ARTIGO  
Axiologias em atividades de leitura de charge  
Axiologies in cartoon reading activities  
FLUXO DA SUBMISSÃO  
Universidade Estadual do Centro-Oeste, PR, Brasil.  
Submissão do trabalho: 05/12/2022  
Aprovação do trabalho: 02/03/2023  
Publicação do trabalho: 07/04/2023  
Universidade Estadual do Centro-Oeste, PR, Brasil.  
Resumo  
Com base nos conceitos axiológicos de linguagem do Círculo de Bakhtin,  
este artigo tem por objetivo apresentar propostas de ampliação às  
atividades de leitura de uma charge, presentes em um livro didático  
destinado à Educação de Jovens e Adultos  EJA, de modo a expandir a  
consciência socioideológica dos alunos. Trata-se de uma pesquisa de  
caráter qualitativo, com abordagem interpretativa, descritiva  
e
propositiva, visto que analisa as propostas do livro didático e apresenta  
sugestões de expansão às atividades, tendo em vista os conceitos  
axiológicos contexto extraverbal, entonação e juízos de valor. Considera-  
se que as atividades de expansão da leitura podem suscitar reflexão sobre  
as axiologias sociais, inerentes às práticas discursivas, colocando em foco  
a compreensão do discurso vivo e valorado em sala de aula e permitindo  
que a leitura se constitua como um ato de responsabilidade ética, para  
mudanças qualitativas na realidade social.  
Palavras-chave: Dialogismo; Axiologias; Charge; Leitura.  
Abstract  
Based on the axiological concepts of language of the Bakhtin Circle, this article  
aims to present proposals for expanding the activities of reading a cartoon,  
present in a textbook for Youth and Adult Education - EJA, in order to expand  
awareness students' socioideology. This is qualitative research, with an  
interpretative, descriptive and propositional approach, since it analyzes the  
textbook proposals and presents suggestions for expanding the activities,  
considering the axiological concepts  extraverbal context, intonation and  
value judgments. It is considered that reading expansion activities can  
Distribuído sob Licença Creative Commons.  
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provoke reflection on the social axiologies inherent in discursive practices, focusing on the  
understanding of live and valued discourse in the classroom and allowing reading to be constituted  
as an act of ethical responsibility, for qualitative changes in social reality.  
Keywords: Dialogism; Axiologies; Cartoon; Reading.  
1.  
Introdução  
Como todo gênero discursivo, a charge é um projeto de dizer valorativo, edificado por um  
sujeito, sobre temas sociais que lhe circunscreve. Assim, a leitura da charge em sala de aula  
permite o questionamento da realidade, o desnudamento de valores sociais e o alargamento da  
consciência dos alunos leitores, de modo a promover uma sensibilidade para com os fatos do  
cotidiano e uma formação ética com o debate de ideias.  
É muito comum a presença de charges em livros didáticos de língua portuguesa, o que é  
um aspecto positivo, a considerar que o gênero contribui para que o livro didático, com a  
mediação do professor, exerça a sua função de favorecer a aprendizagem do aluno, no que se  
refere ao domínio do conhecimento para ampliar a compreensão da realidade e instigar a  
formulação de hipóteses de solução para os problemas atuais (BATISTA, 2003). No entanto, para  
cumprir esses propósitos, torna-se necessário que o professor, ao trabalhar com esse material  
didático, saiba avaliar as propostas apresentadas, adequando-as à realidade da sua turma e  
elaborando outras que possam expandir a consciência socioideológica dos leitores e possibilitar-  
lhes uma participação mais qualificada do ponto de vista ético e político nas práticas de linguagem.  
A partir dessas considerações, neste artigo, busca-se apresentar propostas de ampliação  
às atividades de leitura de uma charge presentes no livro didático Caminhar e transformar  
(FERREIRA, 2013), destinado à Educação de Jovens e Adultos  EJA, a tomar como referenciais os  
conceitos axiológicos de linguagem  o contexto extraverbal, a entonação e os juízos de valor –  
do Círculo de Bakhtin (VOLÓCHINOV, 2017; 2019; BAKHTIN, 2003), visto que os vínculos do sujeito  
com o mundo e os enunciados são axiológicos, ideológicos, valorativos. Dessa forma, considera-  
se a charge em seus liames indissolúveis com o conceito de enunciado, portanto como um todo  
individual singular e historicamente único, embebido de valores sociais que se apresenta ao outro,  
também com seus próprios valores, para ser compreendido e valorado. Nas propostas de  
expansão, leva-se em conta também o público-alvo do livro didático  jovens e adultos, ou seja,  
sujeitos com experiências escolares, profissionais e sociais peculiares que lhes permitem constituir  
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um universo de valores que são trazidos à tona, confrontados, avaliados, rechaçados ou  
reafirmados nas práticas de linguagem.  
