Educação internacional: uma possibilidade complexa e transdisciplinar
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Compreender a educação internacional sob um prisma complexo e transdisciplinar implica,
de um lado, compreender a construção de saberes como um processo sistêmico, rizomático,
recursivo e retroalimentador, que relaciona e promove interação, ligando e religando
conhecimentos; e, de outro, conceber a formação de um sujeito capaz de exercer a “antropoética”
(MORIN, 2015, p.156), partindo da concepção de que o ser humano é constituído de um “caráter
ternário”, uno e múltiplo, configurado pela tríade “indivíduo-sociedade-espécie” que,
simultaneamente, particulariza o ser humano como um indivíduo que faz parte de uma sociedade
que, por sua vez, representa uma espécie.
Para atingir a tal compreensão, faz-se necessária uma mudança de perspectiva, uma
“reforma do pensamento” (MORIN, 2015, p.108), entrelaçada a uma reforma na educação, que se
fundamentem na construção não fragmentada de conhecimentos, levando em conta conexões e
mutualidades entre saberes diversos, nos contextos em que emergem, ganham sentido e se
reificam. Esse pensamento articulado, sistêmico, hologramático2 e, por vezes,
complementarmente antagônico, constitui o que Morin, no conjunto de sua obra, denomina
epistemologia da complexidade3.
Retomando Morin (2015) e refletindo sobre a complexidade em termos conceituais, Freire
(2021, p.116) argumenta:
A complexidade é sistêmica, relacional e transdisciplinar; conecta o sujeito ao objeto do
conhecimento; articula saberes de campos diversos; revela causalidade circular; acolhe a
ambiguidade, a imprevisibilidade, os conflitos e as incertezas inerentes à vida; revela
inacabamento, incompletude; e concebe o todo, ao mesmo tempo, maior e menor que a
soma de suas partes, em função das emergências que se manifestam. Por entrelaçar
saberes de várias áreas, lança mão de operadores, de princípios que materializam essa
conexão na construção de conhecimentos e operacionalizam o pensar complexo como “o
que visa ultrapassar a confusão, o embaraço e a dificuldade” de refletir com o “auxílio de
um pensamento organizador: que separa e que religa” (MORIN, 2015, p.118, grifo da
autora). O autor denuncia e reprova a incongruência dessa segmentação pois, de acordo
com a tessitura complexa, engendrada em conjunto, é imperioso, ao mesmo tempo,
“separar e religar, analisar e sintetizar” (MORIN, 2015, p.128, grifo do autor).
A pretendida reforma do pensamento, sob o enfoque moriniano acima sintetizado,
sinônimo de ligação-religação de conhecimentos, valoriza o tecido dos “acontecimentos, dos
acasos, interações, da ordem-desordem, ambiguidades e incertezas” (MORIN, 2005a, p.17). A
2
Referimo-nos, aqui, ao princípio hologramático que, operacionalizando a complexidade, focaliza a relação
indissolúvel entre partes e todo, ressaltando que o todo está nas partes, assim com as partes estão no todo (MORIN,
2
005a).
3
Neste artigo, epistemologia da complexidade, complexidade e pensamento complexo são abordados como sinônimos.
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São Paulo (SP), v. 44 n.1, jan./jul. 2023 ISSN 2318-7115