues.  
O bilíngue não o idealizado, mas o de verdade não exibe comportamentos idênticos na  
língua X e na língua Y. A depender do tópico, da modalidade, do gênero discursivo em  
questão, a depender das necessidades impostas por sua história pessoal e pelas exigências  
de sua comunidade de fala, ele é capaz de se desempenhar melhor em uma língua do que  
na outra  e até mesmo de se desempenhar em apenas uma delas em certas práticas  
comunicativas (MAHER, 2007, p.73).  
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No original: Translanguaging refers to the act of languaging between systems that have been described as separate  
GARCIA; WEI, 2014, p. 20).  
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Para Garcia e Wei (2014), a translinguagem, quando usada na educação bilíngue, constitui-  
se "uma prática transformadora (...) [por] fornecer um trans-espaço de mudanças e uma  
9
interdisciplinaridade de conhecimento e entendimentos" (GARCIA; WEI, 2014, p. 44), alternado,  
dessa forma, antigos padrões educacionais impostos por algumas práticas e métodos  
educacionais.  
Nessa mesma direção antecederam as discussões de Volochinov (2017), que embora não  
tenha se debruçado, especificamente, na questão da educação bilíngue, ao discorrer sobre o  
ensino de línguas materna e estrangeira em contexto pedagógico, opôs-se àquelas  
metodologias que buscam a apresentação das formas linguísticas desconsiderando os diferentes  
contextos em que elas podem vir a ser enunciadas. Para o autor, o ensino de uma língua deve se  
dar de maneira contextualizada e vinculada às experiências vividas por seus aprendizes, para que  
ganhe um sentido real. Para isso, “[em uma] metodologia de ensino prática e funcional, uma  
forma deve ser assimilada não como idêntica a si e nem no sistema abstrato da língua, mas na  
estrutura de um enunciado concreto, como um signo mutável e flexível” (VOLOCHINOV, 2017,  
p.180, nota 37).  
Compreende-se, assim, que distintas maneiras de se conceber língua/bilinguismo, logo o  
sujeito que dela faz uso, são oriundas de distintas concepções teóricas, produzidas nos mais  
variados contextos e momentos da história; concepções que também embasam propostas de  
educação bilíngue que, desse modo, podem destacar práticas de ensino de línguas ou voltar-se  
para a vivência em diferentes contextos, a fim de assegurar o projeto educacional: a formação de  
alunos bilíngues.  
3. Procedimentos Metodológicos  
Realizada no campo das Ciências Humanas e de cunho qualitativo e documental, a  
pesquisa que deu origem a esse artigo buscou compreender, a partir da análise de seus PPPs,  
como o sujeito bilíngue é concebido por duas escolas localizadas no nordeste paulista e que se  
autodenominam bilíngues.  
9
No original: as a transformative practice in order to provide a trans-space of change and an interdisciplinarity of  
knowledge and understandings (GARCIA; WEI, 2014, p. 44).  
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Para se chegar à essas escolas, foi realizado contato com o sindicato que possui o  
cadastro das instituições particulares do município, que disponibilizou lista dos 358 filiados. Após  
as exclusões de instituições não escolares associadas, chegou-se a um número de 144 escolas de  
educação básica pertencentes à rede privada de ensino. Todas foram contatas por telefone a fim  
de conhecer quais possuíam algum diferencial com relação ao ensino de uma LE e, dessas, quais  
se autodenominavam bilíngues. Nesse momento, 125 ofereciam a disciplina de inglês na matriz  
curricular duas vezes por semana; 8 ofereciam carga horária ampliada de inglês com variação na  
forma de organização desse ensino; 6 possuíam parcerias com escolas de inglês; 2 possuíam  
programas bilíngues opcionais e 3 se reconheciam bilíngues português-inglês. Dessas últimas,  
duas aceitaram participar da pesquisa, doravante escolas A e B.  
A escola A possui duas unidades localizadas na zona sul do município e, no ano de 2018, é  
constituída de um total de 248 alunos. Uma de suas unidades é exclusiva para alunos da educação  
infantil e a outra recebe alunos do último ano da educação infantil e dos seis primeiros anos do  
ensino fundamental, nos períodos da manhã, tarde e semi-integral. A escola B possui apenas uma  
unidade, composta por estudantes da educação infantil e do ensino fundamental, com um total  
de 545 alunos em 2018. Ela funciona nos períodos da manhã e da tarde, também localizada na zona  
sul do município.  
