
ARTIGO
Presídios acreanos: remição de pena pela leitura como perspectiva para uma cidadania desejável
Acre prisons: remission of penalty for reading as a perspective for a desirable citizenship
Inêz de Oliveira LIMA
inez.nascimento@sou.ufac.br
Universidade Federal do Acre, Rio Branco, Acre, Brasil . Grassinete C. de Albuquerque OLIVEIRA
grassinete.albuquerque@ufac.br
Universidade Federal do Acre, Rio Branco, Acre, Brasil .
FLUXO DA SUBMISSÃO Submissão do trabalho: 12/03/202 3 Aprovação do trabalho: 22/03/202 3 Publicação do trabalho: 07/04/2023
Resumo
As discussões relacionadas à privação de liberdade merecem atenção, uma vez que as ciências humanas e as das linguagens ocupam lugar de destaque ao enfatizarem o lugar do sujeito no centro da sociedade. O objetivo deste texto é compreender como a educação em presídios no Acre contribui para uma perspectiva de cidadania desejável. Como fundamentação teórica aportamo-nos emFoucault (1979, 1987), Zilberman e Lajolo (2011) com a concepção de leitura e, Petit (2010) e Goffman (2004) com discussões sobre educação e leitura em espaços de crise, além de outros autores que tratam dessas temáticas. Por ser um estudo bibliográfico, baseamo-nos em notícias publicadas em sites virtuais acreanos, exclusivamente, Agazeta.net, com o intuito de investigar como a leitura é compreendida em um contexto de privação de liberdade. Os resultados indicam que a educação e a leitura podem contribuir para a formação do sujeito na busca futura de uma cidadania desejável.
Palavras-chave: Leitura Literária; Desigualdade Social; Privação d e Liberdade .
https://doi.org/10.23925/2318 - 7115.2023v44i1a3
A bstract
Discussions related to the deprivation of liberty deserve attention, since the humanities and language sciences occupy a prominent place by emphasizing the place of the subject at the center of society. The purpose of this text is to understand how education in prisons in Acre contributes to a desirable citizenship perspective. As a theoretical foundation, we use Foucault (1979, 1987), Zilberman and Lajolo (2011) with the concept of reading, and Petit (2010) and Goffman (2004) with discussions about education and reading in crisis spaces, in addition to other authors who deal with these themes. As it is
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a bibliographical study, we are based on news published on Acrean virtual sites, exclusively, Agazeta.net, to investigate how reading is understood in a context of deprivation of liberty. The results indicate that education and reading can contribute to the formation of the subject in the future search for a desirable citizenship.
Keywords: Literary Reading; Social inequality; Deprivation of Liberty.
1. Introduç ão
A educação colabora para a constituição cidadã por proporcionar ao sujeito mecanismos para que possa atuar, de forma ativa e agentiva, na sociedade. Ela contribui para a formação cultural, social, linguística, econômica do ser humano, afinal, é pela educação, em contato com as diferentes áreas do conhecimento e, em interação social, que o educando desenvolve outras habilidades para conhecer-se e reconhecer-se na sociedade em que está inserido.
É inegável, conforme bem apresentado por Bakhtin (2016), que todas as esferas da comunicação humana, por mais variadas que se apresentem, estão ligadas com os usos da língua/linguagem. A língua se manifesta por meio de enunciados (orais, escritos, multimod ais) concretos e únicos, que fazem parte dos sujeitos em dada esfera da atividade humana. Por esse entendimento, o sujeito em privação de liberdade reflete e refrata, através dos enunciados concretos, as condições específicas da esfera em que se encontra.
Nesse contexto em específico, ao considerarmos a importância da educação como medida socioeducativa, é preciso propiciar mecanismos de ensino-aprendizagem que levem o sujeito emcárcere privado a refletir sobre suas ações e, posteriormente, transformar a sua própria realidade. Com essa perspectiva, a educação voltada para este contexto está preocupada em oferecer mecanismos para que os sujeitos reflitam sobre seus atos, reconheçam o mundo que o espera e acreditem que suas futuras ações podem estar engajadas com o mundo real, em perspectiva de transformação social.
Importante considerar e não podemos esquecer que o sistema prisional, ao privar o sujeito da liberdade pode, segundo Foucault (1979), criar indivíduos que entram no sistema carcerário por pequenos delitos e acabam, muitas vezes, tornando-se presos perigosos. Faz- se necessário rever a questão da ociosidade desses sujeitos para não aguçar ainda mais os vícios que os levaram à prisão. Foucault (1987) destaca que habitualmente acreditava-se (e ainda se acredita) que as prisões funcionam como depósitos de criminosos, ou seja, “[...] desde 1820 se constata que
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a prisão, longe de transformar os criminosos em gente honesta, serve apenas para fabricar novos criminosos ou para afundá-los ainda mais na criminalidade.” (FOUCAULT, 1979, p.131- 132).
De modo semelhante, Goffman ([1963] 2004) destaca que enquanto o estranho e, neste caso, o sujeito em privação de liberdade está à nossa frente, surgem atributos que o colocam em uma categoria de uma espécie menos desejável e, em casos extremos, de uma pessoa completamente má, perigosa ou fraca. Esse estigma, leva-nos a reduzir esse sujeito a uma pessoa sem valor, desacreditada, de forma que podemos (e muitos desejam) mantê-los no cárcere privado.
