ARTIGO

Análise do Dicionário da Língua de Sinais do Brasil: a Libras em suas m ãos

Analysis of Dicionário da Língua de Sinais do Brasil: a Libras em suas Mãos

Rodolpho Pinheiro D’AZEVEDO

professorrodolphounb@gmail.com

Universidade de Brasília, Brasília (FUP-UnB), DF, Brasil .

Resumo

Este artigo apresenta a análise do Dicionário da Língua de Sinais do Brasil: a Libras em suas mãos de Capovilla et al. (2019). Trata-se do dicionário de Libras mais relevante e difundido no país, sendo a versão mais recente dos dicionários produzidos pela equipe de Capovilla. Este estudo faz parte da pesquisa de doutoramento em Letras da Universidade Federal do Rio Grande Sul. O objetivo deste trabalho é fazer uma análise do dicionário nos seus componentes constitutivos, a fim de identificar os caminhos e desafios para a redação do dicionário de nossa pesquisa. Como metodologia, aplicamos nesse estudo os princípios de estruturação canônica para dicionários semasiológicos (macro, microestrutura e Front Matter) a partir de Borba e Bugueño - Miranda (2012), Bugueño-Miranda (2007), Bugueño-Miranda e Farias (2013) e Seliste (2019). Como resultado, percebemos a necessidade de melhor definição dos traços essenciais da obra, como o perfil de usuário e a função, a fim de estruturar os componentes canônicos de acordo com as reais necessidades dos potenciais usuários.

Palavras-chave: Lexicografia da Libras; Lexicografia Bilíngue ; Macroestrutura; Microestrutura .

Abstract

This article presents the analysis of the Dicionário da Língua de Sinais do Brasil: a Libras em suas mãos by Capovilla et al. (2019). It is the most relevant and widespread Libras dictionary in the country, being the most recent version of the dictionaries produced by Capovilla's team. This study is part of the doctoral research in Letters at the Federal University of Rio Grande Sul. The aim of this work is to analyze the dictionary in its constitutive components, in order to identify the paths and challenges for

FLUXO DA SUBMISSÃO Submissão do trabalho: 28/11 /2022

Aprovação do trabalho: 06/03/202 3 Publicação do trabalho: 07/04/2023

https://doi.org/10.23925/2318 - 7115.2023v44i1a 7

Distribuído sob Licença Creative Commons .

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writing the dictionary of our research. As a methodology, we apply in this study the principles of canonical structuring for semasiological dictionaries (macro, microstructure, and Front Matter) from Borba and Bugueño-Miranda (2012), Bugueño-Miranda (2007), Bugueño-Miranda and Farias (2013) and Seliste (2019). As a result, we recognized the need to better define the essential features of the work, such as the user profile and its function, in order to structure the canonical components according to the real needs of potential users.

Keywords: Brazilian sign Language Lexicography; Bilingual Lexicography; M acrostructure; Mic rostructure.

1. Introdução

O desenvolvimento de obras lexicográficas em Libras originou-se no século XIX. Porém, mesmo passado mais de um século dessa prática, vemos poucos avanços na organização dessas obras. O primeiro dicionário brasileiro em Libras foi produzido em 1875, por Flausino José da Gama, o Iconographia dos Signaes do Surdos-Mudos. Nela, é apresentada a forma iconográfica do sinal seguido do registro da equivalente na língua oral, organizados por campos semânticos. A segunda obra lexicográfica brasileira foi Linguagem das Mãos do padre Eugênio Oates (1969). Nessa obra, além do sinal e equivalente em língua portuguesa, outras informações estão presentes em sua microestrutura: +sinal +entrada em português +número do verbete +descrição dos movimentos para constituir o sinal (parâmetros) +sinais com relações semânticas com o sinal - entrada.

Atualmente, os dicionários de maior circulação no país ainda se assemelham às obras acima citadas. Vemos uma forte inclinação para a representação palavra-sinal, além de informações adicionais que os redatores acham pertinente. Porém, com o acesso a teorias e metodologias lexicográficas, as propostas de dicionários português-Libras devem ser redigidas em segundo bases teórico-metodológicas consolidadas, de modo que a obra cumpra seus objetivos almejados.

Para isso, dois grupos de fatores devem ser considerados na redação de um dicionário: a definição dos traços essenciais e os componentes canônicos da obra. Segundo Bugueño- Miranda (2019b, p. 12), os traços essenciais de um dicionário correspondem ao axioma básico “toda obra lexicográfica deve ser produto da interseção de três parâmetros: a) uma taxonomia, b) uma definição de perfil de usuário e c) uma função”. Assim, esses parâmetros são responsáveis pelo alcance da funcionalidade das informações apresentadas no dicionário, o definindo como instrumento linguístico” (FARIAS, 2009, p. 31). Os componentes canônicos, por outro lado, são


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concebidos a partir da delimitação dos traços essenciais do dicionário. É a partir deles que a apresentação de um dicionário é obtida. São quatro os componentes canônicos de um dicionário: o Front Matter, a macroestrutura, a microestrutura e a medioestrutura.

Tendo essas informações em vista, temos o objetivo de analisar o Dicionário da Língua de Sinais do Brasil: A Libras em suas mãos de Capovilla et al. (2019) (Doravante DLSB). Essa obra foi escolhida dado que é a maior obra de Libras disponível e a obra de maior circulação no país. Para tanto, avaliaremos seu Front Matter, sua macroestrutura e sua microestrutura, tendo em vista os desdobramentos destes componentes a partir dos traços essenciais.

Este estudo parte de uma pesquisa de doutorado vinculada ao Programa de Pós - Graduação em Letras – Universidade Federal do Rio Grande do Sul - PPGLetras-UFRGS. Nessa pesquisa, nosso intuito é a formulação das bases teórico-metodológicas para elaboração de dicionário on-line de verbos português-Libras e para aprendizes de Libras como Segunda Língua. Em vista disso, neste artigo investigamos os caminhos ou desafios encontrados no DLSB (2019), de modo a refletir sobre possíveis caminhos a serem seguidos em nossa pesquisa.