O artigo está organizado em duas partes. Na primeira, discutem-se as noções de texto,  
de enunciado e a tríade axiológica - contexto extraverbal, entonação e juízo de valor, e, na  
segunda, apresenta-se e discute-se a proposta do livro didático da EJA para o trabalho com a  
leitura da charge, bem como se oferece uma proposta de expansão com foco nos elementos  
axiológicos de linguagem, a pôr em relevo a arquitetônica valorativa do enunciado.  
2
. Texto, enunciado e axiologias  
Diversas tendências dos estudos da linguagem baseiam-se nos textos e “[...] perambulam  
em diferentes direções, agarram pedaços heterogêneos da natureza, da vida social, do psiquismo,  
da história, e os unificam por vínculos causais, ora de sentidos, misturam constatações com juízos  
de valor” (BAKHTIN, 2003, p. 319). Assim, há perspectivas – como a subjetivista idealista  
(VOLÓCHINOV, 2017)  que tomam o texto como produto do pensamento do autor, nada mais  
restando ao leitor/ouvinte a não ser apresar essa representação mental, juntamente com as  
intenções do produtor; outras perspectivas  como a objetivista abstrata (VOLÓCHINOV, 2017) –  
abordam o texto como um produto da codificação de um emissor a ser decodificado pelo  
leitor/ouvinte, cabendo a este o conhecimento do código. Sob o escopo dialógico-enunciativo, o  
texto, por entrelaçar-se às condições concretas da vida, adquire a propriedade de enunciado  
concreto, signo verbal e ideológico inserido no processo da comunicação social, “[...]  
determinado pelo horizonte social de uma época e de um grupo social” (VOLÓCHINOV, 2017, p.  
1
10), num terreno interindividual.  
Na qualidade de enunciado, o texto suplanta a noção de sistema universalmente aceito,  
com seus elementos repetíveis e reproduzíveis, para abranger, enquanto acontecimento  
discursivo, real, concreto, aquilo que é individual, único e singular, aspectos em que se encontra o  
seu sentido e que “[...] tem relação com a verdade, com a bondade, com a beleza, com a história”  
(BAKHTIN, 2003, p. 310), com o espaço e o tempo. Desse modo, o enunciado se encontra  
impregnado de pontos de vista, avaliações alheias, acentos apreciativos.  
Um traço essencial do enunciado, segundo Bakhtin (2003), é o seu endereçamento a  
alguém, sendo esse situado socialmente, com seus valores, posicionamentos e ideologias,  
constituídos nas relações interpessoais. A palavra orientada ao outro entra neste meio tenso das  
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palavras, valorações e acentos alheios, vai ao encontro de palavras-outras, funde-se com umas,  
rechaça outras, entrecruza-se com terceiras, para tornar-se “[...] um novo elo na cadeia histórica  
da comunicação discursiva” (BAKHTIN, 2003, p. 311), um acontecimento novo, único e singular na  
vida.  
Assim sendo, o falante/ouvinte enfrenta a palavra não enquanto elemento do sistema  
linguístico, mas enquanto palavra-signo, viva, saturada da voz do outro, com sua visão de mundo,  
história, cultura, ideologia: “a palavra chega ao contexto do falante a partir de outro contexto,  
cheia de sentidos alheios; seu próprio pensamento a encontra já povoada” (BAKHTIN, 2003, p.  
3
62); a palavra do falante é, então, embebida de palavras conscientizadas, valoradas, dos outros,  
a oferecer-se para a avaliação e réplica de um terceiro. Conforme pontua Volóchinov, toda  
compreensão é ativa e “[...] compreender um enunciado alheio significa orientar-se em relação a  
ele, encontrar para ele um lugar devido no contexto correspondente. Em cada palavra de um  
enunciado compreendido, acrescentamos como que uma camada de nossas palavras  
responsivas” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 232).  