Mediante essas considerações, a educação pode promover a conscientização do papel social do sujeito emprivação de liberdade, desde que se considere o contexto emque se encontra. Assim, em sintonia com Freire (2016b), acreditamos ser por meio da reflexão e da ação que podemos rever nossos hábitos, costumes, valores e crenças de modo a “transformar o mundo, o que é próprio dos homens” (FREIRE, 2016b, p. 56-57). Com essa ação-reflexão, espera- se responder ao seguinte questionamento: Como o projeto de remição de pena desenvolvido no Acre pode contribuir para uma perspectiva de cidadania desejável?
Para isso, esse trabalho se divide em cinco seções. A primeira, de modo breve, faremos um breve histórico sobre as prisões no Brasil, as Leis e a Constituição. A segunda seção trata da educação e da leitura emprisões: navegar é preciso. Emseguida, tratamos dos presídios acreanos: conhecendo o contexto e as propostas educativas, uma subseção refletindo sobre a remição de pena no Acre: um projeto em desenvolvimento. A quarta seção as “vozes” sobre a remição de pena no site agazeta.net, do Acre. Por fim, apresentamos nossas considerações finais.
2. As prisões no Brasil: umolhar necessário nas Leis e na Constituição
Antes de tratarmos sobre as prisões no Brasil, consideramos relevante fazer um breve percurso histórico sobre os sistemas de punição, a fim de refletirmos como as formas de punição, por mais críticas e mudanças ocorridas ao longo dos séculos, a que perdura não é apenas a do controle do corpo, e sim da alma, conforme discutido por Foucault (1987). Os sistemas de punições sempre estiveram presentes na humanidade e, ao longo do tempo, transformou-se até chegar ao modelo de cárcere privado que atua como um modelo de punição coercitivo.
Ao delinearmos um olhar sobre o sistema prisional, Galli (2022) apresenta que o sistema prisional, no período da Idade Média, teve seu início em mosteiros, cujo objetivo era punir os

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monges e os clérigos que faltavam com as suas obrigações eclesiásticas. De acordo com a autora, essa forma de punir inspirou ingleses a construírem, entre 1550 e 1552, a primeira prisão destinada ao recolhimento de criminosos, a “House of Correction”. Carvalho Filho (2002), por sua vez, destaca que as punições no período medieval eram severas, tinha-se desde a amputação do s braços, a degola, a forca, queimaduras a ferro em brasa até a guilhotina, formas estas causadoras de extrema dor e serviam de espetáculos para a população.
Na virada para a Idade Moderna e, consoante o artigo publicado pela Escola de Formação e Aperfeiçoamento Penitenciário – Espen, em 2021, este período foi marcado pela representação da monarquia absoluta. Neste cenário, o monarca comandava com poder absoluto e desconhecia limites, infringindo aos súditos uma barbárie repressiva, desprovida de quaisquer direitos. Não havia sequer, a necessidade de justificar as punições empregadas aos encarcerados e as condutivas punitivas. Se alguém questionasse, era como interrogasse a soberania do monarca. No século XVIII, duas passagens históricas foram significativas e contribuíram para a História das Prisões e os sistemas de punição. Primeiro, o nascimento do Iluminismo e, segundo, as dificuldades econômicas que afetaram sobremaneira a população, provocando mudanças no sistema de punição. Ouseja, a miséria e o aumento da pobreza do povo fizeram comque os crimes aumentassem e a pena de morte e o suplício não respondiam mais aos anseios da justiça. Por esses aspectos, surgiram os presídios, com a pena privativa de liberdade como a grande invenção que se mostrou a mais eficaz de controle social e perdura até os dias atuais, em pleno século XXI. Galli (2022) argumenta que no Brasil Colônia, entre o século XVI ao XVIII, surgiu o “presídio
de degredados” instituído pelo Código de Leis Portuguesas. Nesse sistema, as penas eram destinadas a cafetões, assassinos, vândalos e contrabandistas e, a primeira prisão oficial é mencionada na Carta Régia de 1769, estabelecida como uma casa de correção, no Rio de Janeiro. A autora destaca que apenas no século XIX se deu o início ao surgimento de prisões com celas individuais e oficinas de trabalho, bem como uma arquitetura própria para esses espaços. Em 1890, cria-se o primeiro Código Penal que, dentre algumas das medidas, considera que as penas restritivas de liberdade individual não devem exceder os trinta anos, culminando com a extinção das penas perpétuas e coletivas. Para Galli (2022, p. 2)
Gradualmente, o sistema prisional brasileiro passou por diversas alterações conceituais, estruturais e legislativas até os dias atuais. Entre essas mudanças, destacam-se o Código
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Penitenciário da República de 1935, Código Penal Brasileiro de 1940, Lei de Execução Penal (Lei N° 7.210/1984) e a própria Constituição Federal de 1988, que incorporou aspectos ligados aos direitos humanos. As legislações acerca do tema foram alteradas continuamente, sempre se adequando a ideologia preponderante da época (ênfase ad icionada).