2. Front Matter

Além da nominata do dicionário, que corresponde a sua lista de entradas, existem elementos externos a ela que compõe a estrutura do dicionário. Para a metalexicografria inglesa, estes elementos são o Outside Matter (textos externos), que se divide em Front Matter, Middle Matter e Back Matter. De acordo com Bugueño-Miranda (2019a, p. 15), ainda não há trabalhos que permitam conferir uma função determinada para o Middle Matter e Back Matter. Por outro lado, já existe literatura nos estudos metalexicográficos que delimita as funções do Front Matter . Segundo o autor, “o Front Matter deve cumprir três funções: em primeiro lugar, assinalar

o usuário ao qual o dicionário está destinado; em segundo lugar, assinalar a função do dicionário e, finalmente, servir de manual de instruções” (BUGUEÑO-MIRANDA, 2919a, p. 15). Vemos que cabe a esse elemento a apresentação dos traços essenciais da obra, estes que servem de base para sua ordenação. Além disso, “o Front Matter é umaponte de comunicação entre o consulente, o lexicógrafo e o próprio dicionário” (FORNARI e BUGUEÑO-MIRANDA, 2006, p. 248). Assim sendo, as informações do Front Matter devem estar ordenadas de maneira clara e acessível, de modo a apresentar instruções que possibilitem, ao consulente, o uso autônomo da obra.

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Como apontado por Borba e Bugueño-Miranda (2012, p. 35), para o cumprimento suas funções, o Front Matter precisa responder às seguintes questões:

A) Para quem é? - delimitação do perfil de usuário almejado.

B) Para que serve? - apresentação dos objetivos a serem alcançados pelo dicionário.

C) Que tipo de palavras contém? - informação sobre os critérios de seleção macroestrutural.

D) Como se usa? - apresentação dos recursos disponíveis, como a simbologia (setas, asteriscos), as marcações gráficas (negrito, itálico) e as abreviaturas utilizadas. (grifo nosso)

Para responder a essas questões, os autores apresentam três princípios que devem guiar a redação do Front Matter de um dicionário1 :

Abrangência: “indica que o conteúdo disposto no Front Matter precisa ser relevante e realmente informativo”;

Concisão: “diz respeito à maneira clara e sintética a partir da qual as informações contidas nesse componente precisam ser redigidas e organizadas”;

Eficiência: “possibilita ao usuário a visualização de todos os segmentos do PCI que conformam os verbetes” (BORBA e BUGUEÑO-MIRANDA, 2012, pp. 35- 36).

Ademais, os autores apresentam a relação entre o Front Matter e os demais componentes canônicos, como mostrado a seguir:

Figura 1. relação entre o Front Matter e os demais componentes canônicos


Fonte: Borba; Bugueño-Miranda (2012, p. 37).

Nesta imagem, os autores conduzem analogia dos símbolos colocados no Front Matter com suas características. São eles:

[O símbolo de atenção] indica que esse componente canônico contém informações importantes, com as quais o usuário precisa entrar em contato.

A fechadura indica que o conteúdo dos demais componentes canônicos do dicionário (macro, micro e medioestrutura) estaria cifrado, ou seja, o usuário só poderia compreendê-lo totalmente se estivesse armado das informações necessárias para tanto. A chave indica que o Front Matter pode ajudar o usuário a “abrir”, decifrar, compreender o conteúdo do dicionário, presente nos seus demais componentes canônicos. (BORBA ; BUGUEÑO-MIRANDA, 2012, p. 37).

1 Os conceitos de abrangência e concisão foram propostos por Fornari (2008, s.p., apud BORBA; BUGUEÑO- MIRANDA, 2012, p. 35). O conceito de eficiência é adicionado à lista por Borba e Miranda (2012, p. 36).


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Assim, percebemos a importância deste elemento, que atua como o alicerce da obra. Um bom Front Matter é aquele emque o consulente entende com clareza como funciona o dicionário, conseguindo utilizá-lo em todos seus recursos.

Para a análise desse componente, Borba e Bugueño-Miranda (2012, p. 38) propõem os seguintes parâmetros de avaliação: 1) Presença de Front Matter; 2) Macroestrutura (Seleção macroestrutural); 3) Macroestrutura (Corpus utilizado); 4) Microestrutura; 5) Medioestrutura; 6) Usuário almejado; 7) Função; 8) Middle Matter; 9) Back Matter. Utilizamos esses parâmetros para a análise do DLSB (2019).

O DLSB (2019), apesar de possuir um Front Matter extenso, com vinte e uma páginas, somente apresenta cinco dos parâmetros de análise. O primeiro diz respeito a presença desse elemento na obra, além de descrever o usuário almejado, a microestrutura e é parcialmente mencionado a seleção macroestrutural e o corpus utilizado. Sobre o usuário almejado, na última frase do Front Matter é apresentado que “todas essas características [descritas no Front Matter ] fazem deste dicionário uma obra de consulta essencial para a população surda brasileira e a cultura brasileira” (DLSB, 2019, p. 42). Assim sendo, percebemos que, a princípio, a obra é direcionada para o consulente Surdo. Para este público, a Libras é sua primeira língua, enquanto a língua portuguesa é adquirida como segunda língua. A priori, para este público, a organização lemática seguindo a ordem alfabética da língua portuguesa satisfaz a necessidade de compreensão, sendo assim uma obra comfunção passiva. Porém, não há nenhuma informação na obra que indique que ela tenha sido organizada tendo como objetivo auxiliar os consulentes nessa função.