A considerar essas noções, a palavra contém em seu âmago as axiologias, termo que  
remete aos valores predominantes em uma determinada sociedade, transcendo, assim, a  
materialidade linguística. Segundo os pressupostos dialógicos, os elementos axiológicos o  
contexto extraverbal, a entonação e os juízos de valor  são indissociáveis entre si e ao próprio  
enunciado, a permitir o elo entre a palavra e o acontecimento real da vida, levando-se em conta  
que é a essência concreta e sociológica da palavra que a converte em verdade ou em mentira.  
(VOLÓCHINOV, 2019).  
O contexto extraverbal caracteriza-se como um conjunto de compreensões acerca da  
história, da cultura, da organização da sociedade como um todo e, portanto, das ideologias aceitas  
ou recusadas em determinados contextos. Trata-se, assim, das condições temporais, espaciais e  
sociais sobre as quais se desenvolve a enunciação (VOLÓCHINOV, 2019). “A situação extraverbal  
não é em absoluto uma simples causa externa do enunciado, ou seja, ela não age sobre ele a partir  
do exterior, como uma força mecânica. Não, a situação integra o enunciado como uma parte  
necessária da sua composição semântica” (VOLÓCHINOV, 2019, p. 120, grifos do autor).  
Entre a situação extraverbal e os juízos de valor está a entonação. “A entonação estabelece  
uma relação estreita da palavra com contexto extraverbal: é como se a entonação levasse a  
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palavra para fora dos seus limites verbais” (VOLÓCHINOV, 2019, p. 123), isto é, revela na interação  
os vínculos entre os falantes, os sentimentos e as avaliações em relação ao contexto imediato,  
bem como ao contexto mais amplo. Menegassi (2022, p. 2) esclarece que, na perspectiva do  
dialogismo, o conceito de entonação não se refere apenas à modulação de voz ao se emitir um  
som vocal, mas também “[...] à imagem acústica, isto é, a própria modulação de voz ocorre no  
discurso interior do produtor do texto e do leitor, numa relação de ligação do verbal com o  
extraverbal”, sempre a partir de avaliação social, a revelar as emoções, os desejos, a relação  
intersubjetiva e emotivo-volitiva com o objeto do dizer direcionado ao outro.  
Depreende-se, assim, que os juízos de valor ou valorações são indissociáveis dos demais  
elementos axiológicos. De acordo com Gasparotto e Menegassi (2020, p. 164), o contexto  
extraverbal coloca em proeminência “[...] os elementos da enunciação sobre as quais o ouvinte e  
o falante exercem um juízo de valor. Essa valoração da interação orienta, [...] o que falante dirá,  
as escolhas linguísticas para dizê-lo e a entonação pertinente ao contexto enunciativo”.  
Na medida em que se toma o enunciado em sua singularidade, em seus vínculos  
indissolúveis com as axiologias (VOLÓCHINOV, 2019), considera-se a leitura como uma atividade  
de produção de sentidos orientada axiologicamente (MENEGASSI et al., 2020), visto que se  
assenta no fato de que diante do texto tomado como concretização de vozes e relações sociais  
estabelecidas , o leitor sempre mobiliza uma apreciação valorativa, isto é, concorda, rejeita,  
contesta, amplia, analisa, a produzir sentidos ao discurso apresentado pelo autor e pelo próprio  
leitor, em uma relação dialética e dialógica (ANGELO; MENEGASSI, 2022).  
Assim, elege-se uma charge e as atividades de leitura, apresentadas no livro didático da  
EJA, para verificar como as propostas encaminham, ou podem encaminhar, discussões  
concernentes à situação extraverbal, à entonação e às valorações  elementos que colocam em  
relevo a charge como reflexo e refração da vida social manifestada nos discursos, como crítica,  
tensão, embate e denúncia.  
3. Aspectos axiológicos em atividades de leitura da charge  
Mendes-Polato et al. (2020, p. 136) apontam que “[...] por mobilizar humor e a ironia, a  
charge se vale de vozes sociais diversas, inclusive aquelas representativas de consciências sociais  
que o seu autor deseja refutar”. Nesse sentido, é um gênero que evidencia relações mais ou  
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menos tensas, ao se construir no cerne da “orientação avaliativa no meio ideológico”  
MEDVIÉDEV, 2019, p. 185).  