A leitura dos PPPs disponibilizados pelas instituições ocorreu no próprio ambiente  
escolar: na escola A, entre os meses de agosto e setembro de 2018; na escola B, no mês de outubro  
do mesmo ano. A fim de complementar informações relevantes para a pesquisa, outras duas  
visitas foram realizadas na escola A e na escola B, ambas no primeiro semestre de 2019.  
A análise dos PPPs aproximou-se da Análise Dialógica do Discurso (BRAIT, 2006), que tem  
como base os fundamentos teórico-metodológicos da filosofia da linguagem de Mikhail Bakhtin e  
dos autores que compunham o Círculo de Bakhtin (BAKHTIN, 2015, VOLÓCHINOV, 2017). Assim, a  
fim de colocar em diálogo as diferentes vozes presentes nos documentos, a análise visou a  
compreensão do documento como um todo, sem a definição de categorias a priori; dessa forma,  
os discursos puderam revelar “sua forma de produzir sentido, a partir do ponto de vista dialógico,  
num embate” (BRAIT, 2006, p. 24). Desse modo, coube à pesquisadora buscar aproximações e  
distanciamentos entre pressupostos teóricos e as propostas educacionais descritas nos PPPs,  
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como forma de apresentar e discutir as maneiras pelas quais o sujeito bilíngue era compreendido  
nos documentos das escolas analisados.  
4
4
.
Análise dos dados  
.1 A proposta bilíngue das escolas  
Embora compartilhassem de um mesmo contexto socioeconômico por estarem  
localizadas em uma mesma região do município, as duas escolas participantes da pesquisa se  
diferenciavam no que se refere à implantação e à implementação da proposta educacional  
bilíngue. A escola A, criada em 2012, pertence a uma rede de franquias internacional que se  
autodenomina de educação bilíngue. Sua proposta, portanto, segue o determinado pela matriz  
internacional e prevê o oferecimento de disciplinas em língua portuguesa e em língua inglesa,  
sendo que no mínimo 50% delas devem ser ministradas em inglês. A partir das informações  
constantes no PPP, o trabalho nela realizado se assemelha ao programa de educação bilíngue  
americano conhecido como dual language, com a diferença de que, naquele país, as salas de aula  
são compostas por alunos falantes de línguas diferentes, como o espanhol e o inglês. Segundo  
Baker (2001), o objetivo desse programa é fazer com que os alunos se tornem bilíngues,  
alfabetizados em duas línguas e multiculturais. Algumas das características desse programa  
referem-se à quantidade de tempo prevista para cada língua (50%), a contratação de professores  
bilíngues, e a liberdade para que as disciplinas sejam ensinadas em uma língua ou em outra.  
A escola B, fundada no ano de 1966, seguia, em sua criação, o currículo previsto pela  
educação nacional daquela época. A proposta bilíngue, recentemente incorporada pela escola por  
intermédio de parceria com editora internacional, é formada pelo oferecimento de aulas diárias  
de inglês, ministradas no contraperíodo, com duração de duas horas cada, para alunos de todos  
os níveis de ensino da escola que optem por cursá-las.  
Essa diferenciação quanto à natureza das escolas desde sua fundação fez com que os  
PPPs das duas instituições fossem constituídos por vozes que transcendem as da comunidade  
local, interna e/ou externa à escola. No PPP da escola A, ressoavam vozes presentes tanto em  
documentos de outras escolas da rede de franquias no Brasil quanto da proposta da matriz  
internacional, percebidas, de forma explícita ou implícita, por meio do diálogo com diferentes  
matrizes teóricas na construção tanto do currículo regular quanto do bilíngue; no caso da escola  
B, a voz que preponderou na proposta bilíngue foi a da editora europeia responsável pelas aulas  
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de inglês na instituição, que compõem documento a parte ao que dispõem sobre o currículo  
regular da escola.  
4
.2 A proposta educacional bilíngue das escolas  
Diferentes teóricos balizam o trabalho pedagógico da escola A: John Dewey, Maria  
Montessori, Jean Piaget, Lev S. Vygotsky e Howard Gardner. Além desses, destacam-se os  
fundamentos metodológicos dos estudos de Hernández e Ventura (1998), que propõem uma  
organização curricular por intermédio de projetos de trabalho e a construção de uma prática  
pedagógica fundamentada nos estudos vygotskyanos. Em razão disso, ganhou destaque no  
documento o conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP), por meio do qual se investe  
em interações em sala de aula para a aprendizagem e se assentam processos educacionais  
voltados para a diversidade.  