Em relação à seleção macroestrutural, há informação de que os sinais registrados com marcação de variação linguística são “aqueles emrelação aos quais foi encontrada documentação lexicográfica segura acerca do uso corrente do sinal naqueles estados” (DLSB, 2019, p. 34). Porém, em nenhum momento é descrito quais documentos fazem parte do corpus utilizado. Ademais, na página treze, há lista de Surdos e intérpretes que participaram como colaboradores da obra, divididos entre as unidades da federação. Supomos que esses colaboradores participaram da coleta dos sinais, informando qual era o sinal utilizado em sua região. Contudo, dentre as quinze unidades federativas apresentadas, uma possui somente um colaborador Surdo (Alagoas)

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enquanto sete possuem dois colaboradores (Brasília, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco e Sergipe). Caso nossa suposição se confirme, essa quantidade de colaboradores não é suficiente para a determinação da variação em questão, uma vez que tais sinais podem ser idioletos do próprio sinalizante, sem representar a realidade linguística da comunidade Surda da região.

No que diz respeito a microestrutura, a obra apresenta descrição detalhada dos segmentos informativos presentes no verbete. São doze informações possíveis de inclusão, que serão apresentadas na explanação da microestrutura. Entretanto, o dicionário apresen ta teoricamente cada uma dessas informações, através de terminologia específica para descrição linguística da Libras proposta pelos autores. Essas informações são descritas com vocabulário demasiado técnico, o que impossibilita a compreensão de um consulente comum, aquele que busca a obra para suprir sua necessidade. Desta forma, apesar de sua descrição detalhada, as informações apresentadas não satisfazem os critérios de abrangência, concisão e eficiência descritos anteriormente.

Em suma, está evidente que o Front Matter da obra segue a tendência descrita Fornari e Bugueño-Miranda (2006, p. 249) emque “o Front Matter não costuma seguir nenhuma concepção teórica e que, na verdade, acaba não cumprindo nenhuma função dentro dos dicionários”. Esse fato é evidenciado na falta de descrição de sua função, o que impacta diretamente sua macroestrutura e microestrutura. Ademais, o tecnicismo utilizado não condiz com a necessidade do consulente. Por esse motivo, o Front Matter é incapaz de servir de manual de instruções para o usuário, sendo este encaminhado direto para a nominata da obra.

3. Macroestrutura

A macroestrutura, segundo Bugueño-Miranda (2019a), responde à necessidade do dicionário de ter um princípio de ordenação, ou seja, um nível de organização da linguagem. Esse princípio de ordenação requer umalgoritmo de busca, empregado conforme os objetivos da obra. Ademais, além do sistema de busca, cabe à macroestrutura a seleção de lexias e as regras de lematização das unidades. Bugueño-Miranda (2007) apresenta dois parâmetros para a seleção macroestrutural de um dicionário: o parâmetro quantitativo e o qualitativo.


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3.1. Seleção macroestrutural quantitativa

A seleção macroestrutural quantitativa diz respeito a quantidade de verbetes que aparecem no dicionário. Ela é baseada a partir do critério de estatístico ou em critérios sin- ou (dia)sistêmicos. O primeiro leva em consideração a frequência de ocorrência de cada palavra, o qual delimita a escolha de inclusão ou exclusão lexical na obra. O segundo utiliza a sincronia para sua definição. Por meio de um intervalo de tempo, é possível selecionar as unidades léxicas que constarão na obra. Ao parâmetro sincrônico, “podem-se empregar parâmetros complementares, tais como uma perspectiva sintópca frente a diatópica, uma perspectiva sinstrática v/s diastrática, uma sinfásica v/s diafásica, etc.” Bugueño-Miranda (2007, p. 265). Por meio da sel eção macroestrutural quantitativa, é possível evitar o inchaço macroestrutural da obra, excluindo-se o excesso de verbetes sem nenhuma serventia. Para tanto, é necessária a delimitação clara dos traços essenciais da obra, que servem para a delimitação dos parâmetros utilizados para a seleção macroestrural.

Em relação à obra analisada, suas 2918 páginas, divididas em três volumes, apontam que a obra é macroestruturalmente densa. De fato, com uma média de 4,5 entradas por página, estimamos que a obra apresente 12 753 verbetes. Esse valor pode parecer singelo comparado às línguas orais, mas para a lexicografia em Língua de Sinais trata-se de uma obra robusta. A nível de comparação, o Dicionário Ilustrado de Libras (Brandão, 2011), segundo dicionário impresso de maior circulação no país, possui 3 225 verbetes. Listamos três motivos que podem contribuir para esse fator: a lematização de variantes, lematização de nomes próprios e a lematização de classificadores.

Em relação às variantes, o dicionário lematiza cada uma em verbete, usando, assim, de uma solução homonímica. Esta prática contribui para o inchaço da obra, uma vez que cada variante possui elementos microestruturais semelhantes. Ademais, a obra lematiza sinais que só possuem uma fonte, como nos casos dos sinais dos presidentes do Brasil. Mais uma vez ressaltamos que se pode tratar de idioletos que não representam a realidade linguística da região. Também percebemos a lematização de outros nomes próprios, como os nomes de praias, por exemplo. Esse registro exaustivo das praias brasileiras aumenta o inchaço da obra. O ideal é que informações desta natureza façam parte de um dicionário específico que contemplem somente informações toponímicas.

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Em terceiro lugar, outro fator que contribui para o grande número de verbetes na obra é a lematização dos classificadores, também denominados descrições imagéticas (cf. CAMPELLO, 2008). A presença da lematização dos classificadores faz com que signos que não pertence diretamente ao léxico da Libras possam ser descritos visualmente pelo enunciador. Este fenômeno contribui para o aumento de entradas na obra, uma vez que para palavras da língua portuguesa é proposto uma descrição visual do signo em Libras.

3.2. Seleção macroestrutural qualitativa

Em relação à seleção macroestrutural qualitativa, Bugueño-Miranda e Farias (2013) apresentam os seguintes fatores a serem analisados: 1) tipos de unidades léxicas registradas, 2) solução polissêmica versus solução homonímica, 3) lematização de formas de type e token e 4) disposição lemática. Analisaremos cada um a seguir.