Selecionou-se, para análise, discussão e expansão, a charge e as atividades de leitura  
(
presentes no livro didático Caminhar e transformar (FERREIRA, 2013), destinado à Educação de  
Jovens e Adultos EJA. A proposta encontra-se na Unidade 3 - Trabalho e transformação, Capítulo  
1
, que leva o título “O trabalho em foco”, na seção “UM POUCO MAIS: Charge”. A discussão  
encaminhada no capítulo objetiva propiciar reflexões “sobre as condições de trabalho na  
atualidade, como a pressão por produtividade e ritmo acelerado da vida moderna” (FERREIRA,  
2
013, p. 133), o que se coaduna com as vivências dos alunos da EJA.  
A charge, sem título, presente no capítulo, consiste em uma denúncia acerca das  
situações de opressão enfrentadas pelas mulheres negras no trabalho e, desse modo, pode  
mobilizar nos alunos da EJA um posicionamento axiológico concernente às condições enfrentadas  
por essas mulheres nas atividades de profissionais, como também relativo às suas próprias  
experiências no exercício do trabalho.  
1
A charge foi produzida por Hubert de Carvalho Aranha , criador e redator de humor nos  
jornais e programas O Planeta Diário, Programa Legal, Casseta & Planeta. As charges de Aranha  
são publicadas também na mídia impressa, como a Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, etc. Em  
seus trabalhos, Aranha promove críticas a quem está ou esteve no poder.  
Apresenta-se, na Imagem 1, a disposição da charge no livro didático e as atividades de  
leitura propostas, respectivamente.  
Imagem 1: Charge e atividades de leitura do livro didático  
1
Disponível em: http://www.casseta.com.br/hubert/tag/folha/. Acesso em 26 de out. de 2020.  
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Fonte: Ferreira (2013, p. 139)  
Fonte: Ferreira (2013, p. 139)  
Pode-se verificar que a partir da primeira atividade  composta por duas perguntas  os  
alunos podem identificar que a profissão da personagem é de “diarista” ou “empregada  
doméstica”, observando o espaço (a sala de uma casa), as vestes e o instrumento de trabalho  
(avental e vassoura) e o aviso dado à patroa, introduzido pelo vocativo “madame”, comumente  
usado para se referir a uma mulher distinta, rica, que não precisa se submeter aos afazeres  
domésticos.  
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Na segunda proposta  igualmente composta por duas perguntas  os alunos também  
reconhecem sem dificuldades que, se a profissão da mulher é empregada doméstica, conforme  
identificado na atividade 1, a personagem dirige-se à sua patroa. Em relação ao público-alvo do  
programa, explicitado na expressão “mulher brasileira”, é possível perceber que o grupo social  
previsto é de mulheres como a patroa, madame, distinta, rica.  
Na terceira atividade, os alunos são instigados a reconhecer a existência das diferenças  
sociais no Brasil, incluindo-se as raciais, uma vez que a personagem principal, empregada  
doméstica e negra, ao proferir “seu programa começou” deixa evidente que não se considera  
pertencente ao mesmo grupo social de sua patroa.  
Constata-se, assim, que as três perguntas de leitura relacionadas à charge não  
problematizam ideologias e valores sociais perpetuados pelo texto, como os relacionados à  
demarcação de determinados postos de trabalho para a mulher negra e à naturalização da  
condição de exclusão da mulher negra. Conforme aponta Louro (2008, p. 70), muitas vezes o  
material didático escamoteia “[...] a ampla diversidade de arranjos familiares e sociais, a  
pluralidade de atividades exercidas pelos sujeitos, o cruzamento das fronteiras, as trocas, as  
solidariedades e os conflitos são comumente ignorados ou negados”. Desse modo, ao não  
questionar os valores cristalizados, as atividades perpetuam a ideia de que o lugar da mulher negra  
é o de empregada doméstica, de que a mulher negra possui espaços, funções e condições  
diferenciadas, de que a mulher negra pode se reconhecer naturalmente numa posição de  
inferioridade, de que as desigualdades sociais não são passíveis de questionamentos.  
