Flávia Gumieiro VIEIRA; Cristiane Malinoski Pianaro ANGELO
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um universo de valores que são trazidos à tona, confrontados, avaliados, rechaçados ou
reafirmados nas práticas de linguagem.
O artigo está organizado em duas partes. Na primeira, discutem-se as noções de texto,
de enunciado e a tríade axiológica - contexto extraverbal, entonação e juízo de valor, e, na
segunda, apresenta-se e discute-se a proposta do livro didático da EJA para o trabalho com a
leitura da charge, bem como se oferece uma proposta de expansão com foco nos elementos
axiológicos de linguagem, a pôr em relevo a arquitetônica valorativa do enunciado.
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. Texto, enunciado e axiologias
Diversas tendências dos estudos da linguagem baseiam-se nos textos e “[...] perambulam
em diferentes direções, agarram pedaços heterogêneos da natureza, da vida social, do psiquismo,
da história, e os unificam por vínculos causais, ora de sentidos, misturam constatações com juízos
de valor” (BAKHTIN, 2003, p. 319). Assim, há perspectivas – como a subjetivista idealista
(VOLÓCHINOV, 2017) – que tomam o texto como produto do pensamento do autor, nada mais
restando ao leitor/ouvinte a não ser apresar essa representação mental, juntamente com as
intenções do produtor; outras perspectivas – como a objetivista abstrata (VOLÓCHINOV, 2017) –
abordam o texto como um produto da codificação de um emissor a ser decodificado pelo
leitor/ouvinte, cabendo a este o conhecimento do código. Sob o escopo dialógico-enunciativo, o
texto, por entrelaçar-se às condições concretas da vida, adquire a propriedade de enunciado
concreto, signo verbal e ideológico inserido no processo da comunicação social, “[...]
determinado pelo horizonte social de uma época e de um grupo social” (VOLÓCHINOV, 2017, p.
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10), num terreno interindividual.
Na qualidade de enunciado, o texto suplanta a noção de sistema universalmente aceito,
com seus elementos repetíveis e reproduzíveis, para abranger, enquanto acontecimento
discursivo, real, concreto, aquilo que é individual, único e singular, aspectos em que se encontra o
seu sentido e que “[...] tem relação com a verdade, com a bondade, com a beleza, com a história”
(BAKHTIN, 2003, p. 310), com o espaço e o tempo. Desse modo, o enunciado se encontra
impregnado de pontos de vista, avaliações alheias, acentos apreciativos.
Um traço essencial do enunciado, segundo Bakhtin (2003), é o seu endereçamento a
alguém, sendo esse situado socialmente, com seus valores, posicionamentos e ideologias,
constituídos nas relações interpessoais. A palavra orientada ao outro entra neste meio tenso das
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São Paulo (SP), v. 44 n.1, jan./jul. 2023
ISSN 2318-7115