3.2.1. Tipos de unidades léxicas registradas

Em um dicionário, a seleção das unidades léxicas segue preceitos teóricos e metodológicos do redator. Diferente do que o senso comum acredita, um dicionário é incapaz de apresentar todo léxico da língua. Diariamente, palavras são criadas e outras deixam de ser utilizadas, o que impossibilita que um dicionário esteja sempre atualizado com todas as unidades léxicas da língua. Cabe ao redator determinar quais delas serão lematizadas em sua obra.

Esta escolha é, mais uma vez, diretamente relacionada com o objetivo da obra e seus elementos essenciais. As unidades léxicas que compõem a obra vão depender de qual público ela deseja alcançar, qual a necessidade desse público (compreensão ou produção) e qual modelo de obra é necessário para suprir essa necessidade. Nesse sentido, Seliste (2019, p. 137) apresenta critérios para seleção lemática de um dicionário bilíngue, a partir das propostas de Tarp (2008) e Selistre (2012):

a) frequência (atualmente baseado em estudos de corpora);

b) sistematicidade (inclusão de todos os itens que pertencem a um mesmo campo semântico, como, por exemplo, o nome de todos os dias da semana);

c) relevância (para o usuário- alvo);

d) transparência em itens simples (não inclusão de itens simples cuja forma e conteúdo coincidem na L1 e na L2, como “motor” e “lava” em inglês e português);

e) transparência em itens compostos (itens compostos que tenham equivalência simétrica, isto é, quando é possível chegar ao significado da composição através da consulta individual dos itens que a constituem, como art gallery/“galeria de arte”), segundo Selistre (2012). (SELISTE, 2019, p. 137, grifo nosso).


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Pela falta de descrição detalhada do DLSB (2019), é difícil concluir se algum desses critérios foram seguidos na seleção macroestrutural. Emrelação à frequência, tendo em vista que estudos de corpora em línguas de sinais são ainda incipientes, dificilmente este critério é empregado na obra. De fato, a obra se estrutura como um dicionário de língua geral, ao qual é adicionado o maior número de sinais encontrados.

Em relação à relevância, nos questionamos se as unidades léxicas registradas satisfazem, de fato, as necessidades do seu usuário almejado. Tomemos, por exemplo, a lematização dos descritores imagéticos. Nem todas as entidades que possuem um significante em português tem um significante equivalente em Libras. Porém, essas entidades são representadas através da sua descrição visual, por meio da iconicidade presente na língua. Um exemplo é a lematização de

PELICANO. A descrição desta ave parte dos sinais de PASSARINHO, como mostrado a seguir: Quadro 1. sinais de PASSARINHO1, PASSARINHO2 e PASSARINHO 3

PASSARINHO1 PASSARINHO2 PASSARINHO 3




Fonte: DLSB (2019, pp. 2116- 2117)

Em PASSARINHO2 e PASSARINHO3, o sinal é resultado da iconicidade com relação ao bico e as asas, respectivamente. Em PASSARINHO1, vemos sinal representado pela composição dos sinais de

PASSARINHO2 e PASSARINHO3. Já em PELICANO, são registrados os seguintes sinais:


Figura 2. Sinal de PELICANO 1

Fonte: DLSB (2019, p. 2141)

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Figura 3. Sinal de PELICANO 2

Fonte: DLSB (2019, p. 2141)

Cada um desses sinais é realizado pela composição de PASSARINHO2 e PASSARINHO1 , respectivamente, e formas diferentes de descrever a papada da ave. Porém, esses sinais não constituem uma unidade léxica compartilhadas pelos usuários da língua. A sinalização deste animal parte percepção visual de cada sinalizante, o que acarreta formas diferentes para o mesmo significante. Contudo, ainda carecem trabalhos que analisem os descritores imagéticos mais ao fundo, sendo este fenômeno ainda um mistério na linguística das línguas de sinais. Consequentemente, são necessários estudos que proponham soluções para registro lexicográfico deste fenômeno.

Por fim, a obra lematiza nomes próprios. Segundo Buguño-Miranda (2019a), a princípio, nomes próprios não devem estar presentes na nomenclatura de um dicionário. A razão desta restrição é devida a falta de significação dessas unidades. Neste sentido:

No que concerne aos nomes próprios, já é consenso que essas unidades carecem do que se costuma chamar de significação (cf. RIEMER (2010, p. 110)). Se, pelo contrário, o dicionário é um repertório de palavras com significação léxica ou relacional, então a lematização de nomes próprios não procede. (BUGUÑO-MIRANDA, 2019a, p. 17)

Porém, o autor indica os casos em que a lematização dessas unidades é possível. Dentre elas, é passível de lematização “[...] situações nas quais se julga que os nomes próprios - particularmente os topônimos - podem oferecer uma dificuldade de ordem ortográfica e/ou morfológica” (BUGUÑO-MIRANDA, 2019a, p. 17).

Em relação a Libras, a diferença de modalidade traz a necessidade de uma dupla nomeação para o mesmo sujeito ou local: uma por meio da datilologia, que representa a forma escrita do português, e outra a partir de um sinal identificador, que o representa dentro da comunidade Surda. Assim, há necessidade do registro dos sinais de topônimos e de celebridades segundo os objetivos de cada obra. Porém, essas unidades carecem de significação, o que limita sua necessidade de lematização ao registro das equi valências.

3.2.2. Solução polissêmica versus solução homonímica


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A polissemia e a homonímia representam um obstáculo na redação de um dicionário. Ambos os fenômenos se caracterizam pelas coincidências fonético-ortográficas das palavras. Contudo, o que diferencia a polissemia e a homonímia diz respeito a maneira pela qual estas coincidências ocorreram. A esse respeito, BUGUEÑO-MIRANDA (2016) nos apresenta a distinção destes dois fenômenos:

Polissemia – “a multiplicidade de conteúdos semânticos de um signo” [inhaltliche

Mehrdeutigkeit eines Zeichens] (ULRICH, 2002, apud BUGUEÑO-MIRANDA 2016, p. 126). • Homonímia – “tipo de multiplicidade de significação léxica, na qual se fala de diferentes

palavras: as expressões homônimas possuem uma mesma forma da expressão em relação à ortografia (...) e pronúncia (...), mascomsignificação diferente e geralmente com origem etimológica distinta (...)” (BUßMANN (1990, s.v. Homonymie apud BUGUEÑO- MIRANDA 2016, p. 126).