Cabe ao professor, a partir das atividades propostas pelo livro didático, oferecer  
oportunidades para que a voz dos alunos, jovens e adultos, com seus valores e ideologias, seja  
confrontada com as vozes advindas dos enunciados lidos e com as vozes dos outros sujeitos  
participantes das aulas, também carregados de valores sociais, o que propicia a ampliação da  
consciência socioideológica e um posicionamento mais crítico, reflexivo e questionador, por parte  
do sujeito que lê. Trata-se de um ato de linguagem em que  
[
...] nos acercarmos da palavra não de maneira autoritária, colada ao discurso do autor,  
para repeti-lo “de cór”; mas de maneira internamente persuasiva, isto é, podendo  
penetrar plasticamente, flexivelmente as palavras do autor, mesclar-nos a elas, fazendo  
de suas palavras nossas palavras, para adotá-las, contrariá-las, criticá-las, em permanente  
revisão e réplica (ROJO, 2004, p.7).  
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Ressalte-se que o próprio livro dá indicações para que outras questões sejam trazidas ao  
debate, ao orientar: “Observe a charge abaixo e, em seguida, discuta com seus colegas as  
questões propostas”. Elencam-se, assim, algumas alternativas expansivas à proposta  
concretizada no livro didático, que permitam, no contexto da EJA, por meio das interlocuções  
entre os alunos, o professor e o texto, mobilizar as axiologias sociais  o extraverbal da  
enunciação, a entonação e os juízos de valor , instigar a produção de sentidos na leitura da charge  
e expandir a consciência socioideológica dos leitores. As propostas, aqui, são organizadas em  
cinco perspectivas: I) Avaliação social do tema, II) Leitura entonacional, III) Situação do  
acontecimento, IV) Aspectos temáticos, V) Expansão da leitura.  
Como primeira perspectiva, inicialmente  antes de apresentar a charge disponibilizada  
pelo livro didático  trabalha-se a avaliação social do tema, de modo a instigar reflexões acerca  
dos discursos que fazem parte da consciência socioideológica dos alunos, dos enunciados já-ditos.  
Assim, são mobilizadas as vozes das outras pessoas, de pontos de vista, de apreciações individuais  
e de grupos sociais (BUBNOVA, 2011), a colocar em discussão os juízos de valor do senso comum  
e os preconceitos relacionados aos postos de trabalho para as mulheres negras no contexto  
brasileiro.  
1
. No Brasil, existe uma naturalização de postos de trabalho para as mulheres negras. Que  
postos de trabalho são esses? De que forma essa naturalização é evidenciada?  
2.  
Leia a reportagem e discuta que valores sociais (avaliações, ideias, pontos de vista) em  
relação aos postos de trabalho exercidos pela mulher negra são evidenciados nos  
seguintes trechos:  
“Perdi as vezes de quando entravam na sala, nem ao menos davam ‘bom dia’, só diziam que  
queriam falar com o juiz”;  
“chegar a um cargo de tanta autoridade sendo mulher, negra e jovem parece que “confunde”  
as pessoas”;  
“É tão institucional que as pessoas se assustam vendo uma mulher, negra, nova, juíza.”  
“o maior problema no combate ao preconceito é não aceitar que ele existe”.  
A juíza que assusta as pessoas por ser jovem, mulher e negra  
Perdi as vezes de quando entravam na sala, nem ao menos davam ‘bom dia’, só diziam que queriam falar com o juiz.  
Às vezes eu era ríspida. Outras, virava a cadeira e dizia: ‘Bom dia, eu sou a juíza’”. Quem conta essa história é Mariana  
Marinho Machado. Segundo ela, chegar a um cargo de tanta autoridade sendo mulher, negra e jovem parece que  
“confunde” as pessoas – mas, na realidade, escancara um preconceito que tanta gente teima em dizer que não existe.  
(...)  
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Ela conta que, desde pequena, ouvia comentários indesejáveis na escola. Porém, foi depois que passou no concurso  
para magistratura que percebeu o preconceito mais presente.  
“Sempre passei por situações como alguém falar do meu cabelo na escola. Era bullying, mas não tinha esse nome.  