Outro importante fundamento metodológico destacado no PPP da escola A diz respeito  
ao trabalho desenvolvido nas escolas Reggio Emilia, na Itália, cuja proposta tem como base teorias  
e conceitos de diferentes perspectivas. Nessas escolas, compartilha-se a ideia de que "uma teoria  
unificadora da educação que resume todos os fenômenos do ato de educar não existe (e jamais  
existirá)" (EDWARDS; FORMAN; GANDINI, 1999 apud MARAFON; MENEZES, 2017, p. 5991-5992),  
visão que justifica os diferentes diálogos estabelecidos com distintos autores no delineamento da  
proposta educacional.  
Com base nas discussões envolvendo a aprendizagem da LE, foco desse estudo,  
percebeu-se que a perspectiva teórica que sustenta as atividades da escola A é a teoria de  
aquisição de segunda língua, do linguista americano Stephen Krashen, desenvolvida no início da  
década de 1980 (CALLEGARI, 2006). Um dos construtos mais significativos defendidos pelo autor  
diz respeito à diferenciação entre duas formas possíveis de se desenvolver habilidades em LEs: a  
aquisição e a aprendizagem (FONTES, 1996). Para Krashen, a aquisição está relacionada ao  
processo subconsciente pelo qual se adquire uma língua, pois  
(
...) geralmente, não temos consciência das regras dos idiomas que adquirimos. Em vez  
disso, temos uma "sensação" de que está correto. As frases gramaticais "soam" certas ou  
parecem" corretas e os erros parecem errados, mesmo se não soubermos  
conscientemente qual regra foi violada. Em linguagem não técnica, aquisição é "pegar"  
"
1
0
um idioma (KRASHEN, 2009, p. 10).  
10  
No original: We are generally not consciously aware of the rules of the languages we have acquired. Instead, we  
have a "feel" for correctness. Grammatical sentences "sound" right, or "feel" right, and errors feel wrong, even if we  
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_
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A aprendizagem, por sua vez, é entendida como sendo um processo que ocorre de forma  
consciente, por ocorrer a partir de uma instrução formal, ou como denomina o autor, aprendizado  
explícito, por meio do qual se torna possível o conhecimento das regras, o estar ciente delas e a  
capacidade de falar sobre elas (KRASHEN, 2009).  
Uma hipótese krasheniana com vistas à aquisição de uma segunda língua, identificada no  
PPP da escola A, refere-se ao insumo. O documento descreve que, para a aquisição de uma  
segunda língua, os alunos passam por diferentes fases de desenvolvimento. Inicialmente, a  
criança, mesmo ouvindo a LE, responde ao outro em sua língua nativa; em seguida, ela entra no  
período de silêncio, que, conforme Krashen, compõe o processo de construção da competência  
dos alunos que, ao serem expostos aos insumos da segunda língua, precisam de um tempo de  
trabalho ativo para a compreensão e para a construção do sentido daquilo que está sendo dito.  
Esse silêncio pode ainda ser acompanhado de gestos e mímicas visando à comunicação na língua  
que ainda pouco dominam. Depois disso, a criança passa a fazer uso da segunda língua por meio  
de frases curtas para, finalmente, construir frases completas na LE. Para esse processo, o insumo  
precisa estar a um nível de competência linguística acima daquele que o aluno se encontra  
(CALLEGARI, 2006). Além disso, Krashen destaca a importância dos programas de imersão para a  
aquisição de outro idioma, pois neles os sujeitos estarão expostos a uma grande quantidade de  
insumos (CALLEGARI, 2006).  
Dessa maneira, pôde-se constatar que o processo de aquisição de línguas descrito por  
Krashen se aproxima de alguns princípios da perspectiva chomskiana, pois para ambos os autores,  
essa aquisição ocorre por meio de um dispositivo mental inato, desenvolvimento esse que segue  
uma ordem natural (e previsível), por meio dos insumos fornecidos pelo ambiente linguístico  
(FONTES, 1996; ROA, 2014; RODRÍGUEZ, 2014). Contudo, em outros aspectos, os autores se  
distanciam, como por exemplo, com relação à importância dada aos fatores afetivos e ao contexto  
para a aprendizagem.  