Deste modo, enquanto a polissemia diz respeito aos múltiplos significados para a mesma unidade léxica, a homonímia é o fenômeno em que duas (ou mais) unidades léxicas distintas se correspondem ao nível fonológico e ortográfico.

Dentre os critérios para distinção entre significados polissêmicos e homonímicos, tradicionalmente os dicionários utilizam a etimologia. Assim, em uma análise diacrônica, formas polissêmicas possuem a mesma origem, enquanto formas homonímicas possuem orige m diferente. De acordo com Palmer (1976, p. 68):

If it is know that identical forms have diferente origins they are trated as homonymous and given separate entries. If it is know that they have one origin, even if they have different meanings, they are treated as polysemic and given a single entry in the dictionary. 2

Porém, o critério diacrônico não considera a sincronia dos significados no momento da redação da obra. Bugueño-Miranda (2016, p. 145) exemplifica essa situação coma palavra francesa grève. Ele possui os seguintes significados: GREVE1: “terrain plat formé de sables et de graviers, situé au bord de la mer ou d'un cours d'eau”3 e GREVE2 “cessation volontaire et collective du travail décidée par des salariés, un groupe professionnel dans un but revendicatif (amélioration des conditions de travail, protestation contre les licenciements, etc.)”4 (Le Petit Robert, s.v. grève).

2 Tradução nossa: Se for sabido que formas idênticas têm origens diferentes, elas são tratadas como homônimas e recebem entradas separadas. Se se sabe que têm uma origem, mesmo que tenham significados diferentes, são tratados como polissêmicos e recebem um único verbete no dicionário.

3 Tradução nossa: terreno plano composto de areia e cascalho, localizado à beira-mar ou um curso de água.

4 Tradução nossa: cessação voluntária e coletiva do trabalho decidida pelos empregados, grupo profissional para fins de protesto (melhoria das condições de trabalho, protesto contra demissões, etc.).

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Estes significados possuem a mesma origem, uma vez que “as Lesearten s.v. grève2 derivam todas de grève1 por metonímia”. (BUGUEÑO-MIRANDA, 2016, p. 145). Porém, atualmente não é clara a relação entre estes dois significados, o que se assemelha a um caso de homonímia.

Tendo isso em mente, Bugueño-Miranda (2016, p. 125) conclui que:

Distinções metodológicas entre polissemia e homonímia nem sempre se podem aplicar consequentemente para o tratamento que o léxico recebe no dicionário, tanto em função das particularidades da língua objeto, como em função das particularidades da própria obra lexicográfica (metodologia metalexicográfica)

Para resolver esta questão, o autor propõe soluções polissêmicas e homonímicas para o ordenamento da macroestrutura e microestrutura da obra. Por meio das soluções polissémicas, todas as acepções são reunidas no mesmo verbete sobre o mesmo lema. Por outro lado, nas soluções homonímicas, cada acepção configura um verbete diferente, onde cada acepção está relacionada a um lema diferente. Assim, além das soluções baseadas na etimologia, o autor propõe soluções polissêmicas não etimológicas e soluções homonímicas não etimológicas de base semântica ou morfológica.

No DLSB (2019), somente são aplicadas soluções homonímicas em seu ordenamento. Mesmo para sinais variantes em Libras, que poderiam ser registrados no mesmo verbete em português, a obra registra cada um em um verbete diferente. A seguir, temos os verbetes MÃE 1

MÃE2 e MÃE3, onde cada verbete apresenta uma variante.


Figura 4. verbetes MÃE1 MÃE2 e MÃE 3

Fonte: DLSB (2019, p. 1738)

3.2.3. Lematização de formas de type e token


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A distinção entre type / token diz respeito às formas preferenciais (forma canônica ou invariante) e não preferenciais (forma não canônica ou variante). De acordo com Bugueño - Miranda (2019a, p. 17):

A distinção se aplica ao âmbito da ortografia e ao âmbito de preferência ou interdição de determinadas formas lexicais. Essa distinção se estabelece em relação a determinados eixos do diassistema, tais como o diatópico, o diacrônico, o dianormativo ou o diafásico - diastrático.

Para tanto, para a distinção entre type e token, podem ser utilizados alguns critérios: frequência de cada forma, sendo a mais frequente o type e a menos o token; diferença entre a forma atualmente usada (type) e as formas em desuso ou obsoletas (token); a distinção formal e informal/vulgar; distinção entre a forma majoritariamente utilizada em um país e aquela utilizada em uma localidade específica etc.

Quando pensamos em obras bilíngues, essa distinção type / token também ocorre nas duas línguas. Nalíngua de partida, ela está relacionada a qual forma será o verbete principal (type ), aquele que contém os comentários semânticos, e qual será aquele que realizará referência ao verbete principal (token), por meio do sistema de remissivas. Já na língua de chegada, a diferença estará relacionada a ordem de apresentação/ordenação das formas no verbete.

Na obra, não é feita nenhuma distinção entre type e token. Tomemos como exemplo os verbetes LATRINA, PRIVADA e VASO SANITÁRIO. Para cada unidade, é lematizado duas formas variantes, como mostrado a seguir:

Figura 5. verbetes LATRINA (1) e (2)


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Fonte: DLSB (2019, p. 1649)

Figura 6. verbetes PRIVADA (1) e (2)


Fonte: DLSB (2019, p. 2308)

Figura 7. verbetes VASO SANITÁRIO (1) e (2)


Fonte: DLSB (2019, p. 2830)

Em cada caso, observamos a repetição das informações contidas na microestrutura com pequenas alterações, como no exemplo de VASO SANITÁRIO1. Esta repetição contribui para o inchaço da obra, que pode ser percebido pelos três volumes que possui. Ouso da diferenciação das formas traria economia ao dicionário, não somente em sua produção, mas também na utilização pelo consulente, umavez que obras mais compactas são mais fáceis de manusear. Porém, apesar desta


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repetição, é possível identificar a forma que a obra considera como type. Em LATRINA1, LATRINA2 ,

PRIVADA1 e PRIVADA2 aparecem a indicação “fazer este sinal VASO SANITÁRIO”, o que indica que esta é a forma preferencial adotada pela obra.