Mas senti mais o preconceito quando entrei na magistratura, porque é um lugar de autoridade”, explica. “Várias  
vezes, quando me viam trabalhando pensavam que eu era assessora. Quando fui professora, também senti os olhares.  
Na primeira vez que entrei numa sala de aula, as pessoas me olharam diferente. É tão institucional que as pessoas se  
assustam vendo uma mulher, negra, nova, juíza.” (...)  
Para a juíza, o maior problema no combate ao preconceito é não aceitar que ele existe. “Quando você entra numa  
em 10 jan. 2022.  
A partir dessas atividades, podem-se discutir as construções ideológicas que estão  
cristalizadas na contemporaneidade que delimitam para a mulher negra ofícios com poucas  
perspectivas de ascensão social. Quando essa mulher ocupa um posto de magistratura  como a  
“A juíza que assusta as pessoas por ser jovem, mulher e negra” – ou alcança espaços no Legislativo  
ou no Executivo  resultados das lutas e movimentos sociais contra a opressão e a discriminação  
da mulher na política estas condições causam surpresa ou estranhamento na sociedade, a  
merecer destaque em notícias ou reportagens.  
Em contexto da EJA, vivências pessoais em relação ao trabalho são também trazidas para  
discussão, a evidenciar e problematizar os preconceitos enfrentados pelos alunos em situações  
de trabalho, as experiências cotidianas que refletem a (in)tolerância e o (des)respeito à  
diversidade, os juízos de valor que estão enraizados na consciência socioideológica dos alunos em  
relação ao trabalho e a outras atividades sociais.  
Coadunada à etapa de avaliação social do tema, ocorre a leitura entonacional valorativa  
(COSTA-HÜBES; MENEGASSI, 2021) segunda perspectiva da proposta expansiva momento em  
que professor e alunos exploram os valores e modos de pensar e de agir do narrador e dos  
personagens através da voz e das expressões faciais e corporais (ANGELO; MENEGASSI, 2022). No  
caso da charge presente no livro didático, pode-se explorar a fala de apresentador do programa  
de tevê por meio de: a) uma voz alta, com pronúncia lenta das palavras e com destaque à  
expressão “mulher brasileira”, a revelar o entusiasmo e um certo sensacionalismo por parte do  
apresentador; b) uma voz em tom mais comedido, acelerada, sem exageros, com uma ideia de um  
programa mais sério, não sensacionalista. A fala da mulher pode ser expressa: a) em voz  
acelerada, em gritos, a chamar a atenção da patroa para que não perdesse “seu” programa e  
evidenciar a conformação para o não pertencimento ao mesmo espaço social de sua patroa; b)  
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em voz alta, com destaque às expressões “madame” e “seu”, a revelar um certo deboche ou  
revolta por parte da empregada e sua consciência para a situação de opressão em que se  
encontra. Conforme destacam Angelo e Menegassi (2022, p. 254), o trabalho com a leitura  
entonacional valorativa [...] adentra ao universo de apreciações axiológicas, a reverberar valores  
e posições ideológicas e despertar para a ampliação dos horizontes do aluno-leitor”, a levá-lo a  
manifestar uma posição frente a valores reconhecidos socialmente.  
Considera-se, assim, que a etapa da avaliação social do tema e da leitura entonacional  
valorativa propiciam ao aluno da EJA refletir de modo mais consistente sobre as diferenças sociais  
no Brasil  conforme requisitado na questão 3 do livro didático  ampliando sua consciência para  
o fato de que essas diferenças são muitas vezes naturalizadas, como se não pertencesse a alguns  
o direito a ter espaço na sociedade, a ter acesso a bens culturais, à educação, à saúde, ao mercado  
de trabalho, dentre outros.  
Na terceira perspectiva, trabalha-se a situação do acontecimento, que abarca as  
condições ou circunstâncias da produção do enunciado, a envolver aspectos como: o autor, o  
leitor, a finalidade discursiva, intenção discursiva, o conteúdo temático, o contexto espacial e  
temporal de produção, a caracterização dialógica do gênero, o suporte ou meio de circulação  
(MEDVIÉDEV, 2019; VOLÓCHINOV, 2019). Desse modo, o trabalho direciona os alunos para a  
compreensão da charge a partir de um ponto de vista dialógico, considerando sua orientação  
externa à realidade.  