A esse respeito, neste ano a Constituição Brasileira completa 35 anos desde a sua promulgação e, o atual Sistema Penal Brasileiro pouco avançou em políticas públicas eficazes no tocante ao sistema carcerário, e a violência é uma constante em diferentes níveis. Macedo (2015) argumenta que as normatizações de natureza penal, processual penal e de execução penal revelam um discurso autoritário, desigual, marcado essencialmente pela pena privativa de liberdade como matriz preventivo positiva, a qual penaliza os “excluídos” e absorvem os “favorecidos”, a exemplo dos inúmeros desvios de dinheiro causados por políticos eleitos pelo povo.
Outro aspecto relevante, segundo o banco de dados “World Prison Brief”, publicado em 2022, diz respeito ao Brasil ter a terceira maior população prisional do mundo, com os índices superados apenas pelos Estados Unidos e a China. Nas penitenciárias brasileiras, cerca de 54,9% se encontram acima da sua capacidade e o percentual de detentos sem julgamento é, de aproximadamente, 31,9%, ou seja, ainda há muito a ser feito para resolver os problemas existentes no sistema carcerário do Brasil.
Para Foucault (1987), as revoltas em prisões tinham por objetivo revelar toda uma miséria física que perdura há séculos, o frio, os sufocamentos, o excesso de população, as paredes velhas, o isolamento, a fome e os golpes. Essas revoltas ocorriam e ainda ocorrem, diga-se de passagem, ao nível dos corpos e contra os próprios corpos da prisão. Para Foucault (1987) o que estava em jogo por trás desses discursos é a materialidade no sentido de que é instrumento e vetor de poder. Poder sobre os corpos, a alma – a dos educadores, psicólogos, psiquiatras – os quais também não passam de um dos instrumentos de quem tem o poder.
Mesmo cientes de que a educação é um aparelho ideológico e representa o poder do Estado sobre os corpos e a mente, é fundamental pensá-la comoumdos caminhos que pode servir para a reabilitação do indivíduo privado de liberdade, atuando como resgate social e como reconstrução de um futuro melhor. Assim, a Constituição Federal, de 1988, garante a todos o direito à educação e, associada à Lei de Execução Penal (LEP) – Lei nº 7.210/1984, garantem a assistência educacional e profissional. Em2010, a Lei nº 12.245 de 24, de maio de 2010, altera o Art.

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83 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal, autorizando a instalação de salas de aulas nos presídios (BRASIL, 1984).
Retomando à Constituição Federal de 1988, o direito à educação está assegurado no artigo 6º, do índice dos Direitos Sociais. Por essa razão, tem particular relevância quando se trata dos direitos da pessoa privada de liberdade, já que a educação é umdireito de todos e dever do estado (artigo 205, da CF/88). Entretanto, essa prescrição, na realidade, enfrenta inúmeros obstáculos para se tornar realidade, dentre elas, a questão de um formador qualificado para atuar em contextos de crise.
Ao afirmar que a Constituição Federal de 1988 estabelece o direito a todos os cidadãos brasileiros à educação de qualidade, faz-se necessário compreender que em uma sociedade caracterizada por tantas disparidades sociais e pela pobreza em massa, a educação no sistema prisional é uma questão delicada a ser resolvida e que precisa de ações afirmativas e propositiv as para colocar o cidadão em cárcere privado rumo a uma cidadania desejável, pois sabe-se que há tanto educandos informalizados (sem escolarização ou ensino fundamental incompleto) quanto formalizados (ensino médio e superior).
Em razão dessa realidade, os documentos oficiais ajudam no intuito de refletir, organizar, planejar e executar - considerando as realidades presentes em um país continental como o Brasil - propostas para que os educandos, inclusive os de privação de liberdade, tenham a capacidade para aprender e agir no mundo. Por esse princípio, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, afirma que: “Toda pessoa tem direito à instrução [...]. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais.” (Declaração Universal dos Direitos Humanos – Artigo 26). Nessa perspectiva, apesar de os direitos dos presos serem garantidos por documentos nacionais e internacionais, ainda há grandes dificuldades para que sejam respeitados. Dito isso, concordamos com Petit (2009) ao argumentar que a leitura é aliada poderosa em tempos difíceis em que o mundo inteiro vive espaços de crises, dentro os quais, desenvolvem-se violências permanentes e generalizadas, que tornam inoperantes os modos de regulamentação sociais e psíquicos praticados. Nas palavras da autora,
Ora, a aceleração das transformações, o crescimento das desigualdades, das disparidades, a extensão das migrações alteraram ou fizeram desaparecer os parâmetros nos quais a vida se desenvolvia, vulnerabilizando homens, mulheres e crianças, de maneira
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obviamente bastante distinta, de acordo com os recursos materiais, culturais, afetivos de que dispõem e segundo o lugar onde vivem. (PETIT, 2009, p. 10)
Esses espaços de crises são vividos por todos de diferentes modos, todavia, para alguns, tais crises se manifestam com rupturas, acompanhadas de separação dos próximos, das perdas físicas e emocionais daqueles que são confinados por determinado período, “sem projeto, sem futuro, emumespaço sem linha de fuga” (PETIT, 2009, p. 11). Importante enfatizar, nesse sentido, que o direito à educação é umexercício que envolve garantias ao longo da vida, independente do contexto ou do ambiente em que o cidadão esteja e isso envolve a todos, inclusive àqueles que estão privados de liberdade.