3.2.4. Disposição lemática

Segundo (BUGUEÑO-MIRANDA (2019, p. 20), em um dicionário semasiológico, a nominata de um dicionário semasiológico pode estar ordenada de três formas:

1) estrutura lisa – ordenação dos lemas em ordem alfabética, alinhados a direita, sem a presença de subentradas.

2) estrutura de nicho léxico – lemas ordenados na ordem alfabética como na estrutura lisa com subentradas que igualmente estão ordenadas na ordem alfabética.

3) estrutura de ninho léxico – semelhante a estrutura de nicho léxico, tendo como diferença a não ordenação alfabética das subentradas.

Dentre as opções, a estrutura lisa é a mais utilizada nas obras brasileiras. Neste sentido, o DLSB (2019) também utiliza esta disposição segundo a ordem alfabética do português. Porém, em alguns casos, a utilização de estruturas de nicho léxico pode ser benéfica em um dicionário bilíngue. Segundo Seliste (2019, p. 137)

Embora os dicionários bilíngues, tanto ativos quanto passivos, sejam, em geral, organizados na forma de estrutura lisa, o nicho léxico representa uma opção bastante adequada para esse tipo de obra, uma vez que, além de manter a vantagem da manutenção da ordem alfabética, favorece a percepção da produtividade léxica de um item e, por isso, amplia as chances do consulente de aumentar seu vocabulário (ganho de massa léxica).

Percebemos, assim, que essa estrutura pode ser benéfica em um dicionário português - Libras. Tomemos como exemplo os lemas complexos a partir da palavra ANDAR no DLSB (2019). Tendo como base a acepção deslocar-se/transportar-se, a obra lematiza nove formas:

ANDAR A CAVALO, ANDAR À TOA, ANDAR CAMBALEANDO, ANDAR DE BICICLETA, ANDAR DE CARRO ,

ANDAR DE MODO LEVE E SUAVE (CL), ANDAR DOS ANIMAIS (CL), ANDAR NA CORDA BAMBA (CL),

ANDAR NA PONTA DOS PÉS (CL) (DLSB, 2019, pp.196-198). Essa multiplicidade de formas é devida a isomorfia das línguas que compõem o dicionário. Em língua portuguesa, a indicação do modo (ou instrumento) em que a ação andar é realizada é expressa a nível sintático, na forma verbo + advérbio. Em Libras, por outro lado, estas indicações ocorrem ou na morfologia do verbo ou em unidades léxicas diferentes. Assim, a unidade lexical andar em língua portuguesa corresponde a diferentes unidades lexicais em Libras, como mostrado a seguir:

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Figura 8. ANDAR em português e suas equivalentes em Libras

Fonte: DLSB (2019, pp.195-197, adaptado)


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Temos, assim, uma equivalência 1 para 10, em que uma unidade léxica em português equivale a dez unidades léxicas em Libras.5 A partir disso, a estrutura de nicho léxico pode facilitar a busca do consulente ouvinte em um dicionário ativo português-Libras. Ao buscar ANDAR em sua nomenclatura, a entrada em português apresentará as subentradas correspondentes em Libras, contribuindo, assim, para sua necessidade de produção.

Contudo, as três formas de ordenação da nomenclatura de umdicionário somente podem ser aplicadas em um dicionário no sentido português-Libras com funções ativa e passiva. Para um dicionário no sentido Libras-português, emqualquer função, o ordenamento emordem alfabética não é uma opção, uma vez que a datilologia não é natural às línguas de sinais. Portanto, é necessário o desenvolvimento de sistema de ordenação da massa léxica que considere as especificidades de uma língua de modalidade visual- espacial.

4. Microestrutura

Segundo Bugueño-Miranda (2019a, p. 14), a microestrutura é “o conjunto de informações acerca do signo-lema” (BUGUEÑO-MIRANDA, 2019a, p. 14). Essas informações, denominadas segmentos informativos, constituem o Programa Constante de Informações (PCI). A partir da dicotomia do signo linguístico (significado-significante), o PCI se divide em dois grupos: o comentário de forma, relativo ao significante, e o comentário semântico, relativo ao significado. A escolha dos segmentos informativos que constituem o PCI de uma obra parte da delimitação dos seus traços essenciais. Porém, como salienta Bugueño-Miranda (2019a, p. 15) “Constitui um princípio axiomático básico da microestrutura o fornecimento de pelo menos um segmento informativo de comentário de forma e um segmento informativo de comentário semântico”. Seliste (2019, pp.137-138), apresenta as seguintes possibilidades de segmentos informativos para cada tipo de comentário:

1) Comentário de forma:

a) informações ortográficas: ortografia, divisão silábica (em dicionários passivos) e variante(s);

b) informações morfológicas: classe gramatical e flexão;

c) informações fonológicas: pronúncia (em dicionários passivos);

d) informações sintáticas: regência e exemplos de sintaxe (em dicionários ativos)

5 A partir dos itens lematizados no DLSB (2019). Porém, há outras formas de equivalentes de andar em Libras, muitas delas de difícil lematização por se tratar de classificadores .