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. Quem é o autor da charge? Que temas são privilegiados em suas charges?  
4. A charge foi produzida e publicada em 1982. Reflita sobre as questões sociais e políticas da  
época.  
5. A charge, trazida pelo livro didático e lida na terceira década do século XXI, evoca os  
mesmos sentidos da época de 1982? Por quê?  
6. Ao se considerar a publicação em um jornal, qual é a finalidade dessa charge?  
7. Ao se considerar a veiculação da charge em um livro didático, qual é a finalidade da charge?  
8. Que reflexões acerca da sociedade atual a charge propicia ao leitor?  
Pontua-se que a charge foi produzida em um contexto de ditadura militar, em que a voz  
das minorias era silenciada, em que preconceitos e discriminação em relação ao gênero e a raça  
eram propagados e naturalizados, diferente do contexto atual, de um país democrático, em que  
as lutas para combater a opressão contra determinados grupos  como mulheres, nordestinos,  
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LGBTQIA+, negros, indígenas  são reconhecidas e apoiadas. Dessa forma, o silenciamento ou a  
rebelação diante da opressão podem ser levantados a partir das questões, a verificar como a  
denúncia  valor próprio da charge  é feita pelo autor e recebida pelo leitor, nos anos de 1980 e  
nos anos de 2020. Conforme aponta Flores (2002, p. 10)  
A importância da charge enquanto texto decorre não só do seu valor como documento  
histórico, como repositório das forças ideológicas como ação, mas, também, como  
espelho de imaginário de época e como corrente de comunicação subliminar, que ao  
mesmo tempo projeta e reproduz as principais concepções sociais, pontos de vista,  
ideologias em circulação.  
Avalia-se, assim, que é salutar trazer charges de diferentes épocas, para que o aluno  
confronte realidades, perceba as mudanças que ocorrem nas práticas sociais, nos  
comportamentos humanos, nos valores propagados.  
Também, destaca-se o trabalho com os aspectos temáticos do texto quarta perspectiva  
analisando-se os constructos sócio-históricos e ideológicos (valores sociais) que emergem por  
meio da linguagem e que desvelam relações sociais, a constituí-lo enquanto enunciado (BAKHTIN,  
003). Desse modo, a voz, a escolha das palavras, os risos, os gestos, as expressões faciais, a  
2
postura corporal dos participantes da atividade comunicativa são examinadas como índices  
penetrados pelo extraverbal, pela avaliação social, a revelar as emoções, os desejos, a relação  
intersubjetiva e emotivo-volitiva com o objeto do dizer direcionado ao outro. Esses aspectos  
podem ser problematizados a partir das seguintes questões:  
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. O apresentador anuncia “No ar, o programa da mulher brasileira”. Considere a data de  
publicação da charge (1982) e responda:  
a) Quais poderiam ser os assuntos desse programa anunciado pelo apresentador?  
b) A quem esse programa seria direcionado?  
c) Que valores sociais podem ser depreendidos a partir dos possíveis assuntos do  
programa e do espectador previsto?  
d) Como poderia ser a entonação da voz do apresentador, a considerar esses valores  
sociais?  
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0. Se a charge fosse produzida nos dias atuais, o conteúdo do programa “da mulher  
brasileira” seria o mesmo? A espectadora seria a mesma dos anos de 1980? Como seria a  
entonação da voz do apresentador, ao anunciar o programa da mulher brasileira nos dias  
atuais?  
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1. Quanto à mulher que aparece explicitamente na charge, responda:  
a) Quem é essa mulher? Como ela está caracterizada?  
b) Qual é a sua condição social?  
c) A quem ela se dirige?  
d) Qual é a entonação que a personagem utiliza para se dirigir à madame, considerando a  
data de publicação da charge e os valores sociais relacionados à mulher, nesta época?  
e) Como essa mulher valora: a) o programa da televisão; b) a sua patroa; c) a sua condição  
social e profissional?  
1
1
2. No contexto atual, a entonação que a personagem utilizaria para se dirigir à madame seria  
a mesma? Por quê?  
3. A partir da charge, podem ser levantadas avaliações sociais acerca da profissão de  
doméstica. Como se dão essas avaliações?  
1
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4. Que avaliações acerca das condições da mulher negra a charge traz à discussão?  