Esses pressupostos articulados na proposta da escola apontam para a constituição do  
aluno bilíngue pensada a partir de um currículo integrado, no qual o inglês e o português são  
utilizados tanto no espaço da sala de aula destinado ao desenvolvimento das disciplinas, quanto  
do not consciously know what rule was violated. In non-technical language, acquisition is "picking-up" a language  
(KRASHEN, 2009, p. 10).  
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nas relações cotidianas da escola, proporcionando aos alunos a oportunidade de viverem a língua  
em sua integridade concreta. Assim, imersos em duas línguas no contexto escolar, é possível ao  
aluno compartilhar conhecimentos, transformar a si e aos outros com quem se relaciona no  
interior dos muros da escola de maneira bilíngue. Acredita-se ainda que, muito provavelmente,  
esse bilinguismo se estende também para fora da escola, quando se considera o projeto de futuro  
dos pais em relação aos seus filhos (o que os levou a matricularem seus filhos naquela escola) e  
um mundo globalizado e tomado pela tecnologia.  
Diferentemente da escola A, no PPP da escola B, não há a explicitação da perspectiva  
teórica que sustenta o trabalho pedagógico. No entanto, a partir da leitura do documento, foi  
possível perceber que ressoam, no texto, as vozes de Jean Piaget, de Lev S. Vygotsky e, em menor  
intensidade, de Howard Gardner. No que diz respeito ao primeiro autor, suas concepções fazem-  
se presentes nos objetivos gerais e específicos da escola e na construção da proposta pedagógica  
presente no documento. Nela o professor ganha destaque, ao ser compreendido como orientador  
na construção do conhecimento pelos alunos, ou seja, por meio das intervenções do profissional,  
os alunos são levados a situações desafiadoras que viabilizam distintas aprendizagens. Para isso,  
o professor deve estar atento às fases de desenvolvimento dos alunos, pois elas precisam ser  
respeitadas e seguidas sequencialmente, a fim de torná-los independentes e autônomos.  
Aproximações com as concepções de Vygotsky puderam ser identificadas nesse PPP  
apenas na apresentação curricular da educação infantil, que, discursivamente, está fundamentada  
na compreensão de homem, sociedade e cultura a partir da perspectiva histórico-cultural.  
Contudo, apesar dessa informação, não foram encontrados dados que indiquem construção  
partilhada do conhecimento professor-alunos ou entre alunos nas situações de aprendizagem ou  
que se distanciem das fases de desenvolvimento infantil presentes nas teorias cognitivas.  
No que diz respeito aos alunos, o PPP da escola B dialoga diretamente com as concepções  
de Howard Gardner. O trabalho desse psicólogo tem como base a compreensão de que a  
11  
inteligência humana é caracterizada por possuir múltiplas dimensões , podendo, cada pessoa, ter  
diferentes graus de desenvolvimento em cada uma. Essas dimensões são consideradas pelo autor  
11  
Estas dimensões foram divididas pelo pesquisador em sete categorias: linguística, lógico-matemática, musical,  
espacial, corporal-sinestésica, interpessoal e intrapessoal.  
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"como potenciais puros, biológicos, que em quase todas as pessoas funcionam juntas,  
combinadas para resolver problemas" (MONTEIRO, 2017, p.51).  
No que diz respeito ao currículo bilíngue da escola B, a instituição o propõe sem qualquer  
relação com o currículo geral da escola, constituindo-se a partir de aulas de inglês ministradas no  
período oposto ao ensino regular, conforme dito anteriormente. De acordo com Megale (2019),  
esse tipo de proposta é denominado currículo optativo, no qual são oferecidas aulas de inglês,  
pagas fora da mensalidade, desenvolvidas pela própria escola ou terceirizadas, em um período  
contrário ao das aulas regulares, por opção dos responsáveis dos alunos. Chama a atenção, no  
entanto, a informação de que a editora de origem europeia responsável pelo programa bilíngue  
utiliza, para seu desenvolvimento, a abordagem Content and Language Integrated Learning  
(CLIL), a qual visa promover a aprendizagem dos componentes curriculares e da língua estrangeira  
de forma concomitante, já que os conteúdos pedagógicos serão trabalhados também na referida  
língua (SOUZA, 2019). Contudo, como afirma Guidi (2017, p.52), “CLIL é um termo guarda-chuva e,  
portanto, muitas variantes podem ser distinguidas. Ele varia significativamente de acordo com o  
sistema educacional do país ou do contexto sociolinguístico no qual a abordagem está sendo  
utilizada”.  