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2) Comentário semântico:

a) informações semânticas: equivalente(s), paráfrase ou ilustração (para os realia e itens pouco familiares);

b) informações pragmáticas: marcas de uso (em dicionários ativos) e d esambiguadores semânticos;

c) informações paradigmáticas (em dicionários ativos): antônimos e sinônimos; d) exemplos com foco semântico. (SELISTE, 2019, pp. 137-138, grifo nosso)

Mesmo para línguas de modalidades diferentes, é possível a presença destes segmentos informativos, adaptados para a realidade linguística de umalíngua de sinais. Além de possuir todos os níveis gramaticais, é possível descrever modalidades semelhantes a ortografia e a separação silábica em Libras (cf. AGUIAR, 2013). No DLSB (2019), são utilizados doze segmentos informativos:

Comentário de forma

1. Soletração digital do verbete a partir da entrada em português;

2. Indicação dos estados em que o sinal foi encontrado;

3. Classificação gramatical do português;

4. Descrição da forma do sinal (como o sinal é realizado);

5. Descrição etimológica do sinal, a partir de sua morfologia; 6. Descrição etimológica do sinal, a partir de sua iconicidade. Comentário semântico

7. De uma a cinco ilustrações;

8. Sinal escrito em SignWriting;

9. Ilustração do sinal equivalente em Libras;

10. Equivalentes em português e inglês (denominados na obra como “verbetes do português e do inglês”);

11. Definição em português;

12. Exemplos de uso em português.

Exemplo de verbete que apresenta todos esses segmentos informativos é mostrado a seguir: Figura 9. verbete PASSEATA 1


Fonte: DLSB (2019, pp. 2117)


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A seguir, analisamos cama um dos segmentos relativos de cada comentário.

4.1. Comentário de forma

Primeiramente, descrevemos os segmentos informativos referentes aos comentários de forma. Emtodos os verbetes, é apresentada a datilologia emportuguês. Apesar de ser uma forma de representar as letras do alfabeto por meio dos parâmetros fonológico da Libras, a datilologia só tem funcionalidade em casos de necessidade de soletração de nomes próprios ou de palavras em língua portuguesa que não possuem equivalentes em Libras. Assim, para qualquer função e usuário destinado essa informação é supérflua, uma vez que o em nenhum caso essa informação é significativa para o consulente.

Outros dois segmentos informativos são a indicação dos estados em que o sinal foi encontrado e a classificação gramatical. No primeiro caso, a obra apresenta, por meio das siglas dos estados, informações de cunho diatópico. Porém, lembramos que este processo pode conter idioletos dos informantes. A respeito das informações gramaticais, elas somente são fornecidas para o lema em português. Não há nenhuma menção dessas informações em Libras, o que é imprescindível para o usuário ouvinte em sua função ativa. Mais uma vez ressaltamos a importância da redação de um dicionário a partir da clara definição de seus traços essenciais.

Por fim, no comentário de forma ainda é possível apresentar as descrições da forma do sinal (como o sinal é realizado) e a descrição da etimologia do sinal, que pode ser realizada a partir da morfologia e da iconicidade do sinal equivalente. Mais uma vez percebemos as decorrências da falta de determinação dos traços essenciais. A respeito da descrição etimológica, é apresentada relações dos processos de composição ou derivação na organização do sinal. Essa análise parte exclusivamente da morfologia, sem haver qualquer relação com a origem do sinal. No mesmo sentido, a informação de iconicidade apresenta uma possibilidade de origem do sinal a partir da descrição visual (ou mental) do significado. Estas descrições podem ser benéficas, em certa medida, para o usuário ouvinte com pouca habilidade na língua, visto que este se depara com a produção em uma língua de modalidade diferente que a sua. Porém, para um usuário Surdo, que consulta a obra a fim de compreender uma unidade léxica do português, estas informações são supérfluas e desnecessárias.

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4.2. Comentário semântico

A respeito do comentário semântico, enquanto em um dicionário monolíngue o segmento informativo básico é a paráfrase explanatória (BUGUEÑO-MIRANDA, 2019a, p. 15), em um dicionário bilíngue os equivalentes são o segmento informativo de maior importância. No DLSB (2019), as equivalentes são apresentadas em três segmentos informativos: Ilustração do sinal equivalente em Libras; sinal escrito em SignWriting e as equivalentes em português e inglês. Oprimeiro questionamento é a presença da equivalente eminglês. Segundo a obra “depois de cada verbete emportuguês, aparecem os diversos verbetes eminglês, correspondentes a cada um deles. Esse arranjo permite traduzir de Libras para o Português e de Libras para o inglês” DLSB (2019, p.30). Porém, não há indícios na obra de que o consulente necessite desta informação. Se o objetivo é a disposição destes equivalentes para o usuário Surdo, o ideal é o desenvolvimento de dicionário com o par linguístico inglês e Libras, onde os segmentos informativos da unidade léxica em inglês seja condizente ou com a necessidade de produção ou com a necessidade de compreensão por este usuário. Ademais, como o ordenamento lemático da obra é realizado a partir da língua portuguesa, a relação de tradução proposta pelo dicionário só é possível na direção português-Libras e português-inglês, não partindo assim da Libras para as outras línguas. Para essa possibilidade, a obra deveria ser ordenada lematicamente a partir da Libras, o que não é ocaso.

Em relação ao sinal em Libras, este é registrado por meio da imagem do sinal e de sua escrita em SignWriting. Apesar de não ser amplamente difundido e padronizado no Brasil, o esse sistema de escrita está em movimento de expansão no país, o que justifica sua pertinência no dicionário para qualquer função que exerça. Já a expressão visual do sinal6, devido ao formato impresso da obra, se limita a sua representação estática por meio de imagens. Esta representação limita as possibilidades de registro dos parâmetros fonomorfológicos, como o movimento. Assim sendo, para uma língua de sinais é ideal o uso de ferramentas informatizadas que possibilitem a presença de vídeos.

Outros segmentos informativos do comentário de forma são a definição e os exemplos de uso em português. Mais uma vez é questionável a pertinência desses segmentos. Para o

6 Em comparação às línguas de sinais, a expressão visual do sinal corresponde a expressão oral, enquanto o sistema de escrita SignWriting corresponde a expressão escrita. Por sua tradição ágrafa, a modalidade visual é a culturalmente utilizada pela comunidade Surda e assim a modalidade principal de registro em obras lexicográficas.