5. Compare a charge com a reportagem “A juíza que assusta as pessoas por ser jovem,  
mulher e negra”. Que respostas ao posicionamento da mulher na charge são possíveis de  
serem dadas a partir da leitura da reportagem? Mulheres negras podem ocupar outros  
espaços profissionais com maiores perspectivas de ascensão social?  
Pelo gesto corporal e expressões faciais, é possível a identificação dos discursos  
valorativos, das tensões, das contradições, dos embates, das controvérsias existentes nos grupos  
sociais, das ideologias subjacentes ao discurso. Na charge, a entonação da voz do apresentador,  
a postura corporal e a entonação da voz da empregada ao dirigir-se à patroa, concatenados ao  
contexto extraverbal a época de publicação da charge, a conjuntura político-social brasileira do  
momento  acusam a situação de discriminação enfrentada pela mulher negra, a constituir a  
charge um veículo de denúncia acerca de uma realidade social.  
Com base nas discussões que emergem a partir das etapas de situação de acontecimento  
e de aspectos temáticos do texto, o aluno pode expandir as propostas 1 e 2 do livro didático, que  
se voltam à identificação das personagens retratadas e de suas características, para questionar as  
condições de pessoas que, por alguma razão, geralmente ligada ao preconceito de cor, classe  
social ou gênero, são excluídas da sociedade, marginalizadas, e não tiveram a plenitude de seus  
direitos básicos garantidos.  
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Para demarcação do posicionamento axiológico, oferecem-se atividades de expansão da  
leitura quinta perspectiva que propiciam ao aluno ampliar os diálogos com o texto, a constituir-  
se como leitor responsivo e capaz de se posicionar frente a uma ordem social, manifestando a  
leitura réplica (MENEGASSI et al., 2022). Assim, apresenta-se a pergunta:  
1
6. Como o problema social levantado na charge pode ser minimizado?  
As discussões encaminham-se para a temática de como modificar o cenário de opressão  
e discriminação da mulher negra, de naturalização acerca de postos de trabalho pertencentes à  
mulher negra, com poucas perspectivas de ascensão social. Alguns possíveis caminhos seriam: a)  
o apoio à candidatura de mulheres negras a cargos do Legislativo e do Executivo; b) a denúncia  
em relação a postagens em redes sociais que oprimem e discriminam a mulher negra; c) um olhar  
crítico para o modo como os materiais didáticos apresentam a condição da mulher negra; d) o  
apoio a políticas afirmativas e de inclusão. Dessa forma, o aluno amplia seu horizonte social e  
ideológico sobre uma temática da vida ao analisar, debater e avaliar os temas exauridos no  
enunciado, neste caso a respeito da temática sobre a discriminação de mulheres negras.  
Com as ampliações, percebe-se que é possível a formação de um posicionamento mais  
crítico dos alunos em relação às problemáticas sociais levantadas na charge, o que para os alunos  
da EJA é fundamental, por se tratar de pessoas que trazem experiências de vida para a sala de  
aula, histórias e vivências que, por vezes, vão ao encontro do tema discutido no enunciado.  
Considerações finais  
Neste artigo, suscitaram-se reflexões acerca de aspectos axiológicos mobilizados por  
atividades de leitura de charge. Para tanto, inicialmente foram analisadas as proposições em um  
livro didático da EJA, a evidenciar as apreciações valorativas apresentadas e não apresentadas.  
Em seguida, elencaram-se propostas de expansão, a explorar os elementos axiológicos: contexto  
extraverbal, entonações e juízos de valor.  
Percebe-se que as atividades de expansão da leitura da charge podem suscitar a reflexão  
acerca de aspectos axiológicos, a evidenciar, em uma cena recortada da vida, o contexto  
extraverbal, os valores e a entonação, com vistas ao questionamento da realidade social e ao  
alargamento da consciência socioideológica dos alunos leitores. Evidenciou-se, assim, que os  
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conceitos axiológicos podem colocar em foco a compreensão do discurso vivo e valorado em sala  
de aula, a permitir que a leitura se constitua como um ato de responsabilidade ética, para  
mudanças qualitativas na realidade social.  
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São Paulo (SP), v. 44 n.1, jan./jul. 2023  
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