Em razão dessa realidade, a Unesco, juntamente com alguns órgãos do governo, reforçou a oferta da educação como direito fundamental. Ao construírem o conceito de cultura da paz como umdos princípios fundamentais para criar meios para que a violência urbana fosse reduzida por meio da educação, voltam-se para a inclusão social da população prisional, ou seja, a educação teria como um dos objetivos, o de incluir e de reconduzir esses indivíduos de volta à sociedade para que se tornem capazes de viver harmonicamente.
Nesse sentido, a garantia da educação é um dos instrumentos fundamentais do direito internacional assegurados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela Convenção Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e, especificamente, no caso da população prisional, pelas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos, as quais determinam que “todos os presos devem ter o direito a participar em atividades culturais e educacionais” (Princípio 6º). Saliente-se, que esse documento sugere que o sistema prisional apresente professores e instrutores técnicos que desempenhem sua função de forma permanente, podendo recorrer à ajuda de profissionais em tempo parcial ou de voluntários. Além do mais, o documento internacional sugere que as penitenciárias têm o dever de tomar medidas que garantam a melhoria da educação para todas as pessoas privadas de liberdade (UNESCO, 2006).
Portanto, é possível perceber que o sistema educacional dentro das unidades prisionais sofreram diversas mudanças ao longo do tempo, entretanto, as organizações governamentais nacionais e internacionais, que discutem/defendem os direitos da pessoa privada de liberdade, defendem ir além, na busca da ressocialização desses sujeitos, garantindo seus direitos durante a prisão e, quando colocados em liberdade, possam ter as condições mínimas para voltarem a trabalhar.

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3. Educação e Leitura nas prisões: navegar é preciso
Pelo que foi discutido na seção anterior e, em sintonia com Silva (2010), a sociedade organiza-se em sindicatos, igrejas, associações, comissões de direitos humanos, ONGs, dentre outras que, juntas, veem a educação como processo de reconstituição da experiência e, por isso, tem que ser comum a todos, incluindo as pessoas em privação de liberdade. Para a autora, o Estado é um dos grandes responsáveis pela deformação da pessoa que “deságua no crime” (SILVA, 2010, p. 28).
É fato que tratar sobre educação no Brasil não é algo fácil e fica ainda mais complexo quando se trata de educação nas prisões. Todavia, navegar em mares desconhecidos é preciso e fundamental. Rangel (2006) argumenta que ao se abordar sobre o sistema educativo nas prisões há muito a se evidenciar, isso porque faz-se necessário conhecer os diferentes contextos pelos quais se desenvolvem as práticas educativas, a fim de entender como funcionam as políticas e as incidências dos internos e evitar as generalizações, assim como as superficialidades.
Regis (2006) destaca que a violência é um marco significativo para entender o contexto prisional. Os índices de homicídios são altíssimos, os grupos de tráficos de drogas têm forte domínio e poder nesse ambiente, além de que a maior parte da população carcerária é formada por pretos e pardos, que viviam em situação de pobreza. Diante de um contexto perturbador, a educação é, mais do que nunca, necessária e fundamental para “formar grupos, redes de internos que rompam o domínio e o medo que os grupos delinquentes impõem. É preciso criar alternativas de organização” (REGIS, 2006, p. 66).
Como as desigualdades sociais são um marco presente na sociedade brasileira, inúmeros são os desafios presentes sobre a educação nos presídios como forma de garantir acesso, permanência, conclusão e qualidade de ensino compatível coma demanda para este público. Silva (2006) apresenta a necessidade de reconhecer a falta de profissionais habilitados e concursados em quantidade suficiente para formação inicial e continuada, não apenas para educadores, como também para todos que, de forma direta e/ou indireta, atuam com sujeitos em privação de liberdade. Adicione-se que discutir a educação nas prisões exige, também, rever recursos orçamentários e financeiros para desenvolver ações que contribuam para o cumprimento do direito à educação de qualidade.
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De Maeyer (2006) questiona o que se aprende nas prisões e por quê? A seu ver, o que esses sujeitos aprendem não são programas detalhados, módulos estruturados ou mesmo currículos pensados por especialistas em educação para o contexto prisional. Destaca que nas prisões, assim como em outros lugares, há necessidades e urgências a serem vistas no universo carcerário. Para a autora,
[...] necessidade e urgência de conhecer as redes de influência, necessidade e urgência de integrar as atitudes que serão positivamente tomadas em consideração para uma saída mais rápida da prisão, necessidade e urgência de saber como melhorar seu cotidiano, necessidade e urgência de guardar um mínimo de intimidade, necessidade e urgência de simplesmente existir. Nessas condições, aprende-se rápido e vai-se direto ao essencial. (DE MAEYER, 2006, p 44).