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consulente Surdo, que utiliza o dicionário para a compreensão de uma palavra em língua portuguesa, não há necessidade de exemplos de uso, uma vez que estes segmentos somente são úteis no processo de produção. Por outro lado, a definição em português pode ser utilizada em dicionários semi-bilíngues. Nesses casos, esse segmento informativo deve estar adequado consulente Surdo, por meio de acessibilidade textual e terminológica, que considere que a língua portuguesa é uma segunda língua de segunda modalidade para este público. (cf. FINATTO, 2020) Por fim, o último segmento informativo referente ao comentário de forma são as ilustrações. Vista a visualidade linguística do sujeito Surdo, faz parte da tradição lexicográfica em línguas de sinais a presença de ilustrações nos verbetes. Porém, ilustrações devem ser utilizadas a fim de complementar a definição (ou equivalente) do verbete e não como mera ilustração que faz alusão ao significado. Vejamos as ilustrações dos verbetes APOIAR1, APOIAR2 e APOIAR3, a seguir :

Quadro 2. Ilustrações dos verbetes APOIAR1, APOIAR2 e APOIAR 3

APOIAR1 APOIAR2 APOIAR 3




Fonte: DLSB (2019, p. 239)

Apesar de utilizadas para ilustrar o conceito do verbo apoiar, elas não expressam com clareza a ação verbal, podendo, inclusive, gerar outras interpretações. Em APOIAR1, a seta coloca em evidência o homem sem caixa. Porém, sua postura pode ser interpretada de diversas formas, inclusive como uma ordem, por exemplo. Já em APOIAR2, a imagem não expressa o apoio da mãe na resolução da tarefa de casa. No último caso, o homem indicado com a seta pode estar fazendo diversas coisas, como conversar, influenciar etc. Dessa maneira, não se deve colocar ilustrações em verbetes em que não é possível a expressão clara do seu significado e que não auxiliem na tarefa de complementação da definição fornecida.

Por fim, as ilustrações devem estar de acordo com o usuário destinado. Na obra, é descrito que as ilustrações aparecem “[...] para permitir à criança surda aprender diretamente o sentido ou o significado do sinal sem depreender da leitura do português” (DLSB 2019, p. 24). Porém, na

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obra não há cuidado para que as ilustrações sempre sejam adequadas às crianças, como evidenciado pelas ilustrações dos verbetes relativos a SEXO :

Quadro 3. Ilustrações dos verbetes relativos a SEXO

SEXO1 SEXO2 SEXO 3




SEXO ANAL SEXO ORAL FEITO NA MULHER SEXO ORAL FEITO NO HOMEM




Fonte: DLSB (2019, pp. 2577- 2578)

Percebemos que não só as ilustrações, como também a seleção lemática, não estão adequadas para o público infanto-juvenil. Este público necessita de obras específicas para sua faixa etária, contemplando suas necessidades linguísticas.

5. Síntese da avaliação dos dicionários e considerações finais

O DLSB (2019) é o dicionário de Libras de maior alcance no território nacional. Porém, a falta de delimitação dos traços essenciais acarreta problemas macroestruturais e microestruturais que o distancia do consulente. Primeiro, sua ordenação alfabética impossibilita que a obra possua direção Libras-português, e, assim, não seja possível sua utilização na função ativa pelo consulente Surdo. Deste modo, ações como a tradução da Libras para o português e inglês não são po ssíveis de serem realizadas, apesar de haver indicação destas possibilidades no Front Matter da obra. De fato, é necessário o desenvolvimento de sistema de ordenação da massa léxica em Libras para que estas funções sejam possíveis.

Por outro lado, parqa função passiva para o consulente Surdo, percebemos o excesso de informações supérfluas em sua microestrutura. A definição do potencial usuário incide diretamente nos elementos canônicos, uma vez que é por meio dessa delimitação que é possível registra os segmentos informativos necessários para cada tipo de usuário. Esse excesso de informações, aliados e escolha macroestrutural ampla, contribuem para o inchaço da obra.


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Sobretudo em formato impresso, além de uma determinação funcional dos itens do PCI, é necessário recorrer a estratégias de economia para itens variantes. Assim, a lematização de formas de type e token é uma estratégia que facilita esse processo.

A nível funcional, é necessário a delimitação clara do usuário potencial, a fim de suprir suas necessidades. Um dicionário que tenha o objetivo de ser utilizados por diferentes usuários em contextos linguísticos diferente não consegue ser útil para todos esses públicos. Primeiro, enquanto línguas naturais diferentes entre si, a relação de equivalentes perfeitos é extremamente difícil de ser encontrada. Como no caso de andar, um único significante em português é equivalente a uma gama de sinais em Libras, dado que nesta língua os fenômenos de predicação podem ser realizados a nível fonológico e morfológico. Nesta relação de equivalente, um obstáculo a ser resolvido pela lexicologia de línguas de sinais é o registro dos classificadores. Pelo seu caráter não lexical, soluções devem ser propostas para o tratamento lexicográfico específico a este grupo.

Ademais, é necessário o questionamento da presença de ilustrações em dicionários bilíngues. Apesar do objetivo de exemplificar o conceito por uma imagem, estas nem sempre são claras ou suplementam as informações da definição. Assim, é necessário a reflexão sobre a relevância dessas ilustrações em uma obra. Ademais, é necessário o cuidado em não utilizar ilustrações generalizadas e evitar que as ilustrações (como a seleção lemática) não estejam adequadas ao seu usuário.

Por fim, estas reflexões são essenciais para o desenvolvimento de novas obras em Libras, como a que desenvolvemos no PPGLetras. É necessário que a lexicografia em línguas de sinais ultrapasse o critério de grande público e se debruce nas expectativas de cada grupo ao buscar um dicionário. Espero que novos estudos, como o que estamos produzindo, contribuam cada vez mais para o fortalecimento da lexicografia em Libras.

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