Em pesquisa ao site da editora, a fim de compreender como a abordagem CLIL era por ela  
pensada, deparou-se com a informação de que a proposta pedagógica bilíngue oferecida se  
norteava por mais dois princípios: nos Pilares da Educação segundo a Unesco (aprender a ser,  
aprender a conviver, aprender a fazer e aprender a conhecer) e na abordagem Understanding by  
Design® (UbD), cuja estrutura se baseia em sete princípios centrados no desenvolvimento do  
currículo, nas ações dos professores e na aprendizagem dos alunos. Nessa abordagem, o currículo  
deve ser planejado pelos professores, a partir dos resultados que se pretende alcançar e por meio  
da elaboração de um plano de aprendizagem, que deve ser continuamente revisto, de modo a  
assegurar uma aprendizagem que faça sentido aos alunos. O acompanhamento desse plano  
ocorre pela observação da capacidade demonstrada pelos estudantes de “explicar, interpretar,  
12  
aplicar, mudar de perspectiva, ter empatia e se autoavaliar” . Dessarte, o currículo e o ensino  
devem ser desenvolvidos por meio da compreensão profunda do aluno sobre seu próprio  
processo de aprendizagem e de sua capacidade para usar o conhecimento (MCTIGUE; WIGGINS,  
2
012).  
1
2
No original: to explain, interpret, apply, shift perspective, empathize, and self-assess.  
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Essa informação, que consta apenas no site da editora, não estabelece, no entanto,  
nenhuma relação com a CLIL que se apresenta no PPP, não sendo possível saber como ambas as  
abordagens são ou se são desenvolvidas. Do mesmo modo, não é viável o estabelecimento de  
diálogos entre a proposta bilíngue e o currículo regular da escola, por não haver articulação entre  
elas nos documentos disponibilizados pela instituição.  
Considerações finais - o sujeito bilíngue segundo os PPPs das escolas  
A análise dos dois PPPs sugere que o sujeito bilíngue da escola A, por viver entre línguas  
no ambiente escolar, translingua, transitando entre dois sistemas semióticos que se misturam e  
se completam na construção de significados (CANAGARAJAH, 2013) de si, do outro e do mundo.  
Uma vivência que lhe permite se deslocar entre as distintas linguagens sociais constitutivas de  
cada uma das línguas e que instaura o heterodiscurso delas constitutivo: "as linguagens não se  
excluem umas das outras, mas se interceptam de diversas maneiras" (BAKHTIN, 2014, p.98). Nesse  
contexto, os sujeitos não pertencem nem exclusivamente ao universo discursivo do português  
nem do inglês, mas sim a um terceiro lugar, "permeável à permeabilidade das línguas que o  
constituem [...] permanentemente em construção" (MAHER, 2007, p. 77).  
De forma distinta, não há indícios no PPP da escola B da existência de um ambiente na  
escola que possibilite aos alunos vivenciarem as línguas durante o período escolar, por se  
privilegiar espaços/períodos monolíngues. Sendo assim, tudo indica que nessa escola as línguas  
sejam tratadas como sistemas linguísticos autônomos e independentes, levando os alunos à  
aprendizagem da língua inglesa sem estabelecer relação com a vida escolar. Dessa forma, a escola  
B concebe seu aluno como aquele que se torna bilíngue apenas por aprender uma segunda língua.  
Concluiu-se, que da mesma forma que não existe uma única concepção sobre língua e  
bilinguismo, também não existe uma única maneira de se pensar a educação bilíngue e, por  
conseguinte, o sujeito/aluno bilíngue, principalmente, quando se considera a multiplicidade de  
contextos sócio-históricos em que essa modalidade educacional pode ocorrer. Em comum entre  
as escolas, há, no entanto, a promessa de um futuro melhor às crianças e aos adolescentes que se  
tornarem bilíngues, discursos que, reforçados pela mídia, têm contribuído para a construção de  
um imaginário social de que aquele que conhece e domina uma língua estrangeira terá assegurado  
sucesso profissional (escola B) e/ou sucesso acadêmico, educacional e social (escola A).  
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1
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