Ir direto ao essencial pode significar, para esses sujeitos que se encontram encarcerados no seu presente vislumbrando um possível futuro de liberdade, propor uma educação que considere a experiência positiva com o aprendizado, que estimule o querer saber, o registro do conhecimento e o partilhar os saberes com os demais colegas de estudo. E como a leitura pode contribuir para desenvolver essa rede de saberes e de compartilhamento de aprendizagens? Julião e Paiva (2014) argumentam que, no Brasil, o número de pessoas sem escolarização nos diferentes níveis da educação básica soma-se, de modo perverso, a mais de 100 milhões de brasileiros que não chegam à conclusão do ensino médio e, ao transpor para a realidade do cárcere privado, esse dado é ainda mais acentuado. Nesse sentido, projetos de leitura são bem-vindos, seja de forma isolado ou associados a programas de escolarização como o projeto de remição de pena pela leitura, como meio de propor condições para o sujeito em privação de liberdade de aprender. Vai - se além,
[...] se nem a leitura, nem a educação, podem ser vistas como projeto salvacionista, entretanto, afirma-se que a primeira pode, sim, libertar pela capacidade imaginativa que possibilita e pelo poder de criar situações imaginadas, transportar cada sujeito para novos voos, pela densidade de narrativas e prosas que bons autores produzem, no conjunto de obras literárias à disposição de bons acervos e boas bibliotecas. (JULIÃO; PAIVA, 2014, p. 122).
A leitura da palavra é sempre precedida da leitura do mundo, conforme bem afirma Freire (1989) e isso indica que aprender a ler e a escrever é aprender a ler o mundo, a compreender o contexto. Não é manipulação da palavra, não é relação mecanicista, mas é diálogo, é dinamicidade que mantém o vínculo entre linguagem e realidade, com a vida que se vive porque educação é um ato político e transformador. Lessa e Oliveira (2020) destacam que o ato de educar envolve considerar o outro em todas as suas singularidades, como sujeito partícipe que ressignificam o

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mundo e, assim, a leitura (e a escrita) no contexto de privação de liberdade considera-se o estímulo e a valorização do conhecimento dos envolvidos para promover novas conexões de aprendizagens que sejam significativas para os encarcerados.
Lessa e Oliveira (2020) argumentam, também, que o ambiente de privação de liberdade produz uma espécie de pedagogia do encarceramento que, ao mesmo tempo em que os sujeitos encarcerados são privados do estímulo de perguntar, de saber sobre o objeto de estudo, é o espaço da contradição, já que ao manter-se as normas, as regras, abre-se outras possibilidades de interação, de diálogo, de mudança rumo a uma cidadania desejável. Desse modo, concordamos com Freire (1989) ao enfatizar que leitura é conhecimento, e conhecer é algo, de fato, transformador, inclusive para os sujeitos em cárcere privado de liberdade.
4. Presídios acreanos: conhecendo o contexto e as propostas educativas
De acordo com os últimos dados divulgados em novembro de 2022, pelo Instituto de Administração Penitenciária do Acre, doravante IAPEN/AC sobre a população carcerária, o Acre tinha um total de 8.065 presos, incluindo os monitorados. Destes, cerca de 5.548 se encontram nas 15 unidades prisionais do Estado. O IAPEN/AC possui uma unidade central, localizada em Rio Branco e quatro unidades distribuídas no Estado. De acordo com dados fornecidos pelo site da instituição, o déficit de vagas chega a 33, 02%, como se pode observar no gráfico abaixo.
Gráfico 1: Encarceramento no Acre

Fonte: IAPEN/AC. Disponível em: <http://iapen.acre.gov.br >.
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É interessante, observar que a taxa de aprisionamento no estado é de 610 pessoas a cada 100 mil habitantes, mas há um fato que se sobrepõe é que, desde 2011, o número de presos tem aumentado significativamente, praticamente esse número multiplica para 3.850 presos. É sinal de que são necessárias políticas públicas que se voltem para a prevenção e na transformação do sistema para que o condenado seja reformado ou reeducado por meio de instrumentos como a educação e o tra balho.
No tocante às ações de educação formal e não formal desenvolvidas no IAPEN/AC são, prioritariamente, de competência da Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte do Acre - SEE-AC e do Instituto de Administração Penitenciária - IAPEN, emconformidade com a Resolução nº 2, de 19 de maio de 2010, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, a qual dispõe sobre as diretrizes nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais, e na resolução do Conselho Estadual de Educação, CEE/AC nº 135, de 13 se setembro de 2013, a qual Fixa normas para a Educação de Jovens e Adultos – EJA, para pessoas em situação de privação de liberdade no Sistema prisional do Estado do Acre1 .
Quanto à educação não formal, o IAPEN/AC e a Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte do Acre - SEE-AC desenvolvem projetos de incentivo à leitura, que podem ser ofertados, assim como outros propostos, na modalidade presencial, a distância ou ainda no formato híbrido, desde que aprovados pelos órgãos responsáveis pela validação da oferta.
Destaque-se que a Universidade Federal do Acre - UFAC também desempenha projetos voltados para a educação dos presos, a exemplo do projeto Decolonização do Olhar de Adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa no Centro Socioeducativo Mocinha Magalhães, Acre, desenvolvido pela Profa. Dra. Salete Peixoto, que busca de modo transdisciplinar, envolvendo outros cursos da UFAC, desenvolver, capacitar e potencializar o olhar humanístico para que os corpos e mentes encarcerados possam, quando em liberdade, caminhar rumo à cidadania desejável.
Importante enfatizar que há critérios, normas e seleção para que os presos participem das atividades educacionais, a saber:
Quadro 1 – Dos requisitos
1. Para a matrícula na educação formal é necessário:
2. Ser sentenciado;
1 Esses informes se encontram no site doIAPEN/AC, disponível em: http://iapen.acre.gov.br/dep/. Acesso: 10 mar. 2023.

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3. Com pena mínima de um ano e meio a cumprir, em regime fechado;
4. Bom comportamento nos últimos 6 meses;
5. Ter documentos necessários para a matrícula (RG, CPF e comprovante de escolaridade).
• Para participação no projeto de remição pela leitura é necessário:
• Ser sentenciado;
• Ter ensino médio completo ou incompleto, ou em caso de existência de vagas, ter escolaridade que opossibilite apresentar a resenha escrita aofinal da leitura decada obra literária;
• Bom comportamento nos últimos 6 meses.
• Para participação nos exames externos de certificação (ENCCEJA e ENEM):
• Ser sentenciado;
• Estar cumprindo Regime Fechado;
• Ter documentos necessários para a inscrição (RG, CPF).
• Para participação em cursos profissionalizantes:
• Ser sentenciado;
• Bom comportamento nos últimos 6 meses;
• Ter documentos necessários para a matrícula (RG, CPF e comprovante de escolaridade).
Fonte: IAPEN/AC. Disponível em: <http://iapen.acre.gov.br >.
É preciso considerar que mesmo a educação sendo um direito de todos, no sistema carcerário não se apresenta da mesma forma. Para ter acesso à educação formal e não formal, as unidades prisionais dos Estados trabalham comlista de espera de vagas e, mesmo assim, para que os presos entrem nessa lista, é necessário estarem no cadastro de reserva e que as famílias apresentem a documentação necessária para a matrícula no caso da educação formal e, para a não formal, que preencham outros requisitos, como bom comportamento, por exemplo.
Osistema penal cresce exponencialmente no Brasil e no Acre não é diferente. Novo (2018) destaca que a população prisional e o déficit de vagas presentes em todos os presídios do país, revelam que a construção de novas unidades é apenas um componente a ser observado, dentro de um mosaico bem mais amplo e complexo. Segundo o autor, o sistema penitenciário tal como existe na sociedade capitalista como a do Brasil, é cruel, não apenas por confinar fisicamente o sujeito, como também por destruir a subjetividade do sujeito, no sentido de não lhe oferecer mecanismos para que compreenda a situação em que se encontra. A fim de mudar essa lógica cruel e desumana. Para o autor, faz-se necessário reorganizar a vida carcerária do sujeito em privação de liberdade. É preciso motivá-lo, inseri-lo em atividades que permitam a remição de pena, programas que lhes atribuem a qualidade da boa conduta como a educação, cursos em geral, cultura, esportes, grupos terapêuticos, como também na forma deles procederem e
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relacionarem-se com outros presos, funcionários, técnicos e dirigentes. Tratamos a seguir, da remição de pena pela leitura no Acre.
4.1 Remição de pena no Acre: um projeto em desenvolvimento
Discutimos até o momento sobre educação em contexto de privação de liberdade como possibilidade de transformação do status quo e a leitura como caminho para compreender a “palavramundo” (FREIRE, 1989), a palavra como vida, as experiências de ser, de ler, de ver, de criar o mundoe a si mesmo. Deacordo comJulião (2007, p. 4), qualquer parte do mundo ocidental, ao se tratar de programas de ressocialização para a política de execução penal, pensa em “atividades de cunho profissionalizante, em atividades educacionais, culturais, religiosas e esportivas”. Para o autor, as políticas públicas voltadas para a ressocialização do jovem devem vislumbrar em como esse indivíduo será formado e como ele será incluído na sociedade após sua saída da prisão para que não volte a cometer crimes e venha a tornar-se um cidadão apto para estar na sociedade e exercer seus direitos e deveres.
É por esse contexto que o Conselho Nacional de Justiça – CNJ publica orientações técnicas acerca do processo de remissão de pena. De acordo com informações divulgadas no site do Poder Judiciário do Estado do Acre, o documento apresenta três tipos de atividades educacionais: educação regular (em escolas prisionais), práticas educativas e práticas de leitura. A resolução, sugere fluxos de trabalho de como identificar e calcular as atividades realizadas pelo aprisionado para que haja a remição da pena, assim, o limite são 12 livros por ano para que 48 dias sejam remidos.
No Acre, algumas ações são realizadas para que haja o incentivo à leitura e para que o jovem seja “tocado” pelas leituras que faz. Importante mencionar o Projeto ‘Presídios Leitores’, coordenado pelo Grupo de Pesquisa GIL- Grupo de Investigação, Leitura e Vida, da Ufac. Essa ação educativa acontece em parceira com as Unidades prisionais e as instituições de ensino e são desenvolvidas com a participação de presos da Unidade Penitenciária Manoel Neri da Silva, em Cruzeiro do Sul.
O projeto desenvolvido no presídio do município acreano se consolidou e segue em plena atividade. O Grupo GIL realiza algumas atividades para evidenciar o trabalho desenvolvido com a leitura no presídio cruzeirense, a exemplo do V Encontro de Mestres de Leitura no Teatro Môa, da Universidade Federal do Acre (UFAC), o qual mobilizou a sociedade acreana a doar obras literárias para construir um acervo e disponibilizar na biblioteca da penitenciária de Cruzeiro do Sul.

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Além dessa ação desenvolvida em Cruzeiro do Sul, há outras atividades que também são desenvolvidas em todas as unidades, como a III Jornada da Leitura no Cárcere. Este evento é de iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com o Observatório do Livro e da Leitura, em que trazem ao debate questões referente ao direito à leitura, a aplicação das resoluções do CNJ, bem como promovem clubes de leitura e conversas com escritoras egressas no sistema prisional (TJAC, 2022, online).
Portanto, essa proposta de remição de pena pela leitura tem aspectos muito positivos para aqueles que conseguem a vaga, pois contribui para o que Novo (2018) propõe sobre o fato de precisarmos compreender que o presidio é um sistema fechado onde o encarcerado convive, permanentemente, com outros indivíduos de índole igual, melhor e/ou pior e, existir um projeto que o motive a pensar, a ler, a refletir e a escrever pode e precisa ser utilizado para que ele se sinta capaz de, no futuro, quando sair do presídio, ter oportunidades de seguir com a sua vida.
5. As “vozes” sobre a remição de pena no site Agazeta.net
Antes de trazermos as vozes sobre a remição de pena presentes no site de notícias online do Acre, torna-se necessário explicar que utilizamos da pesquisa bibliográfica para fazer este estudo. Gil (2002) destaca ser desenvolvida com base em material já estabelecido, elaborado e constituído por livros, artigos científicos e publicações periódicas como jornais e revistas. A nosso tempo, acrescente-se que, diante das tecnologias digitais, a informação veiculada por diferentes mídias constitui-se como um terreno fértil de pesquisa bibliográfica.
Gil (2002) também apresenta que boa parte dos estudos exploratórios pode ser definida como pesquisas bibliográficas, bem como as que se propõem à análise das diversas posições acerca de um problema. Segundo o autor, publicações em jornais e revistas representam importantes fontes bibliográficas devido à rapidez em que são divulgadas. Ademais, a vantagem de se realizar uma pesquisa bibliográfica reside, dentre outros, no fato de o investigador/pesquisador conseguir uma cobertura maior da gama de fenômenos do que poderia pesquisar diretamente. No caso deste trabalho, por exemplo, podemos verificar como o projeto de remição de pena pela leitura consegue ser desenvolvido emdiferentes partes do Brasil, mesmo que o nosso objeto de estudo esteja voltado para os presídios acreanos.
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O jornal digital Agazeta.net, em 2022, destaca a ação desenvolvida em Cruzeiro do Sul, Acre, pelo programa Presídios Leitores, fruto da colaboração entre a Universidade Federal do Acre (Ufac), o Instituto de Administração Penitenciária (Iapen), o Tribunal de Justiça do Acre, a Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte (SEE), o Instituto Federal do Acre (Ifac) e a Academia Acreana de Letras. Pela notícia, o programa incentiva a prática de leitura por pessoas privadas de liberdade e salienta que o hábito da leitura é importante para o exercício da fala, para o conhecimento de novas histórias e realidades. Some-se que o programa realizado na Penitenciária Manoel Neri da Silva, emCruzeiro do Sul, contribui para estabelecer práticas efetivas de leitura no ambiente de cárcere.
Esse fato mostra-se como verdadeiro ao considerarmos o discutido pelo Instituto da UNESCO para a Educação (IUE), em 2009, ao enfatizar que parcerias com outras instituições colaboram para o incentivo e ampliação dos serviços regulares de educação ofertados aos pre sos, além de definir parâmetros que ajudem a pautar uma oferta educativa com mais qualidade, considerando as necessidades especiais de ensino-aprendizagem existentes para este público específico.
Em continuidade, Agazeta.net informa que o programa é pioneiro na região do Juruá e busca ampliar o acesso à leitura como um instrumento capaz de melhorar a vida do cidadão no contexto prisional. Na voz de Margarete Santos, chefe da Divisão de Educação do Iapen, “O grande diferencial que pretendemos com a leitura no cárcere é a possibilidade de promovermos situações que desenvolvam as capacidades de leitura e escrita, fortalecendo, desta forma, a aquisição de conhecimentos”2 .
Freire (1989) enfatiza que para uma prática democrática e crítica, a leitura de mundo e da palavra estão juntas. O comando da leitura e da escrita ocorrem a partir de palavras e temas significativos à experiencia dos envolvidos na educação. Assim, a leitura do real não pode ser mera repetição mecanicista e memorizada do nosso modo de ler o real, temos que estar envolvidos, com a escuta ativa para compreendermos como podemos fortalecer o conhecimento dos sujeitos em privação de liberdade para que possam sentir-se como parte da sociedade quando saírem do sistema prisional.
2 Trechos extraídos na íntegra e presentes no site Agazeta.net, cuja referência se encontra sob o título ASCOM. Programa inicia doações de livros para presídio em Cruzeiro do Sul.

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Para o programa Presídios Leitores, um dos objetivos é dar continuidade à formação humana dos sujeitos envolvidos por meio da ressignificação de suas ações cotidianas, e da possibilidade de visualização de umpercurso diferente na vida da população privada de liberdade. Nas palavras da Profa. Dra. Maria José Morais, líder do Grupo de Investigação Leitura e Vida (GIL), da Ufac, à Agazeta.net
[...] Oprograma nasceu com o objetivo de dar resposta a algumas dificuldades que o Iapen enfrenta na formação de leitores dentro do presídio por meio de política de remissão de pena pela leitura. Temos algumas metas, temos um projeto, que é o banco de avaliadores que utiliza uma plataforma criada e disponibilizada pela Ufac e avalia as produç ões textuais dos reeducandos do presídio.
A educação como conhecimento, como ato criador e como ato político é um esforço de leitura do mundo e da palavra. Para Freire (1989) não é possível texto sem considerar o contexto dos envolvidos no processo da educação, dos sujeitos que se encontram no processo de ensino - aprendizagem. O autor enfatiza articular ações em prol de se colocar em posição crítico - democrática da biblioteca popular, que envolve esforços no sentido da compreensão do que é a palavra escrita, a linguagem, as suas relações com o contexto de quem fala e de quem lê e escreve para a compreensão entre leitura do mundo e leitura da palavra.
Ainda segundo a reportagem da Agazeta.net, o programa Presídios Leitores realizou a primeira campanha de doação de livros em todo o Estado em 2022, com ponto de doação em quatro municípios: Cruzeiro do Sul, Rio Branco, Mâncio Lima e Rodrigues Alves. Os exemplares doados vão compor a biblioteca da Unidade Penitenciária Manoel Neri da Silva, em Cruzeiro do Sul. Para os envolvidos no Programa, projetos serão desenvolvidos com a doação de livros de modo a manter e aumentar o incentivo da prática de leitura não apenas para a remição de pena, mas para construir o hábito da leitura.
Figura 1: Dos envolvidos no Programa Presídios Leitores
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Fonte: Agazeta.net. Disponível em: https://agazeta.net/noticias/cotidiano/programa-inicia-doacoes-de-livros-para - presidio-em-cruzeiro-do-sul/ .
No entendimento de Freire (1989) a biblioteca popular e, aqui destacamos a do presídio, precisa funcionar como centro cultural e não como um depósito silencioso de livros para que possa, de fato, aperfeiçoar e intensificar o hábito da leitura entre os sujeitos em privação de liberdade, articulando o texto com o contexto. O educador argumenta que, ao desenvolver a biblioteca popular, pode-se estimular a criação de grupos de leitura, a fim de compreender e analisar o que se está lendo e procurando apreender a sua significação mais profunda, pr opondo aos leitores uma experiência estética, de que a linguagem popular é intensamente rica.
A nosso ver e, em sintonia com Novo (2018), os sujeitos em privação de liberdade que não ocupam o seu dia e a sua mente, podem organizar ideias que, muitas vezes, serão ruins para si mesmos. O presídio é um sistema fechado e o encarcerado vive o clima diário do medo e da angústia de não saber se continuará vivo. Ao se pensar em projetos como o de remição de pena pela leitura pode ser o ponto de partida para que ele acredite em um amanhã melhor e, quem sabe, ao sair e estar em liberdade, passe a refletir e a agir em prol de seu próprio conhecimento.
Considerações finais
Freire (1989) advoga que a educação liberta quando realizada com criticidade, com o diálogo, com o respeito pelo outro. Educar é envolver-se, é considerar as experiencias do outro, em qualquer contexto, principalmente em um espaço em que a mente e o corpo são, constantemente, privados. Conforme bem situado pelo autor, educação exige sempre atitude

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séria e curiosa na procura de compreender as coisas e os fatos que observamos, que experienciamos. A leitura de texto é mais do que a simples leitura, envolve co mprometimento, estudo, criticidade, diálogos.
Leitura exige interpretação, atenção, curiosidade e, em muitos casos, dificuldades. Ler, estudar, escrever exigem cuidado. Freire (1989) destaca que estudar é criar e recriar é não repetir o que os outros dizem. Estudar é um dever, um ato revolucionário. E como ato revolucionário, exercer a prática da leitura em contexto de privação de liberdade é, acima de tudo, praticar o humanismo que existe em nós mesmos.
Podemos verificar que, em sua maioria, os sujeitos em cárcere privado não tiveram as melhores oportunidades de vida, como a chance de estudar para garantir um futuro mais digno. Apoiadas em Novo (2018), acreditamos que os projetos desenvolvidos nos presídios, em especial o de Remição de Pena pela leitura, podem abrir algumas frestas, oportunidades para quem nunca teve para conhecer a si mesmo, refletir sobre seus atos e, futuramente, tentar garantir um futuro com oportunidades.
Referências
ASCOM. Programa inicia doações de livros para presídio em Cruzeiro do Sul. agazeta.net. Disponível em: https://agazeta.net/noticias/cotidiano/programa-inicia-doacoes-de-livros-para - presidio-em-cruzeiro-do-sul/ . Acesso: 10 mar. 2023.
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